Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 0011682-94.2013.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

EMBARGANTE: ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR

EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: FABIO RAFAEL CICHON
 

ADVOGADO do(a) INTERESSADO: AMADEU MARQUES JUNIOR - PR50646

 


 

  

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 0011682-94.2013.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

EMBARGANTE: ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR

EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

 

 R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de embargos infringentes opostos pela Defensoria Pública da União em favor de Antônio Maria da Silva Matos Junior contra o acórdão de Id n. 269255336, por meio do qual a 11ª Turma deste Tribunal, por maioria, rejeitou os embargos de declaração opostos em favor do réu, nos termos do voto da Relatora, a Juíza Federal Convocada Monica Bonavina, acompanhada pelo Desembargador Federal Nino Toldo. Restou vencido o Desembargador Federal José Lunardelli que dava provimento aos embargos de declaração, para sanar a questão apontada, para que fosse aberta vista dos autos ao Ministério Público Federal, de modo a permitir a análise acerca do cabimento do acordo de não persecução penal.

A ementa foi lavrada nos seguintes termos:

 

PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO QUANTO À POSSIBILIDADE DE CELEBRAR ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - ANPP (ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, INCLUÍDO PELA LEI N. º 13.964/2019). AUSÊNCIA DE VÍCIO A SER SANADO.

- Sem que sejam adequadamente demonstrados quaisquer dos vícios elencados no artigo 619 do Código de Processo Penal, não devem ser acolhidos os Embargos de Declaração, que não se prestam a veicular simples inconformismo com o julgamento, nem têm, em regra, efeito infringente.

- Quanto à possibilidade de celebração do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), nos termos do artigo 28-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei Federal nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, não se verifica qualquer omissão, ambiguidade e/ou contradição, forte na constatação de que o colegiado não deveria ter se manifestado sobre o assunto, uma vez que o requerimento de remessa dos autos ao Ministério Público Federal para análise da possibilidade de oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), embora anterior ao julgamento da Apelação, foi feito através de petição simples, posterior ao oferecimento das razões recursais e, assim, foi devidamente apreciado através de despacho.

- Tendo como base a dicção legal, verifica-se que o instituto do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP tem pertinência em ser invocado antes do oferecimento da denúncia ou da queixa, tendo em vista o art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, afirmar que o expediente somente será apresentado acaso não seja hipótese de arquivamento do Inquérito Policial, demonstrando claramente a intenção do legislador de sua incidência antes de iniciada a persecução penal. Nesse diapasão, o § 8º do mesmo comando legal dispõe que, recusada a homologação do Acordo, o magistrado devolverá os autos ao Ministério Público para que este analise a viabilidade de complementação das investigações ou ofereça denúncia. Desta feita, é notória a premissa de que o Acordo de Não Persecução Penal - ANPP foi criado para situações em que não tenham sido ainda recebidas as iniciais acusatórias. Portanto, não há pertinência em se requerer a aplicação de instituto que foi concebido para evitar-se a instauração de persecução penal, qual seja, o Acordo de Não Persecução Penal – ANPP, em relação processual penal em que, inclusive, já foi confirmado o édito penal condenatório exarado por magistrado singular.

- Em complemento, sublinhe-se que, quanto a fatos anteriores ao início da vigência da Lei nº 13.964/2019, o ANPP é cabível até o recebimento da denúncia, conforme o entendimento do E. Supremo Tribunal Federal e do C. Superior Tribunal de Justiça.

- Embargos de Declaração opostos pela Defensoria Pública da União em favor de ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR.

 

Alega-se, em síntese, o seguinte:

a) o acordo de não persecução penal (ANPP) é uma inovação legislativa mais favorável ao acusado cuja condenação ainda não transitou em julgado, de forma que pode ser analisado nesse momento;

b) a lei não limitou temporalmente a possibilidade de oferecimento da proposta, sendo possível a sua aplicação aos processos em curso, mesmo que em fase recursal;

c) o ANPP deve retroagir em benefício do réu, alcançando processos em curso até o trânsito em julgado da condenação;

d) na ausência de julgamento de precedentes definitivos não há que se falar em pacificação do entendimento pela irretroatividade do instituto nos Tribunais Superiores, como citado no acórdão embargado;

e) o recorrente é primário, possui bons antecedentes, o crime a ele imputado possui pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, houve o reconhecimento da confissão espontânea, além de ser um caso de baixa periculosidade, sem violência ou grave ameaça à pessoa, sendo cabíveis os mecanismos de não persecução penal;

f) deve prevalecer o voto vencido, para que se reconheça a possibilidade de propositura do acordo de não persecução penal, com a remessa dos autos ao primeiro grau, para que o Ministério Público Federal de origem analise e ofereça a proposta e, em caso de recusa, que os autos sejam enviados à instância superior da instituição, na forma do art. 28 do Código de Processo Penal (Id n. 270684246).

Em contrarrazões, a Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Cristina Marelim Viana, manifestou-se pelo desprovimento dos embargos infringentes (Id n. 271740179).

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

 

 


EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 0011682-94.2013.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

EMBARGANTE: ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR

EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

 

 V O T O

 

Acordo de não persecução penal (ANPP). CPP, art. 28-AAções penais em curso quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/19. Admissibilidade do acordo antes do trânsito em julgado. A atual redação do Enunciado n. 98 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, alterado em 31.08.20, é a seguinte:

 

É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o integrante do MPF oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A do CPP, quando se tratar de processos que estavam em curso quando da introdução da Lei nº 13.964/2019, conforme precedentes, podendo o membro oficiante analisar se eventual sentença ou acórdão proferido nos autos configura medida mais adequada e proporcional ao deslinde dos fatos do que a celebração do ANPP. Não é cabível o acordo para processos com sentença ou acórdão após a vigência da Lei nº 13.964/2019, uma vez oferecido o ANPP e recusado pela defesa, quando haverá preclusão.

 

Cabe registrar que ainda não foi pacificada pelos Tribunais Superiores a questão a respeito dos limites temporais do oferecimento do acordo de não persecução penal aos processos em curso quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/19, estando pendente de julgamento o HC n. 185.913/DF, afetado ao plenário do Supremo Tribunal Federal pelo Relator, Ministro Gilmar Mendes, no qual será também debatido o cabimento da propositura do referido acordo em casos nos quais o acusado não tenha previamente confessado a prática da infração penal.

Todavia, ante a edição do Enunciado n. 98 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, privilegiando a aplicabilidade do instituto de justiça negociada, é razoável que se admita o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, até o trânsito em julgado, caso ainda não tenha sido oferecido, bem como que haja certo controle judicial da recusa do órgão acusatório em oferecer o acordo.

Assim, de forma semelhante ao instituto da suspensão condicional do processo, conforme Súmula n. 696 do Supremo Tribunal Federal, cabe ao Juízo, caso discorde das razões invocadas pelo Ministério Público Federal para recusar-se a propor acordo de não persecução penal e entenda preenchidos os requisitos legais do art. 28-A do Código de Processo Penal, remeter os autos à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal, em sua redação original, mantida em vigor pelo Supremo Tribunal Federal.

Do caso dos autos. Antônio Maria da Silva Matos Júnior foi condenado, juntamente com Fabio Rafael Cichon, a uma pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, regime aberto, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pelo cometimento do delito previsto no art. 155, § 4º, II, c. c. o art. 14, II, do Código Penal, pena substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 2 (dois) salários mínimos e em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (Id n. 160357700 – p. 165/187).

No julgamento dos recursos interpostos, a 11ª Turma deste Tribunal, por unanimidade, decidiu de ofício, reclassificar a conduta dos acusados para aquela prevista no art. 312 do Código Penal, sem, qualquer repercussão na pena final, em respeito ao princípio da proibição da reformatio in pejus, mantida a pena definitiva em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, além de dar parcial provimento aos recursos de apelação interpostos pelos acusados Antônio Maria da Silva Matos Júnior e Fabio Rafael Cichon, tão somente para reduzir a pena de prestação pecuniária de ambos os réus para 1 (um) salário mínimo e reduzir o tempo de cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade ao tempo estabelecido para a pena privativa de liberdade, além de conceder os benefícios da justiça gratuita ao acusado Antônio (Id n. 266150360).

A defesa de Antônio Maria da Silva Matos Júnior opôs embargos de declaração, alegando omissão quanto à possibilidade de oferecimento ao réu do acordo de não persecução penal (Id n. 267024260).

Em sessão realizada em 26.01.23, a 11ª Turma, por maioria, decidiu rejeitar os embargos de declaração (Id n. 269255336).

 A Juíza Federal Convocada Monica Bonavina proferiu o voto condutor em que concluiu não ser cabível o acordo de não persecução penal, considerando que o feito já foi sentenciado. O voto foi proferido nos seguintes termos:

 

(...)

NO CASO CONCRETO, a parte ora embargante aduziu que o v. acórdão foi omisso quanto à possibilidade de celebração do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), nos termos do artigo 28-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei Federal nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019.

Contudo, não se verifica dos autos qualquer ambiguidade, contradição, obscuridade e/ou omissão, forte na constatação de que o colegiado não deveria ter se manifestado sobre o assunto, uma vez que o requerimento de remessa dos autos ao Ministério Público Federal para análise da possibilidade de oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), embora anterior ao julgamento da Apelação, foi feito através de petição simples, posterior ao oferecimento das razões, e assim, devidamente apreciado através de despacho, no qual constou o indeferimento do pleito de o pedido de remessa dos autos ao Juízo a quo para celebração de Acordo de Não Persecução Penal na presente Ação Penal (ID n. 265682903).

 De toda forma, ainda que se suplantasse a observação pretérita, seria defeso fazer incidir nesta relação processual penal o instituto trazido a lume pelo artigo 28-A do Código de Processo Penal (incluído por força da edição da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019).

 A Lei nº 13.964/2019, comumente denominada de "Pacote Anticrime", introduziu o art. 28-A no Código de Processo Penal com a finalidade de prever o instituto do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP, in verbis:

(...)

Tendo como base a dicção legal, verifica-se que o instituto do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP tem pertinência em ser invocado antes do oferecimento da denúncia ou da queixa, tendo em vista o art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, afirmar que o expediente somente será apresentado acaso não seja hipótese de arquivamento do Inquérito Policial, demonstrando claramente a intenção do legislador de sua incidência antes de iniciada a persecução penal. Nesse diapasão, o § 8º do mesmo comando legal dispõe que, recusada a homologação do Acordo, o magistrado devolverá os autos ao Ministério Público para que este analise a viabilidade de complementação das investigações ou ofereça denúncia. Desta feita, é notória a premissa de que o Acordo de Não Persecução Penal - ANPP foi criado para situações em que não tenham sido ainda recebidas as iniciais acusatórias.

 Corroborando o posicionamento ora sustentado, mostra-se possível verificar que o Projeto de Lei nº 882/2019, que deu origem ao Acordo de Não Persecução Penal – ANPP, apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, regulava uma modalidade de acordo aos investigados para fins de não persecução penal, qual seja, o ANPP, e outra aos acusados para fins de impedir a continuidade da persecução penal. A propósito, essa última modalidade (art. 395-A) retratava a importação do denominado plea bargain à justiça pátria, porém, não restou aprovada pelo legislador. A propósito, em documento datado de 31 de janeiro de 2019, da lavra do então Senhor Ministro da Justiça, extrai-se a justificativa da proposta de inserção do art. 395-A: aumenta as hipóteses e disciplina a prática de acordos que poderão ser requeridos pelo Ministério Público ou pelo querelante e o acusado, assistido por seu defensor. A situação aqui é diferente da justificada para o art. 28-A, porque pressupõe a existência de denúncia já recebida. No mérito, valem os argumentos lá mencionados, ressaltando-se que, homologada a concordância, a pena será aplicada de pronto (in http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/ExpMotiv/MJ/2019/14.htm) – destaque nosso.

 Além disso, observe-se que a redação da regra do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP encontra uma similitude incrível com a da transação penal, sabidamente ofertada antes do início da ação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95): Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta – destaque nosso. Outrossim, não pode passar desapercebido que o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público editou o Enunciado nº 20, estabelecendo que cabe acordo de não persecução penal para fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia (destaque nosso).

 Desta feita, não há pertinência em se requerer a aplicação de instituto que foi concebido para evitar-se a instauração de persecução penal, qual seja, o Acordo de Não Persecução Penal – ANPP, em relação processual penal em que, inclusive, já foi exarado édito penal condenatório por magistrado singular. Confira-se, a propósito, r. decisão monocrática da lavra do Eminente Ministro Reynaldo Soares da Fonseca e, portanto, oriunda do C. Superior Tribunal de Justiça, por meio da qual se afirmou que, embora não seja propriamente uma novidade, porquanto já prevista como política criminal na Resolução n. 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (alterada pela Resolução n. 183/2018 do CNMP), o acordo de não persecução penal inaugura nova realidade no âmbito da persecução criminal. Em síntese, consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se faz necessária a otimização dos recursos públicos (STJ: Habeas Corpus nº 584843 - SP, j. 24.06.2020 - destaque nosso).

 Como se não bastasse a transcrição realizada anteriormente, calha destacar que tanto o C. Supremo Tribunal Federal como o E. Superior Tribunal de Justiça pacificaram posicionamento segundo o qual o Acordo de Não Persecução Penal – ANPP somente é cabível na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia – nesse sentido:

(...)

Portanto, não faz jus a parte Embargante ao ANPP, tendo em vista que o feito já se encontra sentenciado.

(...). (Id n. 268841279 – destaques do original)

 

O Desembargador Federal José Lunardelli proferiu voto divergente no qual dava provimento ao recurso para que os autos fossem remetidos ao Ministério Público Federal para análise sobre o cabimento do acordo de não persecução penal:

 

Divirjo da e. Relatora, especificamente quanto à aplicabilidade, em tese, das disposições legais atinentes ao acordo de não persecução penal (ANPP).

(...)

O acordo de não persecução penal é medida consensual de solução abreviada da lide penal, sujeita a requisitos e critérios previamente estabelecidos em lei. Inspira-se no chamado patteggiamento do direito italiano, criado com a reforma processual italiana, nos termos dos arts. 444 e seguintes do Código de Processo Penal Italiano, como "aplicazione dela pena su richiesta delle parti".

Neste sentido: "tal instituto tem como vantagens essenciais a dispensa de toda a fase debatimental e a economia de todo o segundo grau de jurisdição, uma vez que a sentença de primeiro grau é inapelável" (ATHAYDE BUONO, Carlos Eduardo e BENTIVOGLIO, Antônio Tomás. A Reforma Processual Penal Italiana - Reflexos no Brasil. RT, SP, pág.85).

Por outro lado, partilho do entendimento de que o oferecimento de ANPP não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação.

Neste sentido já decidiu o STJ no AgRg no RHC 74.464/PR, que tratava da suspensão condicional do processo, compreendendo-a não como um direito subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público, a quem compete, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação do referido instituto, desde que o faça de forma fundamentada. Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), já que ambos têm o mesmo caráter de instrumento da Justiça Penal consensual. O Ministério Público não é obrigado a ofertar o acordo, pois a ele compete avaliar a aptidão e suficiência do mesmo para reprovação e prevenção do crime, observado que, na hipótese de não oferecimento, o órgão fundamente a razão pela qual está deixando de fazê-lo.

Contudo, para os processos em curso quando da entrada em vigor da Lei que criou o ANPP, o momento processual da provocação é aquele imediatamente após a vigência, ou seja, na primeira oportunidade em que a parte poderia ter vindo a Juízo, peticionado e informado que tinha interesse em entabular o ANPP com o Ministério Público Federal.

Repito, ainda me reportando a processos iniciados antes da entrada em vigor da nova regra, se o processo está em primeiro grau, o réu não pode aguardar a sentença para depois pleitear o acordo. Se está em grau recursal, não pode aguardar a manifestação do Tribunal para só então vir a Juízo manifestar seu interesse pelo ANPP.

Admitir que o acusado ou a acusada aguardem o julgamento e, apenas na hipótese de um resultado que não lhes seja favorável, pleiteiem o ANPP, significa distorcer completamente o objetivo da legislação em baila, que tem como meta evitar a persecução penal, até porque, dado o seu caráter negocial, o ANPP deve observar os princípios da autonomia, da lealdade, da eficiência, do consenso, da boa-fé e da paridade de armas.

 Visto isso, entendo que a defesa preencheu os requisitos para que seja admitida a análise ministerial quanto à eventual proposta de ANPP. Com efeito, a sentença objeto de recurso e o apelo da defesa são anteriores à vigência das disposições que preveem o ANPP. Desde a inovação legal, não houve nova fase processual ou oportunidade específica de manifestação pela defesa. 

A defesa se manifestou quando houve a intimação para a nova etapa processual recursal, qual seja, a do efetivo julgamento da apelação. Não houve desídia ou busca por tal solução apenas diante de julgamento desfavorável, mas sim um ato da d. Defensoria Pública da União que, agindo após sua primeira intimação nos autos posterior à existência do instituto do ANPP, buscou a aplicação das respectivas disposições. 

Manifestado o pedido de análise quanto à eventual propositura de ANPP, e não sendo caso de incompatibilidade prima facie em relação ao contexto concreto, deve haver a remessa ao órgão ministerial, para que se manifeste a respeito (cabendo a referido órgão a efetiva oferta ou sua rejeição).

 Por esses fundamentos, DOU PROVIMENTO aos embargos de declaração, de maneira a sanar a questão apontada, e a fim de que seja aberta vista ao Ministério Público Federal, de modo a permitir análise acerca do cabimento concreto do Acordo de Não Persecução Penal. (Id n. 269050750 - destaques do original)

 

Conforme se verifica, a divergência refere-se à possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal ao embargante.

O embargante foi condenado pelo delito do art. 312, c. c. art. 14, II, do Código Penal, cometido sem violência ou grave ameaça a pessoa, a pena fixada é inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, inexiste a indicação de ser ele reincidente ou de que possua conduta social que o desabone e houve o reconhecimento da atenuante da confissão.

Além disso, como indicado no voto divergente, a alteração legislativa ocorreu no curso do processo e a defesa apresentou pedido para aplicação do instituto quando teve oportunidade de se manifestar nos autos.

Assim, como na hipótese não ocorreu o trânsito em julgado da sentença condenatória, é possível que os autos sejam remetidos ao Ministério Público Federal para análise da possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO aos embargos infringentes, para que os autos sejam remetidos ao Ministério Público Federal para análise da possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal ao embargante.

É o voto.


EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 0011682-94.2013.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

EMBARGANTE: ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR

EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

V O T O

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO:

Divirjo do e. Relator, com a devida vênia, para negar provimento aos embargos infringentes e de nulidade.

O ANPP não é cabível para fatos anteriores ao início da vigência da Lei nº 13.964/2019 depois que houve o recebimento da denúncia (no caso dos autos em 25.11.2014), sendo esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF):

Direito penal e processual penal. Agravo regimental em habeas corpus. Acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP). Retroatividade até o recebimento da denúncia.

1. A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o acordo de não persecução penal (ANPP), é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum.

2. O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia.

3. O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente. Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.

4. Na hipótese concreta, ao tempo da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, havia sentença penal condenatória e sua confirmação em sede recursal, o que inviabiliza restaurar fase da persecução penal já encerrada para admitir-se o ANPP.

5. Agravo regimental a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: "o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia".

(HC 191.464/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 11.11.2020, DJe-280, Publicação 26.11.2020)

Nessa mesma linha de entendimento, já vinha julgando o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. PECULIARIDADE DO CASO. RECONHECIMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

1. Segundo o § 1º do art. 28-A do Código de Processo Penal, para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.

2. Para serem consideradas as causas de aumento e diminuição, para aplicação do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), essas devem estar descritas na denúncia, que, no presente caso, inocorreu, não sendo possível considerar, no cálculo da pena mínima cominada ao crime imputado ao acusado, a causa de diminuição reconhecida apenas quando do julgamento do recurso especial. No caso do delito de tráfico, far-se-á necessário o curso da ação penal, em regra, para aferir os requisitos previstos no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, o que obsta a aplicação do benefício, que decorre, inclusive do tratamento constitucional e da lei que são rigorosos na repressão contra o tráfico de drogas, crime grave, que assola o país, merecendo um maior rigor estatal.

3. Mostra-se incompatível com o propósito do instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) quando já recebida a denúncia e já encerrada a prestação jurisdicional na instância ordinária, com a condenação do acusado, cuja causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei de drogas fora reconhecida somente neste STJ, com a manutenção da condenação.

4. embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 1.635.787/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 04.08.2020, DJe 13.08.2020).

Portanto, a denúncia já tinha sido recebida quando foi promulgada a Lei nº 13.964/2019, de modo que não é possível o ANPP.

Assim, deve prevalecer a solução adotada pela maioria da Décima Primeira Turma, que rejeitou os embargos de declaração opostos pelo réu.

Por isso, NEGO PROVIMENTO aos embargos infringentes e de nulidade.

É o voto.


E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. ART. 312 DO CÓDIGO PENAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP). CPP, ART. 28-A. AÇÕES PENAIS EM CURSO QUANDO DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 13.964/19. ADMISSIBILIDADE DO ACORDO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO.

1. Ante a edição do Enunciado n. 98 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, privilegiando a aplicabilidade do instituto de justiça negociada, é razoável que se admita o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, até o trânsito em julgado, caso ainda não tenha sido oferecido, bem como que haja certo controle judicial da recusa do órgão acusatório em oferecer o acordo.

2. De forma semelhante ao instituto da suspensão condicional do processo, conforme Súmula n. 696 do Supremo Tribunal Federal, cabe ao Juízo, caso discorde das razões invocadas pelo Ministério Público Federal para recusar-se a propor acordo de não persecução penal e entenda preenchidos os requisitos legais do art. 28-A do Código de Processo Penal, remeter os autos à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal, em sua redação original, mantida em vigor pelo Supremo Tribunal Federal.

3. O embargante foi condenado pelo delito do art. 312 do Código Penal, cometido sem violência ou grave ameaça a pessoa, a pena fixada é inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, inexiste a indicação de ser ele reincidente ou de que possua conduta social que o desabone e houve o reconhecimento da atenuante da confissão.

4. A alteração legislativa ocorreu no curso do processo e a defesa apresentou pedido para aplicação do instituto quando teve a oportunidade de se manifestar nos autos.

5. Assim, como não ocorreu o trânsito em julgado da sentença condenatória, é possível que os autos sejam remetidos ao Ministério Público Federal para análise da possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal.

6. Recurso provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Seção, por maioria, decidiu dar provimento aos embargos infringentes, para que os autos sejam remetidos ao Ministério Público Federal para análise da possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal ao embargante, nos termos do voto do Relator, no que foi acompanhado pelos Desembargadores Federais JOSÉ LUNARDELLI, PAULO FONTES e MAURÍCIO KATO, vencidos os Desembargadores Federais NINO TOLDO e HÉLIO NOGUEIRA, que negavam provimento aos embargos infringentes , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.