APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001978-54.2022.4.03.6104
RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: PAULO DA SILVEIRA GROETAERS, EFLAUZINA DOS SANTOS GROETAERS
Advogado do(a) APELADO: FABRICIO FARAH PINHEIRO RODRIGUES - SP228597-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001978-54.2022.4.03.6104 RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: PAULO DA SILVEIRA GROETAERS, EFLAUZINA DOS SANTOS GROETAERS Advogado do(a) APELADO: FABRICIO FARAH PINHEIRO RODRIGUES - SP228597-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora): Trata-se de Apelação interposta pela União contra sentença de procedência da Ação, que anulou os atos de constituição dos débitos relativos à taxa de ocupação do imóvel, situado na Avenida Bartolomeu de Gusmão, nº 41, apto. 58, Santos/SP, Edifício Tuttobello Tuttobianco, bem como determinou o cancelamento do Registro Imobiliário Patrimonial nº 70710021127-76 junto à Secretaria do Patrimônio da União - SPU, além da condenação da Ré ao pagamento de honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 4º, III, do CPC. Sem restituição das custas diante da concessão da gratuidade processual. Sentença não sujeita ao reexame necessário, com fulcro no art. 496, inciso I e § 3º do CPC, ID 271330953. Sustenta a Apelante que o v. acórdão do C. Supremo Tribunal Federal, proferido nos Autos da Ação Executiva Fiscal, onde foi declarada a Usucapião em favor do ocupante, Sr. José Bento de Carvalho (na década de 50), conforme constam das averbações (transcrições sob nºs. 6.607, 6.608, 6.609 e 8120 realizadas na matrícula do imóvel objeto desta lide perante o 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos/SP), mostra-se incompatível com as normas constitucionais e legais que regem a questão. Defende a Apelante, em síntese, a reforma da sentença pelos seguintes argumentos: a) a legislação não permite a usucapião de bens públicos em favor de particulares, porque a propriedade sobre os terrenos de Marinha pertence à União desde o tempo do Brasil Colônia, portanto, em data anterior ao Decreto-lei n. 9.760 de 1.946, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos REsp nºs 409.303/RS, 466500/RS, 491943/RS, 798165/ES, 550111/RS e 687843/ES; b) a Apelada não trouxe aos autos a cópia integral do processo ou do interior teor para verificação do que foi decidido ou declarado naquela Ação Executiva Fiscal com relação ao imóvel objeto desta lide; c) os documentos juntados aos autos fazem referência expressa a uma Ação Executiva Fiscal em que foi determinado a realização de averbação à margem das matrículas n. 6.067, 6.608, 6.609 e 8.120, portanto, não se trata de Ação de Usucapião; d) toda a orla da chamada Baixada Santista está inserida na área do terreno de Marinha, nos termos da Linha Premar Média de 1.833; e) a taxa de ocupação e as demais receitas patrimoniais sobre os imóveis no Edifício são devidas tanto pela Parte Autora como pelos demais condôminos do Edifício de apartamentos; inclusive, o lançamento e a cobrança administrativa dos créditos originados (RIP 70710021127-76) têm como pressuposto a existência de demarcação, individualização administrativa da unidade habitacional da Parte Autora como de domínio da União; f) o Apelante ao longo dos anos aceitou o cadastramento do imóvel, assim como efetuou o pagamento das taxas de ocupação e demais encargos por prazo superior a 20 (vinte) anos e g) cita Jurisprudência deste E. TRF da 3ª Região - AC AC n. 0005479-14.2016.403.6104 no sentido de que a falta da cópia da sentença e da certidão do trânsito em julgado constitui causa de anulação da sentença. Por fim, sustenta que a usucapião deverá ser reconhecida em favor da União diante da existência da posse mansa, pacífica e ininterrupta, nos termos da Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal e dos artigos 550 do CC/1.916 c/c 1.238 do CC/2002. Postula o provimento do recurso para reformar integralmente a r. sentença com a inversão do ônus de sucumbência. Subsidiariamente a Apelante requer o reconhecimento da usucapião extraordinária em seu favor, conforme sustentado na Contestação apresentada. Contrarrazões, ID 271330962. A tramitação prioritária, na forma da Lei 10.741/2003, foi deferida, ID 27302522. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001978-54.2022.4.03.6104 RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: PAULO DA SILVEIRA GROETAERS, EFLAUZINA DOS SANTOS GROETAERS Advogado do(a) APELADO: FABRICIO FARAH PINHEIRO RODRIGUES - SP228597-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora): O art. 20, inciso VII, da CF, estabelece que os terrenos de marinha e os seus acrescidos pertencem à União, já os arts. 2º e 3 do Decreto-lei n. 9.760/46 disciplinam o que são terrenos de marinha, na forma que segue: “São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha”. O Enunciado da Súmula n. 496 do STJ estabelece que “os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União", portanto, não é possível a usucapião em favor do particular, nos termos dos artigos 183, § 3º c/c 191, parágrafo único da CF. Da cobrança da taxa de ocupação. Relativamente à cobrança da taxa de ocupação o artigo 127 do Decreto-lei n. 9.760/46 estabelece que: “Os atuais ocupantes de terrenos da União, sem título outorgado por esta, ficam obrigados ao pagamento anual da taxa de ocupação”. Por outro lado, a inscrição junto à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) é feita mediante ato administrativo e tem como pressuposto efetivo o aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do artigo 7º da Lei n. 9.636/98. Cabe ressaltar que a falta de recolhimento autoriza a inscrição do nome do ocupante no Cadin e também na Dívida Ativa. Da peculiaridade do caso. Cinge-se a controvérsia recursal em verificar se restou configurada a Usucapião em relação ao terreno de Marinha em favor do particular na década de 50. Na hipótese, a presente Ação Declaratória objetiva o reconhecimento da nulidade do registro imobiliário patrimonial, bem como o cancelamento do Registro Imobiliário Patrimonial para fins de cobrança (RIP nº 70710021127-76) ao fundamento de que houve o reconhecimento da Usucapião em favor do ocupante, Sr. José Bento de Carvalho (na década de 50), ID 271330651. Para comprovação do alegado os Autores, ora Apelados, juntaram aos autos cópias dos seguintes documentos: a) conta de energia elétrica - ID 271330655; b) Escritura de Venda e Compra lavrada perante o 3º Cartório de Notas de Santos/SP - ID 271660656; c) matrícula atualizada do imóvel emitida pelo 2º Cartório de Registro de Imóvel de Santos com os registros de transcrições desde 17/01/1979 até 25/05/2021, cujo documento possui fé pública - ID 271660657; d) Certidão do valor venal do imóvel emitido pela Prefeitura de Santos, ID 271330658; e) Certidão de Inteiro Teor do Imóvel, sob o regime da ocupação, RIP sob n. 70710021127-76, emitida pela Secretaria do Patrimônio da União indicando a existência de débito, ID 271330659; f) Certidão de Usucapião, ID 271330660 – p. 40; g) Mandado expedido Cartório de Ofício dos Feitos das Fazendas Públicas, além da Certidão emitida em 01/06/2017 pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis de Santos constando o seguinte: “.... as presentes cópias, numeradas de 01 a 30, são reproduções autênticas de documentos arquivados neste Registro de Imóveis, prenotado sob n. 49.991, e registrado em 24 de Junho de 1.955. - Dou Fé”, ID 271330661; h) matrícula n. 3.562, do 2º CRI de Santos (matrícula mãe) - ID 271330662; i) Ofício encaminhado pelo Supremo Tribunal Federal ao MM. Juízo Federal da 3ª Vara Federal de Santos/SP, com as cópias dos arquivos da E. Corte de Justiça referente ao processo antigo (Recurso Extraordinário n. 17.705, em que figuraram como Partes José Bento de Carvalho e a Fazenda Nacional), ID 2713330663, 271330664 e 271330665). Anote-se que na cópia encaminhada pelo Supremo Tribunal Federal consta a informação (no Relatório do voto do Ministro Afrânio Antonio Costa RE 17.705) que desde o Ano de 1.861 estaria consumada a usucapião em favor do ocupante à época dos fatos (ID 2713330663), restando afastada, com a juntada de cópia do v. acórdão - RE 17.705, a alegação da Apelante de que o processo não estaria devidamente instruído a impossibilitar a verificação do que foi decidido ou declarado naquela Ação Executiva Fiscal que tramitou na década de 40, devendo ser observado o título judicial coberto pelo manto da coisa julgada. Nesse aspecto, ainda que se aplique o entendimento do Enunciado da Súmula 340 do C. Supremo Tribunal Federal no sentido de que: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião", na hipótese é evidente que a usucapião se operou em favor do particular antes do advento do Código Civil de 1916. O acervo provatório indica que no julgamento do RE n. 17.705, o C. Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade do particular usucapir bem público antes do Código Civil, pela demonstração da posse “ad usucapionem” durante 40 anos, ou seja, pela chamada “praescriptio longissimi temporis”. Nesse sentido: “TERRENOS DE MARINHA: USUCAPIAO; QUANDO DEVE SER DEFRONTADA A QUESTÃO” (STF, RE 17705 / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. AFRÂNIO COSTA – CONVOCADO, Julgamento: 21/09/1951, Publicação: 17/04/1952, Órgão julgador: Segunda Turma) “AÇÃO DECLARATORIA. SUA PROPRIEDADE PARA DIRIMIR INCERTEZA SOBRE A VALIDADE DE REGISTROIMOBILIARIO (PARAGRAFO ÚNICO, DO ART.2, DO C.P.P). NA DOUTRINA DO DIREITO PRE-CODIFICADO TORNOU-SE VITORIOSO O ENTENDIMENTO DO USUCAPIAO DE BENS PUBLICOS, MEDIANTE A PRAESCRIPTIO LONGISSIMI TEMPORIS, PRETENTE DO S.T.F. IN CASU O PRAZO DO USUCAPIAO SE COMPLETOU ANTES DA VIGENCIA DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DA PROVIMENTO” (STF, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. DJACI FALCAO, Julgamento: 23/10/1973, Publicação: 05/04/1974). “TERRAS DEVOLUTAS - REGISTRO DO VIGÁRIO. 1 - O REGISTRO DA LEI 601/1850, PELO REGULAMENTO DO DE 1854, NÃO TINHA FINALIDADE PURAMENTE ESTATÍSTICA, MAS VISAVA A LEGALIZAR A SITUAÇÃO DE FATO DAS POSSES QUE SE MULTIPLICARAM NOS 3 SÉCULOS ANTERIORES. 2 - RESSALVA-SE AÇÃO DE USUCAPIÃO PELA PRESCRIPTIO LONGISSIMI TEMPORIS” (STF, RE 80416, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. CUNHA PEIXOTO, Julgamento: 16/12/1975, Publicação: 04/06/1976) “AÇÃO DE USUCAPIAO. PRESCRITIBILIDADE DOS BENS PUBLICOS ANTES DE ENTRAR EM VIGOR O CÓDIGO CIVIL. NA DOUTRINA DO DIREITO PRE-CODIFICADO TORNOU-SE VITORIOSO O ENTENDIMENTO DA VIABILIDADE DO USUCAPIAO, ATRAVÉS DA PRAESCRIPTIO LONGISSIMI TEMPORIS. ACORDAOS PARADIGMAS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, PARA ACOLHER A AÇÃO” (RE 75144, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. DJACI FALCAO, Julgamento: 23/10/1973, Publicação: 05/04/1974) “AÇÃO DECLARATORIA. SUA PROPRIEDADE PARA DIRIMIR INCERTEZA SOBRE A VALIDADE DE REGISTRO IMOBILIARIO (PARAGRAFO ÚNICO, DO ART.2, DO C.P.P). NA DOUTRINA DO DIREITO PRE-CODIFICADO TORNOU-SE VITORIOSO O ENTENDIMENTO DO USUCAPIAO DE BENS PUBLICOS, MEDIANTE A PRAESCRIPTIO LONGISSIMI TEMPORIS, PRETENTE DO S.T.F. IN CASU O PRAZO DO USUCAPIAO SE COMPLETOU ANTES DA VIGENCIA DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DA PROVIMENTO” (STF, RE 75181 / GB – GUANABARA, Relator(a): Min. DJACI FALCAO, Julgamento: 23/10/1973, Publicação: 05/04/1974, Órgão julgador: Primeira Turma) “AÇÃO DE USUCAPIAO. PRESCRITIBILIDADE DOS BENS PUBLICOS ANTES DE ENTRAR EM VIGOR O CÓDIGO CIVIL. NA DOUTRINA DO DIREITO PRE-CODIFICADO TORNOU-SE VITORIOSO O ENTENDIMENTO DA VIABILIDADE DO USUCAPIAO, ATRAVÉS DA PRAESCRIPTIO LONGISSIMI TEMPORIS. ACORDAOS PARADIGMAS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, PARA ACOLHER A AÇÃO” (STF, RE 75144 / GB – GUANABARA, Relator(a): Min. DJACI FALCAO, Julgamento: 23/10/1973, Publicação: 05/04/1974, Órgão julgador: Primeira Turma) Sobre o tema, confira-se o entendimento deste E. TRF da 3ª Região: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. LAUDÊMIO. IMÓVEL ALODIADO. DESPROVIMENTO. - Reconhecida a verossimilhança das alegações da parte autora, já que os documentos juntados com a inicial demonstram que o imóvel sobre o qual está incidindo a cobrança de taxa de ocupação está registrado por particulares no 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos/SP, sem qualquer ingerência da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, bem como que o imóvel situado na Rua Bartolomeu de Gusmão, 42, Santos/SP, embora edificado sobre terreno de marinha, foi alodiado, por força do reconhecimento judicial da usucapião em favor de José Bento de Carvalho. - Agravo de instrumento não provido”. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5020079-89.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 30/09/2021, DJEN DATA: 04/10/2021) “ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO DA MARINHA. USUCAPIÃO RECONHECIDA ANTES DO ADVENTO DO CODIGO CIVIL CANCELAMENTO DO RIP. INDEVIDA COBRANÇA DE TAXA DE OCUPAÇÃO. APELAÇÃO DESPROVIDA 1. Apelação interposta pela União contra sentença que julgou procedente o pedido da parte autora, para declarar a inexigibilidade da taxa de ocupação e laudêmio, referentes ao imóvel situado na Av. Bartolomeu de Gusmão n. 41, ap. 97 em Santos/SP, determinou o cancelamento do RIP º 70710021158-72 junto à Secretaria do Patrimônio da União – SPU e ratificou a tutela antecipada que determinou a exclusão do nome da autora no CADIN em razão de tais débitos. Condenada a ré ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 4º, inciso III, do CPC, devidamente atualizados monetariamente. 2. Não desconheço que os terrenos da marinha são considerados bens da União (art. 20, VII, da Constituição da República) e que, conforme previsão no ordenamento pátrio e orientação jurisprudencial, não são passíveis de serem adquiridos por usucapião. Nesse sentido, dispõem o art. 183, §3º, e o art. 191, parágrafo único, da Constituição da República; o art. 102 do Código Civil de 2002; bem como a Súmula nº 340 do Supremo Tribunal Federal e a Súmula 496 do Superior Tribunal de Justiça. Tratando-se de imóvel edificado em terreno de marinha, não é possível o usucapião do domínio pleno ou útil em favor de particular, face à imprescritibilidade dos bens públicos (art. 183, § 3º, da Constituição da República). 3. Não desconheço ainda que a ação de execução fiscal não se presta para analisar aquisição de propriedade imóvel por usucapião, especialmente considerada a impossibilidade de usucapião de bem público. 4. Depreende-se da documentação apresentada que a Fazenda Nacional ajuizou a ação de execução fiscal contra José Bento de Carvalho para cobrança de taxa de ocupação de terreno da marinha e multa, relativo ao exercício de 1941. Foi realizada penhora em dinheiro. A defesa sustentou (a) ser o terreno era alodial, eis que situado fora da faixa de marinha, e (b) mesmo que não o fosse, já teria adquirido o domínio do imóvel por usucapião em 1861. 5. Quando do julgamento dos embargos de declaração opostos pelo executado no RE 17.705, na sessão de julgamento de 12.09.1952, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, acolheu em parte os embargos, para que os autos baixassem à instância originária para que fosse apreciada a defesa cabível no executivo fiscal. Restou decidido que, consoante o artigo 16 do Decreto-lei 960, de 17.12.1938, a defesa poderia alegar toda matéria útil à defesa na ação executiva, inclusive usucapião, determinando assim que o juízo de primeira instancia verificasse se ocorreu a prescrição aquisitiva antes do advento do Código Civil. 6. Assim, os autos da ação de execução fiscal retornaram ao juízo de origem, tendo o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Santos/SP proferido sentença em 16/03/1954, acolhendo os embargos do executado e julgando improcedente a ação e insubsistente a penhora, ao fundamento que as escrituras demonstram que desde 1821 os antecessores mantinham domínio e posse do terreno em questão, a qual fora transmitida por sucessivas escrituras públicas, na quais jamais contou que fossem ou estivessem compreendidas na faixa marinha, bem como que a mesma jamais foi contestada por quem quer que seja, inclusive pela União, reconhecendo em favor do réu o alegado usucapião, por preenchimentos dos requisitos, ou seja, posse mansa e pacifica por mais de quarenta anos, na conformidade do direito anterior do Código Civil, uma vez que somente em 1939 ou 1940 passou a cobrar taxa de ocupação, que a União somente determinou a linha de preamar em 1938, que os antecessores ocupavam o terreno desde 1821, mantendo sob o mesmo posse mansa e pacifica, com verdadeiro animo de dono, consumando a usucapião em 1861, muito antes da vigência do Código Civil.. A Segunda Turma do Tribunal Federal de Recursos apreciou o recurso de oficio, nos termos do artigo 53 do Decreto-lei 960/1938 e confirmou a sentença em 29/09/1954, que assim transitou em julgado. 7. Consoante certidão expedida pelo 2º Registro de Imóveis de Santos, por sentença transitada em julgado, foi determinada a averbação da alodialidade do prédio localizado na Avenida Bartolomeu de Gusmão, nº 41, em virtude do reconhecimento de usucapião em favor dos ocupantes do referido imóvel, bem como que as transcrições relativas ao referido imóvel se processassem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço do Patrimônio da União. 8. A pretensão da União em ver reconhecido o imóvel como terreno da marinha, sujeito à cobrança de taxa de ocupação, configuraria, via transversa, ofensa à coisa julgada na ação executiva fiscal, que declarou a ocorrência de usucapião, atribuindo a propriedade do imóvel em favor de particular, ainda que outrora considerada como terreno da marinha. 9. Quanto aos efeitos da coisa julgada a terceiro, correta a decisão do juiz a quo ao ponderar que os efeitos da sentença que declarou usucapião do imóvel situado na Av. Bartolomeu de Gusmão, n. 41, Santos/SP, se estende aos adquirentes ou cessionários, nos termos do art. 42, §3º, do CPC /73, atualmente previsto no art. 109, §3º, e art. 509 do CPC/2015. 10. Majoração dos honorários sucumbenciais (art. 85, §11 do CPC). 11. Apelação desprovida”. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5005286-35.2021.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal RENATO LOPES BECHO, julgado em 29/03/2023, DJEN DATA: 13/04/2023) “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO. TAXA DE OCUPAÇÃO. ALODIALIDADE DO TERRENO PROCLAMADA EM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. CADEIA DOMINIAL PERFEITA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os autores acostaram aos autos (ID 151998381 – Págs. 26/57) cópia de certidão do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Santos e de mandado expedido em 13/06/1955 para o referido Registro de Imóveis, a fim de que procedesse o que segue, verbis: "averbação à margem das transcrições números 6.607, 6.608, 6.609 e 8.120, da alodialidade dos terrenos de marinha, ou seja, a declaração do usucapião reconhecido a favor dos ocupantes relativamente ao prédio sito nesta cidade, à Av. Bartolomeu de Gusmão número 41, a fim de que doravante as transações relativas ao referido imóvel se processem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço do Patrimônio da União." 2. No caso em tela, vislumbra-se a verossimilhança das alegações da parte requerente, que trouxe aos autos elementos satisfatoriamente aptos a comprovar sentença transitada em julgado, por força da qual teria ficado determinada a averbação à margem das transcrições da alodialidade dos terrenos da marinha. 3. Conforme se infere dos autos, a parte autora é adquirente de unidade autônoma situada na Av. Bartolomeu de Gusmão, n. 41, Santos - SP que compõe bem imóvel edificado em terreno de marinha cujo domínio foi judicialmente afastado da União Federal, e convertido em propriedade particular, a qual, por sua vez, foi transmitida na cadeia sucessória dominial, começando com José Bento de Carvalho, executado na ação fiscal. Precedentes desta E. Corte. 4. Como se percebe, a partir do momento em que decisão judicial reconheceu a aquisição da propriedade (ID 151998381 – Págs. 26/57) por usucapião, que remonta à posse ad usucapionem desde tempos imemoriais e às sucessivas transmissões de posse ao longo do tempo, livrou o bem enfim, considerando-o alodial, de quaisquer procedimentos junto à SPU, entre os quais a cobrança das verbas de taxa de ocupação discutidas nos presentes autos. 5. A certidão de fls. 59 dá conta de que as transcrições feitas por mandado judicial destinaram-se a que "doravante as transcrições relativas ao referido imóvel se processem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço do Patrimônio da União". Se assim o foi porque reconhecida a alodialidade e o caráter privatístico do bem, então a União não poderia tê-lo considerado bem de marinha ad aeternum, mesmo após ter havido decisão que admitiu sua usucapião, quando então deixou de ser o que a União almeja que seguisse sendo. 6. Mantida a r. sentença que concluiu, por fim, que não sendo terreno de marinha desde quando adquirida a propriedade pelo particular — e não o domínio útil —, não se submete ao pagamento da taxa de ocupação. 7. Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0003875-18.2016.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 29/07/2021, DJEN DATA: 03/08/2021) “APELAÇÃO. TAXA DE OCUPAÇÃO. ÁREA ALODIAL RECONHECIDA EM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO. COBRANÇA DE FORO AFASTADA. RECURSO IMPROVIDO. I. Ao compulsar os autos, verifica-se que a autora é adquirente de unidade autônoma situada na Avenida Bartolomeu de Gusmão, nº 41, Município de Santos/SP, que compõe bem imóvel edificado em terreno de marinha, cujo domínio foi judicialmente afastado da União Federal, e convertido em propriedade particular, a qual, por sua vez, foi transmitida na cadeia sucessória dominial, começando com José Bento de Carvalho, executado em ação fiscal na qual se declarou a aquisição da propriedade do bem por meio de usucapião. II. De fato, a jurisprudência das Turmas desta 1ª Seção já apreciou a questão sob a ótica de outras unidades autônomas situadas na mesma área, onde restou comprovado que, por força de sentença transitada em julgado, teria ficado determinada a averbação à margem das transcrições da alodialidade dos terrenos da marinha. III. Tal situação se repete no presente caso, de modo que a documentação colacionada aos autos faz concluir que a referida área foi reconhecida como propriedade particular, restando, portanto, afastado judicialmente o domínio da União e, consequentemente, a possibilidade de cobrança de foro pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU IV. Apelação a que se dá provimento. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0000211-76.2016.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 14/05/2021, DJEN DATA: 18/05/2021) “PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO - TAXA DE OCUPAÇÃO - ALODIALIDADE DO TERRENO PROCLAMADA EM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO - CADEIA DOMINIAL PERFEITA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I - Afastada a preliminar de inépcia da inicial. A autora acostou aos autos às fls. 40 e 43/71 cópia de certidão do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Santos e de mandado expedido em 13/06/1955 para o referido Registro de Imóveis, a fim de que procedesse o que segue, verbis: "averbação na margem das transcrições nº 6.607, 6.608, 6.609 e 8.108, da alodialidade dos terrenos de marinha, ou seja, a declaração da usucapião reconhecido a favor dos ocupantes relativamente ao prédio sito nesta cidade, à Av. Bartolomeu de Gusmão, n. 41, a fim de que doravante as transações relativas ao referido imóvel se processem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço do Patrimônio da União." II- No caso em tela, se vislumbra a verossimilhança das alegações da requerente, que trouxe aos autos elementos satisfatoriamente aptos a comprovar sentença transitada em julgado, por força da qual teria ficado determinada a averbação à margem das transcrições da alodialidade dos terrenos da marinha. III - Conforme se infere dos autos, a parte autora é adquirente de unidade autônoma situada na Av. Bartolomeu de Gusmão, n. 41, Santos - SP que compõe bem imóvel edificado em terreno de marinha cujo domínio foi judicialmente afastado da União Federal, e convertido em propriedade particular, a qual, por sua vez, foi transmitida na cadeia sucessória dominial, começando com José Bento de Carvalho, executado na ação fiscal. Precedentes desta E. Corte. IV - Como se percebe, a partir do momento em que decisão judicial reconheceu a aquisição da propriedade (fls. 43/71 e certidão de fl. 40) por usucapião, que remonta à posse ad usucapionem desde tempos imemoriais e às sucessivas transmissões de posse ao longo do tempo, livrou o bem enfim, considerando-o alodial, de quaisquer procedimentos junto à SPU, entre os quais a cobrança das verbas de taxa de ocupação constantes dos documentos de fls. 25/35. A certidão de fls. 40 dá conta de que as transcrições feitas por mandado judicial destinaram-se a que "doravante as transcrições relativas ao referido imóvel se processem independentemente de quaisquer formalidades junto ao Serviço do Patrimônio da União". Se assim o foi porque reconhecida a alodialidade e o caráter privatístico do bem, então a União não poderia tê-lo considerado bem de marinha ad aeternum, mesmo após ter havido decisão que admitiu sua usucapião, quando então deixou de ser o que a União almeja que seguisse sendo. V - Mantida a r. sentença que concluiu, por fim, que não sendo terreno de marinha desde quando adquirida a propriedade pelo particular - e não o domínio útil -, não se submete ao pagamento da taxa de ocupação. VI - Apelação da União desprovida”. (TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2190147 - 0004487-87.2015.4.03.6104, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, julgado em 03/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/04/2018) Por fim, apesar de o prédio ter sido construído sobre o terreno de Marinha, é de ser observado o v. acórdão do Supremo Tribunal Federal (transitado em julgado) que reconheceu a Usucapião em favor do antigo ocupante, Sr. José Bento de Carvalho, RE 17.705 do STF, de sorte que por se tratar de propriedade particular a consequência direta é o afastamento da cobrança da taxa de ocupação pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU. Da coisa julgada. A pretensão da União de reconhecimento do imóvel como terreno de Marinha para o fim de efetuar a cobrança da taxa de ocupação configura ofensa à coisa julgada. É incabível a reabertura da discussão acerca do conteúdo do v. acórdão, sob pena de violação aos arts. 502 e 508 do CPC. Nesse sentido: “Ação de manutenção de posse – Decisão que indeferiu o pedido de manutenção da autora na posse do imóvel - Existência de ação de usucapião em fase de cumprimento de sentença – Coisa julgada – Impossibilidade de nova discussão sobre a lide ou de modificação da sentença, sob pena de violação da coisa julgada – Decisão mantida – Recurso não provido. Nega-se provimento ao recurso”. Diante da manutenção da sentença o pedido de reconhecimento da Usucapião formulado pela União em suas razões recursais está prejudicado. Dos Honorários. Considerando o resultado, de rigor a majoração dos honorários, nos termos do art. 85, § 3º, I e § 11º, do CPC, para o fim de acrescer 1% (um por cento) sobre o valor fixado na r. sentença, ID 271330953. Pelo exposto, nego provimento à Apelação. Honorários majorados em 1% (um por cento). Prejudicado o pedido de reconhecimento de usucapião formulado pela Apelante. É o voto.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2002337-25.2023.8.26.0000; Relator (a): Marcia Dalla Déa Barone; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mogi das Cruzes - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/02/2023; Data de Registro: 23/02/2023)
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. USUCAPIÃO RECONHECIDA ANTES DO ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL PELO C. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DA COBRANÇA DE TAXA DE OCUPAÇÃO. COISA JULGADA. CANCELAMENTO DO RIP. APELAÇÃO IMPROVIDA.
- Cinge-se a controvérsia recursal em verificar se restou configurada a Usucapião em relação ao terreno de Marinha em favor do particular na década de 50.
- Anote-se que na cópia encaminhada pelo Supremo Tribunal Federal consta a informação (no Relatório do voto do Ministro Afrânio Antonio Costa RE 17.705) que desde o Ano de 1.861 estaria consumada a usucapião em favor do ocupante à época dos fatos (ID 2713330663), restando afastada, com a juntada de cópia do v. acórdão - RE 17.705, a alegação da Apelante de que o processo não estaria devidamente instruído a impossibilitar a verificação do que foi decidido ou declarado naquela Ação Executiva Fiscal que tramitou na década de 40, devendo ser observado o título judicial coberto pelo manto da coisa julgada.
- Nesse aspecto, ainda que se aplique o entendimento do Enunciado da Súmula 340 do C. Supremo Tribunal Federal no sentido de que: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião", na hipótese é evidente que a usucapião se operou em favor do particular antes do advento do Código Civil de 1916.
- O acervo provatório indica que no julgamento do RE n. 17.705, o C. Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade do particular usucapir bem público antes do Código Civil, pela demonstração da posse “ad usucapionem” durante 40 anos, ou seja, pela chamada “praescriptio longissimi temporis”, entendimento fortemente adotado a exemplo de outros precedentes citados.
- Dessa forma, apesar de o prédio ter sido construído sobre o terreno de Marinha, é de ser observado o v. acórdão do Supremo Tribunal Federal (transitado em julgado) que reconheceu a Usucapião em favor do antigo ocupante, Sr. José Bento de Carvalho, RE 17.705 do STF, de sorte que por se tratar de propriedade particular a consequência direta é o afastamento da cobrança da taxa de ocupação pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU.
- Destaque-se que é incabível a reabertura da discussão acerca do conteúdo do v. acórdão, sob pena de violação aos arts. 502 e 508 do CPC, de sorte que o pedido de reconhecimento da Usucapião formulado pela União em suas razões recursais está prejudicado.
- Honorários advocatícios majorados, nos termos do art. 85, § 3º, I e § 11º, do CPC, para o fim de acrescer 1% (um por cento) sobre o valor fixado na r. sentença, ID 271330953.
- Apelação desprovida.