APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000726-71.2017.4.03.6106
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: MOACIR SILVESTRE
Advogados do(a) APELANTE: EDSON RODRIGO NEVES - SP235792-A, LUIS GUSTAVO RUFFO - SP221249-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000726-71.2017.4.03.6106 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: MOACIR SILVESTRE Advogados do(a) APELANTE: EDSON RODRIGO NEVES - SP235792-A, LUIS GUSTAVO RUFFO - SP221249-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR): O Ministério Público Federal, em 06/12/2016, denunciou Moacir Silvestre, nascido em 17/08/1967, qualificado nos autos, como incurso no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, na forma do artigo 69 do Código Penal. Consta da denúncia (ID 270193346, p. 3/5): (...) MOACIR SILVESTRE, na qualidade de representante legal da firma individual “Moacir Silvestre – EPP”, deixou de escriturar em seu Livro Caixa inúmeros pagamentos efetuados (relativos à compra de mercadorias, bens para o ativo imobilizado, despesas etc.), omitindo, também, a escrituração das respectivas operações no Livro de Registro de Entradas, no período de 01.01.1999 a 30.09.2004. Com efeito, conforme a representação fiscal para fins penais (...) e as peças que a acompanham, foram lavrados Autos de infração relativos ao IRPJ, CSLL, PIS e COFINS reduzidos ou suprimidos pelo denunciado, constituindo-se o crédito tributário no valor total de R$ 1.346.549,71. Foi aberto o processo fiscal 10850.003678/2005-18 para melhor apurar o fato. Em diligências fiscais, identificou-se as empresas que forneceram bens e serviços para a firma individual em questão, comprovando-se os pagamentos não escriturados (...). Interrogado (...). MOACIR SILVESTRE afirmou, em síntese, que foi proprietário da referida empresa no período de 1995 a 2010 ou 2011, alegando não ter omitido informações de pagamentos de bens e serviços nos livros diários e de entradas dessa firma individual com a finalidade de sonegar tributos devidos. Conforme informação prestada pela Receita Federal (...), o crédito tributário foi definitivamente constituído em 05.01.2016, não tendo sido extinto pelo contribuinte, tampouco foi objeto de qualquer pedido de parcelamento. (...) A denúncia foi recebida em 31/01/2017 (ID 270193346, p. 6). Processado o feito, sobreveio sentença (ID 270193355, p. 34/54), publicada em 24/09/2019, que julgou procedente a denúncia, para condenar o réu como incurso no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, à pena de 4 anos de reclusão, no regime inicial aberto, além de multa em valores correspondentes a 80 dias-multa, fixados em 1/30 do valor do salário-mínimo vigente ao tempo dos ilícitos, atualizado por ocasião da execução. Determinada a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em (i) prestação pecuniária de cinco salários-mínimos em favor da União e (ii) prestação de serviços à sociedade, pelo mesmo tempo de duração da pena corporal substituída, em instituição a ser indicada pelo Juízo das Execuções. Apela o réu (ID 270193366). Em suas razões recursais, alega, em síntese, a atipicidade da conduta imputada, ante a inexistência de dolo como elemento subjetivo do tipo. Sustenta que o lançamento definitivo do débito, por si só, não bastaria para configurar a ocorrência do crime. Aduz, ainda, inexistirem provas da omissão de informações ou declaração de informações falsas, bem como da compra de mercadorias pela pessoa jurídica autuada pela fiscalização fazendária. Sustenta que os tributos devidos teriam como base de cálculo a receita bruta (no período em que esteve incluída no Simples Nacional) e, posteriormente, o lucro presumido. Por isso, eventual ausência de registro no Livro Caixa não teria o condão de interferir no cômputo da receita bruta, o qual decorreria do faturamento bruto mensal da empresa. Assim, a ausência de escrituração contábil não induziria à redução ou supressão de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Subsidiariamente, alega ser excessiva a majoração da pena-base na primeira fase da dosimetria, assim como o aumento pela continuidade delitiva e a pena de multa fixada. Argumenta, por fim, serem exorbitantes as penas substitutas aplicadas pela sentença. Com contrarrazões (ID 270193370), subiram os autos. O DD. Órgão do Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento do recurso (ID 270050139). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000726-71.2017.4.03.6106 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: MOACIR SILVESTRE Advogados do(a) APELANTE: EDSON RODRIGO NEVES - SP235792-A, LUIS GUSTAVO RUFFO - SP221249-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR): Da materialidade A materialidade do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990 está demonstrada pela Representação Fiscal para Fins Penais nº 10850.003678/2005-18 (ID 270193340), a qual compreende os Autos de Infração mediante os quais foi constituído de ofício o crédito tributário relativo a impostos e contribuições sociais, em 05/01/2016, data da ciência do contribuinte quanto ao resultado final do julgamento de recurso administrativo (ID 270193340, p. 14 e p. 49). Corrobora a materialidade o Termo de Verificação Fiscal integrante dos autos do Procedimento Administrativo Fiscal (ID 270194903, p. 15/31), por meio do qual a fiscalização elucida a prática delitiva. Da autoria e do dolo A autoria delitiva imputada a Moacir Silvestre encontra amparo nas provas coligidas aos autos, destacando-se as declarações prestadas à autoridade policial, ocasião em que o réu reconheceu sua qualidade de administrador da empresa autuada – Moacir Silvestre – EPP (ID 270193342, p. 53): (...) QUE o interrogado foi proprietário da firma individual MOACIR SILVESTRE no período de 1995 até o ano de 2010 ou 2011; QUE a citada firma individual teve por objeto social a comercialização de medicamentos (...); QUE o interrogado teve ciência da auditoria fiscal realizada na sua firma individual no período de 01/1999 a 12/2001 (...); No que respeita ao dolo, infere-se da prova dos autos a caracterização da conduta livre e consciente do réu, na condição de administrador da pessoa jurídica fiscalizada, de fraudar a administração fiscal por meio da omissão de receitas, em decorrência da não escrituração de operações de compra de mercadorias. Com efeito, no curso do procedimento fiscal, diversas empresas fornecedoras apresentaram notas fiscais de venda de mercadorias a Moacir Silvestre – EPP (CNPJ 00.746.681/0001-31), relativas ao período compreendido entre 01/01/1999 e 30/09/2004 (documentos anexados ao ID 270193371). A fiscalização constatou a existência de significativa discrepância entre os registros contábeis das empresas fornecedoras, quando comparados à escrituração das entradas da pessoa jurídica Moacir Silvestre – EPP. Para melhor compreensão dos fatos, veja-se o seguinte excerto do Termo de Verificação Fiscal (ID 270194903: p. 15/31): (...) 11. Paralelamente, fizemos várias intimações destinadas a pessoas jurídicas (fornecedores) que efetuaram vendas de produtos, mercadorias, bens e/ou prestaram serviços para o contribuinte fiscalizado no período sob análise. Primeiramente, foi solicitado aos fornecedores que relacionassem as vendas e/ou prestação de serviços efetuadas no período de 01.01.1999 a 30.09.2004 para o contribuinte fiscalizado. Na mencionada relação deveria constar, para cada nota fiscal, data de emissão e saída, CFOP, valor total, valor dos produtos e/ou mercadorias sujeitas à incidência monofásica do PIS e COFINS, o valor recebido e a data do efetivo recebimento da venda e/ou prestação de serviços; 12. A grande maioria dos fornecedores foi localizada e atendeu à intimação. A confrontação entre as informações fornecidas pelos fornecedores e a escrituração do contribuinte (Livro de Registro de Entradas e Livro Caixa) revelou uma quantidade imensa de operações não registradas pelo fiscalizado (pagamentos não escriturados, relativos a compras de mercadorias, bens do ativo imobilizado, despesas, prestação de serviços etc.). Verificamos que os registros de tais operações foram omitidos pelo contribuinte tanto no Livro Registro de Entradas quanto no Livro Caixa (ausência de escrituração dos pagamentos efetuados); 13. (...) Visando à comprovação da infração reiterada à legislação tributária, cometida pelo contribuinte fiscalizado, solicitamos aos fornecedores o envio dos seguintes elementos (para cada operação não escriturada pelo fiscalizado): cópia da nota fiscal de venda e/ou prestação de serviços, informações sobre a entrega dos produtos e/ou mercadorias, prestações de serviços, data de pagamento e o valor efetivamente pago pelo contribuinte fiscalizado, com o fornecimento de elementos comprobatórios e/ou declaração prestada sob as penas da lei; (...) 19. Analisando todos os elementos enviados pelos fornecedores (...), bem como aqueles fornecidos pelo próprio fiscalizado (...) e confrontando com a escrituração apresentada (...), concluímos que o contribuinte fiscalizado promoveu a prática reiterada de infração à legislação tributária (infração continuada), pois deixou de escriturar em seu Livro Caixa inúmeros pagamentos efetuados (relativos a compra de mercadorias, bens para o ativo imobilizado, despesas etc.), omitindo, também, a escrituração das respectivas operações no Livro Registro de Entradas (quando cabível); (...) 21. Diante da apuração da prática reiterada de infração à legislação tributária, elaboramos Representação Fiscal (...) propondo a exclusão da pessoa jurídica do SIMPLES, nos termos do artigo 14, inciso V, da Lei nº 9.317/96, com efeitos a partir de 01.01.1999 (...). A exclusão foi promovida através do Ato Declaratório Executivo nº 40, de 02 de setembro de 2005 (Processo nº 10850.002312/2005-13 ...). Devemos salientar que o contribuinte não apresentou impugnação ao procedimento de ofício de exclusão do SIMPLES; (...) 27. Considerando o exposto no presente Termo, esta fiscalização está promovendo os seguintes lançamentos para constituição do crédito tributário devido: a) IRPJ e CSLL com base no Lucro Presumido (com multa de ofício de 75%), relativos aos anos-calendário de 1999 a 2003, apurados pelo próprio contribuinte nas DIPJ apresentadas sob ação fiscal (...); b) PIS e COFINS (com multa de ofício de 75%), relativas ao período de janeiro de 1999 a dezembro de 2003, apurados pelo próprio contribuinte nas DIPJ apresentadas sob ação fiscal (...). Devemos salientar que a partir de abril de 2001 o contribuinte promoveu exclusão da base de cálculo no PIS e COFINS a título de vendas com incidência monofásica (Lei nº 10.147/00 e alterações). Tais exclusões foram consideradas por esta fiscalização e constam das DIPJ apresentadas sob ação fiscal (...); c) IRPJ e CSLL com base no Lucro Presumido (com multa de ofício agravada – 150% - prática reiterada de infração à legislação tributária, com prova documental da infração praticada), relativos aos anos-calendário de 1999 a 2004 (janeiro a setembro), calculadas sobre a omissão de receita caracterizada pela falta de escrituração, no Livro Caixa, de pagamentos efetuados (...); d) PIS e COFINS (com multa de ofício agravada – 150% - prática reiterada de infração à legislação tributária, com prova documental da infração praticada), relativos ao período de janeiro de 1999 a setembro de 2004, calculados sobre a omissão de receita caracterizada pela falta de escrituração, no Livro Caixa, de pagamentos efetuados (...). Devemos salientar que para o presente lançamento promovemos, também a exclusão da base de cálculo do PIS e COFINS, a partir de abril de 2001 (vendas com incidência monofásica), utilizando-se, para tanto, dos mesmos percentuais de exclusão apurados e informados pelo contribuinte (...). O acusado, por sua vez, nas declarações prestadas nos autos do inquérito policial (ID 270193342, p. 53/54), apresenta a tese ora reiterada pela defesa, segundo a qual os tributos devidos teriam como base de cálculo a receita bruta (no período em que esteve incluída no Simples Nacional) e, posteriormente, o lucro presumido. Por isso, eventual ausência de registro no Livro Caixa não teria o condão de interferir no cômputo da receita bruta, o qual decorreria do faturamento bruto mensal da empresa. Assim, a ausência de escrituração contábil não induziria à redução ou supressão de tributos. Veja-se: (...) QUE o interrogado não confirma as conclusões a que chegou a referida auditoria fiscal de que a firma individual do interrogado deixou de escriturar nos livros caixas e no livro de entradas informações do pagamento da compra de medicamentos, de bens para o ativo imobilizado e de despesas; QUE o interrogado alega que a referida firma individual foi tributada pelo Simples e seu faturamento anual não excedia o limite do valor estabelecido por tal sistemática de tributação, apesar do Fisco ter feito o seu desenquadramento por excesso de faturamento; QUE o interrogado teve ciência de que o Fisco constituiu contra sua firma individual créditos do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS no valor de R$ 1.346.549,71, cujo débito fiscal a sua empresa não promoveu o pagamento, nem por meio de parcelamento; (...) O mesmo raciocínio foi apresentado pela testemunha arrolada pela defesa, Marcelo Rodrigo Martins, que prestou serviços como contador à pessoa jurídica autuada (ID 270194939). Segundo seu testemunho, os Autos de Infração apontam que deixaram de ser escrituradas notas fiscais de entrada. Não obstante, o regime de tributação era o Simples Nacional e, após o desenquadramento, o lucro presumido, regimes nos quais a base de cálculo seria o faturamento real, apurado pelas notas fiscais de saída emitidas. Assim, não haveria ligação entre as notas de entrada e a receita bruta de venda da empresa. Por outro lado, a testemunha admite que haveria impacto no faturamento da empresa caso não fossem contabilizadas as mercadorias adquiridas e posteriormente vendidas. Veja-se a transcrição da parte do interrogatório conduzida pelo membro da acusação: (...) - Como é que funcionava o seu trabalho? Você tinha acesso diretamente aos documentos que a empresa passava... - Não. O cliente, todos os clientes mandavam o movimento do mês por malote, notas fiscais, duplicatas pagas (...). O recolhedor passava em todas as empresas, pegando. E a gente pegava essa documentação dentro do malote, abria, conferia e apurava os impostos. - Então vocês só faziam com base no que o cliente mandava. - Sim. - Se o cliente não mandasse, não era escriturado, certo? - Sim. - Nem efetivamente vocês faziam a escrituração e emitiam as respetivas guias? - Isso, do que era mandado. - Do que era mandado. Se o cliente não mandasse, não tinha como vocês fazerem. - Correto. (...) - (...) Se a empresa tem notas de entrada e é constatado que efetivamente houve pagamento, e isso não foi lançado, isso pode caracterizar omissão de faturamento? - No Lucro Real, sim. Agora no Presumido e no Simples não interferia, porque a base de cálculo seria a venda final. A venda do que tava no Caixa. A nota fiscal de entrada, no caso do Lucro Presumido e do Simples Nacional não interfere no imposto. Agora no Lucro Real, sim, se ele deixasse de escriturar as notas de compra, interferiria no imposto de renda e contribuição da empresa. - Tá. Tanto no Simples Nacional quanto no Presumido existem limites pra se enquadrar nesses sistemas, certo? Se, por ventura, esses limites, essas notas verificassem que a empresa estava acima do limite... - Era desenquadrado. - Era desenquadrado e tinha reflexo na apuração dos impostos? - Sim. - Por exemplo, se uma empresa se enquadra no Simples, mas ela declara somente o faturamento pra ficar enquadrada e omite o que excede, ela está irregular. - Se omite receita, sim. - E compra de mercadorias e respectivo realização de pagamento, contanto que não seja de ativo imobilizado, mas que seja de mercadorias vendidas ou produtos que seriam utilizados na empresa, na fabricação, insumos, alguma coisa, necessariamente refletem no faturamento? - Sim. (...) - Então, se na verdade ela [a empresa] comprasse medicamentos, cosméticos, produtos que ela vendia efetivamente, ela comprou e foram emitidas as notas, então isso certamente foi adquirido para a venda. Certo? - Certo. - E se essa entrada não foi contabilizada, nem tampouco... se não contabilizou a entrada certamente não vai contabilizar a saída, não vai constar no faturamento. Certo? - Poderia estar no estoque. Eu não tenho esse controle. - E aí efetivamente se isso é vendido, haveria um impacto no faturamento. - Sim. Se for vendido, sim. (...) Nesse ponto, vê-se que é introduzida a ideia de que as mercadorias compradas de fornecedores e que deixaram de ser corretamente contabilizadas como entradas não necessariamente teriam como destino a venda, uma vez que poderiam permanecer em estoque. Em seu interrogatório judicial, o réu argumenta que a fiscalização não teria procedido à contagem do estoque da farmácia, para conferir com as notas fiscais de entrada e saída (ID D 270194943). Em síntese, segundo argumenta a defesa, a não escrituração das entradas não poderia conduzir por si só à omissão de receitas da empresa, porquanto a base de cálculo dos tributos devidos, tanto pela sistemática do Simples Nacional como do Lucro Presumido, é dada pela receita bruta de vendas, de maneira que somente a contabilização das notas fiscais de saída seria relevante para a tributação. Por sua vez, não haveria necessariamente vinculação entre a entrada e a saída de mercadorias, uma vez que os artigos adquiridos pela farmácia poderiam permanecer em estoque. Assim, como não houve controle dos estoques pela fiscalização, não seria possível a conclusão pela omissão de receitas. Todavia, os elementos de prova constantes dos autos não permitem seja afastada a conclusão pela fraude fiscal, no caso concreto. Em primeiro lugar, não há possibilidade de um estoque rotativo permanecer inalterado ao longo de cinco anos, se a empresa está em atividade. Logo, se sucessivas compras de mercadorias foram efetuadas pela Moacir Silvestre – EPP de janeiro de 1999 a setembro de 2004, significa que essas mercadorias em algum momento foram vendidas, ainda que parte dos produtos tenha permanecido temporariamente em estoque. Não fosse assim, não haveria razão para a farmácia realizar novas compras de seus fornecedores, como demonstram os documentos apresentados. Na verdade, a conduta reiteradamente praticada pelo réu – redução forjada do faturamento da empresa mediante a não contabilização das entradas e, por conseguinte, das saídas – teve duas consequências, impossíveis de serem dissociadas: (i) possibilitou que a pessoa jurídica permanecesse aquém da faixa limite para enquadramento no Simples Nacional; e (ii) acarretou a supressão de tributos incidentes sobre a receita bruta. O crime do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990 prescinde de dolo específico, bastando, para sua caracterização, a simples ausência de prestação das informações exigidas do empresário, capaz de suprimir ou reduzir os tributos e respectivos acessórios devidos. Nesse sentido precedente do STJ: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, INCISOS I e II, DA LEI N. 8.137/90 - REDUÇÃO E SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS). PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. PRESCINDIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA ASSENTE. REEXAME DE PROVAS. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O pleito de absolvição demanda revolvimento fático-probatório dos autos, providência de todo inviável nesta instância recursal, por óbice do enunciado n. 7 da Súmula/STJ. Precedentes. 2. É firme a jurisprudência esta Corte Superior no sentido de que "os crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária prescindem de dolo específico, sendo suficiente, para a sua caracterização, a presença do dolo genérico consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, dos valores devidos" (AgRgno AREsp469137 , Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 13/12/2017). 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp n. 1.123.098/GO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 11/12/2018, DJe de 19/12/2018.) Desse modo, estando caracterizados a autoria delitiva e o dolo, resta mantido o decreto condenatório. Passo, assim, à dosimetria. Da dosimetria Na primeira fase, a r. sentença majorou a pena-base, fixando-a em 03 anos de reclusão, tendo identificado culpabilidade acima da normalidade em razão do elevado montante sonegado, maus antecedentes e consequências negativas do ilícito, porquanto não foi efetuado o pagamento dos débitos apurados pelo Fisco. A defesa, por seu turno, alega ser excessiva a majoração da pena-base. Na primeira fase, a culpabilidade do réu não extrapola a normalidade para o tipo penal. Não há elementos nos autos que permitam a valoração dos aspectos relativos à conduta social e à personalidade do acusado. Aliás, o valor sonegado não macula a culpabilidade do agente e sim atinge as consequências do delito, tendo o juízo não sopesado adequadamente tais circunstâncias. E ante irresignação da acusação, não há como ser mantida tais circunstâncias para majoração da pena-base. Os motivos e as circunstâncias são normais à espécie e o comportamento da vítima é circunstância irrelevante no caso concreto. Quanto aos antecedentes, a r. sentença considerou a circunstância negativa no que respeita à condenação em definitivo do réu pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, na Ação Penal nº 3017511-27.2013.8.26.0576, que tramitou perante a 5ª Vara Criminal do Foro de São José do Rio Preto, com trânsito em julgado em 25/04/2018 (ID 270193355, p. 27/28). Mantenho a circunstância, majorando a pena-base em 1/6, o que totaliza 2 anos e 4 meses de reclusão. Na segunda fase da dosimetria, não há circunstâncias agravantes nem atenuantes a serem sopesadas. Na terceira fase, incide a causa genérica de aumento de pena pela continuidade delitiva. O Juízo a quo majorou a pena em 1/3. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhada por esta Décima Primeira Turma, o aumento pela continuidade delitiva deve ser aplicado conforme o número de infrações, como se segue: 1/6 (um sexto) pela prática de 2 infrações; 1/5 (um quinto) para 3 infrações; 1/4 (um quarto) para 4 infrações; 1/3 (um terço) para 5 infrações; ½ (metade) para 6 infrações e 2/3 (dois terços) para 7 ou mais infrações (STJ, REsp 1848553/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, 6ª Turma, j. 02.03.2021,DJe 11.03.2021; TRF3, ACR 00041266820094036108, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, Décima Primeira Turma, j. 25.03.2021; TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0002104-34.2009.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 03/03/2023, Intimação via sistema DATA: 07/03/2023). No caso, a redução ou supressão de tributos mediante omissão de receitas no período compreendido entre novembro de 1999 e setembro de 2004 totaliza mais de sete infrações, de maneira que o acréscimo decorrente da continuidade delitiva autorizaria maior recrudescimento. Contudo, tratando-se de recurso exclusivo da defesa, deve ser mantida a fração adotada na sentença, de 1/3, tornando a pena definitiva em 03 anos, 01 mês e 10 dias de reclusão. Aplicando-se à pena de multa o mesmo critério empregado para o cálculo da pena privativa de liberdade, fica o réu condenado ao pagamento de 14 dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal. O regime inicial do cumprimento da pena deve permanecer o aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal. Mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, na forma determinada pela r. sentença, estando atendidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal. Quanto ao pedido para redução do valor arbitrado para a pena substitutiva de prestação pecuniária (cinco salários-mínimos), incabível. O montante fixado pelo MM. Juízo a quo obedece aos limites estabelecidos pelo § 1º do artigo 45 do Código Penal e, a princípio, não se mostra excessivo, considerando-se o valor total do dano aos cofres públicos. Não houve, por outro lado, demonstração efetiva de dificuldades financeiras que inviabilizem o adimplemento da prestação pecuniária cominada. Ressalto que, caso venha a ser efetivamente comprovada, perante o Juízo da execução, a impossibilidade de pagamento da referida quantia pelo apelante, o valor poderá ser revisto, havendo ainda a possibilidade de pagamento parcelado. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ESTELIONATO. REDUÇÃO DA PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. DEZ SALÁRIOS MÍNIMOS. INVIABILIDADE. MONTANTE PROPORCIONAL À EXTENSÃO DOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA E ÀS CONDIÇÕES PESSOAIS DO PACIENTE. REVOLVIMENTO FÁTICO E PROBATÓRIO NÃO CONDIZENTE COM A VIA PROCESSUAL ELEITA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. - A dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento inserem-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade. - O valor da prestação pecuniária, conforme dispõe o art. 45, § 1º, do Código Penal, será fixado pelo juiz em valor não inferior a 1 (um) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. No caso, as instâncias de origem fixaram a prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos vigente à época dos fatos, tendo em vista que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, o referido quantum não se mostraria excessivo, pois compatível com a extensão dos danos causados à vítima (no importe de R$ 35.000,00), e com as condições pessoais do apelante (e-STJ, fl. 515). - Ademais, o Juízo da execução poderá readequar o montante a ser pago e, inclusive, parcelar seu pagamento, a depender das condições financeiras efetivamente comprovadas pelo paciente. - Assim, uma vez fixado o valor da prestação pecuniária dentro dos limites legalmente fixados e com amparo na análise do caso concreto, o acolhimento do pleito de redução da quantia imposta exigiria necessariamente o revolvimento da moldura fática e probatória delineada nos autos, providência incabível na via processual eleita. Precedentes. - Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no HC n. 717.621/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 14/3/2022) A seu turno, o pedido para redimensionamento da pena alternativa de prestação de serviços à comunidade não pode ser acolhido, porquanto o critério de duração da pena alternativa correspondente ao tempo de duração da pena substituída encontra-se de acordo com a lei e a jurisprudência. Nesse sentido: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. VIA INADEQUADA. EXECUÇÃO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITOS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. DURAÇÃO. PRAZO DA PENA SUBSTITUÍDA. RESSALVA DO § 4º DO ART. 46. INTERPRETAÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Por se tratar de habeas corpus substitutivo de recurso especial, inviável o seu conhecimento, devendo ser analisada, entretanto, a existência de ilegalidade flagrante. 2. A pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, deve, em regra, ter a mesma duração da pena substituída, independente da fixação de outra pena alternativa, ressalvada a hipótese do art. 46, § 4º, do estatuto penal. 3. A ressalva refere-se à possibilidade de se cumprir a pena de prestação de serviços à comunidade em menor tempo e não à de se reduzir a pena alternativa pela metade. 4. Escorreito o acórdão ora combativo, ao asseverar que "o número de horas da pena alternativa em questão deverá ser calculado levando-se em conta o total da sanção corporal, independentemente de haver ou não cumulação com outra reprimenda substitutiva, porquanto autônomas entre si; o que a lei permite é, tão somente, a possibilidade de reduzir o prazo de cumprimento, cumulando-se maior número de horas laboradas por dia". 5. Writ não conhecido. (STJ, HC n. 370.602/SC, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 18/10/2016, DJe de 8/11/2016) Dispositivo Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação, para reduzir a pena-base, bem como a pena de multa, fixando-se a pena definitiva em 03 anos, 01 mês e 10 dias de reclusão, além de pagamento de 14 dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. É o voto.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Peço vênia ao e. Relator para divergir parcialmente de seu voto, apenas quanto à dosimetria penal, e dar parcial provimento ao recurso defensivo em menor extensão.
Da dosimetria
Na primeira fase, a pena-base foi exasperada para 03 (três) anos de reclusão, com base nos seguintes fundamentos:
“Culpabilidade. Considero superior ao normal o grau de reprovabilidade da conduta praticada, em razão do elevado valor sonegado, razão pela qual, sob tal prisma, fixo a pena-base em patamar superior ao mínimo legal.
Antecedentes. Há notícia nos presentes autos de que o réu já foi condenado em definitivo em dois processos e um ainda se encontra em tramitação (ver resumo à fl. 186 e certidões correlatas, fls. 181, 182 e 185).
A certidão de fl. 181 estampa condenação em definitivo do réu pela prática do crime descrito no art. 1º, inciso I, da Lei n1 8.137/90, no ano de 1999, mesmo período retratado nos presentes autos, contudo, como o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida naquela ação ocorreu em 25/04/2018, no curso do presente feito criminal, fica descartada a caracterização da reincidência (arts. 63 e 64, CIR), mas nada impede que tal condenação seja considerada como maus antecedentes criminais para a elevação da pena-base, como, aliás, já decidiu nosso Superior Tribunal de Justiça: "A condenação por fato anterior, mas com trânsito em julgado posterior ao crime em análise justifica o reconhecimento dos maus antecedentes." (STJ - 262254 SP 2012/0273044-0 - 5ª Turma - Rel. Min. Laurita Vaz - DJe 17/02/2014).
[...]
Motivos, Circunstâncias e Consequências do Crime. Os motivos são comuns à espécie. Não observo requinte ou especial planejamento para a concretização do delito. De outro lado, considero relativamente graves as consequências do ilícito, já que, até o momento, não foi efetuado o pagamento dos débitos apurados pelo Fisco.
Comportamento da Vítima. O Estado é o sujeito passivo do delito de sonegação, não exercendo influência alguma sobre o comportamento do sujeito ativo.
Diante do exposto, fixo a PENA-BASE do Acusado em patamar superior ao mínimo, ou seja, em 03 (três) anos de reclusão, mais multa em valores correspondentes a 60 (sessenta) dias-multa.”
No caso dos autos, o fato de o i. magistrado a quo ter valorado o montante sonegado no vetor da culpabilidade não se mostra adequado, como bem analisado pelo e. Relator.
Nada obstante, reputo que o mencionado fato justifica a exasperação da pena-base por configurar consequência especialmente deletéria do crime.
Com efeito, as consequências do crime comportam valoração negativa, pois, conquanto o dano causado aos cofres públicos - aí se incluindo toda a coletividade - seja ínsito à própria objetividade jurídica da figura típica inserta no tipo penal, o crédito tributário relacioando ao ilícito somava mais de um milhão de reais.
Anote-se que a reclassificação do mesmo fato (quantum sonegado) como consequência do crime ao invés de culpabilidade não representa reformatio in pejus, mas mero ajuste de enquadramento do elemento já valorado negativamente na sentença apelada à circunstância judicial diversa, dentre aquelas previstas no rol do art. 59 do Código Penal.
Prosseguindo, não há fundamento para a valoração negativa da culpabilidade do réu e a ausência de quitação do débito não configura consequência mais grave do que o ordinário em delitos dessa natureza.
Assim, mantenho a valoração negativa dos antecedentes do acusado e das consequências do crime (aqui compreendidas como o montante sonegado) e fixo a pena-base em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
Não há atenuantes ou agravantes, nem causas de aumento ou de diminuição.
Por fim, acompanho o e. Relator para aplicar o aumento previsto no art. 71 do Código Penal na fração de 1/3 (um terço), do que resulta a pena definitiva do réu em 3 (três) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa.
Mantenho, por fim, o regime inicial, o valor unitário do dia-multa e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos nos moldes fixados na sentença de primeiro grau.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso defensivo para reduzir a pena-base e a pena de multa, fixando a pena definitiva do réu MOACIR SILVESTRE pela prática do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, c.c. o art. 71 do Código Penal, em 3 (três) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 17 (dezessete) dias-multa, no valor unitário mínimo legalmente estabelecido, mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito.
É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS MEDIANTE OMISSÃO DE RECEITAS (ART. 1º, I, LEI 8.137/1990). MATERIALIDADE DEMONSTRADA. AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. OMISSÃO DE RECEITAS MEDIANTE A NÃO ESCRITURAÇÃO DE NOTAS FISCAIS DE ENTRADA. CONTABILIZAÇÃO DE FATURAMENTO A MENOR, COM VISTAS À PERMANÊNCIA IRREGULAR NO REGIME DO SIMPLES NACIONAL E COM IMPACTOS SOBRE A TRIBUTAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. CONTINUIDADE DELITIVA. ADEQUAÇÃO DA PENA DE MULTA, COM EMPREGO DOS MESMOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA O CÁLCULO DA PENA CORPORAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. REDUÇÃO DA PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA: IMPOSSIBILIDADE. REDIMENSIONAMENTO DA PENA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À SOCIEDADE: NÃO CABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A materialidade do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990 está demonstrada pela Representação Fiscal para Fins Penais nº 10850.003678/2005-18, a qual compreende os Autos de Infração mediante os quais foi constituído de ofício o crédito tributário relativo a impostos e contribuições sociais, em 05/01/2016, data da ciência do contribuinte quanto ao resultado final do julgamento de recurso administrativo. Corrobora a materialidade o Termo de Verificação Fiscal integrante dos autos do Procedimento Administrativo Fiscal, por meio do qual a fiscalização elucida a prática delitiva.
2. A autoria delitiva encontra amparo nas provas coligidas aos autos, destacando-se as declarações prestadas à autoridade policial, ocasião em que o réu reconheceu sua qualidade de administrador da empresa autuada.
3. No que respeita ao dolo, infere-se da prova dos autos a caracterização da conduta livre e consciente do réu, na condição de administrador da pessoa jurídica fiscalizada, de fraudar a administração fiscal por meio da omissão de receitas, em decorrência da não escrituração de operações de compra de mercadorias.
4. No curso do procedimento fiscal, diversas empresas fornecedoras apresentaram notas fiscais de venda de mercadorias a Moacir Silvestre – EPP (CNPJ 00.746.681/0001-31), relativas ao período compreendido entre 01/01/1999 e 30/09/2004. A fiscalização constatou a existência de significativa discrepância entre os registros contábeis das empresas fornecedoras, quando comparados à escrituração das entradas da pessoa jurídica autuada.
5. O acusado, por sua vez, nas declarações prestadas nos autos do inquérito policial, apresenta a tese ora reiterada pela defesa, segundo a qual os tributos devidos teriam como base de cálculo a receita bruta (no período em que esteve incluída no Simples Nacional) e, posteriormente, o lucro presumido. Por isso, eventual ausência de registro no Livro Caixa não teria o condão de interferir no cômputo da receita bruta, o qual decorreria do faturamento bruto mensal da empresa. Assim, a ausência de escrituração contábil não induziria à redução ou supressão de tributos.
6. O mesmo raciocínio foi apresentado pela testemunha arrolada pela defesa, que prestou serviços como contador à pessoa jurídica autuada. Por outro lado, a testemunha admite que haveria impacto no faturamento da empresa caso não fossem contabilizadas as mercadorias adquiridas e posteriormente vendidas.
7. Em síntese, segundo argumenta a defesa, a não escrituração das entradas não poderia conduzir por si só à omissão de receitas da empresa, porquanto a base de cálculo dos tributos devidos, tanto pela sistemática do Simples Nacional como do Lucro Presumido, é dada pela receita bruta de vendas, de maneira que somente a contabilização das notas fiscais de saída seria relevante para a tributação. Por sua vez, não haveria necessariamente vinculação entre a entrada e a saída de mercadorias, uma vez que os artigos adquiridos pela farmácia poderiam permanecer em estoque. Assim, como não houve controle dos estoques pela fiscalização, não seria possível a conclusão pela omissão de receitas.
8. Os elementos de prova constantes dos autos não permitem seja afastada a conclusão pela fraude fiscal, no caso concreto. Em primeiro lugar, não há possibilidade de um estoque rotativo permanecer inalterado ao longo de cinco anos, se a empresa está em atividade. Logo, se sucessivas compras de mercadorias foram efetuadas pela Moacir Silvestre – EPP de janeiro de 1999 a setembro de 2004, significa que essas mercadorias em algum momento foram vendidas, ainda que parte dos produtos tenha permanecido temporariamente em estoque. Não fosse assim, não haveria razão para a farmácia realizar novas compras de seus fornecedores, como demonstram os documentos apresentados.
9. A conduta reiteradamente praticada pelo réu – redução forjada do faturamento da empresa mediante a não contabilização das entradas e, por conseguinte, das saídas – teve duas consequências, impossíveis de serem dissociadas: (i) possibilitou que a pessoa jurídica permanecesse aquém da faixa limite para enquadramento no Simples Nacional; e (ii) acarretou a supressão de tributos incidentes sobre a receita bruta.
10. O crime do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990 prescinde de dolo específico, bastando, para sua caracterização, a simples ausência de prestação das informações exigidas do empresário, capaz de suprimir ou reduzir a contribuição previdenciária e respectivos acessórios devidos. Precedentes.
DOSIMETRIA
11. Na primeira fase, a culpabilidade do réu não extrapola a normalidade para o tipo penal. Não há elementos nos autos que permitam a valoração dos aspectos relativos à conduta social e à personalidade do acusado. Os motivos e as circunstâncias são normais à espécie e o comportamento da vítima é circunstância irrelevante no caso concreto. Mantida a circunstância negativa relativa aos antecedentes, majorando-se a pena-base em 1/6, o que totaliza 2 anos e 4 meses de reclusão.
12. Na primeira fase, a culpabilidade do réu não extrapola a normalidade para o tipo penal. Não há elementos nos autos que permitam a valoração dos aspectos relativos à conduta social e à personalidade do acusado. Aliás, o valor sonegado não macula a culpabilidade do agente e sim atinge as consequências do delito, tendo o juízo não sopesado adequadamente tais circunstâncias. E ante irresignação da acusação, não há como ser mantida tais circunstâncias para majoração da pena-base.
13. Pena-base reduzida.
14. No caso, a redução ou supressão de tributos mediante omissão de receitas no período compreendido entre novembro de 1999 e setembro de 2004 totaliza mais de sete infrações, de maneira que o acréscimo decorrente da continuidade delitiva autorizaria maior recrudescimento. Contudo, tratando-se de recurso exclusivo da defesa, deve ser mantida a fração adotada na sentença, de 1/3, tornando a pena definitiva em 03 anos, 01 mês e 10 dias de reclusão.
15. Aplicado-se à pena de multa o mesmo critério empregado para o cálculo da pena privativa de liberdade.
16. Mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, na forma determinada pela r. sentença, estando atendidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal.
17. O montante fixado pelo MM. Juízo a quo obedece aos limites estabelecidos pelo § 1º do artigo 45 do Código Penal e, a princípio, não se mostra excessivo, considerando-se o valor total do dano aos cofres públicos. Não houve, por outro lado, demonstração efetiva de dificuldades financeiras que inviabilizem o adimplemento da prestação pecuniária cominada. Caso venha a ser efetivamente comprovada, perante o Juízo da execução, a impossibilidade de pagamento da referida quantia pelo apelante, o valor poderá ser revisto, havendo ainda a possibilidade de pagamento parcelado. Precedente.
18. O pedido para redimensionamento da pena alternativa de prestação de serviços à comunidade não pode ser acolhido, porquanto o critério de duração da pena alternativa correspondente ao tempo de duração da pena substituída encontra-se de acordo com a jurisprudência. Precedente.
19. Apelação parcialmente provida.