APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001974-02.2008.4.03.6005
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: JANE MARLI ANDRADE
Advogado do(a) APELANTE: MAYRA CALDERARO GUEDES DE OLIVEIRA - MS10018-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001974-02.2008.4.03.6005 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: JANE MARLI ANDRADE Advogado do(a) APELANTE: MAYRA CALDERARO GUEDES DE OLIVEIRA - MS10018-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação interposto por JANE MARLI ANDRADE em face de sentença que, nos autos da ação pelo rito comum por si proposta na instância de origem, extinguiu o processo sem resolução do mérito com fulcro no então vigente art. 267, IV e §3º, do Código de Processo Civil de 1973, reconhecendo a incompetência absoluta do juízo de primeiro grau para processar a lide. Houve condenação da autora em honorários advocatícios fixados no importe de 10% sobre o valor da causa, com base no art. 20, §3º e no art. 28, ambos do CPC/1973 (ID 89892897, páginas 23-26). Inconformada, a apelante alega que propôs a ação pelo rito comum em face do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA com a finalidade de obter a declaração de nulidade do processo administrativo que considerou a Fazenda Piquenique como uma grande propriedade improdutiva, impedindo, assim, a desapropriação do bem por interesse social para fins de reforma agrária. Requer, de início, a concessão de tutela de urgência, suspendendo-se os efeitos da sentença vergastada. Afirma que o imóvel objeto do litígio é produtivo, conforme restou comprovado mediante o laudo pericial do expert, sendo inviável cogitar-se da sua desapropriação ante o disposto pelo art. 185, II, da Constituição Federal de 1988. Aduz que o Egrégio Supremo Tribunal Federal proferiu decisão na Reclamação n. 6890 estatuindo que o juízo a quo não poderia processar a presente lide, por compreender que a competência para analisar a legalidade dos decretos expropriatórios emitidos pela Presidência da República seria da própria Suprema Corte. Assevera que tal posicionamento do E. STF, entretanto, não tem razão de ser, na medida em que a competência originária da Corte Suprema valeria apenas para a ação de mandado de segurança, ao passo que a presente lide envolve uma ação pelo rito comum. Defende que a exigência de que se instaure uma ação mandamental originariamente perante o E. STF viola seus direitos de ação e de produzir a prova pertinente, visto que o mandado de segurança não admite em seu rito processual a dilação probatória. Pugna, ao final, pelo provimento ao recurso, a fim de se determinar o prosseguimento da ação declaratória, com a consequente procedência do pedido inicial (ID 89892897, páginas 44-56). Contrarrazões do INCRA no ID 89892897, páginas 75-84. Os autos subiram a esta Egrégia Corte Regional. Nesta sede recursal, o INCRA apresentou petição no ID 163808719, páginas 1-2, apontando que já obteve a imissão na posse do imóvel e já promoveu a instalação de um assentamento que ali se consolidou. Diante disso, requer a expedição de mandado translativo do domínio ao Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Amabaí/MS, a fim de que a propriedade seja averbada no nome da autarquia agrária. Neste ponto, vieram-me conclusos os autos. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001974-02.2008.4.03.6005 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: JANE MARLI ANDRADE Advogado do(a) APELANTE: MAYRA CALDERARO GUEDES DE OLIVEIRA - MS10018-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A questão que se coloca nos autos do presente recurso de apelação é a de se saber se o juízo de primeiro grau deveria ou não ter enfrentado o mérito da ação pelo rito comum proposta na instância de origem, por meio da qual se objetivava a declaração de nulidade do processo administrativo conduzido pelo INCRA que veio a reconhecer a improdutividade da “Fazenda Piquenique”. Na contestação ofertada na instância de origem, a autarquia agrária salientou a incompetência absoluta do juízo de primeiro grau para processar e julgar a lide, mas o feito continuou a tramitar perante a primeira instância, inclusive com a produção de prova pericial que, ao final, veio a reconhecer a produtividade do imóvel (ID 89893126, página 22). Nada obstante isso, o INCRA ajuizou uma reclamação diretamente ao E. STF, que foi autuada sob o número 6890 e distribuída para a relatoria do então Min. Eros Grau. Sua Excelência proferiu decisão monocrática naquela reclamação reconhecendo a competência originária da Corte Suprema para processar a lide ajuizada no primeiro grau de jurisdição. Para tanto, sustentou que, uma vez “consumado o processo administrativo pelo Presidente da República (ao emitir o decreto expropriatório), os atos intermediários deixam de ser impugnáveis independentemente e o Presidente da República passa a ser a única autoridade coatora”. Nada obstante ações ordinárias não se enquadrarem no comando do artigo 102, I, d, da CF, que se limita a atrair a competência para feitos determinados (habeas corpus, mandado de segurança e habeas data), e a própria decisão referir-se a "autoridade coatora", o certo é que a decisão da Suprema Corte pôs fim à demanda, concretamente.Diante da decisão emitida pelo E. STF, o juízo de primeiro grau reconheceu a sua incompetência absoluta e extinguiu a lide sem resolução de mérito, o que levou a autora a interpor o presente recurso de apelação. Postos os fatos, cabe prover em parte o apelo. Nada obstante a robustez dos fundamentos invocados pela apelante – especialmente o relativo à reconhecida produtividade do imóvel de sua propriedade -, o fato é que o E. STF reconheceu a usurpação de sua competência para processar originariamente a lide, não havendo como se reformar tal decisão nas instâncias ordinárias. Dessa forma, manter o feito em curso perante as instâncias ordinárias e conhecer do seu mérito quanto à pretensão declaratória de nulidade seria o mesmo que desconsiderar por completo o comando exarado na Reclamação n. 6.890, o que não se admite em face da estrutura hierarquizada do Poder Judiciário e da autoridade que emana dos posicionamentos adotados pelo E. STF, sem prejuízo da ressalva anotada. Registro, no entanto, que o E. STF reconheceu a sua competência originária para analisar a legalidade do decreto expropriatório emitido pela Presidência da República, sem nada mencionar a respeito de eventual direito à indenização que assiste à parte autora por ter tido o seu imóvel indevidamente expropriado, mesmo diante da produtividade dele. Dessa forma, nada impede que a presente ação declaratória seja convertida em uma ação de desapropriação indireta, ante o indevido esbulho administrativo da propriedade que era produtiva, determinando-se o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição para produção de prova pericial que, desta feita, não irá analisar os percentuais do GUT e do GEE, mas sim o valor indenizatório devido pela incabível expropriação indireta. A solução ora adotada não viola o comando emitido pelo E. STF e, ao mesmo tempo, ampara o direito de propriedade da autora que foi indevidamente violado pelo INCRA, conforme reconhecido em perícia judicial. Ademais, tal solução pela via indenizatória ou reparatória se justifica pela impossibilidade de o imóvel particular retornar ao seu estado original, dada a instalação irreversível de um assentamento pela autarquia agrária. Acerca da possibilidade da conversão, transcrevo o seguinte aresto jurisprudencial dessa Corte Regional: “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO CONJUNTO. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. AÇÃO ANULATÓRIA DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PRATICADOS DURANTE O PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO DO MÉRITO PELO TRIBUNAL. ARTIGO 515, § 3º, CPC. NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. DISCUSSÃO DA PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL RURAL NA AÇÃO EXPROPRIATÓRIA. CARACTERÍSTICAS EDAFOCLIMÁTICAS. RECLASSIFICAÇÃO DO IMÓVEL EM ZONA DE PECUÁRIA. POSSIBILIDADE. DECRETO EXPROPRIATÓRIO. INAPTIDÃO DAS TERRAS PARA O FIM DE ASSENTAMENTO DE TRABALHADORES RURAIS. DESVIO DE PODER. NULIDADE DECLARADA. IMPOSSIBILIDADE DE RETORNO AO "STATUS QUO ANTE". CONVERSÃO EM DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. INDENIZAÇÃO FIXADA. APELAÇÕES DA EXPROPRIADA PARCIALMENTE PROVIDAS. AGRAVO RETIDO PROVIDO. RECURSO DO INCRA JULGADO PREJUDICADO. (...) 17. O resultado natural da declaração de nulidade de tais atos seria o retorno ao "status quo ante", ou seja, a reintegração da expropriada na posse do imóvel. Contudo, há, nos autos, informações no sentido de que já foi iniciada a implementação do projeto de assentamento de trabalhadores rurais. 18. A remoção das famílias assentadas não é viável, não só por questão de segurança dos próprios assentados, mas também por já ter sido instalada a infra-estrutura necessária à instalação do assentamento, além de desfeito boa parte do arranjo produtivo anterior, o que torna extremamente oneroso o retorno ao "status quo ante". Assim, consolidou-se no tempo situação fática que deve ser respeitada. 19. Tendo em vista a irreversibilidade da posse, bem como o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, inclusive no que tange ao valor da indenização a ser fixada, a presente demanda deve ser convertida em desapropriação indireta, à luz dos princípios da celeridade e da economia processuais, atingindo-se, assim, o escopo da pacificação social dos conflitos. (...)” 27. Apelações da expropriada parcialmente providas. Recurso do INCRA julgado prejudicado. (TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1100648 - 0004675-81.2004.4.03.6002, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HENRIQUE HERKENHOFF, julgado em 15/06/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/06/2010 PÁGINA: 107) Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto, para o fim de, anulando a sentença proferida na instância de origem, converter a ação declaratória em ação de desapropriação indireta e, com isso, manter a competência do juízo a quo para processar e julgar a lide originária, sem que se possa cogitar de violação à decisão proferida na Reclamação n. 6.890, e com reabertura da fase instrutória para produção de prova pericial que vise apurar o valor indenizatório devido à autora, tudo conforme a fundamentação supra. É como voto.
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO PELO INCRA QUE RECONHECEU A SUPOSTA IMPRODUTIVIDADE DE IMÓVEL PARTICULAR. DECISÃO DO E. STF QUE FIRMOU A COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DA CORTE SUPREMA PARA PROCESSAR A LIDE, ANTE A EXISTÊNCIA DE DECRETO EXPROPRIATÓRIO DA LAVRA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE REVER NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS UM COMANDO DECISÓRIO PROFERIDO PELA CORTE SUPREMA. VIABILIDADE DE SE CONVERTER A AÇÃO DECLARATÓRIA EM AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA, GARANTINDO-SE AO PARTICULAR O RECEBIMENTO DA INDENIZAÇÃO A QUE FAZ JUS, ANTE A COMPROVADA PRODUTIVIDADE DE SEU IMÓVEL. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.
1. A questão que se coloca nos autos do presente recurso de apelação é a de se saber se o juízo de primeiro grau deveria ou não ter enfrentado o mérito da ação pelo rito comum proposta na instância de origem, por meio da qual se objetivava a declaração de nulidade do processo administrativo conduzido pelo INCRA que veio a reconhecer a improdutividade da “Fazenda Piquenique”.
2. Na contestação ofertada na instância de origem, a autarquia agrária salientou a incompetência absoluta do juízo de primeiro grau para processar e julgar a lide, mas o feito continuou a tramitar perante a primeira instância, inclusive com a produção de prova pericial que, ao final, veio a reconhecer a produtividade do imóvel. Nada obstante isso, o INCRA ajuizou uma reclamação diretamente ao E. STF, que foi autuada sob o número 6890 e distribuída para a relatoria do então Min. Eros Grau.
3. Sua Excelência proferiu decisão monocrática naquela reclamação reconhecendo a competência originária da Corte Suprema para processar a lide ajuizada no primeiro grau de jurisdição. Para tanto, sustentou que, uma vez “consumado o processo administrativo pelo Presidente da República (ao emitir o decreto expropriatório), os atos intermediários deixam de ser impugnáveis independentemente e o Presidente da República passa a ser a única autoridade coatora”. Diante da decisão emitida pelo E. STF, o juízo de primeiro grau reconheceu a sua incompetência absoluta e extinguiu a lide sem resolução de mérito, o que levou a autora a interpor o presente recurso de apelação.
4. Postos os fatos, cabe prover em parte o apelo. Nada obstante a robustez dos fundamentos invocados pela apelante – especialmente o relativo à reconhecida produtividade do imóvel de sua propriedade -, o fato é que o E. STF reconheceu a usurpação de sua competência para processar originariamente a lide, não havendo como se reformar tal decisão nas instâncias ordinárias. Dessa forma, manter o feito em curso perante as instâncias ordinárias e conhecer do seu mérito quanto à pretensão declaratória de nulidade seria o mesmo que desconsiderar por completo o comando exarado na Reclamação n. 6.890, o que não se admite em face da estrutura hierarquizada do Poder Judiciário e da autoridade que emana dos posicionamentos adotados pelo E. STF.
5. Registra-se, no entanto, que o E. STF reconheceu a sua competência originária para analisar a legalidade do decreto expropriatório emitido pela Presidência da República, sem nada mencionar a respeito de eventual direito à indenização que assiste à parte autora por ter tido o seu imóvel indevidamente expropriado, mesmo diante da produtividade dele. Dessa forma, nada impede que a presente ação declaratória seja convertida em uma ação de desapropriação indireta, ante o indevido esbulho administrativo da propriedade que era produtiva, determinando-se o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição para produção de prova pericial que, desta feita, não irá analisar os percentuais do GUT e do GEE, mas sim o valor indenizatório devido pela incabível expropriação indireta. A solução ora adotada não viola o comando emitido pelo E. STF e, ao mesmo tempo, ampara o direito de propriedade da autora que foi indevidamente violado pelo INCRA, conforme reconhecido em perícia judicial. Ademais, tal solução pela via indenizatória ou reparatória se justifica pela impossibilidade de o imóvel particular retornar ao seu estado original, dada a instalação irreversível de um assentamento pela autarquia agrária. Precedentes.
6. Apelação parcialmente provida para, anulando a sentença proferida na instância de origem, converter a ação declaratória em ação de desapropriação indireta e, com isso, manter a competência do juízo a quo para processar e julgar a lide originária, sem que se possa cogitar de violação à decisão proferida na Reclamação n. 6.890, e com reabertura da fase instrutória para produção de prova pericial que vise apurar o valor indenizatório devido à autora.