Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5000994-67.2021.4.03.6181

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

RECORRIDO: GUSTAVO POGGIONI MARINS

Advogado do(a) RECORRIDO: JOAO MANOEL ARMOA JUNIOR - SP167542-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5000994-67.2021.4.03.6181

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

RECORRIDO: GUSTAVO POGGIONI MARINS

Advogado do(a) RECORRIDO: JOAO MANOEL ARMOA JUNIOR - SP167542-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator): Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisão proferida pelo Juízo Federal da 10ª Vara Criminal de São Paulo/SP, pela qual rejeitou a denúncia oferecida em face de Gustavo Poggioni Marins, como incurso nas sanções do art. 18 da Lei nº 7.492/86.

Segundo a denúncia, no dia 07 de janeiro de 2019, o denunciado, “na condição de funcionário da empresa 3CON CONSULTORIA E SISTEMAS S/A, contratada pela MODAL para prestação de serviços de informática, valendo-se de sua expertise na área de tecnologia da informação, violou a política da instituição financeira e acessou, de forma indevida e não autorizada, dados de diversos clientes, inegavelmente protegidos por sigilo e dos quais ele obteve acesso em razão de suas atividades profissionais”.

A decisão recorrida, proferida com fundamento no art. 395 c.c. art. 397, inc. III, ambos do Código de Processo Penal, rejeitou a denúncia, explicitando, inicialmente, que o art. 18 da Lei nº 7.492/86 teria sido revogado pelo art. 10 da Lei Complementar nº 105/2001.

Asseverou, ainda, na decisão vergastada, que a conduta atribuída ao denunciado “envolve uma ação de revelar, devassar, divulgar, enfim, dar publicidade, de informações e dados protegidos pelo sigilo bancário”, sendo que a “denúncia não esclarece, contudo, o que foi feito com esses dados sigilosos de terceiros após o envio dos mesmos ao e-mail pessoal de GUSTAVO. Note-se que ao longo do IPL, nenhuma diligência investigativa foi realizada nesse sentido”. E concluiu que “Embora o alegado envio dos dados sigiloso ao e-mail pessoal possam configurar atos preparatórios de violação de sigilo, isso não é suficiente para reconhecimento do início da prática de atos executórios necessários para existência de tipicidade”.

Em suas razões recursais (Id 264538809), o órgão ministerial, em primeiro momento, sustenta a adequação da tipificação constante da denúncia, sustentando que a tese de “revogação tácita do crime de violação de sigilo previsto no art. 18 da Lei nº 7.492/86 é controversa”, uma vez que a Lei Complementar nº 105/2001 revogou apenas o art. 38 da Lei nº 4.595/64, nada mencionando a respeito da Lei nº 7.492. Além disso, o art. 10 da LC 105, “apenas regulamentou as hipóteses de quebra de sigilo bancário, de modo que permanece vigente o art. 18 da Lei nº 7.492/86”.

Alega, ainda, que a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, na oportunidade em que o inquérito policial foi a ela submetido, em função de promoção de incompetência formulada pelo Procurador da República inicialmente oficiante em primeiro grau, afastou o enquadramento da conduta apurado no tipo penal previsto no art. 154-A, § 3º, do Código Penal, e que os fatos apurados se amoldariam ao tipo previsto no art. 18 da Lei nº 7.492/86.

Sustenta que, ao contrário do que constou na decisão de rejeição da denúncia,  “a divulgação a terceiros dos dados sigilosos violados em razão do ofício do agente não é necessária para a configuração do crime, pois o simples fato de tornar possível ou acessível o conhecimento da operação ou serviço de instituição financeira tipifica o crime previsto no art. 18 da Lei nº 7.492/86”.

Acrescenta que “ainda que se exigisse, para a configuração do mencionado delito, a divulgação dos dados sigilosos violados a terceiros, o fato descrito na exordial acusatória seria típico, diante dos indícios de sua divulgação”.

O denunciado apresentou contrarrazões (Id 264538816), pleiteando a manutenção da rejeição da denúncia.

Em seu parecer (Id 264800027), a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso.

Nos termos da Resolução PRES nº 578, de 28/02/2023, os presentes autos foram distribuídos à minha relatoria aos 06.03.2023.

É o relatório.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5000994-67.2021.4.03.6181

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

RECORRIDO: GUSTAVO POGGIONI MARINS

Advogado do(a) RECORRIDO: JOAO MANOEL ARMOA JUNIOR - SP167542-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

Ao rejeitar a denúncia, o Juízo a quo destacou dois pontos. O primeiro diz respeito à tipificação da conduta, que no seu entendimento recairia sobre a norma estampada no art. 10 da Lei Complementar nº 105/2001. O segundo, refere-se à falta de descrição a respeito do destino dos dados sigilosos obtidos pelo denunciado.

O órgão ministerial em seu recurso defende a tipificação da conduta no art. 18 da Lei nº 7.492/86 e que há nos autos elementos indicativos do acesso dos dados a terceiros.

Primeiramente, a respeito da tipificação da conduta atribuída na denúncia, há que ser registrado que se trata de questão de menor importância nesta fase procedimental, uma vez que se exige da exordial a descrição da conduta típica, sendo certo que até a prolação da sentença a peça inicial pode ser aditada e, na própria sentença o magistrado deve conferir a definição jurídica adequada aos fatos, com a aplicação da regra do art. 383 do CPP (emendatio libelli), se for o caso.

Vale o registro, apenas, que há discussão a respeito do tema. Contudo, tem-se constatado que doutrina e jurisprudência têm reconhecido na espécie que o art. 10 da LC 105/2001 conferiu uma continuidade normativo-típica ao delito do art. 18 da Lei nº 7.492/86, não estabelecendo nova conduta ilícita, apenas regulamentando as hipóteses de quebra de sigilo bancário previstas na Lei nº 7.492/86.

A respeito do tema, José Paulo Baltazar Júnior leciona:

“O tipo da LC 105/01 manteve idêntico apenamento e não revogou, apenas derrogou, aquele do art. 18 da LCSFN, tendo em vista que não abrange todas as hipóteses ali previstas. Isso porque os conceitos de instituição financeira são diversos para efeitos penais e para os fins da lei complementar do sigilo financeiro, como visto anteriormente. As empresas de consórcio e seguros, por exemplo, são consideradas instituições financeiras por equiparação para fins penais (LCSFN, art. 1º, I, parágrafo único), mas não figuram no rol de instituições financeiras obrigadas ao dever de sigilo (LC 105/01, art. 1º, § 1º). Assim, caso um administrador ou empregado de empresa de consórcio divulgue indevidamente informações sobre os clientes da empresa, responderá pelo delito previsto na LCSFN, mas não por aquele tipificado na LC 105/01.

(Crimes Federais, Disponível em: Minha Biblioteca, (11th edição). Editora Saraiva, 2017, p. 326)

Por seu turno, da jurisprudência extraem os seguintes excertos:

(...) 3. A LC 105/2001, em seu art. 10, não estabeleceu nova conduta ilícita a exigir nova definição da competência, mas apenas regulamentou as hipóteses de quebra de sigilo bancário previstas no art. 18 da Lei 7.492/86; assim, permanece a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes de quebra de sigilo bancário, nos termos do art. 26 da Lei 7.492/86. Precedente desta Corte.(...)

(STJ, CC 86.558-TO, 3ª Seção; rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho)

(...) 2. O art. 10 da Lei Complementar nº 105/2001 não revogou a Lei nº 7.492/1986. Ao contrário, complementou a previsão do art. 18, regulamentando as hipóteses de quebra de sigilo de operações de instituições financeiras, devendo ser mantida a previsão do art. 26 da Lei nº 7.492/1986 de competência da Justiça Federal.(...)

(TRF3ªR., 11ªT., RSE 0000116-36.2019.4.03.6138, rel. Des. Fed. Nino Toldo)

Pois bem. Independentemente da tipificação conferida na denúncia, o certo é que o delito em comento permanece tipificado na lei penal vigente, de modo que, no presente caso, há que se aferir se a denúncia atende aos requisitos formais a autorizar a instauração da ação penal.

O art. 41 do CPP determina que a denúncia deve conter “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

Atribui-se ao denunciado a conduta de violar ou quebrar o sigilo de operação ou serviço de instituição financeira, em função da atividade por ele desempenhada.

Da narrativa da peça acusatória denota-se que o denunciado, na condição de funcionário de empresa de informática contratada para prestação de serviços ao Banco Modal, acessou indevidamente dados dos clientes e movimentações de investimentos.

O delito, portanto, consistiu no acesso a dados e operações, às quais o denunciado não estava autorizado, valendo-se de programa de organização interna de informações, de modo a extrair do sistema as informações e transferir para sua máquina, transferindo-as, após, ao seu e-mail pessoal.

Note-se que pelo quanto descrito na denúncia, o acesso a que tinha o denunciado era para prestar serviços de informática e não para devassar dados de clientes.

Nesse quadro, tem-se que a denúncia descreve adequadamente a conduta atribuída ao denunciado, atendendo ao disposto no art. 41 do CPP.

O delito em comente trabalha com duas perspectivas. A primeira relaciona-se ao agente que não tem acesso ao sistema, incorrendo em uma violação, de modo a obter um acesso indevido. A segunda, diz respeito àquele que por razões de ofício, possui acesso aos dados sigilos e deles se utiliza divulgando-os ou revelando-os indevidamente a terceiros.

Essa compreensão é exposta por José Paulo Baltazar Júnior:

“De todo modo, a conduta será quebrar, abrangendo tanto aquele que obtém acesso aos documentos ou dados sigilosos, cometendo a intrusão, quanto aquele que, tendo tido acesso legítimo aos documentos ou dados, os divulga indevidamente (STF, Pet 3898, Mendes, Pl., m., 27.8.09, caso Palocci; Costa Júnior: 33).

(...)

Em nome da legalidade, da clareza e da técnica, melhor seria se o legislador utilizasse os verbos violar para o acesso indevido, como feito nos arts. 18 da LCSFN e 16 da Lei 6.368/76; e divulgar ou revelar, como feito, respectivamente, nos arts. 153 e 325 do CP, para a exposição pública dos fatos sigilosos, assim distinguindo claramente as duas hipóteses.”

(Crimes Federais, Disponível em: Minha Biblioteca, (11th edição). Editora Saraiva, 2017, p. 327)

Na presente hipótese, a denúncia narra a primeira situação, onde o denunciado acessou dados que devem ser mantidos em sigilo pela instituição financeira, de modo que não se exige a revelação desses dados a terceiros, ainda que seja possível e, eventualmente, tenha sido o objetivo da violação.

Dessa forma, não há que se requerer que a denúncia narre circunstância não exigida para a configuração do delito, qual seja, a destinação conferida aos dados obtidos mediante violação do sigilo, que no caso, pode ser considerado como mero exaurimento.

Tem-se, assim, que a denúncia se encontra formalmente em ordem, há prova da materialidade delitiva, conforme elementos colhidos no curso do inquérito policial, além da presença de indício de autoria em desfavor do denunciado, os quais também são extraídos das peças informativas constantes do procedimento investigatório.

Apta, portanto, para a instauração da ação penal.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para reformar a decisão recorrida e receber a denúncia, com o regular prosseguimento da ação penal nos seus ulteriores termos.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5000994-67.2021.4.03.6181

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Advogado do(a) RECORRIDO: JOAO MANOEL ARMOA JUNIOR - SP167542-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Pedi vista dos autos para melhor refletir acerca da questão central nele trazida. Após meditar com detença sobre o tema, entendo assistir razão ao e. Relator.

O ponto fulcral da controvérsia se dá, a meu ver, quanto à própria abrangência, no contexto normativo em tela, do verbo “violar” [sigilo], contido no tipo do art. 18 da Lei 7.492/86) “Violar” é palavra com ampla denotação, abarcando conceitos que, por si sós, já gozam de razoável amplitude semântica, como os de infringir, devassar, desrespeitar, divulgar algo indevidamente (e isso já excluindo as acepções ligadas a violações de ordem religiosa ou sexual, que são impertinentes prima facie ao caso em análise).

O uso de verbo dessa largueza e o contexto normativo em que se encontra inserido apontam para uma razão finalística central que guia a intelecção do tipo penal do art. 18 da Lei 7.492/86: a de proibir e punir a conduta aqueles que, tendo acesso inicialmente lícito a dados bancários ou financeiros protegidos por sigilo (sigilo este constitucionalmente garantido, como se sabe), infrinjam o dever jurídico de respeitar a privacidade de clientes do sistema financeiros e o segredo de operações ou dados de terceiros, pelos quais devem zelar as instituições financeiras e aqueles que nelas exercem emprego, função ou ofício (nos termos e limites do ordenamento).

Pois bem.

O caso concreto traz situação que escapa aos exemplos doutrinários comuns acerca de práticas em tese amoldadas ao art. 18 da Lei 7.492/86 (ou ao art. 10 da Lei Complementar 105/2001, que pune condutas similares, no que ali denomina “quebra de sigilo”). Isso porque, aqui, não se tem a imputação, ao acusado, de um ato de divulgação a terceiros, de revelação a uma ou mais pessoas, de dados protegidos por sigilo. O que o denunciado teria feito, de acordo com a preambular ministerial, seria um acesso a dados sensíveis e sigilosos de clientes, com posterior compilação desses dados (mediante uso de programa que realizava tal manejo). O arquivo resultante teria sido criptografado e enviado pelo acusado a seu e-mail pessoal. O acusado teve acesso aos dados no exercício da função de profissional de informática empregado pela empresa 3CON CONSULTORIA E SISTEMAS S/A, que prestava serviços nessa área à instituição financeira MODAL DTVM LTDA.

Apesar de a denúncia falar em acesso indevido e não autorizado do denunciado aos dados, extrai-se da narrativa e dos elementos colacionados ao feito que o acusado podia, em tese, ter acesso aos dados no exercício de sua função. Não há relato ou prova de que tenha invadido dispositivo ou utilizado senha alheia para o acesso; este apenas foi “indevido” no sentido de não ter justificativa concreta no contexto das atividades exercidas naquele momento pelo profissional.

Tampouco há relato de que o denunciado tenha divulgado o conteúdo, ou seja, que tenha dado conhecimento dos dados sigilosos a terceiro(s). Devido a isso, a denúncia foi rejeitada: no entendimento da e. sentenciante, o tipo penal em questão exige que o autor da conduta divulgue os dados a terceiros, que revele aquilo de que tomou ciência para alguém ou para contingente indeterminado.

 

Entendo, porém, que “violar” o caráter sigiloso de um dado ou operação protegidos por sigilo bancário é algo que abarca outros atos, os quais também estão compreendidos no conceito de infringir, quebrar, desrespeitar o referido sigilo (e, portanto, contidos no âmbito semântico do conceito de “violar” sigilo). É o caso, em tese, da prática descrita na denúncia. O acesso do acusado aos dados, em si, teria se dado no exercício de seu ofício (ainda que de maneira impertinente a suas tarefas naquele momento). Ele era, ao que parece, ao menos potencialmente autorizado a acessar arquivos e dados sigilosos; tratava-se, afinal, de profissional de informática que atuava junto aos sistemas de instituição financeira, conforme descrito nos autos. Tanto que os diretores da instituição financeira que o ouviram em reunião reduzida a termo em ata notarial (pp. 53 e ss. do ID 264538488) não questionaram a mera possibilidade de ele acessar os dados, mas sim a forma concreta com que isso se deu e a finalidade. 

Ocorre que, segundo a exordial acusatória, o acusado fez mais do que isso. Ele compilou os dados utilizando um programa apto a fazê-lo, e os reteve consigo. Após, enviou os dados sigilosos a seu e-mail pessoal. Com essa conduta, entendo haver, em tese, descrição de ato de violação de sigilo. Isso porque o sigilo bancário pressupõe que funcionários da instituição financeira (ainda que terceirizados, a depender do contexto) acessem de forma eventual e pontual os dados dos clientes. A instituição, afinal, é quem guarda esses dados, os trata e tem o dever de protegê-los; sua atuação se dá, obviamente, por meio das pessoas físicas a ela vinculadas (funcionários em sentido amplo). Se um funcionário de uma instituição financeira acessa dados de cliente no curso e nos limites do relacionamento ordinário entre a empresa e o correntista, não há violação; o acesso acidental tampouco constituiria uma violação para fins penais. Até mesmo o acesso sem justificativa imediata, mas totalmente eventual, rápido e sem registro dos dados (pela pessoa) por qualquer meio, poderia ser entendido como uma irregularidade que não caracteriza uma infringência direta do sigilo. Ainda se trata, nessa circunstância imaginada, de acesso sem retenção da informação pela pessoa física, ou seja, sem que se traia o dever fundamental de que os dados sejam cuidados e guardados apenas pela instituição financeira como pessoa jurídica, sem que seus funcionários possam individualmente ter ciência permanente e indevida de amplo conjunto de elementos sigilosos da vida de clientes.

 

Diversa é a hipótese em que um funcionário da instituição acessa dados sigilosos de clientes (por exemplo, valores de aplicações e elementos sobre operações financeiras) e os registra de alguma maneira, retirando-os da esfera exclusiva de guarda da instituição. Nesse caso, a pessoa física do funcionário, ainda que legitimada pelo ofício a acessar eventualmente os dados para atividades internas (ou para presentação da instituição financeira junto ao cliente), passou a detê-los para si. A isso nenhum funcionário, diretor ou controlador de instituição financeira está autorizado. É apenas a instituição enquanto tal que pode guardar e tratar os dados sigilosos dos clientes. Aquele que, a partir do exercício de um ofício em instituição, captura para si registros de dados sigilosos de clientes, viola o sigilo bancário, ao retirar da esfera de controle do cliente e da instituição a guarda de tais dados, sem autorização do interessado e sem qualquer respaldo normativo.

Portanto, a violação de sigilo se dá sempre que há infringência ou quebra, por qualquer meio, do caráter restrito das operações, o que pode se dar em tese, inclusive, quando um funcionário (autorizado ou não a ver os dados dentro  da instituição para fins específicos) retém consigo registros permanentes desse jaez.

A diferença entre o acesso eventual, rápido e justificado e aquele seguido de um registro permanente é que, no último, o funcionário deixou de manter sob a guarda exclusiva da instituição os dados: a instituição deixou de ser seu repositório único. Isso, por si, pode constituir violação do sigilo, inclusive na medida em que gera o risco permanente de acesso à informação pelo próprio funcionário (o que não ocorre no acesso eventual, visto que este permite, no máximo, a memorização temporária de alguns elementos esparsos, mas não a compilação permanente, acessível e organizada de grande quantitativo de dados, como datas, valores, natureza de transações e saldos/extratos).

O armazenamento de dados dessa natureza por um funcionário trai os dois bens jurídicos objeto de tutela do tipo: o direito constitucional de sigilo como esfera privada do indivíduo (não acessível por terceiros sem seu consentimento ou fora das regulamentações jurídicas que permitam tal acesso); e a confiabilidade do próprio sistema financeiro como repositório hígido desses dados, justamente com a garantia de que apenas as instituições autorizadas a operar retenham as informações, que não podem ser retiradas por qualquer pessoa física enquanto tal sem autorização do cliente titular dos dados.

Tendo em vista que a denúncia narra conduta que, em tese, se deu dessa maneira, há tipicidade aparente nos termos do art. 18 da Lei 7.492/86. O mesmo ocorre com relação ao art. 10 da Lei Complementar 105/2001 (se se entender que esta revogou integralmente o art. 18 da Lei 7.492/86), visto que a expressão “quebra de sigilo”, constante desse tipo penal, tem a amplitude e finalidade similares, referindo-se justamente à violação, infringência, desrespeito da natureza sigilosa dos dados, por qualquer forma.

    

Com essas considerações, e havendo elementos iniciais de autoria e materialidade delitiva, bem como descrição suficiente das circunstâncias de modo, tempo e lugar de cometimento de potencial infração penal por pessoa específica (o acusado GUSTAVO POGGIONI MARINS), restam preenchidos os requisitos para recebimento da denúncia.

 

Ante o exposto, acompanho o e. Relator, dando provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. ART. 18 DA LEI Nº 7.492/86. ART. 10, LC 105/2001. VIOLAÇÃO DE SIGILO. DESNECESSIDADE DA INDICAÇÃO DADA AOS DADOS INDEVIDAMENTE VIOLADOS. RECURSO PROVIDO.

1 – Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisão que rejeitou denúncia ofertada pela suposta prática do delito tipificado no art. 18 da Lei nº 7.492/86.

2 – A respeito da tipificação da conduta atribuída na denúncia, há que ser registrado que se trata de questão de menor importância nesta fase procedimental, uma vez que se exige da denúncia a descrição da conduta típica, sendo certo que até a prolação da sentença a peça inicial pode ser aditada e, na própria sentença o magistrado deve conferir a definição jurídica adequada aos fatos, com a aplicação da regra do art. 383 do CPP (emendatio libelli), se for o caso.

3 – Tem-se notado que doutrina e jurisprudência tem reconhecido na espécie que o art. 10 da LC 105/2001 conferiu uma continuidade normativo-típica ao delito do art. 18 da Lei nº 7.492/86, não estabelecendo nova conduta ilícita, apenas regulamentando as hipóteses de quebra de sigilo bancário previstas na Lei nº 7.492/86. Precedentes.

4 - Independentemente da tipificação conferida na denúncia, o certo é que o delito em comento permanece tipificado na lei penal vigente, de modo que, no presente caso, há que se aferir se a denúncia atende aos requisitos formais a autorizar a instauração da ação penal.

5 – O delito em comente trabalha com duas perspectivas. A primeira relaciona-se ao agente que não tem acesso ao sistema, incorrendo em uma violação, de modo a obter um acesso indevido. A segunda, diz respeito àquele que por razões de ofício, possui acesso aos dados sigilos e deles se utiliza divulgando-os ou revelando-os indevidamente a terceiros.

6 - Na presente hipótese, a denúncia narra a primeira situação, onde o denunciado acessou dados que devem ser mantidos em sigilo pela instituição financeira, de modo que não se exige a revelação desses dados a terceiros, ainda que seja possível e, eventualmente, tenha sido o objetivo da violação.

7 - Dessa forma, não há que se requerer que a denúncia narre circunstância não exigida para a configuração do delito, qual seja, a destinação conferida aos dados obtidos mediante violação do sigilo, que no caso, pode ser considerado como mero exaurimento.

8 - Recurso em sentido estrito provido. Denúncia recebida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Des. Fed. José Lunardelli, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para reformar a decisão recorrida e receber a denúncia, com o regular prosseguimento da ação penal nos seus ulteriores termos, conforme voto do e. Relator Hélio Nogueira , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.