APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004619-80.2019.4.03.6181
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE: ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: SERGIO LOPES GUIMARAES DE CARVALHO BESSA - SP391450-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004619-80.2019.4.03.6181 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: SERGIO LOPES GUIMARAES DE CARVALHO BESSA - SP391450-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de embargos de declaração opostos pela defesa de ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS em face do acórdão proferido à unanimidade por esta 11ª Turma que decidiu: “DE OFÍCIO, com espeque nos artigos 383 e 617, ambos do Código de Processo Penal, desclassificar a conduta relacionada ao IPI para o delito definido no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 e, quanto a esta parcela dos fatos, declarar extinta a punibilidade do acusado pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos do artigo 107, inciso IV, e 109, ambos do Código Penal c.c. o artigo 61 do Código de Processo Penal; REJEITAR as preliminares e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo defensivo para reduzir as penas do réu ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS para 03 (três) anos de reclusão em regime inicial aberto, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, substituída a pena corporal por duas restritivas de direitos, e para reduzir o valor mínimo para reparação do dano (art. 387, IV, do CPP)". O embargante sustenta que o aresto padece de contradição ao rejeitar o pedido defensivo de anulação do julgamento para o oferecimento de Acordo de não Persecução Penal. Afirma, ainda, que houve omissão quanto à análise da tese de que a incidência da causa especial de aumento do art. 12, I, da Lei nº8.137/90 violou, no caso concreto, o princípio da correlação entre denúncia e sentença. Requer o acolhimento dos embargos e o saneamento dos vícios apontados (id. 273746524). Contrarrazões de recurso apresentadas pela Procuradoria Regional da República no id. 275914056, pelo desprovimento dos embargos. É o relatório. Em mesa.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004619-80.2019.4.03.6181 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: SERGIO LOPES GUIMARAES DE CARVALHO BESSA - SP391450-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a analisar as questões devolvidas a esta Corte. Contradição Anote-se, de saída, que a declaração do julgado pelo motivo de contradição apenas se justifica se há discrepância nas operações lógicas desenvolvidas na decisão, vale dizer, se há dissonância interna e não suposta antinomia entre as interpretações e raciocínios adotados pelo julgador no caso concreto e aqueles adotados por outros órgãos julgadores. Assim, a alegação de que o julgado embargado contraria a prova produzida nos autos não guarda pertinência com a modalidade recursal eleita. No caso dos autos, a defesa afirma que haveria contradição no julgado quanto ao tópico destinado à análise do pedido de anulação do julgamento para oferecimento de ANPP, pois quando da citação do réu na ação penal (em 18/07/2021) já teria se esgotado o prazo para requerer a remessa dos autos à instância revisora do MPF e porque o motivo invocado para a negativa de propositura do ANPP somente teria deixado de subsistir no curso da ação penal, em 03/06/2022. De se ver que a insurgência do embargante não aponta uma contradição interna no julgado, mas encerra discordância da parte quanto à conclusão deste órgão julgador acerca da ausência da nulidade aventada no apelo defensivo. Assim, os embargos de declaração não são o recurso adequado para a revisão pretendida. Além disso, a leitura do trecho do voto, quanto ao tópico, revela que não há qualquer contradição e que a nulidade foi rejeitada de maneira devidamente fundamentada, inclusive com base em razões independentes e suficientes por si sós para a denegação do pleito (ausência de direito subjetivo do réu e negativa expressa da Procuradoria em oferecer o acordo, por reputar ausentes os seus requisitos): “ANPP A defesa pede a anulação do processo, sob o fundamento de que faz jus à propositura de acordo de não persecução penal. O ANPP - Acordo de Não Persecução Penal foi incluído no Código de Processo Penal, em seu art. 28-A, pela Lei nº 13.964/2019, com a seguinte redação: "Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. [...]" O acordo de não persecução penal é medida consensual de solução abreviada da lide penal, sujeita a requisitos e critérios previamente estabelecidos em lei. Inspira-se no chamado patteggiamento do direito italiano, criado com a reforma processual italiana, nos termos dos arts. 444 e seguintes do Código de Processo Penal Italiano, como "aplicazione dela pena su richiesta delle parti". Neste sentido: "tal instituto tem como vantagens essenciais a dispensa de toda a fase debatimental e a economia de todo o segundo grau de jurisdição, uma vez que a sentença de primeiro grau é inapelável" (ATHAYDE BUONO, Carlos Eduardo e BENTIVOGLIO, Antônio Tomás. A Reforma Processual Penal Italiana - Reflexos no Brasil. RT, SP, pág.85). Por outro lado, partilho do entendimento de que o oferecimento de ANPP não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação. Neste sentido já decidiu o STJ no AgRg no RHC 74.464/PR, que tratava da suspensão condicional do processo, compreendendo-a não como um direito subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público, a quem compete, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação do referido instituto, desde que o faça de forma fundamentada. Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), já que ambos têm o mesmo caráter de instrumento da Justiça Penal consensual. O Ministério Público não é obrigado a ofertar o acordo, pois a ele compete avaliar a aptidão e suficiência do mesmo para reprovação e prevenção do crime, observado que, na hipótese de não oferecimento, o órgão fundamente a razão pela qual está deixando de fazê-lo. No caso dos autos, o órgão acusatório oficiante em primeiro grau deixou de oferecer o ANPP em razão de o réu responder a outro processo criminal. O fundamento invocado é razoável e, na época, a defesa não requereu a remessa dos autos à Câmara de Revisão, providência cabível, nos termos do art. 28-A, §14, do CPP. Por outro lado, a Procuradoria Regional da República, no seu parecer, reputou inviável o oferecimento do ANPP, considerando que o réu não confessou o delito e porque o valor sonegado causou grave dano à coletividade, o que “denota a insuficiência do acordo de não persecução penal à repressão do crime tributário perpetrado por Anderson Alex Felipe dos Santos. Não há que se falar, assim, em nulidade na persecução penal ou em necessidade de conversão do julgamento em diligência. Rejeito, por tais fundamentos, as preliminares invocadas no recurso defensivo.” - grifei Sem que sejam adequadamente demonstrados quaisquer dos vícios elencados no artigo 619 do Código de Processo Penal, não devem ser providos os embargos de declaração, que não se prestam - como já realçado - a veicular simples inconformismo com o julgamento, nem têm, em regra, efeito infringente. Incabível, neste remédio processual, nova discussão de questões já apreciadas pelo julgador, que exauriu apropriadamente sua função. Omissão Assiste razão ao embargante quanto à alegação de que o aresto foi omisso na análise de tese expressamente ventilada no apelo (violação ao princípio da correlação entre denúncia e sentença). Passo, portanto, a sanar o vício apontado, com efeitos infringentes, a fim integrar o julgado com os seguintes fundamentos: “Causa de aumento do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 A defesa pugna pelo afastamento da aplicação da causa de aumento do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, por reputá-la inconstitucional (em tese) e ilegal (no caso concreto), ao fundamento de que (i) o dano é inerente ao tipo e sua valoração negativa importa dupla penalidade pelo mesmo fato; e de que, (ii) na hipótese, não houve pedido expresso do órgão acusatório de aplicação da causa de aumento especial. Ao contrário do quanto alegado pela defesa, o dispositivo contido no art. 12, I, não padece de inconstitucionalidade, pois o que a norma penal insculpida no art. 1º, da Lei nº 8.137/90 tipifica é a sonegação ordinária, não se vislumbrando a alegada desproporcionalidade no caso em que o legislador decidiu prever expressamente causa especial de aumento para as hipóteses de sonegações de grande monta. Isto porque a sonegação de vultosa quantia não é ínsita à tipificação penal contida no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, e tem aptidão para causar enorme dano à coletividade, o que atrai a incidência da causa de aumento especial prevista no art. 12, I, do mesmo Diploma Legal. Além disso, não é demais consignar que o dispositivo penal em questão não teve sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal e tem sua aplicação admitida reiteradamente pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Prosseguindo, anoto que a incidência da majorante específica em comento, isoladamente, na terceira fase do sistema trifásico não resulta em bis in idem ou ofensa à taxatividade. Nada obstante, assiste razão à defesa quanto ao pleito de afastamento da causa de aumento do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, pois, no caso concreto, o órgão acusatório sequer indicou expressamente na denúncia o valor dos tributos sonegados. Assim, ainda que seja dispensável a capitulação legal do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 na inicial acusatória porque o réu se defende dos fatos e não da classificação jurídica a eles atribuídas, a ausência de indicação do quantum sonegado na denúncia obsta a valoração do mencionado vetor na dosimetria da pena. [...] DOSIMETRIA 1ª FASE [...] Fixo, portanto, a pena base no mínimo legal. 2ª FASE Não há atenuantes ou agravantes. 3ª FASE Afastada a incidência da causa de aumento prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, nos termos da fundamentação já expendida, e ausentes outras causas de aumento ou de diminuição, a pena definitiva do réu fica fixada em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, mantido o valor unitário no mínimo legal. [...] DISPOSITIVO Ante o exposto, DE OFÍCIO, com espeque nos artigos 383 e 617, ambos do Código de Processo Penal, desclassifico a conduta relacionada ao IPI para o delito definido no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 e, quanto a esta parcela dos fatos, declaro extinta a punibilidade do acusado pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos do artigo 107, inciso IV, e 109, ambos do Código Penal c.c. o artigo 61 do Código de Processo Penal; REJEITO as preliminares e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo defensivo para reduzir as penas do réu ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS para 02 (dois) anos de reclusão em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, substituída a pena corporal por duas restritivas de direitos, e para reduzir o valor mínimo para reparação do dano (art. 387, IV, do CPP). É o voto.” Inexistem outras teses recursais; tampouco se vislumbra, de ofício, a ocorrência de algum dos vícios previstos no art. 619 do Código de Processo Penal, ou ainda, erros materiais no julgado embargado. DISPOSITIVO Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE os embargos de declaração opostos pela defesa, com efeitos infringentes, para sanar a omissão apontada e integrar o voto, afastando a causa de aumento do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, e reduzir as penas do réu ANDERSON ALEX FELIPE DOS SANTOS para 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. É o voto.
Diverge do e. Relator, a fim de REJEITAR os Embargos de Declaração. Conforme se infere do voto do e. Relator, o valor do crédito tributário montava a mais de trinta milhões ao tempo do lançamento. De outro giro, em que pese o Ministério Público Federal não ter indicado expressamente na denúncia o valor dos tributos sonegados, consignou que os créditos tributários, objeto da presente Ação Penal, estavam relacionados aos Procedimento Administrativo Fiscal nº 19515.003740/2010-14 e 19515.003741/2010-51 foram definitivamente constituídos em 05/11/2010 (fls. 673). Assim, havendo indicação na exordial acusatória dos elementos dos autos que permitem inferir a existência de grave dano à coletividade, em razão dos valores sonegados, não haveria que se falar em ausência de correlação entre a denúncia e a sentença.
E M E N T A
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DO ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. ALEGAÇÕES DE CONTRADIÇÃO E OMISSÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO. ANPP. REJEIÇÃO. CONTRADIÇÃO INTERNA INOCORRENTE. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 12, I, DA LEI Nº 8.137/90. OMISSÃO VERIFICADA. INTEGRAÇÃO DO JULGADO. AFASTADA A MAJORANTE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS PARCIALMENTE COM EFEITOS INFRINGENTES.
1- A declaração do julgado pelo motivo de contradição apenas se justifica se há discrepância nas operações lógicas desenvolvidas na decisão, vale dizer, se há dissonância interna e não suposta antinomia entre as interpretações e raciocínios adotados pelo julgador no caso concreto e aquelas pretendidas pela parte.
2 – A insurgência do embargante não aponta uma contradição interna no julgado, mas encerra discordância da parte quanto à conclusão deste órgão julgador acerca da ausência da nulidade aventada no apelo defensivo acerca do ANPP. Embargos de declaração não são o recurso adequado para a revisão pretendida.
2.1. A leitura do aresto embargado revela que não há qualquer contradição e que a nulidade foi rejeitada de maneira devidamente fundamentada, inclusive com base em razões independentes e suficientes por si sós para a denegação do pleito (ausência de direito subjetivo do réu e negativa expressa da Procuradoria em oferecer o acordo, por reputar ausentes os seus requisitos).
3 – Reconhecida a omissão no julgado quanto à tese defensiva de violação do princípio da correlação entre denúncia e sentença.
4 – Acórdão integrado para sanar a omissão e acolher o pedido deduzido no apelo para afastar a causa de aumento do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90.
5 - Embargos de declaração acolhidos parcialmente.