APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004852-27.2018.4.03.6112
RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL
APELADO: MILTON RIBEIRO DA SILVA, LURDES RODRIGUES CASSOLI
Advogado do(a) APELADO: VALTER MARELLI - PR38834-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004852-27.2018.4.03.6112 RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL APELADO: MILTON RIBEIRO DA SILVA, LURDES RODRIGUES CASSOLI Advogado do(a) APELADO: VALTER MARELLI - PR38834-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo pelo Ministério Público Federal, no polo ativo da qual ingressou posteriormente a União Federal, para assegurar fossem cessadas atividades degradadoras em área de preservação ambiental no Município de Rosana, às margens do Rio Paraná, bem assim para determinar a demolição de construções havidas em descompasso à legislação ambiental efetivadas pelos possuidores Milton Ribeiro da Silva e Maria de Lourdes Cassoli. A sentença deu parcial provimento aos pedidos. Em síntese, condenou os réus à demolição e remoção das edificações e benfeitorias localizadas em faixa de 15 metros de largura, ao reflorestamento da área, bem assim ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), em favor de Fundo Federal de Defesa de Direitos Difusos. A sentença não foi submetida a reexame necessário. Apelaram o MPF e a União Federal, pugnando pela majoração da indenização fixada na sentença. O Parquet requereu, ainda, a adoção de medidas assecuratórias para o fiel cumprimento do comando condenatório. Os réus apresentaram contrarrazões de apelação, por meio das quais arguiram preliminar de fato superveniente consistente na edição de Lei Complementar Municipal destinada a assegurar a regularização fundiária. Os autos forma remetidos a esta Corte. Em parecer, o Ministério Público Federal opinou pela reforma da sentença. Em decisão (ID 134134629), foi determinado o sobrestamento do feito por enquadramento da situação ao Tema 1010 do C. STJ, representativo de controvérsia. Dessa decisão, foi interposto agravo interno pelo Ministério Público Federal, o qual foi desprovido por esta E. Turma. Ato contínuo, a embargante interpôs recurso especial (ID 160850273). Em 14/02/2022, a Vice-Presidência desta Corte, ao apreciar a admissibilidade do Recurso Especial, vislumbrou a desconformidade entre o acórdão recorrido e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça firmado no julgamento do REsp 1.770.760/S, determinando a devolução dos autos a esta Turma Julgadora, conforme previsão do art. 1.040, II, CPC/15, para eventual juízo de retratação. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004852-27.2018.4.03.6112 RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL APELADO: MILTON RIBEIRO DA SILVA, LURDES RODRIGUES CASSOLI Advogado do(a) APELADO: VALTER MARELLI - PR38834-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Retornam os autos da Vice-Presidência para avaliação da pertinência de eventual juízo de retratação, a teor do disposto no artigo 1.040, II, do CPC. Todavia, a apreciação do feito sob esta ótica está prejudicada, tendo em vista já ter sido firmada a tese que ensejou o pedido de sobrestamento - Tema 1010/STJ, no julgamento do REsp 1770760/SC, a qual pode ser sintetizada da seguinte forma: Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d´água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada (grifei), deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade. Feitos esclarecimentos, prossigo no exame da controvérsia. De início, verifico que, muito embora não tenha a sentença sido submetida a reexame necessário, impõe-se apreciação do feito sob essa ótica, ex vi do art. 19 da Lei nº 4.717/65. No tocante à matéria de fundo, é certo que questão ambiental no Brasil vem regulamentada desde 1934, quando editado o Primeiro Código Florestal (Decreto nº 23.793), em razão da preocupação com o crescente desmatamento florestal. O art. 1º do diploma em questão considerava as florestas bens de interesse comum a todos os habitantes e limitava o exercício do direito de propriedade. Confira-se: Art. 1º As florestas existentes no território nacional, consideradas em conjunto, constituem bem de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que as leis em geral e especialmente este código, estabelecem.Portanto, o direito de propriedade, à luz do Primeiro Código Florestal, já era condicionado à observância do interesse público e das leis vigentes.Os arts. 36 e 37 do Código de Águas instituído no Decreto nº 24.643/34 dispõem: Art. 36. São de domínio federal: .... b) Os lagos e quaisquer correntes em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a territórios estrangeiros; Art. 37. São do domínio dos Estados: ... b) as margens dos rios e lagos navegáveis destinados ao uso público, se por algum título não forem do domínio federal, municipal ou particular. De acordo com a legislação supra, vigente à época, constata-se ser o Rio Paraná de domínio da União, por banhar mais de um Estado, in casu, São Paulo e Mato Grosso do Sul. A Constituição Federal também veio a disciplinar a questão atinente aos bens de domínio da União, dentre eles os rios que banham dois ou mais Estados como o Rio Paraná. Art. 20. São bens da União: ... III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; Quanto à proteção ambiental, ainda, posterior legislação, o Código Florestal (Lei nº 4.771/1965) e a lei que vincula a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), vieram a disciplinar e instituir áreas de proteção permanente. A Lei nº 4.771/65 foi promulgada para assegurar a preservação das florestas e regularizar a sua exploração, visando evitar ocupação em áreas frágeis e a preservar parcela da flora nativa, de molde a garantir equilíbrio ao ecossistema e uso racional das florestas. O dispositivo tratou da limitação ao uso da propriedade de modo mais efetivo que a legislação anterior, instituindo-se assim sua função sócio-ambiental. Também definia e assegurava responsabilização por uso nocivo de florestas e demais formas de vegetação. Leia-se: Art. 1º: As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. Parágrafo único. As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas são consideradas uso nocivo da propriedade (art. 302, XI b, do Código de Processo Civil). Repise-se ter a proteção ambiental recebido status constitucional, a teor do artigo 225 da Lei Maior, tendo os dispositivos acima sido recepcionados pela Constituição Federal de 1988.Confira-se: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (omissis) § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Posteriormente, o art. 2º da Lei nº 4.771/1965 sofreu alterações com a superveniência da Lei nº 7.803/89, que ampliou as áreas de preservação permanente, as quais vieram a ser consideradas a partir do nível mais alto em faixa marginal de rios e cursos d'água, como às margens do Rio Paraná, onde se localiza o imóvel em questão, sendo vedada a exploração, a supressão de vegetação nativa e as edificações. Leia-se: Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: ... ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja: A Resolução CONAMA nº 303/2002, ao regulamentar o art. 2º da Lei nº 4771/65 dispõe: Art. 3º. Constitui Área de Preservação Permanente a área situada: ... e) quinhentos metros, para o curso d'água com mais de seiscentos metros de largura; Ressaltem-se as disposições que determinam o devido uso da propriedade (artigos 5º, XXII, XXIII, 170, II e III, 182 e 186 da CF/88), que permeia a dimensão da tutela ambiental, nos termos do artigo 1.228, § 1º, do Código Civil: "Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas." Portanto, a análise da legislação supra e dos dispositivos constitucionais que disciplinam a questão ambiental no Brasil permite se conclua ser de longa data a preocupação e a tutela do meio ambiente, devendo a propriedade cumprir a função sócio ambiental. Outrossim, a defesa do meio ambiente abarca a apuração da responsabilidade objetiva dos agentes causadores de dano a tal patrimônio, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c.c. artigo 14, § 1º, ambos da citada Lei nº 6.938/1981, além do artigo 2º do atual Código Florestal, verbis: A Lei nº 6.938/1981 dispõe: Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (omissis) VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Art. 14. (omissis) § 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente." De tais dispositivos decorre a obrigatoriedade do uso consciente da propriedade, consoante sua função social em amplo aspecto, sob pena de se impor ao agente causador do dano ambiental o dever de reparar ou indenizar os prejuízos independentemente de culpa. São suficientes, assim, a comprovação de ação ou omissão, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo, inclusive, perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva e impor a reparação tanto in natura quanto em pecúnia. A Lei 4.771/65 foi revogada pela Lei nº 12.651/2012, que assim dispõe: Art. 2º. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. § 1º. Na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às disposições desta Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento sumário previsto no inciso II do art. 275 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos do § 1º do art. 14 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, e das sanções administrativas, civis e penais. A novel legislação não trouxe alterações significativas em relação aos terrenos protegidos ao longo das margens dos rios, situação na qual se enquadra imóvel em questão, mantendo a proteção em 500 metros desde a borda da calha do leito regular. Pois bem, as áreas de preservação permanente são consideradas áreas protegidas em local de elevada relevância ou fragilidade ambiental, tais como os rios, podendo ou não ser cobertas por vegetação nativa, com a função de preservar os recursos ambientais hídricos, paisagísticos ou de caráter geológico. O objetivo da instituição e regulamentação de áreas de preservação permanente consiste em preservar a estabilidade geológica, a biodiversidade, a fauna e a flora. Assim delineada a legislação de regência da matéria, passo à análise da questão fática: A localização do imóvel está demonstrada em documentação anexada. Transcrevo, por descrever de forma sintética e precisa, tópico do Parecer do Ministério Público Federal (ID 133453073) a esse respeito: Os fatos narrados dão conta de que os recorridos são possuidores dos imóveis localizados no lote 27 (nº 35-35) e usuários, como se donos fossem, do imóvel localizado no lote 28, ambos da Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, antiga Estrada da Balsa, no bairro Beira-Rio, município de Rosana/SP. O lote de nº 27 possui área de 406 (quatrocentos e seis) metros quadrados e nele foram edificadas duas construções, uma em alvenaria e outra consistente em um barraco de madeira e lona, a poucos metros da margem do rio, em terreno de terra batida, sem vegetação e cercado nos limites laterais por tela metálica tipo alambrado, interrompida por cancela “mole em tela similar” para permitir a passagem de veículos, com 75 (setenta e cinco) metros quadrados de área construída. O lote de nº 28, com área de 352 (trezentos e cinquenta e dois) metros quadrados, possui uma edificação em alvenaria com 107 (cento e sete) metros quadrados, também localizada a poucos metros do nível da água. Restou comprovado pelos laudos e relatórios técnicos presentes nos autos que a degradação ambiental atinge a totalidade da área dos dois lotes, seja pelas construções, seja pela impermeabilização da área remanescente. O Laudo de Perícia Criminal Federal (Meio Ambiente) nº 3871/2011 – NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP (id. 12276258 – pág. 24) elaborado após vistoria no Bairro Beira-Rio, em Rosana/SP, constatou que “o parcelamento caracteriza-se pelos seguintes equipamentos públicos e/ou infra-estrutura particular: ausência de malha viária com canalização de águas; ausência de rede de esgoto. Em boa parte dos lotes o descarte é direto no rio Paraná. Em alguns casos são utilizados de fossas sépticas e/ou negras: presença de energia elétrica (rede de distribuição, com iluminação pública); recolhimento e tratamento de resíduos sólidos urbanos – Foi observado a coleta, mas não foi avaliado se o município realiza tratamento dos resíduos; rede telefônica – não observada; e delimitação individual das parcelas (cercas de arame, cercas-vivas ou outros)”. A Informação Técnica nº 005/2012 (id. 12276258 – pág. 43), elaborada pela Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais Secretaria de Estado do Meio Ambiente, sobre vistoria realizada especificamente no imóvel situado na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, nº 3535, lote 27, Estrada da Balsa, Bairro Beira-Rio, em Rosana/SP, constatou que na referida área “em épocas pretéritas havia cobertura vegetal nativa”; que “no local do dano atualmente existe uma edificação que impede a regeneração natural da vegetação nativa”; que “a área em questão está contida no leito maior do Rio Paraná, que é uma área a ser protegida, que pode ser considerada de preservação permanente”. O Relatório Técnico de Vistoria nº 0039/2011 (id. 12276258 – pág. 52), elaborado pela Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais da Secretaria de Estado do Meio Ambiente em resposta à solicitação de vistoria a fim de verificar ocupação irregular em áreas de preservação permanente no município de Rosana/SP, envolvendo o Rio Paraná e o Rio Paranapanema, constatou: que a APP do Rio Paraná é de 500 metros a partir do leito maior do rio, que possui largura superior a 500 metros; que, de acordo com a Resolução CONAMA 303/2002, é possível afirmar que nenhuma das áreas pode ser considerada urbana consolidada, especialmente quanto à densidade demográfica, que é inferior a 5.000 (cinco mil) habitantes por km²; que, por estarem sobre APP, os equipamentos de infraestrutura urbana eventualmente existentes deveriam ter passado por licenciamento, do qual não se tem conhecimento, sendo, portanto, irregulares. O laudo pericial elaborado pelo perito nomeado pelo Juízo a quo (id. 12276254 – pág. 2) atestou que: a) a densidade demográfica do Bairro Beira-Rio é de 0,27 pessoas por hectare; b) a malha viária do bairro é de terra batida; c) o bairro conta com distribuição de energia elétrica e coleta de resíduos sólidos, não tendo sido constatados os seguintes equipamentos de infraestrutura urbana: drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; d) o imóvel está totalmente inserido dentro da faixa marginal de 500m de APP, aplicável para cursos d’água que tenham largura superior a 600m, já que o rio Paraná possui largura de aproximadamente 2.000m na altura do bairro Beira-Rio; e) as intervenções realizadas no imóvel (construção de 275m², fossa negra para despejo de resíduos) datam aproximadamente do ano 2000; f) não há autorização ambiental para a exploração do imóvel; g) a ocupação do local impede a regeneração natural da vegetação natural; h) a ocupação nessa área de várzea e faixa de preservação ambiental causa os seguintes danos e consequências: impermeabilização do solo, contaminação do lençol freático pelas fossas sanitárias e redução dos corredores biológicos, impedimento da locomoção e oferta de alimentação inadequada aos animais da fauna silvestre; i) o imóvel está em área urbana, conforme Projeto de Lei do Plano Diretor do município de Rosana/SP; j) a Lei Municipal 041/2014,que instituiu o Plano Diretor do município de Rosana/SP obriga a Prefeitura a executar a regularização ambiental do bairro Beira-Rio. Acresça-se ter o Laudo Pericial Criminal nº 3871 acostado às fls. 142/160 dos autos atestado não possuir o local malha viária com canalização de águas pluviais, bem assim rede de esgotos ou abastecimento de água, tampouco recolhimento de resíduos sólidos urbanos, a inviabilizar a regularização fundiária, por ausência de preenchimento dos requisitos mínimos insculpidos no art. 47, II, da Lei nº 11.977/2009. Da mesma forma, o art. 65, § 2º, da Lei nº 12.651/2012 determina somente serem passíveis de regularização fundiária áreas urbanas consolidadas e que ocupam áreas de preservação permanente, desde que aprovada mediante projeto de regularização fundiária e desde que não sejam identificadas como de risco, inocorrente à espécie. Com efeito, a prova colacionada comprova não consubstanciar a área em questão espaço urbano consolidado, sujeita constantemente a alagamentos e inundações do Rio Paraná, sendo que a correspondente ocupação, indubitavelmente, representa risco à incolumidade dos habitantes, razão pela qual se torna inviável a aplicação desse dispositivo. Também, a densidade demográfica do município não corresponde ao mínimo previsto na legislação em comento. Por conseguinte, não havendo possibilidade de regularização fundiária e ausente qualquer projeto nesse sentido, nos moldes do art. 35 da Lei nº 13.465/2017, não há como assegurar a permanência contrária aos ditames legais. Disto isto, é certo não se enquadrar o caso concreto ao pressuposto fático que deu origem ao Tema 1010 do C. STJ, por não se tratar de área urbana consolidada. In casu, por se tratar de área de preservação permanente em faixa marginal de rio cuja largura ultrapassa 600 (seiscentos) metros, independentemente de se tratar de área rural ou urbana, a área de preservação permanente a ser aplicada é de 500 metros, nos termos do artigo 4º da lei 12.651 de 2012: "Art. 4º. Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:(...) e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (...)". Ademais, a obrigação de reparar o dano ambiental se caracteriza como obrigação propter rem, que existe em razão da coisa ou bem, ou seja, é uma obrigação de natureza mista que se estabelece ante a situação jurídica entre o proprietário ou possuidor e o bem, adere ao título de domínio ou a posse, sendo de responsabilidade do adquirente, novo proprietário, com a transmissão do bem. Portanto, desnecessário perquirir sobre o nexo causal a caracterizar a obrigação de recuperar a área de preservação permanente em que o réu possui a edificação. Ademais, ainda que assim não fosse, o simples fato do réu utilizar e manter residência em área de preservação permanente já seria caracterizador do dano ambiental. Ora, não obstante a alegação de direito adquirido, ato jurídico perfeito e exercício de legítimo de direito assegurado legal e constitucionalmente, certo é que a edificação do imóvel em área de preservação ambiental está em dissonância às leis vigentes, inclusive, à luz do Código Florestal anterior, e às leis atuais, situação que não pode ser prestigiada. De igual modo, não prevalece a alegação de direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando em ofensa ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça. É certo, ainda, ter a legislação evoluído e a ocupação de terrenos às margens de rios recebido proteção ampla, pois não há, e nem poderia haver, direito adquirido à degradação ambiental, haja vista a indisponibilidade característica do meio ambiente, "bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações", de acordo com o disposto no artigo 225 da Carta Constitucional. Neste sentido, colaciono decisão do C. STJ: "PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 282 DO STF. FUNÇÃO SOCIAL E FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE E DA POSSE. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVA LEGAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO DANO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DIREITO ADQUIRIDO DE POLUIR. 1. A falta de prequestionamento da matéria submetida a exame do STJ, por meio de Recurso Especial, impede seu conhecimento. Incidência, por analogia, da Súmula 282/STF. 2. Inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados as gerações futuras carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome. 3. Décadas de uso ilícito da propriedade rural não dão salvo-conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente. 4. As APP s e a Reserva Legal justificam-se onde há vegetação nativa remanescente, mas com maior razão onde, em conseqüência de desmatamento ilegal, a flora local já não existe, embora devesse existir. 5. Os deveres associados às APP s e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse. Precedentes do STJ. 6. Descabe falar em culpa ou nexo causal, como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa e averbar a Reserva Legal por parte do proprietário ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imóvel já estava desmatado quando de sua aquisição. Sendo a hipótese de obrigação propter rem, desarrazoado perquirir quem causou o dano ambiental in casu, se o atual proprietário ou os anteriores, ou a culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer. Precedentes do STJ.7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido" (STJ, REsp 948921/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 11/11/2009). (grifou-se) As áreas de preservação consistem em espaços territoriais legalmente protegidos, ambientalmente frágeis e vulneráveis, podendo ser públicas ou privadas, urbanas ou rurais, cobertas ou não por vegetação nativa. A edificação nas áreas de preservação permanente contribui para diminuição da diversidade da flora e fauna, bem como a redução de mananciais, propiciando a alteração das condições climáticas, entre outras degradações ambientais, situação que caracteriza uso em descompasso com o princípio da função social da propriedade. Necessário ponderar tratar-se de área de preservação e não conservação. É incontroverso que o imóvel se localiza em área de preservação permanente, em terreno marginal do Rio Paraná, bem público de uso comum e de domínio da União, nos termos do artigo 20, inciso III, da Constituição Federal. As práticas de violação ambiental devem ser desestimuladas. Nesse sentido, a manutenção das edificações, e somente o impedimento de sua continuidade, implicaria estimular tais condutas. Para reparação integral do dano ambiental é necessária a desocupação da área de preservação permanente que coincida com os terrenos marginais da União junto ao Rio Paraná, com a demolição da área construída e elaboração de plano de regeneração e recuperação da área degradada. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à luz do art. 225 da Constituição Federal, se sobrepõe ao interesse particular de manutenção das edificações em área de preservação ambiental, de molde a serem afastadas as considerações acerca da desproporcionalidade do pedido de demolição e as ponderações sobre o princípio da razoabilidade. Com efeito, o interesse privado não pode preponderar sobre o interesse público. Tampouco se pode falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas. Não são admissíveis exceções que desvirtuam os objetivos definidos em lei, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais de lazer, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda coletividade. Aliás, nesse ponto, ressalto a recente Súmula 613 do STJ em que foi consagrada a seguinte tese: "Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito ambiental". (Súmula 613, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/05/2018, DJe 14/05/2018) Na mesma senda, transcrevo, por oportuno, o seguinte julgado desta E. Turma: PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS DEMOLIÇÃO DAS CONSTRUÇÕES. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO DE POLUIR.Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de Antonio José Pelegrina, tendo por objetivo obrigar o réu a demolir construção realizada em desacordo com a legislação ambiental , que causou e vem causando danos ao meio ambiente, bem como obrigá-lo a apresentar projeto de recuperação do local junto ao Ibama. 2-Não há controvérsia sobre a ocorrência do dano ambiental, ante a construção indevida em área de preservação permanente, dentro da faixa de 500metros da margem do Rio Paraná (foto de fls. 296), no imóvel localizado na faixa marginal do Rio Paraná nas coordenadas geográficas UTM, Zona 22K, DATUM SAD69, obtendo-se a seguinte leitura: E: 222.565m, N: 7.425.069m, na Região de Porto Caiuá, município de Naviraí/MS. 3- Diferentemente da alegada casa rudimentar da década de 60 (sessenta), a construção é de alvenaria, sendo atestado no laudo que os materiais empregados são do tipo comercializado de até 15 anos, podendo se afirmar de um modo geral que a casa possui 'idade aparente' (termo técnico do IBAPE) de 15 anos. Desta forma, a prova pericial produzida confirmou que a casa foi edificada quando já vigia a Lei n. 4.771/65, devendo a esta se submeter. 4- Adiciona-se que o fato da edificação estar sendo utilizada há décadas não autoriza o proprietário a perpetuar os atos proibidos ou transforma em legais as práticas legalmente vedadas. 5- Consigno assim, que inexiste ofensa aos princípios do direito de propriedade, da razoabilidade, proporcionalidade, da irretroatividade, legalidade ou direito adquirido, pois a situação não pode ser consolidada no tempo, por se tratar de situação ilícita, bem como pela impossibilidade de se sustentar o 'direito adquirido à degradação ambiental'. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1880703 - 0000693-71.2009.4.03.6006, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, julgado em 06/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/09/2017) Diante disso, entendo estar em descompasso à legislação ambiental a fixação da margem de proteção em 15 (cinco) metros, tal como fixado na sentença. Comprovado terem sido as construções concluídas em momento posterior à Lei nº 4.771/65, tendo ultrapassado o limite de 500 metros de preservação ambiental, contados da margem do rio, impõe-se sejam suprimidas, porque em ofensa cristalina à lei. Nesse sentido, trago precedente do C. STJ: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 282 DO STF. FUNÇÃO SOCIAL E FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE E DA POSSE. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVA LEGAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO DANO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DIREITO ADQUIRIDO DE POLUIR. 1. A falta de prequestionamento da matéria submetida a exame do STJ, por meio de Recurso Especial, impede seu conhecimento. Incidência, por analogia, da Súmula 282/STF. 2. Inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados, 'as gerações futuras' carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome. 3. Décadas de uso ilícito da propriedade rural não dão salvo-conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente. 4. As APPs e a Reserva Legal justificam-se onde há vegetação nativa remanescente, mas com maior razão onde, em conseqüência de desmatamento ilegal, a flora local já não existe, embora devesse existir. 5. Os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse. Precedentes do STJ. 6. Descabe falar em culpa ou nexo causal, como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa e averbar a Reserva Legal por parte do proprietário ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imóvel já estava desmatado quando de sua aquisição. Sendo a hipótese de obrigação propter rem, desarrazoado perquirir quem causou o dano ambiental in casu, se o atual proprietário ou os anteriores, ou a culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer. Precedentes do STJ. 7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 948.921/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/2009). É certa, assim, a necessidade de reforma parcial da sentença para determinar a remoção de edificações e benfeitorias localizadas na faixa de 500 (quinhentos) metros de proteção ambiental, de acordo com a legislação ambiental vigente. O art. 4º, VII da Lei nº 6.938/81 dispõe constituir a indenização pecuniária mera alternativa quando não for possível a recuperação ambiental. A despeito da condenação na sentença, não apelaram os réus, razão pela qual se mantém a indenização fixada na sentença. Ante o exposto, julgo prejudicada a apreciação do pedido de retratação, rejeito a preliminar arguida em contrarrazões de apelação, dou parcial provimento às apelações da União Federal e do Ministério Público Federal e à remessa oficial, tida por interposta, para aumentar a área de proteção ambiental. É como voto.
O EXMO. SR. DES. FED. SOUZA RIBEIRO
Não havendo que se suspender o processo, nem estando prejudicada a presente demanda, peço vênia ao e. Relator para manter a sentença de origem.
Conforme já diversas vezes verificado por este E. Regional, a situação do Município de Rosana é especial, tratando-se de cidade desmembrada do Município de Teodoro Sampaio, tendo o bairro Beira Rio surgido nos anos 1960. À época, tal área era ocupada por ribeirinhos e pescadores, que sobreviviam principalmente da pesca no rio Paraná. Depois, com os anos, foram se constituindo pequenos estabelecimentos comerciais, que se beneficiavam do cruzamento do rio Paraná, em direção ao Estado do Mato Grosso do Sul - o que se dava via balsa, ao menos até o enchimento da represa da Hidrelétrica Sérgio Motta. Assim, há mais de 50 anos surgira tal ocupação, anterior até mesmo ao próprio Município de Rosana.
Tal municipalidade, por sua vez, inserira o bairro Beira Rio em seu perímetro urbano, por meio da LC 20/2007.
Em acordo com a Constituição Federal e o que dispõe o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), o Município promulgou, ademais, a Lei Complementar 45/2015, a instituir seu Plano Diretor.
Integrando, portanto, o bairro Beira Rio o perímetro urbano do Município de Rosana, estabeleceu-se um zoneamento municipal, sendo o respectivo território urbano daquela cidade ordenado a partir de macrozonas, dentre as quais a "Macrozona de Interesse Turístico e Ambiental" (MZITA).
Assim, o artigo 31, parágrafo único, inciso I, da supramencionada lei municipal dispõe que:
"São diretrizes específicas da MZITA: I - estimular e promover a regularização ambiental das ocupações situadas em APPs e nas ilhas do Rio Paraná, observando a Lei Federal nº 12.651/2012, em especial as disposições contidas no Capítulo XIII, Seção II, que trata das áreas consolidadas em APP."
Desta feita, em atenção ao estabelecido pelo novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), e com fundamento em seu interesse local, é dever e direito da municipalidade de Rosana ordenar seu território e proceder à regularização dessas ocupações antrópicas ao longo do rio Paraná.
Tal prerrogativa municipal, estabelecida - frise-se - pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) já fora expressamente declarada constitucional pelo C. Supremo Tribunal Federal, a cuidar das denominadas "áreas de preservação permanente".
Mais ainda, acerca dessas áreas urbanas e urbanas consolidadas, o próprio Código Florestal faz remissão ao Estatuto da Cidade e, em observância a isso, o Município de Rosana dispôs em seu artigo 80, parágrafo 2º, que:
"Para fins de regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, deverá ser mantida Área de Preservação Permanente (APP), com largura mínima de 5 (cinco) metros de cada lado."
Tudo de acordo, de se reafirmar por ora, com o disposto no parágrafo 1º do artigo 61-A do Código Florestal, o qual fora expressamente adotado na fundamentação do MM. Juízo de primeiro grau, em sentença ora guerreada.
Demais disso, há que se ter que o Código Florestal é dotado da mens legis de garantia da dignidade da pessoa humana, sendo que por isso aqui se faz distinção clara entre a área rural consolidada e a urbana ou urbana consolidada, de modo a se fixar limites diferenciados para observância de APP, carecendo de qualquer embasamento legal e até mesmo mínima razoabilidade exigir-se, em área urbana (ou urbana consolidada) o exagerado limite de 500 (quinhentos) metros, sob pena de se inviabilizar totalmente a pequena cidade de Rosana/SP, que conta hoje com uma população inferior a 20.000 habitantes, bem como um PIB de menos de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais).
Portanto, tendo-se em consideração que cabe ao magistrado julgar os feitos que lhe competem com ponderação e razoabilidade, nos termos do que determina, aliás, o artigo 20, da LINDB - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei Federal 13.655/2018), no sentido de que a decisão judicial sempre é proferida em consideração às suas consequências sociais, bem como que a legislação ambiental prevê, nesta hipótese, a possibilidade de regularização da área, sem ampliação ou modificação do status quo, devendo os ribeirinhos se submeter ao PRA - tudo de acordo com o artigo 4º do Código Florestal.
Também nesse sentido o § 12, do artigo 61-A, do referido Codex, cuja constitucionalidade já fora expressamente reconhecida pela Suprema Corte, que ora se transcreve:
"Será admitida a manutenção de residências e da infra estrutura associada às atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1º a 7º, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas." (destaquei).
Por fim, no mesmo artigo, ainda de se destacar o seu caput, que faz a ressalva de que não é qualquer ocupação antrópica que deve ser admitida, mas somente aquelas preexistentes em 22 de julho de 2008, o que é, pois, o caso dos autos.
Por derradeiro, cabe ainda destacar que o E. STF, nas diversas reclamações recebidas contra o descumprimento dos julgamentos proferidos nas ADIs 4901, 4902, 4903, 4937 e ADC 42, apreciadas em 28/02/2018, tem sistematicamente suspendido os efeitos dos julgamentos proferidos com fundamento nas disposições do Código Florestal (Lei 4.771/65), inclusive desta E. Corte Regional, verbis:
"MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. DECISÃO RECLAMADA NA QUAL SE APLICA O PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. AFASTAMENTO DAS REGRAS DE TRANSIÇÃO DA LEI N. 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL). ALEGADO DESCUMPRIMENTO AO DECIDIDO NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE NS. 4937, 4903, 4902 E NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 42. INCIDÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO ESTABELECIDA NO ART. 61-A DA LEI 12.651/2012. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS" (STF, Rcl 42.786/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJe 24/09/20).
"RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. ADIs Nº 4.937, 4.903, 4.902 E ADC Nº 42. SÚMULA VINCULANTE Nº 10. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE VEDAÇÃO AO RETROCESSO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. ATO RECLAMADO QUE APLICA O PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM AO CASO. AFASTAMENTO DE NORMA COM BASE EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO." (Rcl. 42.711/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJe 20/11/20).
Nesse sentido, o seguinte precedente desta Eg. Turma:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. APELAÇÕES. REMESSA NECESSÁRIA TIDA POR INTERPOSTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO ANTRÓPICA NO BAIRRO "BEIRA RIO", NO MUNICÍPIO DE ROSANA/SP. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). LIMITE DE 5 METROS A PARTIR DO EIXO NORMAL DO RIO PARANÁ. NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI FEDERAL N. 12.651/2012). APLICAÇÃO ÀS ÁREAS DE OCUPAÇÃO ANTRÓPICA PREEXISTENTES A 22 DE JULHO DE 2008, COMO É O CASO DOS AUTOS. ENTENDIMENTO VINCULANTE PREVIAMENTE ESTABELECIDO PELO C. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VEDAÇÃO DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM A TAIS CASOS (CÓDIGO FLORESTAL ANTERIORMENTE VIGENTE - LEI FEDERAL N..4.771/65). APELAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, DO ICMBIO E DA UNIÃO FEDERAL CONHECIDAS E, NO MÉRITO, DESPROVIDAS, ASSIM COMO A REMESSA NECESSÁRIA, AQUI TIDA POR INTERPOSTA. MANUTENÇÃO IN TOTUM DO R. DECISUM A QUO.
Primeiramente, tendo em vista que a União Federal, o ICMBIO e o Ministério Público Federal sucumbiram em parte na r. sentença de origem, considero a remessa necessária, no caso, tida por interposta.
Conforme já diversas vezes verificado por este E. Regional, a situação do Município de Rosana é especial, tratando-se de cidade desmembrada do Município de Teodoro Sampaio, tendo o bairro Beira Rio surgido nos anos 1960. À época, tal área era ocupada por ribeirinhos e pescadores, que sobreviviam principalmente da pesca no rio Paraná. Depois, com os anos, foram se constituindo pequenos estabelecimentos comerciais, que se beneficiavam do cruzamento do rio Paraná, em direção ao Estado do Mato Grosso do Sul - o que se dava via balsa, ao menos até o enchimento da represa da Hidrelétrica Sérgio Motta. Assim, há mais de 50 anos surgira tal ocupação, anterior até mesmo ao próprio Município de Rosana.
Tal municipalidade, por sua vez, inserira o bairro Beira Rio em seu perímetro urbano, por meio da LC 20/2007. Integrando, portanto, o bairro Beira Rio o perímetro urbano do Município de Rosana, estabeleceu-se um zoneamento municipal, sendo o respectivo território urbano daquela cidade ordenado a partir de macrozonas, dentre as quais a "Macrozona de Interesse Turístico e Ambiental" (MZITA).
Desta feita, em atenção ao estabelecido pelo novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), e com fundamento em seu interesse local, é dever e direito da municipalidade de Rosana ordenar seu território e proceder à regularização dessas ocupações antrópicas ao longo do rio Paraná.
Tal prerrogativa municipal, estabelecida - frise-se - pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) já fora expressamente declarada constitucional pelo C. Supremo Tribunal Federal, a cuidar das denominadas "áreas de preservação permanente".
Mais ainda, acerca dessas áreas urbanas e urbanas consolidadas, o próprio Código Florestal faz remissão ao Estatuto da Cidade e, em observância a isso, o Município de Rosana dispôs em seu artigo 80, parágrafo 2º, que: "Para fins de regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, deverá ser mantida Área de Preservação Permanente (APP), com largura mínima de 5 (cinco) metros de cada lado."
Tudo de acordo com o disposto no parágrafo 1º do artigo 61-A do Código Florestal, o qual fora expressamente adotado na fundamentação do MM. Juízo de primeiro grau, em sentença ora guerreada.
Demais disso, há que se ter que o Código Florestal é dotado da mens legis de garantia da dignidade da pessoa humana, sendo que por isso aqui se faz distinção clara entre a área rural consolidada e a urbana ou urbana consolidada, de modo a se fixar limites diferenciados para observância de APP, carecendo de qualquer embasamento legal e até mesmo mínima razoabilidade exigir-se, em área urbana (ou urbana consolidada) o exagerado limite de 500 (quinhentos) metros, sob pena de se inviabilizar totalmente a pequena cidade de Rosana/SP, que conta hoje com uma população inferior a 20.000 habitantes, bem como um PIB de menos de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais).
Portanto, tendo-se em consideração que cabe ao magistrado julgar os feitos que lhe competem com ponderação e razoabilidade, nos termos do que determina, aliás, o artigo 20, da LINDB - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei Federal 13.655/2018), no sentido de que a decisão judicial sempre é proferida em consideração às suas consequências sociais, bem como que a legislação ambiental prevê, nesta hipótese, a possibilidade de regularização da área, sem ampliação ou modificação do status quo, devendo os ribeirinhos se submeter ao PRA - tudo de acordo com o artigo 4º do Código Florestal.
Também nesse sentido o § 12, do artigo 61-A, do referido Codex, cuja constitucionalidade já fora expressamente reconhecida pela Suprema Corte. Precedentes.
Por fim, no mesmo artigo, ainda de se destacar o seu caput, que faz a ressalva de que não é qualquer ocupação antrópica que deve ser admitida, mas somente aquelas preexistentes em 22 de julho de 2008, o que é, pois, o caso dos autos.
Fundamental também destacar que o E. STF, nas diversas reclamações recebidas contra o descumprimento dos julgamentos proferidos nas ADIs 4901, 4902, 4903, 4937 e ADC 42, apreciadas em 28/02/2018, tem sistematicamente suspendido os efeitos dos julgamentos proferidos com fundamento nas disposições do Código Florestal (Lei 4.771/65), inclusive desta E. Corte Regional. Precedentes.
Apelações do Ministério Público Federal, da União e do ICMBIO, assim como a remessa oficial, ora tida por interposta, conhecidas e desprovidas, mantendo-se a r. sentença de primeiro grau pelos seus próprios e escorreitos fundamentos.
(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000328-14.2014.4.03.6112, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 27/03/2023, DJEN DATA: 29/03/2023)
Isto posto, nego provimento às apelações e à remessa necessária. No mais acompanho o e. Relator.
É como voto.
AMBIENTAL. TEMA 1010 DO C STJ. PEDIDO DE RETRATAÇÃO PREJUDICADO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. REEXAME NECESSÁRIO. PRELIMINAR REJEITADA. AUSÊNCIA DE REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DE ÁREA URBANA OU EXPANSÃO URBANA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DEMOLIÇÃO DAS EDIFICAÇÕES. POSSIBILIDADE. CONDENAÇÃO. MAJORAÇÃO DA ÁREA FIXADA COMO DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA MANTIDA.
1. Submete-se ao duplo grau de jurisdição obrigatório a sentença que reconhecer a carência da ação ou julgar improcedente, no todo ou em parte, o pedido deduzido em sede de ação civil pública, por força da aplicação analógica da regra contida no artigo 19 da Lei n. 4.717/65.
2. Retornam os autos da Vice-Presidência para avaliação da pertinência de eventual juízo de retratação, a teor do disposto no artigo 1.040, II, do CPC. Prejudicada apreciação do feito sob esta ótica, tendo em vista já ter sido firmada a tese que ensejou o pedido de sobrestamento - Tema 1010/STJ, no julgamento do REsp 1770760/SC.
3. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, em que se objetiva a condenação dos réus por ocupação irregular em área de preservação ambiental.
4. Local em que situado o imóvel que não pode ser considerada como área urbana, tampouco é passível de regularização fundiária por tratar-se de área de preservação permanente sujeita a inundação.
5. Área de preservação permanente em faixa marginal de rio cuja largura ultrapassa 600 (seiscentos) metros, sendo a área de preservação permanente a ser aplicada de 500 metros, nos termos do artigo 4º da lei 12.651 de 2012:
6. Obrigação de reparar o dano ambiental que se caracteriza como obrigação propter rem. Não se perquire sobre o nexo causal a caracterizar a obrigação de recuperar a área de preservação permanente.
7. Descabe falar em manutenção das edificações constantes de área de preservação permanente, de acordo com o disposto no artigo 225 da Carta Constitucional.
8. A Súmula nº 613 do STJ consagrou a tese de não se admitir a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.
9. Relatório técnico de vistoria que confirma terem as interferências realizadas alterado as características do ecossistema, impedindo a regeneração natural da vegetação, dificultando o trânsito de indivíduos da fauna local, em prejuízo do fluxo gênico de várias espécies da área. Permanência das construções que trará maior degradação ambiental. Reparação da APP somente se dará com a demolição das obras, remoção dos entulhos.
10. Ausência de ofensa ao princípio do direito de propriedade, art. 5º, inciso XXII, princípio ao direito de moradia e ao trabalho, art. 6º e 7º, e princípio do direito ao lazer, art. 217 § 3º, todos da Constituição Federal.
11. O art. 65, § 2ª da Lei nº 12.651/2012 determina somente serem passíveis de regularização fundiária áreas urbanas consolidadas e que ocupam Áreas de Preservação Permanente, desde que aprovada mediante projeto de regularização fundiária e desde que não sejam identificadas como de risco, inocorrente à espécie.
12. Prova colacionada que comprova não consubstanciar a área em questão espaço urbano consolidado por se sujeitar constantemente a alagamentos e inundações do Rio Paraná, sendo que a correspondente ocupação, indubitavelmente, representa risco à incolumidade dos habitantes. Também, a densidade demográfica do município de Rosana não corresponde ao mínimo previsto na legislação em comento.
13. Inexistente possibilidade de regularização fundiária e ausente qualquer projeto nesse sentido, nos moldes do art. 35 da Lei nº 13.465/2017, não há como assegurar a permanência contrária aos ditames legais.
14. Área de preservação permanente em faixa marginal de rio cuja largura ultrapassa 600 (seiscentos) metros, independentemente de se tratar de área rural ou urbana, a área de preservação permanente a ser aplicada é de 500 metros, nos termos do artigo 4º da lei 12.651 de 2012.
15. Descabe falar em manutenção das edificações constantes de área de preservação permanente, de acordo com o disposto no artigo 225 da Carta Constitucional. Permanência das construções que trará maior degradação ambiental.
16. A Súmula nº 613 do STJ consagrou a tese de não se admitir a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.
17. Reforma parcial da sentença para determinar a remoção de edificações e benfeitorias localizadas na faixa de 500 (quinhentos) metros de proteção ambiental, de acordo com a legislação ambiental vigente.
18. O art. 4º, VII da Lei nº 6.938/81 dispõe constituir a indenização pecuniária mera alternativa quando não for possível a recuperação ambiental. A despeito da condenação na sentença, não apelaram os réus, razão pela qual se mantém a indenização fixada na sentença.
19. Apreciação do pedido de retratação prejudicado. Preliminar arguida em contrarrazões de apelação rejeitada e quanto ao mérito, apelações da União Federal e do Ministério Público Federal providas em parte e remessa oficial, tida por interposta, provida em parte para aumentar a área de proteção ambiental.