APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000246-39.2021.4.03.6115
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA
APELANTE: ANA BEATRIZ NASSER
Advogados do(a) APELANTE: LARISSA DESIDERIO - SP437943-A, MARINA BISCARO - SP443122-A, NATALIA DALAN MARTINS - SP442719-A
APELADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000246-39.2021.4.03.6115 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: ANA BEATRIZ NASSER Advogados do(a) APELANTE: LARISSA DESIDERIO - SP437943-A, MARINA BISCARO - SP443122-A, NATALIA DALAN MARTINS - SP442719-A APELADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta por ANA BEATRIZ NASSER, contra sentença que indeferiu a petição inicial, em sede de mandado de segurança, impetrado com o objetivo de determinar que a autoridade coatora proceda à colação de grau e a expedição de diploma na área de saúde, nos termos da Lei 14.040/2021. O. r. Juízo a quo indeferiu a inicial, apontando que a parte impetrante não cumpriu os 75% da carga horária dos estágios curriculares obrigatórios, não preenchendo os requisitos previstos na legislação. Apelou a parte impetrante, aduzindo que possui direito líquido e certo à antecipação da colação de grau em seu curso de graduação, uma vez que só não realizou o estágio obrigatório em decorrência das limitações impostas pela própria instituição de ensino. Ademais, teria realizado uma série de atividades curriculares, que se consideradas como estágio, atenderiam os requisitos impostos pela Lei 14.040/2021. Afirma, ainda, que foi aprovada em mestrado internacional, necessitando realizar a colação de grau para não perder tal oportunidade acadêmica. Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal. O Ministério Público Federal opinou pela manutenção da sentença. O pedido liminar foi indeferido. É o relatório
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000246-39.2021.4.03.6115 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: ANA BEATRIZ NASSER Advogados do(a) APELANTE: LARISSA DESIDERIO - SP437943-A, MARINA BISCARO - SP443122-A, NATALIA DALAN MARTINS - SP442719-A APELADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A apelação não deve ser provida. A Medida Provisória 934/2020, posteriormente convertida na Lei 14.040/20, foi editada no contexto da aceleração descontrolada do número de casos de contaminação por COVID-19 no Brasil, prevendo, diante do cenário de calamidade pública, normas flexibilizadoras do calendário escolar, dentre elas a possibilidade de antecipação da colação de grau para alunos que cursam graduação na área da saúde, in verbis: Art. 2º As instituições de educação superior ficam dispensadas, em caráter excepcional, da obrigatoriedade de observância ao mínimo de dias de efetivo trabalho acadêmico, nos termos do disposto no caput e no § 3o do art. 47 da Lei nº 9.394, de 1996, para o ano letivo afetado pelas medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 2020, observadas as normas a serem editadas pelos respectivos sistemas de ensino. Parágrafo único. Na hipótese de que trata o caput, a instituição de educação superior poderá abreviar a duração dos cursos de Medicina, Farmácia, Enfermagem e Fisioterapia, desde que o aluno, observadas as regras a serem editadas pelo respectivo sistema de ensino, cumpra, no mínimo: I - setenta e cinco por cento da carga horária do internato do curso de medicina; ou II - setenta e cinco por cento da carga horária do estágio curricular obrigatório dos cursos de enfermagem, farmácia e fisioterapia. Neste contexto, a parte apelante visa equiparar 1.547 (mil quinhentas e quarenta e sete) horas de atividades curriculares (prática de monitorias, cursos práticos e estágios) às horas de estágio supervisionado necessárias para graduação em curso de fisioterapia. Logo, é fato incontroverso que a impetrante não preenche os requisitos previstos na Lei 14.040/20 para antecipação de sua colação de grau. Também não prospera o argumento de que há culpa da instituição de ensino na não realização do estágio supervisionado, visto que é certo que a excepcionalidade das circunstâncias vivenciadas à época sugeriram a adaptação das regras da Lei 9.393/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de modo a permitir maior adesão às recomendações de isolamento social pela população. Necessário, nesse ponto, destacar a fundamentação que, nestes autos, indeferiu o pedido liminar, que bem tratou da questão: Com base na autonomia que lhe é conferida, consta no Projeto Pedagógico do Curso de Fisioterapia da UFSCar a necessidade de realização de estágio supervisionado para obtenção do certificado de graduação, com previsão de que o planejamento, acompanhamento e a avaliação das atividades do estagiário deverão ser realizados pelos professores orientadores do Departamento de Fisioterapia da UFSCar, conforme abaixo: PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO 4.2. Estágio Profissional em Fisioterapia Os alunos realizarão o Estágio Profissional em Fisioterapia no quarto ano (Perfil 7 e 8) do curso. Os estágios serão desenvolvidos na Unidade Saúde Escola (USE-UFSCar) e em unidades conveniadas, totalizando 13 cenários de execução da prática supervisionada, organizados em 13 disciplinas (Tabela 1). Todos os estágios serão ofertados entre os meses de Janeiro e Dezembro, com recesso de 6 semanas divididas entre os meses de Janeiro, Julho e Dezembro. Esta organização permite o atendimento contínuo aos pacientes e, desta forma, integração com as atividades da Rede Municipal de Saúde e manutenção do convênio SUS via USE. Tabela 1. Disciplinas de Estágio ofertadas aos alunos. Disciplinas Ofertadas Fisioterapia em Ortopedia e Traumatologia I Fisioterapia em Ortopedia e Traumatologia II Fisioterapia em Reumatologia Fisioterapia Geriátrica Fisioterapia em Ginecologia e Obstetrícia Fisioterapia na Atenção Básica Fisioterapia em Neurologia Fisioterapia em Pediatria Fisioterapia Cardiologia Fisioterapia Respiratória Fisioterapia na Prevenção de Lesões Musculoesqueléticas no Trabalho Fisioterapia Hospitalar Fisioterapia Esportiva Os estágios ocorrem de ao longo do ano, com rodízio de 05 a 06 alunos a cada trimestre, com supervisão direta durante toda a sua execução. É obrigatório que cada aluno cumpra 84 créditos (carga horária obrigatória de 1.260 horas em estágios). Os locais de realização dos estágios compreenderão: empresas e escolas, Unidades de Saúde da Família (USF), Unidade Saúde Escola da UFSCar (USE), Hospitais conveniados, clubes conveniados e outras instituições conveniadas à UFSCar. O planejamento, o acompanhamento e a avaliação das atividades do estagiário deverão ser realizados pelos professores orientadores do Departamento de Fisioterapia da UFSCar. A supervisão, orientação e a avaliação do estagiário deverão ser realizadas por profissionais fisioterapeutas (preceptores/técnicos de nível superior) vinculados ao local de trabalho onde o mesmo se desenvolverá (Baseado na Lei n. 11.788, de 25 de setembro de 2008) (ANEXO II). Os estagiários, docentes e preceptores deverão seguir as Normas descritas no Manual de Estágio Profissional em Fisioterapia (ANEXO III). A digitação da nota final será responsabilidade do docente (orientador da área de estágio) do DFisio. Ora, o Projeto Pedagógico do curso é bastante elucidativo acerca de qual atividade poderá ser classificada como de estágio supervisionado, sendo de todo inviável que o Judiciário, seja em razão de incapacidade técnica, seja por respeito à autonomia administrativa e à separação dos Poderes, venha a considerar (se sobrepondo às diretrizes do curso) horas realizadas em outras atividades como equiparáveis às necessárias para graduação. O pedido de equivalência foi negado pelo Presidente do Conselho do Curso de Fisioterapia, não havendo ilegalidade, ictu oculi, a ser reconhecida nesta estrita via do mandado de segurança: Prezada, Em reunião extraordinária ocorrida no dia 28/01/2020, foi analisada a proposta encaminhada (0316102). Considerando os ofícios (0314048) e (0314716), emitidos pela DIVISÃO DE DESENVOLVIMENTO PEDAGÓGICO - DiDPed/ProGrad em resposta à consulta apresentada e do parecer do Núcleo Docente Estruturante (0322332), o conselho do curso analisou e diante dos impeditivos legais expostos que o Projeto Pedagógico do Curso de Fisioterapia da UFSCar não prevê a equiparação, além de questões pedagógicas apontadas mencionadas pelo parecer do NDE, este conselho não aprovou a solicitação apresentada de equivalência de atividades de extensão como atividades de estágio obrigatório. E não é só. A apelante afirma que a instituição de ensino superior na qual está matriculada (Universidade Federal de São Carlos) deveria, em tempos de pandemia, estar ofertando estágio, de forma remota, a fim de propiciar a graduação dos alunos matriculados no curso de fisioterapia, conforme, aliás, orientação do Conselho Nacional de Educação (CNE). Contudo, pela documentação acostada, extrai-se que apenas em 18.12.2020 a apelante buscou, ativamente, formas de realizar o estágio supervisionado, interesse provavelmente deflagrado em razão do aceite condicional no mestrado. Na mensagem abaixo (email enviado a um docente), a apelante, inclusive, ressalta a importância do estágio supervisionado, conforme é possível conferir: “Professor, eu participei hoje da reunião e pude perceber que ainda não há datas de estágios definidos para o próximo ano e nem previsões de quando vamos concluir o curso. Eu recebi, também hoje, um aceite condicional de mestrado na Holanda iniciando em Setembro de 2021. A condição para o aceite, é concluir o curso até 1o de junho (segue anexa minha carta de aceite). Gostaria de conversar com o Sr se seria possível condensar o estágio, dobrar meus períodos de atendimento, não sei exatamente como, mas encontrar uma maneira de eu poder aceitar esta oportunidade. Sei que preciso do estágio e tenho consciência de sua importância, mas também acredito que esta seja uma oportunidade única de grande crescimento para minha carreira profissional e desejo abraçá-la. O Sr poderia me ajudar? Como posso prosseguir durante o próximo ano para fazê-lo?”. Embora não se desconsidere a dedicação e os esforços envidados pela apelante em conseguir realizar o estágio supervisionado, a resposta do professor foi bastante contundente no sentido de que, mesmo que o estágio fosse oferecido, ela não conseguiria concluí-lo em apenas um semestre ante a carência de créditos concluídos na matéria e o curto prazo para realização: “Entendo que esse mestrado na Holanda seja uma excelente oportunidade para você. No entanto, fiz uma análise do seu histórico e notei que você ainda precisa cumprir os 84 créditos do estágio para se formar. Existe a portaria 383 do MEC (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-383-de-9-de-abril-de-2020- 252085696) que autoriza as instituições do sistema federal de ensino a antecipar a colação de grau dos estudantes que concluíram 75% do estágio supervisionado obrigatório. Porém, infelizmente não vejo a possibilidade de conclusão dos créditos mínimos necessários para a graduação em um semestre. Copio a Profa Larissa Andrade no email para saber sobre o seu histórico no SIGA”. É bem verdade que a situação imposta pela pandemia é bastante sui generis e demanda ações concretas com vistas a garantir o direito dos graduandos se formarem em prazo compatível com o do curso. No entanto, ainda que a faculdade de fisioterapia da UFSCar estive ofertando o estágio supervisionado na modalidade presencial ou online, pelas provas carreadas, restou demonstrado que a pretensão da apelante de concluir os créditos necessários para graduação antecipada seria inviável ante a exiguidade do tempo. No mais, ainda que assim não fosse, as políticas a serem adotadas pelas Universidades devem passar pelo crivo administrativo e acadêmico interno, observadas ainda as idiossincrasias de cada curso, de modo que a atuação do Judiciário nesse mister é deveras pontual, o que inviabilizaria a imposição de realização de estágio supervisionado em modalidade não presencial. Com efeito, a atuação do poder judiciário na seara administrativa é limitada, cingindo-se aos casos de ilegalidade flagrante ou ausência de razoabilidade manifesta. Isso porque, em atenção à separação dos poderes, e, ainda, à autonomia universitária, é dado à administração atuar com a independência necessária no exercício do seu mister, desde que dentro dos limites legais aplicáveis e em conformidade com a discricionariedade administrativa legalmente prevista. De fato, a administração, no exercício de suas funções, necessita de uma certa margem discricionária de atuação em prol da adequação das situações concretas aos interesses administrativos, cujo fim último, é cediço, relaciona-se à ao interesse social e coletivo. O juízo de discricionariedade administrativa, pois, é meio de exteriorização da vontade administrativa, correspondendo à liberdade ou margem de decisão conferida ao administrador para, diante da situação concreta, optar por uma solução possível, desde que amparada na legislação correlata. No caso concreto, não há notícia de ilegalidade flagrante a ser identificada, tampouco violação à razoabilidade passível de ser decretada já que as políticas adotadas pelo curso estão dentro da sua margem de atuação. Por fim, pontua o Ministério Público Federal, em seu parecer, que o curso de fisioterapia, por relacionar-se à área da saúde, conta com exigências específicas, sendo preconizado o estágio na modalidade presencial, outro fator a ser considerado para não concessão do pedido inicial. Em face do exposto, nego provimento à apelação. É o relatório.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DE COLAÇÃO DE GRAU. LEI 14.040/20. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS.
1. A Medida Provisória 934/2020, posteriormente convertida na Lei 14.040/20, foi editada no contexto da aceleração descontrolada do número de casos de contaminação por COVID-19 no Brasil, prevendo, diante do cenário de calamidade pública, normas flexibilizadoras do calendário escolar, dentre elas a possibilidade de antecipação da colação de grau para alunos que cursam graduação na área da saúde.
2. Neste contexto, a parte apelante visa equiparar 1.547 (mil quinhentas e quarenta e sete) horas de atividades curriculares (prática de monitorias, cursos práticos e estágios) às horas de estágio supervisionado necessárias para graduação em curso de fisioterapia.
3. Logo, é fato incontroverso que a impetrante não preenche os requisitos previstos na Lei Lei 14.040/20 para antecipar da sua colação de grau.
4. Também não prospera o argumento de que há culpa da instituição de ensino na não realização do estágio supervisionado, visto que é certo que a excepcionalidade das circunstâncias vivenciadas à época sugeriram a adaptação das regras da Lei 9.393/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de modo a permitir maior adesão às recomendações de isolamento social pela população. Neste ponto, deve ser destacada a fundamentação trazida pelo r. juízo a quo por ocasião do indeferimento do pedido liminar, referentes à autonomia universitária exercida dentro dos limites legais aplicáveis e em conformidade com a discricionariedade administrativa, não havendo notícia de ilegalidade flagrante a ser identificada, tampouco violação à razoabilidade passível de ser decretada já que as políticas adotadas pelo curso estão dentro da sua margem de atuação.
5. Apelação improvida.