CONFLITO DE JURISDIÇÃO (325) Nº 5003610-60.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO
SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE DOURADOS/MS - 1ª VARA FEDERAL
SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP - 5ª VARA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
CONFLITO DE JURISDIÇÃO (325) Nº 5003610-60.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE DOURADOS/MS - 1ª VARA FEDERAL SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP - 5ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Dourados/MS em face do Juízo Federal da 5ª Vara Presidente Prudente/SP, nos autos da carta precatória criminal nº 5003254-72.2021.4.03.6002, expedida no bojo da ação penal nº 0000050-37.2019.403.6112, para a fiscalização das condições impostas a Magnum da Silva em audiência de suspensão condicional do processo (id. 270011649 - fls. 01/03 e 19/21). Consta que, no feito nº 0000050-37.2019.4.03.6112, em trâmite perante a 5ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, o órgão ministerial ofereceu denúncia em face de Magnum da Silva pela prática do delito previsto no artigo 334, §1º, inciso IV, do Código Penal. Na sequência, considerando o local da residência do denunciado, o juízo processante determinou a expedição de carta precatória para a Subseção Judiciária de Dourados/MS para a realização de audiência de suspensão condicional do processo proposta pelo Ministério Público Federal. Realizada a audiência e diante da aceitação da proposta por parte de Magnum da Silva, o Juízo Federal da 5ª Vara de Presidente Prudente/SP determinou a suspensão do processo e do prazo prescricional pelo prazo de 02 (dois) anos e impôs as seguintes condições: a) proibição de se ausentar da comarca onde reside por prazo superior a 08 (oito) dias sem autorização do juízo deprecado; b) comparecimento pessoal, mensal e obrigatório ao juízo deprecado para informar e justificar suas atividades e c) pagamento de 06 (seis) cestas básicas no valor unitário de R$ 100,00 (cem reais), durante os primeiros sies meses do período de prova (id. 270011649 - fls. 09/10). Ao homologar a suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, o juízo processante (ora suscitado) determinou a expedição de carta precatória (autuada sob o número 5001125-65.2019.4.03.6002), a qual foi devolvida pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Dourados/MS, sem cumprimento, diante da suspensão dos comparecimentos em juízo como forma de prevenção ao contágio do novo Coronavírus. Em seguida, tendo em vista que a referida precatória foi devolvida em razão da pandemia e tendo em vista que o atendimento presencial havia retornado no âmbito da Justiça Federal, o Juízo Federal da 5ª Vara de Presidente Prudente/SP determinou a expedição de nova carta precatória para a continuidade da fiscalização do cumprimento das condições impostas em audiência de proposta de suspensão condicional do processo e intimação de Magnum da Silva para dar seguimento ao cumprimento dessas condições (id. 270011649 - fls. 07/08). A nova deprecata foi autuada sob o número 5003254-72.2021.4.03.6002 e distribuída ao Juízo Federal da 2ª Vara de Dourados/MS, que, considerando tratar-se de processo relacionado à carta precatória nº 5001125-65.2019.4.03.6002 que tramitou perante a 1ª Vara Federal de Dourados/MS, determinou o encaminhamento do instrumento a esse juízo (id. 270011649 - fl. 18). Neste contexto, o Juízo Federal da 1ª Vara de Dourados/MS devolveu a carta precatória nº 5003254-72.2021.4.03.6002 sem cumprimento, considerando tratar-se de reenvio da deprecata nº 5001125-65.2019.4.03.6002, que, por sua vez, foi devolvida ao juízo de origem (5ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP) porque, durante a pandemia de COVID-19, não havia comparecimentos pessoais e porque as condições de suspensão processual poderiam ser aferidas pelo próprio juiz natural por meio da ferramenta “balcão virtual”. Na sequência, com fundamento na Resolução nº 397/2021 do Conselho Nacional de Justiça, suscitou conflito negativo de competência por considerar que a pandemia impôs ao Poder Judiciário nova interpretação sobre o cumprimento de atos judiciais de forma digital, sendo necessária a ampliação da compreensão sobre o uso das novas plataformas digitais e por entender ser mais conveniente que o juiz natural verifique, ainda que de forma remota, se o acusado cumpre as condições impostas (id. 270011649 - fls. 01/03 e 19/21). Distribuído o feito a esta Corte Regional, designei o juízo suscitante para decidir, em caráter provisório, as medidas urgentes (id. 271049129). A Procuradoria Regional da República manifestou-se pela improcedência do conflito de jurisdição para declarar a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Dourados/MS (id. 272355832). É o relatório. Dispensada a revisão, apresento o feito em mesa.
CONFLITO DE JURISDIÇÃO (325) Nº 5003610-60.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE DOURADOS/MS - 1ª VARA FEDERAL SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP - 5ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O conflito de jurisdição é improcedente. A questão controvertida refere-se à possibilidade de recusa de cumprimento de carta precatória expedida para implementação, acompanhamento e fiscalização do cumprimento de condições impostas em audiência de suspensão condicional do processo. A carta precatória é um instrumento de cooperação entre juízos, por meio do qual um juiz solicita a outro magistrado que realize, em sua jurisdição, uma diligência ou um ato processual relativo a um processo de sua própria jurisdição. De fato, é cabível a deprecação da implementação, acompanhamento e fiscalização do cumprimento de condições impostas em audiência de suspensão condicional do processo; ademais, por razões de economia processual e com fundamento nos princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, o comparecimento em juízo para justificação das atividades pode ser acompanhado no local do domicílio do investigado. Neste contexto, as hipóteses de recusa de cumprimento de carta precatória pelo juízo deprecado estão expressamente previstas no artigo 267 do Código de Processo Civil/2015, aplicável ao processo penal por analogia, nos termos do artigo 3º do Código de Processo Penal. Trata-se, portanto, de rol taxativo: Art. 267. O juiz recusará cumprimento a carta precatória ou arbitral, devolvendo-a com decisão motivada quando: I - a carta não estiver revestida dos requisitos legais; II - faltar ao juiz competência em razão da matéria ou da hierarquia; III - o juiz tiver dúvida acerca de sua autenticidade. Aqui, o Juízo Federal da 1ª Vara de Dourados/MS devolveu a carta precatória porque os comparecimentos pessoais foram suspensos durante a pandemia de COVID-19 e porque as condições de suspensão processual poderiam ser aferidas pelo próprio juiz natural por meio da ferramenta “balcão virtual”. Ainda, o juízo deprecado considerou a necessidade de cumprimento de atos judiciais de forma digital e de ampliação da compreensão sobre a utilização das novas plataformas digitais, entendendo ser mais conveniente que o juiz natural (deprecante) verifique, ainda que remotamente, se o acusado cumpre as condições impostas. De fato, houve necessidade de suspensão de todas as atividades presenciais como medida de enfrentamento de emergência sanitária em razão da pandemia de COVID-19, situação totalmente atípica e excepcional. No entanto, a crise provocada pela pandemia e a consequente impossibilidade temporária da fiscalização relativa ao comparecimento pessoal do acusado não justificam, por si só, a recusa no cumprimento da deprecata e tampouco afastam a competência do juízo deprecado. Não se desconhece que o surgimento de novas ferramentas digitais, a exemplo do chamado “balcão virtual”, constituem mecanismos de concretização do princípio constitucional de amplo acesso à justiça (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal). Essas inovações, contudo, não têm o condão de afastar o dever do juiz deprecado de cumprir uma carta precatória. Ainda que se considere a utilização da ferramenta “balcão virtual” para suprir o comparecimento pessoal do investigado, verifico que o Juízo Federal da 5ª Vara de Presidente Prudente/SP também deprecou a fiscalização quanto à proibição de se ausentar da Comarca e quanto ao pagamento de cestas básicas, ficando a critério do Juízo Federal da 1ª Vara de Dourados/MS autorizar ou não a ausência do investigado de seu município por prazo superior a 08 (oito) dias. Ademais, o livre convencimento do juiz permite que cada magistrado conduza o processo de acordo com sua própria convicção, desde que as decisões sejam fundamentadas; contudo, o fato de o juízo suscitante entender que a vinculação dos acusados a comparecimentos pessoais tem poucos resultados sob o ponto de vista da reincidência, de política criminal ou de prevenção especial e, por essa razão, aplicar outras medidas cautelares (inclusive a apresentação perante o “balcão virtual”) não constitui motivo legítimo para a recusa do cumprimento da carta precatória. No caso, deve o juízo suscitante promover os atos deprecados, de modo a oferecer ao beneficiado pela suspensão condicional do processo melhores condições de acesso à justiça na hipótese de necessidade de atendimento presencial (para eventuais orientações quanto à execução das condições impostas). Aliás, a fiscalização do cumprimento das condições impostas foi iniciada perante o juízo suscitante. De fato, consta do termo de apresentação por suspensão condicional do processo que, no dia 04/11/2020, Magnum da Silva compareceu à secretaria da 1ª Vara Federal de Dourados/MS para atender às condições estabelecidas na carta precatória criminal nº 5001125-65.2019.4.03.6002, por ocasião da suspensão condicional do processo (id. 270011649 - fl. 11), bem como constam dos autos termos de entrega de recibos de pagamento da cestas básicas, no valor unitário de R$100,00 à Justiça Federal (id. 270011649 - fls. 13/14, 16/17). Em conclusão, considerando que o Juízo Federal da 1ª Vara de Dourados/MS não invocou impedimentos concretos ou legais para o descumprimento da carta precatória destinada à fiscalização de todas as condições impostas por ocasião da suspensão condicional do processo, não é razoável a sua recusa em cumpri-la. Ante o exposto, julgo improcedente o conflito de jurisdição e declaro competente o Juízo Federal da 1ª Vara de Dourados/MS para dar cumprimento à carta precatória criminal nº 5003254-72.2021.4.03.6002, expedida nos autos nº 0000050-37.2019.403.6112. É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE JURISDIÇÃO. CARTA PRECATÓRIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONDIÇÕES IMPOSTAS. IMPLEMENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO. DEPRECAÇÃO. POSSIBILIDADE. RECUSA DE CUMPRIMENTO DA CARTA PRECATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESES LEGAIS (ART. 267, CPC). NÃO CONFIGURAÇÃO. CONFLITO IMPROCEDENTE.
1. É possível a deprecação da implementação, acompanhamento e fiscalização do cumprimento de condições impostas em audiência de suspensão condicional do processo.
2. Não configurada quaisquer das hipóteses legais expressamente previstas no artigo 267 do Código de Processo Civil, o juízo deprecado não pode se recusar a dar cumprimento à carta precatória.
3. Conflito julgado improcedente.