APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001172-33.2021.4.03.6143
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, ADERBAL GERALDO GASPARINI, RGV PATRIMONIAL LTDA - EPP
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO GUSTAVO VIEIRA - SP202302-A
APELADO: JOAO CARLOS BARBOSA, MONICA REGINA ALVES PALMEIRA
Advogado do(a) APELADO: FABIANO MORAIS - SP262051-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001172-33.2021.4.03.6143 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, ADERBAL GERALDO GASPARINI, RGV PATRIMONIAL LTDA - EPP Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO GUSTAVO VIEIRA - SP202302-A APELADO: JOAO CARLOS BARBOSA, MONICA REGINA ALVES PALMEIRA Advogado do(a) APELADO: FABIANO MORAIS - SP262051-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Cuida-se de ação ordinária ajuizada por João Carlos Barbosa e Mônica Regina Alves Palmeira em face da Caixa Econômica Federal (CEF), objetivando a anulação do procedimento de execução extrajudicial de imóvel ofertado em alienação fiduciária em garantia, com pedido de tutela antecipada. Determinada a inclusão dos arrematantes no polo passivo da demanda. Deferido o pedido de tutela antecipada em primeiro grau de jurisdição, a CEF interpôs agravo de instrumento, ao qual foi dado provimento para cassar a tutela. Após instrução processual, sobreveio sentença que julgou procedentes os pedidos, para declarar a nulidade do procedimento de consolidação da propriedade e de leilão extrajudicial do imóvel, acolhendo a alegação de impenhorabilidade do bem de família. A CEF e os arrematantes apresentaram apelações, alegando, em síntese, que não deve incidir a regra de impenhorabilidade do bem de família, uma vez que o imóvel foi oferecido voluntariamente pela parte autora, como garantia fiduciária, em contrato de mútuo. Requerem a reforma da sentença e a improcedência dos pedidos iniciais. Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal. É o breve relatório. Passo a decidir.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001172-33.2021.4.03.6143 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, ADERBAL GERALDO GASPARINI, RGV PATRIMONIAL LTDA - EPP Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO GUSTAVO VIEIRA - SP202302-A APELADO: JOAO CARLOS BARBOSA, MONICA REGINA ALVES PALMEIRA Advogado do(a) APELADO: FABIANO MORAIS - SP262051-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, lembro que contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida. Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado. Contratos que envolvam operações de crédito (em regra mútuos) relacionadas a imóveis residenciais têm sido delimitados por atos legislativos, notadamente em favor da proteção à moradia (descrita como direito fundamental social no art. 6º da Constituição de 1988). Nesse contexto emergem contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia, nos termos da Lei nº 9.514/1997. A figura da alienação fiduciária é tradicional no direito brasileiro, sendo aceita amplamente como modalidade contratual, muito embora algumas de suas características tenham sido abrandadas pela interpretação constitucional (dentre elas, a impossibilidade de prisão civil, tal como assentado pelo E. STF na Súmula Vinculante 31, em razão da interação entre o Pacto de San José da Costa Rica e o sistema jurídico brasileiro). Conforme o art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997, o contrato de mútuo firmado com cláusula de alienação fiduciária em garantia é negócio jurídico pelo qual o devedor (fiduciante) recebe recursos financeiros do credor (fiduciário), ao mesmo tempo em que faz a transferência da propriedade resolúvel de coisa imóvel; mediante a constituição da propriedade fiduciária (que se dá por registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis), ocorre o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se a propriedade fiduciária e o fiduciante obterá a propriedade plena do imóvel, devendo o fiduciário fornecer (no prazo legal, a contar da data de liquidação da dívida) o respectivo termo de quitação ao fiduciante. Ocorre que o contrato celebrado nos termos da Lei nº 9.514/1997 possui cláusula relativa a regime de satisfação da obrigação diversa de mútuos firmados com garantia hipotecária. Na hipótese de descumprimento contratual pelo fiduciante, haverá o vencimento antecipado da dívida e, decorrido o prazo para purgação da mora, a propriedade do imóvel será consolidada em nome da credora fiduciária, que deverá alienar o bem para satisfação de seu direito de crédito. Ou seja, vencida e não paga a dívida (no todo ou em parte) e constituído em mora o fiduciante, mantida a inadimplência, a propriedade do imóvel será consolidada em nome do fiduciário, conforme procedimento descrito na Lei nº 9.514/1997, viabilizando o leilão do bem. Se o valor pelo qual o bem é arrematado em leilão foi superior ao valor da dívida, o credor deverá dar ao devedor o excedente, mas em sendo inferior, ainda assim haverá extinção da dívida (art. 27, §§ 4º e 5º da Lei nº 9.514/1997). Inclino-me pela constitucionalidade e pela validade do contrato firmado com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia, pois o teor da Lei nº 9.514/1997 se assenta em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de contratação, embora resulte em regime obrigacional diverso da tradicional garantia hipotecária. Isso porque, pela redação da Lei nº 9.514/1997 (com alterações), há equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com plena publicidade de atos e ampla possibilidade de as partes buscarem seus melhores interesses, inexistindo violação a primados constitucionais e legais (inclusive de defesa do consumidor). Para tanto, reafirmo que, na hipótese de descumprimento contratual e decorrido o prazo para purgação da mora pelo devedor-fiduciante (no montante correspondente apenas às parcelas atrasadas, com acréscimos), há a consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor-fiduciário, levando o bem a leilão pelo saldo devedor da operação de alienação fiduciária (ou seja, pelo valor total remanescente do contrato, em razão do vencimento antecipado das parcelas vincendas, mais encargos e despesas diversas da consolidação), no qual o devedor-fiduciante terá apenas direito de preferência. Observe-se que o contrato entre o devedor-fiduciante e o credor-fiduciário somente se extingue com a lavratura do auto de arrematação do imóvel em leilão público do bem, dada a necessidade de eventual acerto de contas em razão de eventual excedente. Quanto ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõe sobre formalidades que asseguram ampla informação do estágio contratual. Note-se que, para que ocorra a consolidação da propriedade fiduciária em nome do credor-fiduciário, o devedor-fiduciante deve receber notificação pessoal (pelos meios previstos na legislação), abrindo prazo para a purgação da mora; não havendo a purgação, o oficial do Cartório de Registro deve certificar o evento ao credor-fiduciário para que requeira a consolidação da propriedade em seu favor, viabilizando a reintegração de posse; e para a realização de posterior leilão do imóvel, o devedor-fiduciante é também comunicado (por ao menos 1 de diversos meios legítimos) visando ao exercício de direito de preferência. E enquanto não for extinta a propriedade fiduciária resolúvel, persistirá a posse direta do devedor-fiduciante. Esse procedimento ágil de execução do mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia é motivado pela necessária eficácia de políticas públicas que vão ao encontro da proteção do direito fundamental à moradia e ao Estado de Direito, de maneira que a inadimplência do compromisso de pagamento de prestações assumido conscientemente pelo devedor afronta os propósitos da Lei nº 9.514/1997 (expressão das mencionadas políticas públicas). Contudo, a retomada do imóvel pelo credor-fiduciário não exclui casos específicos da apreciação pelo Poder Judiciário. A exemplo do procedimento de execução extrajudicial da dívida hipotecária previsto no Decreto-Lei nº 70/1966, resta pacificado na jurisprudência a constitucionalidade do rito da alienação fiduciária de coisa imóvel previsto na Lei nº 9.514/1997, conforme se pode notar pelos seguintes julgados deste E. TRF da 3ª Região: CONSTITUCIONAL E CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL PREVISTA PELA LEI N. 9.514/97. INADIMPLEMENTO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Com base no art. 370 do Código de Processo Civil, deve prevalecer a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de provas, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. 2. No caso, basta a mera interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes para se apurar eventuais ilegalidades, de modo que a prova pericial mostra-se de todo inútil ao deslinde da causa. 3. A alienação fiduciária representa espécie de propriedade resolúvel, de modo que, conforme disposto pela própria Lei n. 9.514/97, inadimplida a obrigação pelo fiduciante a propriedade se consolida em mãos do credor fiduciário. 4. Afasta-se de plano a inconstitucionalidade da execução extrajudicial prevista pela Lei n. 9.514/97, a semelhança do que ocorre com a execução extrajudicial de que trata o Decreto-lei n. 70/66 de há muito declarada constitucional pelo STF. 5. Os contratos de financiamento foram firmados nos moldes do artigo 38 da Lei n. 9.514/97, com alienação fiduciária em garantia, cujo regime de satisfação da obrigação (artigos 26 e seguintes) diverge dos mútuos firmados com garantia hipotecária. 6. A impontualidade na obrigação do pagamento das prestações pelo mutuário acarreta o vencimento antecipado da dívida e a imediata consolidação da propriedade em nome da instituição financeira. 7. Providenciada pela instituição financeira a intimação da parte devedora para purgar a mora acompanhada de planilha de projeção detalhada do débito e, posteriormente, para exercer seu direito de preferência previsto na legislação de regência, denota-se que foram observadas as regras do procedimento executório. 8. O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia não ofende os princípios fundamentais do contraditório ou ampla defesa, porquanto não impede que devedor fiduciante submeta à apreciação do Poder Judiciário eventuais descumprimentos de cláusulas contratuais ou abusos ou ilegalidades praticadas pelo credor. 9. Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei Consumerista aos contratos regidos pelo SFI, e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou demonstrada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência. 10. Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5026408-58.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 03/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/04/2020). APELAÇÃO - PROCESSUAL CIVIL - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO - - AÇÃO ORDINÁRIA DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - CONSTITUCIONALIDADE DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO PREVISTO NA LEI 9.514/97 - SENTENÇA MANTIDA. I - Não há que se confundir a execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 com a alienação fiduciária de coisa imóvel, como contratado pelas partes, nos termos dos artigos 26 e 27 da Lei nº 9514/97. II - O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia, não ofende a ordem constitucional vigente, sendo passível de apreciação pelo Poder Judiciário, caso o devedor assim considerar necessário. Precedentes desta E. Corte. III - Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei consumerista aos contratos regidos pelo Sistema Financeiro Imobiliário e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou comprovada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência. IV - Recurso desprovido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0002391-35.2016.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 18/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/03/2020). No mesmo sentido da validade dos procedimentos da Lei nº 9.514/1997, já se manifestou o C. STJ: SFI - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. LEI 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃO DO IMÓVEL NA PROPRIEDADE DO FIDUCIÁRIO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO. IRREGULARIDADE NA INTIMAÇÃO. PRETENSÃO, DO CREDOR, A OBTER A REINTEGRAÇÃO DA POSSE DO IMÓVEL ANTERIORMENTE AO LEILÃO DISCIPLINADO PELO ART. 27 DA LEI 9.514/97. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI. 1. Os dispositivos da Lei 9.514/97, notadamente seus arts. 26, 27, 30 e 37-A, comportam dupla interpretação: é possível dizer, por um lado, que o direito do credor fiduciário à reintegração da posse do imóvel alienado decorre automaticamente da consolidação de sua propriedade sobre o bem nas hipóteses de inadimplemento; ou é possível afirmar que referido direito possessório somente nasce a partir da realização dos leilões a que se refere o art. 27 da Lei 9.514/97. 2. A interpretação sistemática de uma Lei exige que se busque, não apenas em sua arquitetura interna, mas no sentido jurídico dos institutos que regula, o modelo adequado para sua aplicação. Se a posse do imóvel, pelo devedor fiduciário, é derivada de um contrato firmado com o credor fiduciante, a resolução do contrato no qual ela encontra fundamento torna-a ilegítima, sendo possível qualificar como esbulho sua permanência no imóvel. 3. A consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à posse do imóvel. Negá-lo implicaria autorizar que o devedor fiduciário permaneça em bem que não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação, na medida em que a Lei 9.514/97 estabelece, em seu art. 37-A, o pagamento de taxa de ocupação apenas depois da realização dos leilões extrajudiciais. Se os leilões são suspensos, como ocorreu na hipótese dos autos, a lacuna legislativa não pode implicar a imposição, ao credor fiduciante, de um prejuízo a que não deu causa. 4. Recurso especial não provido”. (STJ, 3ª Turma, REsp 1155716/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13/03/2012, DJe 22/03/2012 RB vol. 582 p. 48). Dificuldades financeiras não são fundamentos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntário e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando que o devedor deixe de pagar as prestações avençadas por enfrentar desafios financeiros, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado (já que o objeto é o mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel). Ademais, contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia já desfrutam de previsões especiais nos termos da Lei nº 9.514/1997, integrando políticas públicas que atendem à proteção do direito fundamental à moradia, mesmo que não integrem operações do Programa Minha Casa - Minha Vida (Lei nº 11.977/2009), com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). A parte autora alegou, na petição inicial: impenhorabilidade do bem de família; nulidade do leilão, pois apenas o autor foi notificado a respeito das datas e não houve publicação do edital do leilão em jornal de grande circulação por três dias seguidos; nulidade da cessão de crédito à CEF, pois não foram notificados. No caso dos autos, a parte-autora celebrou, com a Brazilian Mortgages Companhia Hipotecária, contrato por instrumento particular de financiamento com instituição de alienação fiduciária em garantia, emissão de cédula de crédito imobiliário e outras avenças, em 26/10/2011, no valor de R$ 31.618,71, a serem pagos em 70 prestações, atualizadas por meio da Tabela Price (id 266218239). Ofereceu, em garantia fiduciária, o imóvel situado na Rua da Imprensa, nº 544, Parque Novo Mundo, na cidade de Limeira/SP, devidamente descrito e caracterizado na matrícula nº 16.245, do 2º Registro de Imóveis de Limeira/SP. Posteriormente, a Brazilian Mortgages Companhia Hipotecária cedeu os créditos à CEF. Não há ilegalidade na cessão de crédito realizada sem a anuência do devedor, posto que expressamente permitida pelo art. 35, da Lei nº 9.514/1997, além de haver sido prevista na Cláusula 10.1 do contrato celebrado entre as partes. Cumpre observar que o contrato firmado originariamente com a Brazilian Mortgages Companhia Hipotecária previu expressamente a alienação fiduciária do bem imóvel como garantia, o que foi mantido após a cessão do crédito, inexistindo ilegalidade na cláusula de alienação fiduciária em garantia contratualmente prevista e pactuada pelas partes. É certo que o bem de família, assim considerado o imóvel residencial próprio do casal ou entidade familiar, conta com proteção legal, nos termos do art. 1º, da Lei nº 8.009/1990, que estabelece sua impenhorabilidade, verbis: Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Entretanto, tal proteção não é irrestrita e não pode ser invocada no caso dos autos, em que a própria parte autora, valendo-se de sua autonomia de vontade, oferece o imóvel como garantia em contrato de empréstimo. Ora, não pode o devedor, voluntariamente, ofertar seu único imóvel em garantia, com vistas a obter empréstimo junto à instituição financeira e, posteriormente, invocar a proteção ao bem de família. Tal conduta fere os primados da ética e da boa-fé, que devem nortear as relações jurídicas. Não bastasse, é ínsita à natureza do contrato celebrado a concomitante alienação fiduciária. Destaque-se que o fato de se tratar de contrato de empréstimo em que os mutuários ofertaram imóvel de sua propriedade em garantia fiduciária não tem o condão de alterar a fundamentação acima exposta, uma vez que foi celebrado contrato em que o bem foi voluntariamente oferecido como garantia. A jurisprudência do C. STJ é uníssona no sentido de que a regra de impenhorabilidade do bem de família aplica-se tão somente às situações de uso regular de direito, devendo ser coibidos o abuso do direito de propriedade, a fraude e a má-fé do proprietário. Confiram-se, a respeito, os seguintes julgados: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83 DO STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA N. 182 DO STJ. MULTA DO ART. 1.021, § 4º, do CPC/2015. NÃO INCIDÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. 1. De acordo com a jurisprudência do STJ, "a regra de impenhorabilidade aplica-se às situações de uso regular do direito. O abuso do direito de propriedade, a fraude e a má-fé do proprietário devem ser reprimidos, tornando ineficaz a norma protetiva, que não pode tolerar e premiar a atuação do agente em desconformidade com o ordenamento jurídico. (...) 2. Inadmissível o recurso especial quando o entendimento adotado pelo Tribunal de origem coincide com a jurisprudência do STJ (Súmula n. 83/STJ). 3. Conforme orienta a jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ, "a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do não provimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória, o que, contudo, não ocorreu na hipótese examinada" (AgInt nos EREsp n. 1.120.356/RS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/8/2016, DJe 29/8/2016). 4. É inviável o agravo previsto no art. 1.021 do CPC/2015 que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada (Súmula n. 182/STJ). 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AgInt no REsp 1753850/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2020, DJe 26/06/2020). PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL RECONHECIDO COMO BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE. CONDUTA QUE FERE A ÉTICA E A BOA-FÉ. SÚMULA 168 DO STJ. 1. À luz da jurisprudência dominante das Turmas de Direito Privado: (a) a proteção conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não importa em sua inalienabilidade, revelando-se possível a disposição do imóvel pelo proprietário, inclusive no âmbito de alienação fiduciária; e (b) a utilização abusiva de tal direito, com evidente violação do princípio da boa-fé objetiva, não deve ser tolerada, afastando-se o benefício conferido ao titular que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico. Precedentes. 2. Agravo interno não provido. (AgInt nos EDv nos EREsp 1560562/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 02/06/2020, REPDJe 30/06/2020, DJe 09/06/2020). DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL RECONHECIDO COMO BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE. CONDUTA QUE FERE A ÉTICA E A BOA-FÉ. 1. Ação declaratória de nulidade de alienação fiduciária de imóvel reconhecido como bem de família. 2. Ação ajuizada em 23/08/2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73. 3. O propósito recursal é dizer se é válida a alienação fiduciária de imóvel reconhecido como bem de família. 4. A questão da proteção indiscriminada do bem de família ganha novas luzes quando confrontada com condutas que vão de encontro à própria ética e à boa-fé, que devem permear todas as relações negociais. 5. Não pode o devedor ofertar bem em garantia que é sabidamente residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão (vedação ao comportamento contraditório). 6. Tem-se, assim, a ponderação da proteção irrestrita ao bem de família, tendo em vista a necessidade de se vedar, também, as atitudes que atentem contra a boa-fé e a eticidade, ínsitas às relações negociais. 7. Ademais, tem-se que a própria Lei 8.009/90, com o escopo de proteger o bem destinado à residência familiar, aduz que o imóvel assim categorizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário. 8. Não se pode concluir que o bem de família legal seja inalienável e, por conseguinte, que não possa ser alienado fiduciariamente por seu proprietário, se assim for de sua vontade, nos termos do art. 22 da Lei 9.514/97. 9. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1560562/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019). Tal entendimento também vem sendo adotado pela Segunda Turma desta E. Corte, conforme se observa, verbis: CONTRATOS. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. DESCABIMENTO. PREÇO VIL DA ARREMATAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. I - Impenhorabilidade do bem de família que não pode ser invocada em situações nas quais o imóvel é oferecido voluntariamente em garantia pelos proprietários. Precedentes. II - Alegação de arrematação do imóvel por preço vil que não se confirma. III - Recurso desprovido, com majoração da verba honorária. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002025-80.2017.4.03.6111, Rel. Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR, julgado em 22/07/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/07/2020). PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO BANCÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. MÚTUO. BEM DE FAMÍLIA. SISTEMA SAC DE AMORTIZAÇÃO. IOF. SEGURO. VENDA CASADA. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não há cerceamento de defesa pela ausência de perícia se os pontos suscitados se referem a questões de direito, como legalidade de taxa de juros e anatocismo. O artigo 355 do Código de Processo Civil permite ao magistrado julgar antecipadamente a causa e dispensar a produção de provas quando a questão for unicamente de direito e os documentos acostados aos autos forem suficientes ao exame do pedido. 2. Inexiste óbice à constituição de alienação fiduciária de bem imóvel para garantia de operação de crédito não vinculada ao Sistema Financeiro Imobiliário. Com efeito, ainda que a operação de crédito não esteja relacionada com aquisição, construção ou reforma do imóvel oferecido em garantia, é permitida a constituição da alienação fiduciária. Precedentes. 3. Conforme entendimento jurisprudencial, é admissível a penhora do bem de família quando a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro. 4. Conforme dispõe a súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal na ADIN 2591/DF, os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor aplicam-se às instituições bancárias. Contudo, embora inegável a relação de consumo, a aplicação do CDC não significa ignorar por completo as cláusulas contratuais pactuadas, a legislação aplicável à espécie e o entendimento jurisprudencial consolidado. Na realidade, tal incidência implica a relativização do princípio pacta sunt servanda, de modo que cláusulas eventualmente abusivas – e só elas – serão afastadas. Precedentes. 5. O Sistema de Amortização Constante (SAC), não implica capitalização de juros e consiste num método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros. 6. No que tange à suposta abusividade da previsão contratual de cobrança de IOF, observa-se que no demonstrativo de débito acostado aos autos não consta a cobrança de IOF por parte da instituição financeira, daí por que ausente o interesse jurídico da parte apelante nesta questão. 7. A exigência de pagamento de prêmio de seguro não tem relação à finalidade do contrato em tela, configurando espécie de " venda casada ", a qual é caracterizada quando um consumidor, ao adquirir um produto, leva conjuntamente outro seja da mesma espécie ou não. Tal instituto pode ser visualizado em empréstimos bancários quando a instituição financeira somente concede o mútuo se o cliente contratar um seguro ou outros serviços a ele oferecidos, sendo a concessão de crédito condicionada à aceitação e aquisição de tais serviços. 8. É tranquilo entendimento dos Tribunais Federais que alegações vagas e genéricas acerca da abusividade de cláusulas contratuais não permitem a declaração da respectiva nulidade, nem mesmo nas hipóteses de relações acobertadas pela proteção consumerista. Precedentes. 9. Recurso parcialmente provido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003125-45.2018.4.03.6108, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 18/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 23/03/2020). Analisando os termos do contrato em litígio, observa-se que o imóvel objeto do financiamento imobiliário foi alienado à CEF em caráter fiduciário, nos termos do art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997. Houve inadimplemento contratual, razão pela qual a propriedade restou consolidada em favor da credora fiduciária, em 10/07/2018 (id 266218175, p. 4). De acordo com a averbação de consolidação da propriedade e certidão emitida pelo Registro de Imóveis (id 266218259), foi realizada a intimação dos devedores/fiduciantes e transcorreu o prazo previsto no art. 26, §1º, da Lei nº 9.514/1997 sem que houvesse a purgação da mora. Frise-se que a certidão feita pelo Oficial de Registro de Imóveis possui fé pública e, portanto, goza de presunção de veracidade, somente podendo ser ilidida mediante prova inequívoca em sentido contrário, o que não ocorreu no presente caso. Após a averbação da consolidação da propriedade, a CEF notificou os devedores, em 04/06/2020, informando as datas dos leilões extrajudiciais, quais sejam, 15/06/2020 e 30/06/2020 (id 266218261). Ressalte-se que o próprio autor afirma ter recebido a notificação a respeito das datas dos leilões, que foi enviada em nome de ambos os devedores. Ainda que assim não fosse, de se observar que a notificação de apenas um dos devedores não invalida o procedimento de execução extrajudicial, pois, segundo a Cláusula 14.4, “sendo mais de um devedor, ou ainda marido e mulher, um constitui o outro seu bastante procurador para o fim especial de receber citação, intimação, interpelação, notificações e avisos de cobrança oriundos de processo de execução judicial ou extrajudicial, bem como para representação em re-ratificações, alterações e/ou reformulações contratuais, sendo este mandato outorgado em caráter irrevogável, nos termos do artigo 684 do Código Civil, como condição dos negócios aqui pactuados, até solução final da dívida”. Nesse sentido, os seguintes julgados desta E. Corte: “APELAÇÃO. SFH. EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. LEI Nº 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DE LEILÃO EXTRAJUDICIAL E DO PROCEDIMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. NOTIFICAÇÃO DE UM DOS CODEVEDORES. NÃO PURGAÇÃO DA MORA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL EM FAVOR DA CREDORA. NOTIFICAÇÃO PESSOAL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS NA EXECUÇÃO PERPETRADA PELA CEF. PREÇO VIL. CONFIGURAÇÃO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (...) 4. In casu, não restaram demonstrados quaisquer vícios na notificação pessoal para purgação da mora, uma vez que foi expedida notificação pessoal para o endereço dos mutuários. Nesta oportunidade, a codevedora e embargante declarou que o filho não mais residia lá, assinando a notificação realizada através do Oficial de Registro de Imóveis. 5. Cumpre salientar que é suficiente a notificação pessoal de um dos codevedores em decorrência do disposto na cláusula 34ª do contrato, a qual estabelece que os devedores são procuradores recíprocos e solidariamente responsáveis pelas obrigações assumidas perante a CEF. Assim, tendo decorrido o prazo legal sem a purgação da mora, resta consolidada a propriedade em nome do fiduciário (Precedentes: REsp 1708403 RN, Relator: RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Publicação DJ 05/02/2018; AC 5062110-11.2018.404.7100, Relator: Carla Evelise Justino Hendges, 3ª Turma, TRF4, Julgamento: 18/02/2020; AG 5041580-43.2018.404.0000, Relator: Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, 4ª Turma, TRF4, 21/03/2019). 6. Outrossim, sabe-se, ainda, que a Lei nº 9.514/97 em seu § 3º do artigo 26, que não foi alterado pela Lei 13.465/2017, prevê expressamente que a intimação do fiduciante pode ser promovida pelo oficial do Registro de Imóveis, de Títulos e Documentos ou pelo correio com aviso de recebimento. (...) 11. Apelação parcialmente provida”. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000217-92.2017.4.03.6126, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 29/06/2021, DJEN DATA: 07/07/2021 – grifei). “APELAÇÃO. SFH. MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA CONTRATUAL. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS: IMPOSSIBILIDADE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO. CONSOLIDAÇÃO EM FAVOR DO CREDOR. LEI N. 9.514/97. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTITUCIONALIDADE E REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. (...) 11. Não consta, nos autos, evidências de que a instituição financeira não tenha tomado as devidas providências para tanto, nos termos do art. 26, da Lei 9.514/97. Verifica-se que o ato de constituição em mora do fiduciante pelo agente fiduciário se deu nos exatos termos do art. 26 da Lei 9.514/97, tendo havido intimação por intermédio do Registro de Imóveis, conforme documentos juntados aos autos. 12. Em relação à alegação de que somente um dos cônjuges fora intimado para purgação da mora anoto que o fato não invalida o procedimento de execução extrajudicial, uma vez que os devedores são solidariamente responsáveis pela dívida, conforme estabelecido na cláusula trigésima quinta do contrato. 13. Observa-se também que a providência da notificação pessoal, prevista no artigo 26 e §§ da Lei 9.514/1997 tem a finalidade de possibilitar ao devedor a purgação da mora. E o devedor, ao menos com a propositura da ação originária, demonstra inequívoco conhecimento do débito, não se podendo dizer que a finalidade de tais diligências não foi atingida, não caracterizando qualquer prejuízo à parte, fato que elide a decretação de qualquer eventual nulidade, nos termos do artigo 250, parágrafo único, do Código de Processo Civil. 14. O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia não fere o direito de acesso ao Judiciário, porquanto não proíbe ao devedor, lesado em seu direito, levar a questão à análise judicial. Precedentes. 15. Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei Consumerista aos contratos regidos pelo SFI, e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou comprovada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência. Assim, resta afastada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor para socorrer alegações genéricas de que houve violação ao princípio da boa-fé, onerosidade excessiva ou existência de cláusula abusiva no contrato. Precedentes. 16. Na hipótese dos autos, tendo a ciência inequívoca do procedimento extrajudicial, e não negando a mora, caberia ao devedor purgá-la, ou ao menos depositar, em juízo, o valor do débito. Não tendo assim procedido, resta reconhecer a validade da consolidação da propriedade em nome da credora fiduciária. 17. Não há nos autos comprovação de que os autores foram notificados pessoalmente acerca da data de realização dos leilões, entretanto também não há comprovação de que estes foram realmente realizados, não ocasionando prejuízos aos mutuários. 18. Mesmo após ciência inequívoca quanto à realização dos leilões o mutuário nunca se propôs a purgar a mora. Nessa senda, seria incoerente a anulação do procedimento de execução extrajudicial do bem, sem que o próprio mutuário interessado propusesse o pagamento das parcelas em atraso, demonstrando efetivamente que possui condições financeiras de purgar a mora, e não com meras alegações desprovidas de qualquer comprovação neste sentido. Isso porque a CEF informou o valor atual da dívida a ser consignado pelo autor e até o momento o autor ora apelante não se manifestou a respeito dos valores apresentados pela CEF nem demonstrou interesse em realizar depósito. 19. Desse modo, como o procedimento de consolidação da propriedade foi hígido, não há o que ser anulado, havendo a credora de observar tão somente a providência da notificação pessoal quanto às datas designadas para futuros leilões, sob pena de anulação de eventual arrematação. 20. Recurso desprovido”. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000984-21.2017.4.03.6130, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 30/06/2021, DJEN DATA: 05/07/2021 – grifei). Assim, restou comprovada a notificação acerca dos leilões, realizada nos termos do art. 27, §2º-A, da Lei nº 9.514/1997, não havendo que se falar em nulidade. Pela documentação acostada aos autos, o imóvel foi arrematado por Aderbal Geraldo Gasparini e RGV Patrimonial Ltda. EPP no segundo leilão, realizado em 30/06/2020, pelo valor de R$ 97.380,66 (ids 266218273 e 266218274). Enfim, apesar de ciente dos ônus contratuais livremente assumidos, o devedor-fiduciante não purgou a mora e nem exerceu o direito de preferência assegurado pela legislação, ao mesmo tempo em que não há irregularidade formal ou material no procedimento de execução extrajudicial noticiado nos autos. Pelas razões expostas, DOU PROVIMENTO às apelações para reformar a sentença e JULGAR IMPROCEDENTES os pedidos. Nos termos do art. 85, §2º do CPC, condeno a parte-autora ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo de 10% sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros. Observe-se o art. 98, § 3º, do CPC, em vista de a parte ser beneficiária de gratuidade. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.514/1997. REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO. DIFICULDADES FINANCEIRAS. PRAZO PARA PURGAÇÃO DA MORA RESPEITADO.
- São constitucionais e válidos os contratos firmados conforme a Lei nº 9.514/1997, pois se assentam em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de negociar, notadamente com equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com publicidade de atos e possibilidade de defesa de interesses, inexistindo violação a primados jurídicos (inclusive de defesa do consumidor).
- Quanto ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõem sobre formalidades que asseguram informação do estágio contratual. Esse procedimento é motivado pela necessária eficácia de políticas públicas que vão ao encontro da proteção do direito fundamental à moradia e do Estado de Direito, e não exclui casos específicos da apreciação pelo Poder Judiciário. Precedentes do E.STJ e deste C.TRF da 3ª Região.
- Dificuldades financeiras não são motivos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntária e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando inadimplência por esse motivo, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado entre as partes.
- A jurisprudência do C. STJ é uníssona no sentido de que a regra de impenhorabilidade do bem de família aplica-se tão somente às situações de uso regular de direito, devendo ser coibidos o abuso do direito de propriedade, a fraude e a má-fé do proprietário, no que vem sendo acompanhada pela Segunda Turma desta E. Corte. Precedentes.
- A parte autora foi intimada para purgar a mora, porém deixou transcorrer in albis o prazo para liquidar sua dívida atrasada. Também restou comprovada a notificação acerca da data do leilão extrajudicial, cumprindo a exigência do art. 27, §2º-A, da Lei nº 9.514/1997.
- Apelações providas.