APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010379-02.2019.4.03.6119
RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA
APELANTE: JUSSARA ROSELI FULCO
Advogado do(a) APELANTE: JAIRO NUNES DA MOTA - SP243491-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010379-02.2019.4.03.6119 RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: JUSSARA ROSELI FULCO Advogado do(a) APELANTE: JAIRO NUNES DA MOTA - SP243491-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA (RELATOR). Cuida-se de ação de conhecimento, processada sob o rito comum, ajuizada por Jussara Roseli Fulco em face da União Federal, com vistas ao ressarcimento de danos materiais e à compensação de danos morais. De acordo com a inicial, foi determinada a inclusão da autora no polo passivo de execução trabalhista (processo nº 0013200-92.2007.5.15.00129), o que teria engendrado inúmeros prejuízos. Informa-se que, em razão do feito executivo: i) teve seu nome incluído no rol dos devedores trabalhistas; ii) foi impedida de utilizar seu único veículo, em especial para transportar sua filha em tratamento médico; iii) foi submetida à restrição de crédito; iv) sofreu tentativas de bloqueio de ativos financeiros. Nesse passo, requer-se a compensação de danos morais em valor não inferior a R$ 55.000,00 (cinquenta e cinco mil reais) e o ressarcimento dos danos materiais, no valor de R$ 8.288,80 (oito mil duzentos e oitenta e oito reais e oitenta centavos), referente à deterioração do veículo. Com a inicial, foram juntados documentos. Deferidos os benefícios da gratuidade de justiça. Regularmente citada, a União Federal contestou o feito. No mérito, alegou, em síntese, a ausência de nexo causal. Subsidiariamente, insurge-se contra os valores pleiteados a título de indenização. Em réplica, a parte autora rebateu os termos da contestação. A sentença julgou improcedente o pedido, considerando a quebra do nexo causal pela inércia da autora. Honorários advocatícios fixados no percentual mínimo sobre o valor da causa, observada a suspensão de exigibilidade em virtude dos benefícios da Justiça Gratuita. Em apelação, a parte autora pugnou a reforma da decisão, reiterando a argumentação expendida na exordial. Com contrarrazões da União, os autos foram remetidos a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010379-02.2019.4.03.6119 RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: JUSSARA ROSELI FULCO Advogado do(a) APELANTE: JAIRO NUNES DA MOTA - SP243491-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA (RELATOR). De acordo com o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o Estado responde por comportamentos comissivos de seus agentes que, agindo nessa qualidade, causem prejuízos a terceiros. Transcrevo: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Em se tratando de responsabilidade extracontratual por dano causado por agente público, impõe-se, tão-somente, a demonstração do dano e do nexo causal, prescindindo a responsabilidade objetiva da comprovação de culpa do agente. Assevera Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro, 32ª Edição, Editora RT, 2006, p. 654): "Para a vítima é indiferente o título pelo qual o causador direto do dano esteja vinculado à Administração; o necessário é que se encontre a serviço do Poder Público, embora atue fora ou além de sua competência administrativa". (...) "Nessa substituição da responsabilidade individual do servidor, pela responsabilidade genérica do Poder Público, cobrindo o risco da sua ação ou omissão, é que se assenta a teoria da responsabilidade objetiva da Administração, vale dizer, da responsabilidade sem culpa, pela só ocorrência da falta anônima do serviço porque esta falta está, precisamente, na área dos riscos assumidos pela Administração para a consecução de seus fins." Entretanto, os atos jurisdicionais, em regra, não se inserem na regra geral da responsabilidade objetiva, uma vez que consistem em manifestação de um dos Poderes do Estado, reflexo do exercício de soberania. Some-se a isso o fato de o art. 5º, LXXV, da Constituição Federal, prever indenização no caso de erro judiciário e, assim o fazendo, remeter a responsabilidade à comprovação de existência de culpa. Vejamos: "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença." Na mesma esteira, leciona Sérgio Cavalieri Filho: "Daí o entendimento predominante, no meu entender mais correto, no sentido de só poder o Estado ser responsabilizado pelos danos causados por atos judiciais típicos nas hipóteses previstas no art. 5o., LXXV, da Constituição Federal. Contempla-se, ali, o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Por erro judiciário deve ser entendido o ato jurisdicional equivocado e gravoso a alguém, tanto na órbita penal como civil; ato emanado da atuação do juiz (decisão judicial) no exercício da função jurisdicional." (Programa de Responsabilidade Civil, 5a. edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2003, p. 263) Ressalte-se a reiterada jurisprudência firmada pelo C. Supremo Tribunal Federal no sentido de não se aplicar a responsabilidade objetiva à atividade judicial, salvo nos casos expressamente previstos em lei: SEGUNDO AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATOS JUDICIAIS. 1. A teoria de responsabilidade objetiva do Estado, em regra, não é cabível para atos jurisdicionais, salvo em casos expressamente declarados em lei. Precedentes. 2. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. 3. Agravo interno a que se nega provimento”. (ARE-AgR-segundo 828.027, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 23.11.2017) Em suma, para que exsurja o dever de indenizar, é necessário comprovar que as medidas adotadas pelos agentes públicos tenham ocorrido de forma ilegítima e abusiva, configurando afronta ao contexto fático e aos requisitos formais exigidos para o caso. E, do compulsar da prova documental, verifica-se que essa não é a hipótese vertente. Consoante se extrai dos autos, em 26/02/2019, foi proferida decisão para excluir a autora do polo passivo da execução trabalhista, com a consequente retirada da restrição sobre veículo automotor (id. 160118198). Embora não remanesçam dúvidas acerca da irregularidade no bloqueio judicial efetivado, no ano de 2013, é certo que a autora permaneceu inerte até a oposição de exceção de pré-executividade, em 2018, isto é, por cerca de 5 (cinco) anos. Quanto aos motivos da inércia, assim declarou a autora: “(...) esclarece que demorou para corrigir tal erro, em razão de ter separado de seu marido no ano de 2010 em virtude de violência doméstica, e somente teve conhecimento do bloqueio judicial no ano de 2013, ao tentar fazer o licenciamento do veículo, sem condições financeiras (sem emprego, sobrevivia da ajuda financeira de familiares), buscou a ajuda da Defensoria Pública, mas não puderam a auxiliar por tratar-se de reclamação trabalhista e que somente no ano de 2016, conseguiu recolocação profissional, e após conseguir colocar sua vida pessoal em ordem, buscou a ajuda profissional para correção do erro judicial.” (id. 160118218) Tais alegações, no entanto, não prosperam. Os fatos relacionados à separação da autora, em 2010, não guardam relação com a presente demanda, eis que o bloqueio do veículo só foi determinado em 21/11/2013. Sobre a negativa de atendimento pela Defensoria Pública, não há elementos de prova aptos a demonstrar o ocorrido. Ademais, a Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei Complementar nº 80/94) prevê a atuação da Defensoria Pública da União junto à Justiça do Trabalho. Veja-se: Art. 14. A Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União. (grifei) Não se justifica, portanto, a demora excessiva na busca pela solução da constrição, enquanto o veículo permanecia inutilizado, sofrendo deterioração pelo tempo. Corroborando o exposto, a testemunha Edson José Gonzaga, colega de trabalho da autora, afirmou que o veículo ficou deteriorando por bastante tempo, até que fosse resolvido o problema judicial (id. 160118239 – 2min40s). Com efeito, verifica-se que a autora não tomou as medidas necessárias para mitigar o próprio prejuízo, tendo, na verdade, agravado as circunstâncias, ao simplesmente abandonar o veículo. A esse respeito, destaco o posicionamento do C. STJ, em caso semelhante: RESPONSABILIDADE CIVIL. SENTENÇA PUBLICADA ERRONEAMENTE. CONDENAÇÃO DO ESTADO A MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INFORMAÇÃO EQUIVOCADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA EM FACE DA SERVENTUÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. DANO MORAL. PROCURADOR DO ESTADO. INEXISTÊNCIA. MERO DISSABOR. APLICAÇÃO, ADEMAIS, DO PRINCÍPIO DO DUTY TO MITIGATE THE LOSS. BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO DANO. 1. O art. 37, § 6º, da CF/1988 prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Vale dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo; não prevê, porém, uma demanda de curso forçado em face da Administração Pública quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto. Tampouco confere ao agente público imunidade de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de outra forma, em regresso, perante a Administração. 2. Assim, há de se franquear ao particular a possibilidade de ajuizar a ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra ambos, se assim desejar. A avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o servidor público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios. Doutrina e precedentes do STF e do STJ. 3. A publicação de certidão equivocada de ter sido o Estado condenado a multa por litigância de má-fé gera, quando muito, mero aborrecimento ao Procurador que atuou no feito, mesmo porque é situação absolutamente corriqueira no âmbito forense incorreções na comunicação de atos processuais, notadamente em razão do volume de processos que tramitam no Judiciário. Ademais, não é exatamente um fato excepcional que, verdadeiramente, o Estado tem sido amiúde condenado por demandas temerárias ou por recalcitrância injustificada, circunstância que, na consciência coletiva dos partícipes do cenário forense, torna desconexa a causa de aplicação da multa a uma concreta conduta maliciosa do Procurador. 4. Não fosse por isso, é incontroverso nos autos que o recorrente, depois da publicação equivocada, manejou embargos contra a sentença sem nada mencionar quanto ao erro, não fez também nenhuma menção na apelação que se seguiu e não requereu administrativamente a correção da publicação. Assim, aplica-se magistério de doutrina de vanguarda e a jurisprudência que têm reconhecido como decorrência da boa- fé objetiva o princípio do Duty to mitigate the loss, um dever de mitigar o próprio dano, segundo o qual a parte que invoca violações a um dever legal ou contratual deve proceder a medidas possíveis e razoáveis para limitar seu prejuízo. É consectário direto dos deveres conexos à boa-fé o encargo de que a parte a quem a perda aproveita não se mantenha inerte diante da possibilidade de agravamento desnecessário do próprio dano, na esperança de se ressarcir posteriormente com uma ação indenizatória, comportamento esse que afronta, a toda evidência, os deveres de cooperação e de eticidade. 5. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.325.862/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 5/9/2013, DJe de 10/12/2013.) – grifei Nesse sentido, não se pode imputar os dissabores supostamente vividos pela autora ao juízo trabalhista, o qual, vale lembrar, corrigiu o equívoco quando provocado. No mais, não comprovou a autora os graves prejuízos que teria sofrido com a inclusão no polo passivo da demanda, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil. As afirmações da testemunha Edson, no sentido de ter a autora sofrido com o ocorrido, necessitando de ajuda com transporte, são incapazes de infirmar os fundamentos da decisão recorrida, mormente no que se refere à demora excessiva para se manifestar nos autos trabalhistas. Destarte, de rigor a manutenção da r. sentença. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majoro a verba honorária em 1%, observada a condição suspensiva de exigibilidade prevista no art. 98, § 3º, do mesmo diploma processual. Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – ATOS JURISDICIONAIS – EXERCÍCIO DE SOBERANIA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA INAPLICÁVEL – PRECEDENTES DO STF – ART. 5º, LXXV, DA CF/88 – DANOS MORAIS E MATERIAIS – BLOQUEIO JUDICIAL – INCLUSÃO INDEVIDA EM EXECUÇÃO TRABALHISTA – INÉRCIA DA AUTORA – DEVER DE MITIGAR OS PREJUÍZOS – INDENIZAÇÃO DESCABIDA – HONORÁRIOS – MAJORAÇÃO.
1. Atos jurisdicionais, em regra, não se inserem na regra geral da responsabilidade objetiva. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido da inaplicabilidade da responsabilidade objetiva em relação a atos de juízes, salvo nos casos expressamente declarados em lei.
2. In casu, não se pode imputar os dissabores supostamente vividos pela autora ao juízo trabalhista, o qual corrigiu o equívoco quando provocado.
3. Embora não remanesçam dúvidas acerca da irregularidade no bloqueio judicial efetivado, no ano de 2013, é certo que a autora permaneceu inerte até a oposição de exceção de pré-executividade, em 2018, isto é, por cerca de 5 (cinco) anos.
4. Constata-se que a autora não tomou as medidas necessárias para mitigar o próprio prejuízo, tendo, na verdade, agravado as circunstâncias, ao simplesmente abandonar o veículo.
5. Não comprovação dos graves prejuízos alegadamente sofridos com a inclusão no polo passivo da demanda, ônus que incumbia à demandante, nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil.
6. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majora-se a verba honorária em 1%, observada a condição suspensiva de exigibilidade prevista no art. 98, § 3º, do mesmo diploma processual.
7. Apelação não provida.