Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000810-27.2021.4.03.6205

RELATOR: 5º Juiz Federal da 2ª TR MS

RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RECORRIDO: RAMAO EUGENIO ALVES

Advogado do(a) RECORRIDO: TUDYANE MATTOS XAVIER - MS21862-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

RELATÓRIO

 

Dispensado o relatório (artigo 38 da Lei 9.099/95 c.c. artigo 1º da Lei 10.259/2001).

 

 


VOTO

 

Pretende a parte ré a reforma da sentença de procedência do pedido inicial de concessão de benefício assistencial.

A sentença foi proferida nos seguintes termos:

Vistos em sentença. 

I - RELATÓRIO 

Trata-se de demanda proposta por RAMÃO EUGÊNIO ALVES em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em que requer o benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência. 

Em apertada síntese, aduz ser pessoa com deficiência e atender ao critério socioeconômico para a concessão da prestação almejada. 

Descreve que o seu requerimento administrativo foi indeferido, por não preenchimento dos requisitos legais. 

Juntou documentos.  

O INSS foi citado e pleiteou a improcedência do pedido.  

Produzido laudo médico e estudo social, do qual se oportunizou manifestação às partes.  

O MPF opinou pela procedência da ação.

É o relatório. DECIDO.

II - MOTIVAÇÃO

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo ao exame do mérito.  

Trata-se de pedido de condenação do INSS para concessão do benefício de prestação continuada, previsto nos artigos 203, inciso V, da Constituição Federal, e 20 da Lei nº. 8.742/1993. 

Para acolhimento do pedido, necessário se faz verificar se a parte autora preenche os requisitos legais, a saber: ser pessoa com deficiência ou ter no mínimo 65 anos de idade; não possuir meios de prover o próprio sustento nem tê-lo provido pela família; e, também, ser hipossuficiente, conforme estabelece o artigo 20 e seus §§ 1º e 3º, da Lei n. 8.742/1993, e o artigo 34 da Lei n. 10.741/03:
 

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) 

[...] 

§ 3º. Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. 

§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) 

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas. 

Além disso, o art. 20, em seu §4º, veda a percepção do benefício de prestação continuada em cumulação com qualquer outro benefício da seguridade social ou de outro regime, tanto na redação anterior à Lei n. 12.470/11, quanto na posterior, à exceção da assistência médica e, pela redação atual, da pensão especial de natureza indenizatória. 

É preciso pontuar que deficiência não equivale a incapacidade ou doença. A Convenção das Nações Unidas sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006, define: "pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". Esse tratado internacional sobre direitos humanos foi incorporado ao direito brasileiro pelo Decreto nº 6.949/09, pelo rito legislativo das emendas, conferindo-lhes status normativo constitucional (art. 5º, §3º). Posteriormente, o denominado modelo social de deficiência foi replicado no plano infraconstitucional, inclusive pela Lei n.º 8.742/93, que estipulou, quanto ao benefício assistencial de prestação continuada, que se considera de longo prazo o impedimento que produza efeitos por, no mínimo dois anos.   

Assim, uma análise da deficiência em conformidade com a Constituição, com a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto n.º 6.949/09), com o Estatuto da Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15), e com a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n.º 8.742/93), deve verificar a existência: a) de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial; b) de barreiras (físicas, ambientais, sociais, comunicativas, culturais, atitudinais, etc.) no contexto vivenciado pela pessoa; e c) de obstrução de participação social em igualdade com as demais pessoas, em decorrência da interação dos impedimentos com as barreiras verificadas. 

Na hipótese, o laudo médico (Num. 163486689), dispõe que: 

“[...]

9. DISCUSSÃO DO CASO e CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as documentações médicas complementares apresentadas, foram observados os quadro patológicos, expostos a seguir:

Diabetes Mellitus tipo I trata-se de um quadro em que o corpo não produz insulina em quantidade suficiente, devido a um processo inflamatório autoimune, resultando excesso de glicose no sangue. O tratamento visa a manutenção dos níveis normais de açúcar no sangue com acompanhamento regular, insulinoterapia, dieta e exercícios físicos. O quadro apresentado pela autora não tem cura, contudo, existem alguns estudos em andamento que tentam usar células-tronco para curar o pâncreas deficiente do portador do diabetes tipo 1, e tecnologias já disponíveis melhoram muito o controle nos níveis de insulina.

Insuficiência mitral é o escoamento anormal do sangue pela válvula mitral, do ventrículo esquerdo no átrio esquerdo do coração. As causas incluem: Degeneração Mixomatosa da válvula mitral; Doença isquêmica do coração / doença da artéria Coronária; Endocardite Infectiva; Doenças colágenas vasculares; Doença reumática do coração, dentre outras. O tratamento depende da agudez da doença e se há sinais associados compromisso hemodnâmico. O tratamento de escolha é substituição de válvula mitral urgente. Se o paciente for hipotenso antes do procedimento cirúrgico, um balão intra-aórtico pode ser colocado para melhorar a perfusão dos órgãos e diminuir o grau de regurgitação mitral. Se o indivíduo com regurgitação mitral agudo for normotensivo, vasodilatadores podem ser usados para diminuir o peso no ventrículo esquerdo e assim podem diminuir a fração de regurgitação.

Doença renal crônica é a presença de alterações da estrutura ou funções dos rins, com ou sem alteração da filtração glomerular, por um período maior que 3 meses e com implicações na saúde do indivíduo. São muitas as doenças que acometem os rins, podendo levar à doença renal crônica e prejuízo da função renal. Estudos elaborado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia em 2011, apontam a hipertensão arterial, o diabetes e as glomerulopatias como as principais doenças que levam o paciente à insuficiência renal crônica terminal com necessidade de diálise no Brasil. O tratamento pode ser dividido em duas fases: o tratamento conservador e a terapia renal substitutiva.

No tratamento conservador, o objetivo principal é retardar a progressão da doença renal, evitando uma maior perda da função renal, além de tratar suas complicações, como por exemplo a anemia, acidose metabólica e doença mineral óssea. Na fase de terapia renal substitutiva, a função renal já encontra-se bastante deteriorada e o organismo não é mais capaz de manter seu equilíbrio interno, havendo prejuízos claros à saúde do paciente.

Autor(a) declara que foram colhidas todas as informações referentes às patologias relatadas, não havendo mais informações a serem acrescentadas, desta forma, alega ciência do procedimento padrão pericial executado.

10. CONCLUSÃO

Considerando os exames clínico e físico, pela análise documental apresentada no ato pericial, análise dos documentos junto aos Autos, qualificação profissional declarada, grau de instrução e relato do(a) periciado(a) conclui-se que:

Considerando as informações extraídas através do relato da parte autora em consulta pericial juntamente com a documentação já anexada ao processo, foi constatado a existência de quadro patológico conforme descrito no item nº 9 deste laudo. Verifica-se ainda que a parte periciada realiza tratamento através de medicamentos, porém, sem melhora significativa até a presente data, portanto, considerando o quadro de saúde atual apresentado pelo periciado concluo pela incapacidade TOTAL E PERMANENTE do autor.

O(a) Autor(a) é portador(a) de incapacidade TOTAL E PERMANENTE, estima-se a incapacidade desde 16/09/20201 considerando a documentação médica anexada ao processo.

Ressalta-se que, foram criteriosamente observados todos os exames anexados junto aos autos e apresentados em consulta pericial.

[...]

9. Constatada incapacidade, esta impede totalmente ou parcialmente o periciando de praticar sua atividade habitual?
R: Totalmente.

[...] 

14. Caso seja constatada incapacidade total, esta é temporária ou permanente? R: Permanente.

[...]

15. É possível estimar qual é o tempo necessário para que o periciando se recupere e tenha condições de voltar a exercer seu trabalho ou atividade habitual? Justifique. Em caso positivo, qual é a data estimada?

R: Considerando o quadro atual de saúde apresentado pelo autor, não há como estimar prazo determinado para recuperação do mesmo.

16. Não havendo possibilidade de recuperação, é possível estimar qual é a data do início da incapacidade permanente? Justifique. Em caso positivo, qual é a data estimada?

R: Considerando a documentação médica anexada ao processo, fixo como data estimada, a incapacidade a partir de 16/09/2021"

O laudo médico constatou a patologia, as limitações e as barreiras apontadas pela parte autora. Fora constatadas doenças graves que resultam, inequivocadamente, em impedimentos de longo prazo, inclusive relativos a pessoas que convivam com a parte requerente, haja vista que a patologia demanda assistência de familiares e amigos. 

Tais impedimentos, em interação com as barreiras existentes, importam obstrução à plena participação do autor no meio social em igualdade de condições com as demais pessoas, uma vez que, dificultam sua completa inserção no seu seio social, de saúde e no convívio com a comunidade em geral, mormente com as demais pessoas da sua faixa etária.  

Logo, atendidos os critérios disposto no artigo 20, §§2º e 10, da Lei 8.742/93, resta comprovada a deficiência.  

Superada esta questão, deve ser analisado o aspecto econômico.  

No que tange à renda familiar, o c. Supremo Tribunal Federal – na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1 – Distrito Federal – julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, que dispõe acerca da necessidade de comprovação de que a renda per capita da família seja inferior a 1/4 do salário mínimo como um dos requisitos legais e objetivos para o atendimento das condições de concessão do benefício. Verifica-se, então, que o preenchimento desse requisito acarreta apenas a presunção de miserabilidade que a Lei exige. 

Entendo, contudo, que o benefício também pode ser concedido nas hipóteses em que a miserabilidade familiar restar cabalmente demonstrada, ainda que a renda per capita seja superior ao limite legal. A outra conclusão não se pode chegar, mormente se analisada a questão à luz do princípio da dignidade humana e da necessidade de se assegurar o piso vital mínimo a todos os indivíduos, a fim de se buscar a concretização dos objetivos colimados pela Constituição Federal. 

Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o critério da miserabilidade contido no artigo 20, § 3º, da LOAS, não dever ser interpretado taxativamente (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013). 

Passo à análise da questão sob esse prisma.

Destaco que a Constituição Federal, em seu art. 229, prevê, expressamente, o dever dos pais de assistir, criar e educar os filhos, bem como o dever dos filhos maiores de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.  

Ainda, o Código Civil, nos arts. 1.694 a 1.697, também obriga a prestação de alimentos dos pais em favor dos filhos, dos filhos maiores em favor dos pais, dos irmãos entre si, e de avós com netos e vice-versa. Assim, a responsabilidade do Estado pelo sustento é subsidiária em relação à da família. 

Registre-se, assim, que a assistência social tem atuação supletiva, neste sentido leciona Simone Barbasian Fontes:  

“A atuação da Assistência Social, enquanto setor responsável pela inserção social das pessoas situadas em condições de miserabilidade, tem atuação sempre supletiva à atuação da própria família. Em linhas sintéticas, somente deverá pôr em aplicação suas políticas na medida da absoluta impossibilidade do beneficiário de manter-se de forma autônoma, por seu próprio trabalho ou por conta de auxílio familiar.” (O conceito aberto de família e seguridade social. P.251- in Direito da Previdência e Assistência Social – elementos para uma compreensão interdisciplinar. Porto Alegre: Conceito Editorial, 2009.) 

Assim, descabe tornar o Estado como ‘garantidor universal’, em detrimento do dever primário da família, conforme bem enumera a legislação em vigor. Afinal, não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo.  

Desta feita, a se levar ao extremo tal consideração de dissociação da renda dos familiares, favorecer-se-ia situações nas quais as pessoas são abandonados em estado de penúria por seus parentes, os quais gozam de excelentes condições econômicas, atribuindo um ônus indevido a ser suportado por toda a sociedade.  

Delineadas estas premissas, não restou demonstrado, na hipótese em apreço, a possibilidade de a parte autora e/ou seus familiares suprirem as suas necessidades, sem prejuízo ao próprio sustento. Destarte, estão presentes os requisitos para concessão do valor assistencial.  

No caso, segundo o estudo socioeconômico (Num. 163486688), o autor reside em imóvel cedido, sozinho, sem desempenhar trabalho remunerado, sobrevivendo do auxílio de pessoas solidárias, amigos e parentes, bem como de políticas públicas como o Auxílio Emergencial. A renda  proveniente do auxílio per capita era de R$ 500,00 (quinhentos reais). As despesas da unidade doméstica envolvem gastos ordinários com água, luz, alimentação e medicamentos.

Segundo o laudo social (Num. 163486688 - Pág. 2): 

“[...]

CONCLUSÃO:

Segundo a Resolução CFESS,1993, a Defesa intransigente dos direitos humanos[...]; Ampliação e consolidação da cidadania[...]; Posicionamento em favor da equidade de justiça social[...]; Empenho na eliminação de todas as formas de preconceitos[...] e Exercício do Serviço Social sem discriminar, nem discriminar por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física.

Contudo, evidenciou-se através de visita domiciliar que o autor Ramão Eugenio Alves vive em situação de vulnerabilidade social e neste sentido considera-se que o mesmo esteja Apto para receber o BPC (Benefício de Prestação Continuada) de acordo com a LEI 9742/93 LOAS, todo portador de deficiência e idoso a partir de 65 (sessenta e cinco anos) que não possua meios de prover sua subsistência nem de sua família, é assegurado um salário mínimo nos termos da Lei". 

Portanto, à vista das circunstâncias narradas no laudo social e do conjunto probatório coligido ao feito, bem se denota que a renda per capita da família da parte autora é inferior a ¼ do salário mínimo, à luz de suas condições pessoais, configurando-se a hipótese de vulnerabilidade social, pois a renda que obtinha dizia respeito a política pública transitória, relativa ao auxílio emergencial.

O termo inicial do benefício deve ser a data do requerimento administrativo, em 15/05/2020, pois os critérios para concessão do amparo social estavam comprovados desde a referida época. 

Por fim, quanto a justificativa para o indeferimento da autarquia previdenciária, de que o autor teria vínculo trabalhista ou previdenciário em aberto no CNIS, restou demonstrado que o requerente não possui qualquer fonte de renda.

III - DISPOSITIVO 

Posto isso, resolvo o mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, e julgo procedente o pedido para condenar a INSS a implantar o benefício de prestação continuada à parte autora, a contar de 15/05/2020. 

O INSS deverá arcar, ainda, com o pagamento dos atrasados, sobre os quais deverá incidir correção monetária a partir do dia em que deveriam ter sido pagos e juros de mora a partir da citação, ambos calculados nos moldes da Resolução CJF n. 134/10 (Manual de Cálculos da Justiça Federal) com as alterações promovidas pela Resolução n. 267, de 02.12.2013, abatidos os valores eventualmente já pagos na via administrativa e/ou por benefício incompatível, além de respeitada a prescrição quinquenal, quanto aos débitos devidos até 08/12/2021, quanto ao período posterior, deverão ser observados os critérios estabelecidos pela EC 113/2021.   

Ressalvo que a determinação acima não impede a aplicação dos artigos 21 e 21-A da Lei n. 8.742/93. 

Sem custas ou honorários nesta instância.  

Defiro a tutela provisória de urgência em razão do caráter alimentar da verba e do entendimento firmado neste juízo de cognição exauriente. Determino ao INSS a implantação do benefício 705.414.914-0 em trinta dias. Cumpra-se, servindo o dispositivo desta sentença como OFÍCIO.  

Interposto recurso inominado contra a sentença, vista à parte contrária para contrarrazões.  

Decorrido o prazo, com ou sem manifestação, remetam-se os autos à Turma Recursal,  independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1010, §3º, do CPC). 

Com o trânsito em julgado da sentença: (i) oficie-se ao INSS pela APSAJD para, no prazo de 30 dias, implantar e/ou comprovar a implantação do benefício deferido; (ii) no mesmo prazo faculto à parte autora/exequente apresentar os cálculos da liquidação; (iii) apresentados os cálculos, intime-se o INSS para impugnar em 30 dias, nos termos do art. 535, caput, e incisos de I a IV do CPC; (iv) decorrido o prazo de manifestação sem impugnação dos cálculos ou em caso de concordância, desde já, homologo os cálculos incontroversos e determino a expedição dos respectivos requisitórios; (v) em caso de impugnação, abra-se vista à parte credora para manifestação em 10 dias, após, venham os autos conclusos para sentença.  

Outrossim, havendo requerimento e ocorrendo a juntada do contrato advocatício, autorizo a retenção dos honorários contratuais em favor do advogado da parte autora sobre o crédito desta última no percentual contratado entre eles.  

Desde já, autorizo eventual retificação da classe para expedição de RPV.  

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

O recurso, no entanto, não merece prosperar.

A respeito, consigno que o art. 46 combinado com o parágrafo 5º do art. 82, ambos da Lei nº 9.099/95, facultam à Turma Recursal dos Juizados Especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença.

Por sua vez, o mencionado parágrafo 5º do artigo 82 da Lei nº 9.099/95, dispõe “se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.”.

O Colendo Supremo Tribunal Federal já reconheceu a constitucionalidade, vale dizer, a não violação ao dever constitucional de motivação das decisões judiciais (art. 93, inc. IX, da CF/88), da utilização da denominada técnica da fundamentação per relationem, consoante se infere na leitura do seguinte precedente da jurisprudência da excelsa corte, verbis:

(...) O Supremo Tribunal Federal tem salientado, em seu magistério jurisprudencial, a propósito da motivação “per relationem”, que inocorre ausência de fundamentação quando o ato decisório – o acórdão, inclusive – reporta-se, expressamente, a manifestações ou a peças processuais outras, mesmo as produzidas pelo Ministério Público, desde que, nestas, se achem expostos os motivos, de fato ou de direito, justificadores da decisão judicial proferida. Precedentes. Doutrina. O acórdão, ao fazer remissão aos fundamentos fático-jurídicos expostos no parecer do Ministério Público – e ao invocá-los como expressa razão de decidir –, ajusta-se, com plena fidelidade, à exigência jurídico-constitucional de motivação a que estão sujeitos os atos decisórios emanados do Poder Judiciário (CF, art. 93, IX).”

(ADI 416 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 31-10-2014 PUBLIC 03-11-2014) grifei.

Nessa toada, a sentença, no mérito, não merece reparos, uma vez que se fundamentou em norma jurídica e orientação jurisprudencial aplicáveis à espécie.

O INSS sustenta que o requerimento administrativo foi protocolizado em 16/12/2019 e indeferido porque o autor não atende ao critério da deficiência. Logo, como o laudo pericial atestou que o termo inicial da deficiência é 16/09/2021, não há como questionar o indeferimento da autarquia na via administrativa.

Ocorre que as provas trazidas aos autos comprovam que em 2019 o autor já estava acometido pelas doenças narradas no laudo e seu quadro de saúde era o mesmo desde aquela época. Tanto é verdade que a própria perita, em sua conclusão, relata o seguinte:

(...) foi constatado a existência de quadro patológico conforme descrito no item nº 9 deste laudo. Verifica-se ainda que a parte periciada realiza tratamento através de medicamentos, porém, sem melhora significativa até a presente data, portanto, considerando o quadro de saúde atual apresentado pelo periciado concluo pela incapacidade TOTAL E PERMANENTE do autor. (item 10. Conclusão - fl. 3 ID 266742232)

Note-se que a perita não fala em agravamento ou piora dos sintomas, mas apenas relata as doenças que acometem o autor e menciona que o tratamento não levou a uma melhora significativa dos sintomas.

Destarte, é possível concluir que a deficiência já estava caracterizada à época do requerimento administrativo. Do mesmo modo, a situação socioeconômica narrada no laudo é a mesma alegada na via administrativa, pois não houve alteração do núcleo familiar ou da situação econômica da família.

Não bastasse, a própria alegação de que a situação analisada pelo INSS é diversa daquela apurada nos autos é equivocada, porquanto se denota do documento de fl. 52 - ID 266741967 que em razão da pandemia do COVID a avaliação social do autor foi agendada apenas para a data de 10/02/2021 e a perícia médica administrativa para 11/02/2021. As análises administrativa e judicial, portanto, são contemporâneas.

Não há outros pontos controvertidos trazidos pelo recurso em tela, de modo que, norteando-se pelos elementos e circunstâncias constantes dos autos, não há falar em qualquer elemento novo que justifique a modificação do julgado. Logo, no mérito, a sentença deve ser mantida em todos os seus termos, por seus próprios fundamentos.

Posto isso, voto por negar provimento ao recurso, confirmando a sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos, os quais dou por transcritos, com base no art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001, somados aos argumentos ora expendidos.

Condeno a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do artigo 55, segunda parte, da Lei n. 9.099/95.

É o voto.



EMENTA

ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM  DEFICIÊNCIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO INOMINADO INTERPOSTO PELO INSS.  AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO DOS FATOS E CIRCUNSTÂNCIAS ANALISADOS ADMINISTRATIVAMENTE. INDEFERIMENTO INDEVIDO DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL - DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.