APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0005215-96.2012.4.03.6181
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: VAGNER DOS ANJOS, JAIR GONCALVES, WALDIR VICENTE DO PRADO
Advogados do(a) APELANTE: JORGE FELIPE OLIVEIRA DA SILVA - SP401669-A, LUIZ CHRISTIANO GOMES DOS REIS KUNTZ - SP49806-A, LUIZ EDUARDO DE ALMEIDA SANTOS KUNTZ - SP307123-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0005215-96.2012.4.03.6181 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: VAGNER DOS ANJOS, JAIR GONCALVES, WALDIR VICENTE DO PRADO Advogados do(a) APELANTE: ANA LUIZA LOPES LAFAYETTE - SP403623-A, LAURITA DOS SANTOS ALMEIDA - SP446954-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR): O Ministério Público Federal, em 08/04/2016, denunciou Vítor Rogério de Moura Ferreira (nascido em 01/04/1947), Vagner dos Anjos (nascido em 03/08/1972), Jair Gonçalves (nascido em 02/10/1953) e Waldir Vicente do Prado (nascido em 23/01/1957), qualificados nos autos, como incursos nos crimes do artigo 288 do Código Penal e do artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986 c.c. artigo 29 do Código Penal, bem como no crime do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998. Consta da denúncia (ID 165087513, p. 03/09): Consta dos autos do incluso inquérito policial nº 0298/2010-11 que, entre outubro de 2008 e janeiro de 2009, Vagner dos Anjos, Diretor de Investimentos e Gestão Previdenciária do Fundo Previdenciário RECIPREV, através da intermediação de Waldir Vicente do Prado, agente autônomo de investimentos, e de Jair Gonçalves, sócio fundador e único administrador à época dos fatos da Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos, contratou a Sagres Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários Ltda., que tinha Vítor Rogério de Moura Ferreira como acionista majoritário e único administrador, para adquirir, no mercado financeiro, notas do tesouro nacional (NTN-B). Por seu turno, entre novembro de 2007 e junho de 2008, a Mútua – Caixa de Assistência dos Profissionais do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura contratou, através dos mesmos intermediários supracitados, a Sagres Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários Ltda. para a aquisição de notas do tesouro nacional (NTN-B). Conforme constatado posteriormente pelo Banco Central do Brasil, através da análise das cadeias de operações day trade de compra e venda desses títulos pela Sagres, tais notas do tesouro nacional foram, ao longo dos períodos indicados, reiteradamente adquiridas no mercado financeiro a preços inferiores aos preços unitários (PU) de referência e reiteradamente vendidas às entidades indicadas a preços superiores aos preços unitários (PU) de referência ou, por outro lado, foram, de forma reiterada, compradas das entidades de previdência a preços inferiores aos de referência. (...) O relatório do Bacen às fls. 5/12 dos autos, instruído com os documentos de fls. 13/118, traz, na tabela 2 (fls. 7/8), as 6 (seis) cadeias de negociação day trade atípicas realizadas entre a Sagres e a Mútua, entre 19.11.2007 e 25.06.2008. Nessa tabela, é possível observar que os valores dos títulos federais negociados, no mesmo dia, entre instituições financeiras do Sistema Financeiro Nacional desviaram-se do PU Andima entre 0,3% e 1,8%. No entanto, no último elo da cadeia de compra e venda, justamente quando o comprador é a entidade previdenciária, os preços de compra dispararam, reiteradamente, atingindo a faixa de 3,1% a 4,7% do PU Andima, sem qualquer explicação técnica plausível. (...) Da mesma forma, o relatório do Bacen traz na tabela 3 às fls. 8/9 dos autos, as 7 (sete) cadeias de negociação atípicas realizadas entre a Sagres e a Reciprev entre 02.10.2008 e 13.01.2009. Nessa tabela, de maneira similar às negociações conduzidas com a Mútua, é possível observar que os valores dos títulos federais negociados, no mesmo dia, entre as instituições financeiras do Sistema Financeiro Nacional desviaram-se do PU Andima entre -2,0% e 2,2%. No entanto, no último elo da cadeia de compra e venda, justamente quando o comprador é a entidade previdenciária, os preços de compra dispararam, reiteradamente, atingindo a faixa de 7,1% a 15,0% do PU Andima, também sem qualquer explicação técnica minimamente razoável. E mais, quando a Reciprev ocupou a posição de vendedora dos títulos tendo a Sagres como compradora, como ocorreu nas cadeias de operação dos dias 06.01.2009, 09.01.2009 e 12.01.2009, os desvios do PU também continuaram reiteradamente a lhe ser desfavoráveis, a saber e respectivamente, -7,0% contra -6,0%, -8,7% contra -3,3% e -12,7% contra -5,9%. Ou seja, a Sagres DTVM sempre vendeu títulos públicos federais à Reciprev e à Mútua por valores superiores aos preços de referência e sempre comprou da Reciprev os mesmos títulos por valores inferiores aos preços de referência. (...) Vítor (...) confirmou a realização das operações, acrescentando que os clientes lhe foram trazidos por Jair, a quem repassava de 60 a 70% dos lucros auferidos a título de comissões. Jair, por seu turno, (...) declarou que a Mútua e a Reciprev lhe foram apresentadas por Waldir, a quem repassou 80% dos valores recebidos de Vítor. Tais repasses foram feitos em espécie ou através de depósitos ou transferências bancárias em contas correntes de terceiros indicados por Waldir (...). Vagner, experiente ex-funcionário do Citibank onde trabalhara por quinze anos (...) e, na época dos fatos, Diretor de Investimentos e Gestão Previdenciária no Fundo Previdenciário RECIPREV tinha, conforme Severino Pessoa dos Santos (...), Diretor-presidente da Reciprev à época, autonomia técnica para decidir o tipo de investimento que o fundo previdenciário iria realizar. (...) A manipulação maliciosa das operações de compra e venda de títulos públicos federais pelos nominados em 13 (treze) cadeias de negociação day trade, com a formação de preços artificiosos, geraram resultados negativos consistentes num desencaixe a maior para a Mútua de R$ 1.936.911,15 e para a Reciprev, de R$ 10.346.722,07, com vantagens ilícitas para os denunciados da mesma magnitude. (...) Após aditamento, a denúncia foi parcialmente recebida em 14/06/2016, nestes termos (ID 165087513, p. 18/25): ... Diante do exposto, rejeito a denúncia, nos termos do art. 395, I, do Código de Processo Penal, exclusivamente em relação à imputação do crime do art. 288 do Código Penal, contra Vítor, Vagner, Jair e Valdir (...). De outro lado, havendo indício de prova da existência de fato que caracteriza os crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira e lavagem de capitais, bem como indícios de autoria, RECEBO A DENÚNCIA, oferecida pelo órgão ministerial contra Vítor Rogério de Moura Ferreira e Vagner dos Anjos, como incursos nas penas do artigo 4º da Lei nº 7.492/86, e contra Jair Gonçalves e Waldir Vicente, como incursos nas penas do artigo 1º da Lei nº 9.613/98 e do art. 4º da Lei 7.492/86, com supedâneo no artigo 395 do Código de Processo Penal (...). Processado o feito, sobreveio sentença (ID 165087515, p. 187/217 e ID 165087516, p. 01/63), publicada em 06/08/2019, que julgou procedente a denúncia, para: i) condenar o réu Vítor Rogério de Moura Ferreira como incurso no crime previsto no artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986 à pena de 03 anos, 07 meses e 10 dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, e ao pagamento de 33 dias-multa no valor total de R$ 9.900,00, atualizado desde a data do último fato (13/01/2009). Determinada a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos; ii) condenar o réu Jair Gonçalves como incurso nos crimes previstos no artigo 4º, caput, e artigo 25, § 2º, da Lei nº 4.792/1986, em concurso material com o crime previsto no artigo 1º, inciso VI e § 5º, da Lei nº 9.613/1998 (em sua redação original), à pena de 05 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 16 dias-multa no valor total de R$ 624,00, atualizado desde a data do último fato (13/01/2009); iii) condenar o réu Waldir Vicente do Prado como incurso nos crimes previstos no artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986, em concurso material com o crime previsto no artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 9.613/1998 (em sua redação original), à pena de 07 anos e 10 meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 95 dias-multa, no valor total de R$ 7.916,35, atualizado desde a data do último fato (13/01/2009); e iv) condenar o réu Vagner dos Anjos como incurso no crime previsto no artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986, à pena de 04 anos e 04 meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 61 dias-multa, no valor total de R$ 8.540,00, atualizado desde a data do último fato (13/01/2009). Interposta apelação por Vítor Rogério de Moura Ferreira (ID 165087516, p. 81), sobreveio sentença de extinção da punibilidade do recorrente, por força da prescrição retroativa relativamente à prática do delito tipificado no artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986 (ID 165087516, p. 84/86), ao que se seguiu a desistência do recurso (ID 165087517, p. 4). Apelam Jair Gonçalves e Vagner dos Anjos, representados pela Defensoria Pública da União (ID 165087517, p. 44/60). Em suas razões recursais, alegam, em síntese, a atipicidade das condutas narradas, conduzindo à inexistência de fraude e de lavagem de capitais. Sustentam que, independentemente dos parâmetros utilizados para se apontar variações no preço unitário dos títulos mobiliários, sua negociação seria feita mediante critérios de oferta, demanda e oportunidade. Desse modo, os desvios nos valores de compra e venda de títulos em relação à média do PU Andima em um mesmo dia estariam no contexto das variações de mercado, não podendo por si só caracterizar a fraude, mormente porque os preços dos títulos públicos negociados no mercado secundário, segundo orientação do próprio Tesouro e do BACEN, são livremente pactuados entre compradores e vendedores. Alegam que o índice Andima e os valores pelos quais um determinado título é negociado em um mesmo dia seriam apenas referências, as quais não poderiam precificar o valor dos títulos negociados, a fim de preservar a livre concorrência. Ademais, não se poderia concluir que as entidades previdenciárias tenham sofrido prejuízo decorrente de gestão fraudulenta apenas por não terem atingido todo o lucro potencial na negociação dos títulos ou por terem deixado de adquiri-los ao menor custo possível. A defesa ainda postula o reconhecimento da ausência de prova de autoria do apelante Jair Gonçalves quanto ao crime de lavagem de capitais, dada a inexistência de crime antecedente e de dissimulação de origem ou propriedade de dinheiro. Aduz, bem assim, a impossibilidade de condenação fundada exclusivamente em elementos do inquérito, em detrimento do interrogatório do réu em juízo. Sustenta inexistirem elementos de prova de vantagem indevida oriunda das operações negociadas, o que afastaria o crime de lavagem de capitais. Alega, igualmente, a ausência de autoria do apelante Vagner dos Anjos além da atipicidade da conduta, porquanto não haveria previsão legal de modalidade culposa relativamente ao crime de gestão fraudulenta de instituição financeira. Sustenta inexistir demonstração de comportamento doloso ou da obtenção de vantagem indevida decorrente das compras de títulos públicos realizadas pela RECIPREV sob orientação do apelante, as quais teriam resultado em lucros para o fundo de pensão. Desse modo, o fato tão somente de o apelante ter pertencido à diretoria da entidade previdenciária e, nessa qualidade, ter autorizado as negociações dos títulos nos valores efetuados não faria prova do dolo de orientar a empresa a realizar negócios desvantajosos, nem tampouco de obter vantagem em razão desses negócios. Sustenta que a suposta ausência de minuciosa pesquisa de mercado antes de orientar a realização de determinados investimentos não caracterizaria o dolo inerente ao tipo penal da gestão fraudulenta, mas sim poderia caracterizar imperícia. No entanto, como não haveria previsão legal de modalidade culposa para o tipo penal do artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986, a conduta praticada seria atípica. Subsidiariamente, requer a redução da pena-base cominada ao apelante Jair Gonçalves. Alega que o fato de a conduta envolver número elevado de pessoas não a tornaria especialmente reprovável, porquanto essa seria uma característica ínsita à dinâmica complexa do mercado de capitais. Desse modo, entende ter sido desproporcional a exasperação da pena-base em 08 (oito) meses. Nesse contexto, sustenta a impossibilidade de equiparação de lucros potenciais a prejuízo, uma vez que não teria havido dano ao patrimônio do fundo previdenciário. Desse modo, os lucros potenciais que o RECIPREV poderia ter auferido caso tivessem sido realizados negócios em condições mais vantajosas, como apontado pelo BACEN, consubstanciariam apenas exercício de especulação e, assim sendo, não poderiam embasar a majoração da pena-base do crime de gestão fraudulenta. Requer, a reforma da r. sentença no ponto em que considerou as consequências do crime de lavagem de capitais mais graves que o normal, aumentando a pena-base em 06 (seis) meses, com base em registros de transferências bancárias para diversos indivíduos, uma vez que não haveria elementos suficientes nos autos a demonstrar que essas transferências corresponderiam a valores provenientes das operações de compra e venda de títulos mobiliários. Ademais, se referidas transferências foram consideradas pela r. sentença como prova da lavagem de capitais, considerá-las como circunstância apta a agravar a pena-base caracterizaria indevido bis in idem. Por fim, aduz que as transferências a supostos beneficiários deveriam ser consideradas atos subsequentes em continuação ao primeiro ato – atuação como intermediário na transação considerada fraudulenta –, de maneira que estaria caracterizado o crime continuado, e não o concurso material reconhecido pela r. sentença. Quanto à dosimetria da pena do apelante Valter dos Anjos, a defesa sustenta inexistir prova de coordenação entre o réu e os demais acusados, sendo indevida a exasperação da pena-base em 08 (oito) meses. Reitera, por fim, a tese segundo a qual não haveria possibilidade de equiparação de lucros potenciais a prejuízo, uma vez que não teria havido dano ao patrimônio do fundo previdenciário. Desse modo, os lucros potenciais que o RECIPREV poderia ter auferido caso tivessem sido realizados negócios em condições mais vantajosas, como apontado pelo BACEN, consubstanciariam apenas exercício de especulação e, assim sendo, não poderiam embasar a majoração da pena-base do crime de gestão fraudulenta. Apela também o réu Waldir Vicente do Prado (ID 174921988). Preliminarmente, argui a ocorrência de cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da acareação entre o apelante e o corréu Jair Gonçalves, dada a incongruência dos três depoimentos prestados por este último. No mérito, alega que não teria incorrido para o cometimento das infrações a ele imputadas, uma vez que não teria intermediado negócios entre a empresa Ações e Opções Agentes de Investimentos Ltda. e as entidades previdenciárias Mútua e RECIPREV. Aduz que as transferências realizadas pela Ações e Opções Agentes de Investimentos Ltda. em sua conta bancária seriam relativas ao pagamento de empréstimos tomados pela testemunha de defesa Ildemar Almeida da Silva que, por estar com as contas momentaneamente negativadas, teria pedido ao apelante, seu amigo de longa data, que procedesse ao pagamento direto para diversos fornecedores de materiais de construção. Sustenta que, à época dos fatos, atuava regularmente no mercado de capitais como agente autônomo de investimento e, por conseguinte, tinha contato com a Sagres DTVM, amplamente reconhecida no mercado financeiro. Desse modo, não estaria caracterizado o delito de gestão fraudulenta, ante a ausência de participação do apelante nas negociações entabuladas entre as pessoas jurídicas Ações e Opções Agentes de Investimentos Ltda.e Sagres DTVM. Em relação ao delito de lavagem de capitais, sustenta sua não caracterização, uma vez que os valores recebidos seriam provenientes de relação entre particulares, alheia ao mercado financeiro. Assim, estaria ausente o elemento subjetivo do tipo penal, impondo-se o reconhecimento da atipicidade da conduta do apelante. Com contrarrazões (ID 165087569), subiram os autos. O DD. Órgão do Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento dos recursos (ID 201543552). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0005215-96.2012.4.03.6181 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: VAGNER DOS ANJOS, JAIR GONCALVES, WALDIR VICENTE DO PRADO Advogados do(a) APELANTE: ANA LUIZA LOPES LAFAYETTE - SP403623-A, LAURITA DOS SANTOS ALMEIDA - SP446954-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR): Inicialmente, afasto a preliminar suscitada pelo apelante Waldir Vicente do Prado. Em observância à jurisprudência dominante, deve prevalecer a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de prova em audiência, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304 C/C 297, AMBOS DO CP). ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS LEGAIS. SÚMULA 284/STF. INDEFERIMENTO DE PERÍCIA. PEDIDO CONSIDERADO DESNECESSÁRIO PELO JULGADOR. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. SÚMULA 7/STJ. REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. ADEQUAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Aplica-se a Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal quando a arguição de ofensa ao dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade. 2. Segundo pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o deferimento de realização de diligência e de produção de provas é faculdade do Magistrado, no exercício da sua discricionariedade motivada, cabendo ao órgão julgador desautorizar a realização de providências que considerar protelatórias ou desnecessárias e sem pertinência com a sua instrução. No caso em tela, o juiz sentenciante considerou como prova da materialidade o laudo de perícia papiloscópica e o laudo de exame de documento. 3. A questão relativa da desclassificação da conduta não prescinde do revolvimento do conteúdo fático-probatório dos autos. Incidência do enunciado n. 7 da Súmula deste Tribunal. 4. Apesar do quantum da pena imposta ser inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, a presença de circunstância judicial desfavorável autoriza a fixação do regime inicial mais gravoso e obsta a substituição das penas, nos termos do art. 33, §§ 2.º e 3.º, c.c. os arts. 59 e 44, inciso III, todos do Código Penal. 5. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no AREsp n. 1.737.521/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de 21/6/2021) No caso, a acareação entre os acusados Waldir Vicente do Prado e Jair Gonçalves mostrou-se desnecessária ao esclarecimento dos fatos, sendo por esse motivo indeferida. Ademais, o apelante teve garantido o direito ao contraditório e ampla defesa, não havendo demonstração de efetivo prejuízo capaz de inquinar o processo de nulidade. Nesse sentido: ECA. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE. ART. 616 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONVERSÃO DO JULGAMENTO DA APELAÇÃO EM DILIGÊNCIA. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. ORDEM DENEGADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. No campo das nulidades, a jurisprudência dos tribunais superiores é assente no sentido de que o princípio do pas de nullitésansgrief exige, em regra, a demonstração de prejuízo concreto à parte que suscita o vício, independentemente da sanção prevista para o ato e do caráter relativo ou absoluto da nulidade, uma vez que não se decreta nulidade processual por mera presunção (v.g. RHC n. 123.AgR/SP, relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, SEGUNDA TURMA, julgado em 5/5/2015, DJe 15/5/2015; RHC n. 71.626/CE, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 1º/12/2017). 2. Dispõe o art. 616 do Código de Processo Penal que, "[n]o julgamento das apelações, poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências". Nesse sentido, "esta Corte Superior de Justiça consolidou o entendimento de que o Tribunal, diante do conjunto probatório já produzido, tem a faculdade de determinar ou não a realização de novas diligências, sendo imprópria a implementação de nova instrução processual no segundo grau de jurisdição" (AgRg no HC n. 581.240/RS, relator Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 9/6/2020, DJe 17/6/2020, grifei). 3. No caso, o Tribunal de origem afastou o pedido de conversão do julgamento em diligência para oitiva de duas testemunhas não arroladas em momento oportuno, sob o fundamento de que as provas colhidas durante a instrução processual foram suficientes para formação do convencimento do Juízo de piso, que pautou a procedência da representação ofertada contra o agravante com fundamento no depoimento do delegado responsável pelas investigações, no relato de testemunha protegida e nos dados armazenados nos aparelhos celulares dos investigados. 4. Na hipótese, não se trata se produzir prova impossível quanto ao prejuízo, tal como afirmado pelo agravante, mas de minimamente demonstrar-se a pertinência de realização da prova pretendida nos termos do art. 616 do Código de Processo Penal, ônus do qual não se desincumbiu a defesa, de maneira que a verificação da necessidade de realização da diligência, nos moldes em que deduzido o pleito, demandaria impreterível revolvimento de material fático-probatório dos autos, o que não se coaduna com os estreitos limites de cognição da via eleita. 5. Não é apta a justificar o reconhecimento de nulidade a mera alegação de ofensa a dispositivo legal ou de prejuízo advindo da própria condenação, olvidando-se a parte de demonstrar o efetivo prejuízo sofrido decorrente do ato alegadamente inquinado de vício. 6. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no HC n. 670.326/SC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 26/11/2021) Firmado isso, nos termos da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, a empresa Sagres Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda., em conjunto com a empresa Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda., por intermédio de seus responsáveis, negociou títulos públicos federais sob condições artificiosas de preços, em detrimento de entidade previdenciária e entidade sem fins lucrativos, no período compreendido entre novembro de 2007 e janeiro de 2009. Os réus Jair Gonçalves e Waldir Vicente do Prado foram condenados como incursos no crime do artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986, em concurso material com o crime do artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 9.613/1998 (em sua redação original). O réu Vagner dos Anjos foi condenado como incurso nas penas do artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986. Gestão Fraudulenta – artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986 Da Materialidade A materialidade do crime previsto no artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986 está demonstrada pelo Relatório Final de Inspeção Integrada de Operações Day Trade com Módulo de PLD, elaborado pelo Departamento de Supervisão de Cooperativas e Instituições Não-Bancárias do BACEN, em 09/12/2009 (ID 165087486, p. 3/101). Também corroboram a materialidade delitiva as Peças Informativas nº 1.34.001.006724/2010-01, com destaque para o contrato de agenciamento entabulado entre as empresas Sagres DTVM Ltda. e Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda., administrada pelo réu Jair Gonçalves (ID 165087507, p. 122/127), bem como os documentos relativos ao contrato entre o fundo RECIPREV e a Sagres DTVM Ltda., quando o fundo era administrado pelo réu Vagner dos Anjos (ID 165087490, p. 4/30). Segundo o Relatório Final de Inspeção Integrada de Operações Day Trade com Módulo de PLD, elaborado pelo Departamento de Supervisão de Cooperativas e Instituições Não-Bancárias do BACEN em 09/12/2009, foi realizada inspeção integrada em 15 sociedades corretoras e distribuidoras no mercado secundário de títulos públicos e privados, dentre as quais a Sagres DTVM Ltda. (CNPJ 62.050.554/0001-50), com o objetivo de identificar “operações atípicas de intermediação ou de compra e venda definitiva de títulos públicos e privados, liquidadas no SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia e na CETIP S/A – Balcão Organizado de Ativos e Derivativos, a preços e/ou com ganhos fora do padrão do mercado, propiciando resultados expressivos para as instituições envolvidas, em detrimento da contraparte final (em geral, entidades previdenciárias ou fundos de investimento)” (ID 165087486, p. 4). O Relatório em questão esclarece que as análises foram fundamentadas nas seguintes fontes de informações (ID 165087486, p. 4/5): ...a) resultados de estudo analítico de cadeias de operações day-trade atípicas com títulos públicos e privados, desenvolvido pela Divisão de Monitoramento de Operações de Tesouraria do Departamento de Monitoramento do Sistema Financeiro e Gestão da Informações (DESIG/DIMOT), a partir de bases de dados recebidas diretamente do SELIC e da CETIP, considerando critérios pré-definidos de atipicidade e preços médios divulgados pela Andima – Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (...); b) resultados de questionários, enviados em setembro de 2009 às instituições fiscalizadas, tratando de aspectos concernentes às respectivas políticas de PLD/CFT; c) resultados de trabalhos precedentes realizados no âmbito da supervisão nas instituições fiscalizadas – inspeções diretas e indiretas, comentários dos respectivos supervisores, Termos de Comparecimento lavrados, Processos Administrativos instaurados, comunicações expedidas a outros órgãos reguladores/fiscalizadores e outras informações relevantes. ... De acordo com o documento, com base no critério de análise dos resultados totais obtidos em operações day-trade pelas instituições selecionadas, no período de julho de 2005 a junho de 2009, a Sagres DTVM Ltda. figurou entre as nove que apresentaram “os resultados (positivos ou negativos) mais expressivos nas negociações atípicas analisadas, concomitantemente à maior contumácia na realização de tais operações” (ID 165087486, p. 5/6). De acordo com o Relatório do BACEN, a Sagres DTVM Ltda. atuava em cadeias de negociações nas quais as instituições obtiveram resultados expressivos, em detrimento de entidades previdenciárias e fundos de investimento (ID 165087486, p. 17/18). Especificamente quanto aos resultados provenientes da análise das operações day-trade atípicas efetuadas pela Sagres DVTM Ltda., peço vênia para transcrever o seguinte excerto do Relatório elaborado pelo BACEN (ID 165087486, p. 40): A análise das operações day-trade registradas no SELIC revelou que a Sagres DVTM, em treze ocasiões, entre novembro/2007 e janeiro/2009, participou de cadeias de negociação de títulos públicos federais em condições artificiosas e não equitativas de preço, auferindo um resultado efetivo bastante significativo, em detrimento de um fundo de pensão e de uma entidade privada. A maior parte do resultado auferido pela Distribuidora foi transferida para um agente autônomo, a título de comissão de intermediação (...). Como evidência da condição artificiosa dos ganhos e perdas auferidas, bem como da própria característica de referência para preços de mercado do PU Andima, observa-se que as operações da Sagres DVTM com outras entidades do mercado de intermediação foram realizadas a preços sempre próximos do PU Andima, enquanto que nas vendas ou compras para as entidades mencionadas ocorrem divergências significativas, e sempre em desfavor destas entidades. A elevada proporção dos ganhos obtidos que foram repassados para o intermediário das operações, em desproporção com a natureza dos serviços efetivamente prestados, também reforça o caráter anormal da conduta da Sagres DTVM. A tabela com os resultados consolidados apurados no trabalho de campo (ID 165087486, p. 40) esclarece que o agente autônomo é a pessoa jurídica Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimento Ltda.; o fundo de pensão é o RECIPREV; e a entidade privada é a Mútua de Assistência dos Profissionais da Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Da autoria e dolo do réu Vagner dos Anjos A defesa de Vagner dos Anjos alega a ausência de autoria do apelante, além da atipicidade da conduta, porquanto não haveria previsão legal de modalidade culposa relativamente ao crime de gestão fraudulenta de instituição financeira. Sustenta inexistir demonstração de comportamento doloso ou da obtenção de vantagem indevida decorrente das compras de títulos públicos realizadas pela RECIPREV sob orientação do apelante, de maneira que o fato tão somente de o apelante ter pertencido à diretoria da entidade previdenciária e, nessa qualidade, ter autorizado as negociações dos títulos nos valores efetuados não faria prova do dolo de orientar a empresa a realizar negócios desvantajosos, nem tampouco de obter vantagem em razão desses negócios. As negociações artificiosas envolvendo a Sagres DTVM Ltda. e o fundo previdenciário RECIPREV aconteceram entre 02/10/2008 e 13/01/2009, segundo a denúncia, embasada nos documentos emitidos pelo BACEN, período em que o apelante ocupava o cargo de Diretor de Investimentos e Gestão Previdenciária da referida entidade. Pois bem. Consta dos autos Relatório Preliminar do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco a respeito de auditoria realizada no fundo RECIPREV no período compreendido entre 2006 e 2009 (ID 165087490, p. 165/). Desse documento, peço vênia para transcrever os seguintes excertos (p. 175/176): ... Em síntese, as operações realizadas pela Autarquia no mercado secundário de títulos públicos entre 2006 e 2009, foram as piores negociações dentre todas ocorridas nos respectivos dias, ou seja, comprou os papeis pelo maior preço, e os vendeu pelo menor, amargando sempre prejuízos de milhões a cada operação desta. ... Analisando-se a documentação enviada, constatou-se que nenhum destes documentos esclarece como foram definidos os preços unitários das negociações. Não havendo esclarecimentos plausíveis que justifiquem os valores adotados na compra e venda dos títulos públicos federais pela Autarquia, e tendo seus gestores autorizado tais negociações nas condições que estas se realizaram, conclui-se pela responsabilização destes gestores pelos prejuízos causados ao Fundo, segundo consta do “Quadro de detalhamento de irregularidades e débitos” deste relatório, em função de sua atuação negligente, senão fraudulenta. Escândalos de fraudes em fundos de previdência de regimes próprios têm se tornado freqüentes na mídia nos últimos anos, sempre com a mesma forma de atuação. Uma CTVM/DTVM, em operações day trade, aufere grandes lucros, infringindo enormes prejuízos aos fundos de previdência que as contratam para negociar títulos públicos no mercado secundário, simplesmente vendendo estes títulos aos fundos por valores bem acima dos praticados pelo mercado, como também comprando-os por valores bem abaixo do real, e sempre com a conivência dos gestores das entidades de previdência. Um notório exemplo deste modelo de fraude foi levada à grande mídia na investigação realizada quando dos trabalhos da CPMI “dos Correios”, no início de 2006. ... Em defesa administrativa, o então diretor do RECIPREV à época, Severino Pessoa, afirmou que “a operação de compras de título em discussão foi apresentada a este Requerente na ocasião, como uma transação já definida pelo então Diretor de Investimentos e Gestão Previdenciária, Sr. Vagner dos Anjos, sendo que este Requerente, então Diretor Presidente, não teve participação na escolha da alternativa de aplicação dos investimentos dos Fundos Previdenciários vinculados a Autarquia Municipal de Previdência de Assistência à Saúde dos Servidores – RECIPREV.” (ID 165087490, p. 196). No caso dos autos, não há dissídio quanto ao fato de que a definição das taxas pelas quais os títulos foram negociados ficou a cargo do apelante Vagner dos Anjos, pela RECIPREV, e de um funcionário da Sagres DTVM Ltda. identificado como Hipólito, fato reconhecido pelo próprio apelante nas declarações prestadas à autoridade policial (ID 165087511, p. 117/118): (...) QUE (...) acompanhava o mercado, levava as informações para o CONSELHO DE PREVIDÊNCIA e para um comitê de investimentos para que fossem tomadas as decisões; QUE atuava, em síntese, fazendo consultoria financeira; QUE quem administrava a RECIPREV na época era ADA SIQUEIRA que fora substituída por SEVERINO PESSOA; QUE a SAGRES era a única empresa que tinha os títulos públicos que a RECIPREV buscava (...); QUE (...) a escolha da SAGRES foi feita pelo COMITÊ DE INVESTIMENTOS com base na pesquisa feita pelo declarante; QUE o declarante quer deixar consignado que em 2009 havia uma forte crise no mercado financeiro em geral; QUE não recebeu nenhum dinheiro pelo contrato feito com a SAGRES; (...) QUE (...) disse que lembrou vagamente no nome de VÍTOR ROGÉRIO que trabalhava na SAGRES no entanto o declarante nunca teve contato com VÍTOR; QUE quis deixar consignado que tratava com HIPÓLITO empregado da SAGRES com o qual o declarante costumava contactar por telefone; QUE a taxa de juros foi escolhida com base em negociações anteriores de mercado e disponibilidade dos títulos na época; (...). Em juízo, o apelante atribuiu à conjuntura econômica mundial a grande volatilidade dos títulos à época dos fatos. Reconheceu, ademais, que as pesquisas de mercado que realizou para a negociação das taxas de juros podem não ser sido suficientes, porém justificou a escolha da Sagres DTVM Ltda. pelo fato de que seria a única corretora a negociar os títulos de interesse do fundo naquele momento de crise internacional (IDs 165087530, 165087531, 165087532, 165087533 e 165087534). É interessante notar que alegações no sentido de que os títulos não são precificados; de que o PU Andima consistiria em mero referencial; e de que o momento de crise econômica mundial teria sido o grande responsável pela variação anormal dos preços de negociação dos títulos federais pontuam as explicações do apelante tanto na fase inquisitorial quanto em juízo. Não obstante, essas justificativas parecem ser frequentemente adotadas pelos envolvidos em operações de títulos em condições de preços artificiosas, como se vê do seguinte excerto do Relatório Final de Inspeção Integrada de Operações Day Trade com Módulo de PLD, elaborado pelo Departamento de Supervisão de Cooperativas e Instituições Não-Bancárias do BACEN (ID 165087486, p. 9/10): (...) desde 2000, a ANDIMA – Associação Nacional das Entidades do Mercado Financeiro, divulga preços de referência para os títulos públicos em todos os vencimentos. Essa divulgação (...) teria sido solicitada pelo próprio Banco Central, com o objetivo de preencher a necessidade de parâmetros de precificação (...). Por representarem preços para todos os títulos em todos os vencimentos, e se originarem das próprias entidades do mercado por meio de sua associação de classe, o PU Andima vem sendo utilizado pelo Banco Central para parametrizar sua atuação, visando detectar e coibir as operações de títulos em condições de preços artificiosos, por meio do estabelecimento de parâmetros e margens razoáveis de variação. As instituições envolvidas nas operações artificiosas, em contrapartida, adotam o argumento de que tais preços são indicadores de referência, cujo cumprimento não é padrão estrito do mercado, tampouco exigência regulamentar. (...) como o PU Andima divulgado para determinado dia é relativo às informações colhidas no dia anterior, são esperadas e aceitáveis pequenas variações entre este preço e os preços efetivamente praticados, em função de variações de conjuntura, de um dia para o outro. Neste caso, contudo, o que se espera é uma divergência entre o preço de mercado efetivamente praticado e o preço indicado, no âmbito de todo o mercado, de forma indistinta. Algo bem distinto do que se observa nas cadeias day-trade de negociações atípicas, nas quais as distorções ocorrem de forma assimétrica ou unilateral, ou seja, somente em uma das pontas, compradora ou vendedora, via de regra a ponta ocupada pelos fundos de previdência. (...) Sendo assim, para que o argumento das instituições envolvidas nas cadeias, relativo à volatilidade natural dos papéis, seja aceito, é necessário que cada uma delas demonstre o caráter genérico dessa volatilidade nos dias em que as operações foram detectadas, uma vez que a regra do mercado é a convergência de preços, constituindo a divergência um caso especial decorrente de situações atípicas de mercado (e não das operações) que devem ser esclarecidas caso a caso. (...) Ademais, a crise econômica deflagrada em 2008 não poderia explicar o rastro de negociações atípicas envolvendo o fundo RECIPREV desde 2006, conforme consta da auditoria do TCE/PE. Ainda que assim não fosse, os desvios em relação ao PU Andima seriam verificáveis em todas as negociações day trade do período da crise, independentemente da corretora, tornando a alegação pouco plausível. De outro lado, a defesa alega que o fundo gerido pelo apelante não teria acumulado prejuízos decorrentes das negociações incluídas na denúncia. Ressalte-se que, em relação ao RECIPREV, o Relatório elaborado pelo BACEN aponta a perda potencial de R$ 10.346.722,07. Quanto ao “prejuízo potencial”, o BACEN esclarece que “o resultado potencial, de compra ou de venda, é calculado pela diferença entre o preço unitário negociado e o preço de referência de mercado - PU Andima, multiplicada pela quantidade de títulos negociados. A impossibilidade de se falar em resultado efetivo decorre do desconhecimento do preço com o qual o título gerador do resultado foi adquirido, no caso de resultado na venda; ou posteriormente vendido, ou mesmo mantido até o vencimento, no resultado de compra” (ID 165087486, p. 12). Não se trata, portanto, de prejuízo hipotético, como afirmado pela defesa. Os dados apontam para a efetiva perda econômica em desfavor do fundo RECIPREV, em valores expressivos, em decorrência das anomalias nos preços negociados diretamente pelo apelante Vagner dos Anjos com a Sagres DTVM Ltda. Por fim, ressalto que a alegação de negligência ou imperícia na conduta do apelante, por não ter elaborado pesquisas de mercado de maneira mais minuciosa, somente seria aceitável caso o cargo de Diretor de Investimentos e Gestão Previdenciária do fundo fosse ocupado por pessoa sem conhecimento da práxis do mercado financeiro, hipótese que não se mostra incomum na gestão de fundos previdenciários de categorias profissionais, mas que, definitivamente, não é o caso do apelante que, conforme apontam os elementos dos autos, acumula ampla experiência profissional na área econômico-financeira, gozando assim da confiança da diretoria do fundo previdenciário no que respeita às pesquisas de mercado apresentadas. Quanto ao dolo, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, o delito de gestão fraudulenta é caracterizado pela prática de atos de gestão de uma instituição financeira, pelo emprego de fraude, ardil ou qualquer manobra de natureza desleal que vise a induzir terceiras pessoas em erro e, desse modo, produzir um ou mais resultados pré-determinados pelo agente, que age com dolo, associada à obtenção de vantagem indevida em proveito próprio ou alheio. Nesse sentido: AÇÃO PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ART. 4º, CAPUT, E ART. 17 DA LEI 7.492/1986. COMPETÊNCIA. RÉU PARLAMENTAR FEDERAL. CRIMES PRATICADOS ANTES DA ASSUNÇÃO DO MANDATO ELETIVO. PRORROGAÇÃO EXCEPCIONAL DA JURISDIÇÃO DO STF. GESTÃO FRAUDULENTA. PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. ARDIL PARA INDUZIR BACEN EM ERRO ACERCA DA SITUAÇÃO PATRIMONIAL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TIPICIDADE. HABITUALIDADE. CONDENAÇÃO. PENA DE 04 ANOS E 06 MESES. FATOS OCORRIDOS NO ANO 2000. PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA PRETENSÃO PUNITIVA, QUANTO AO CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA, OPERADA ENTRE A DATA DOS FATOS E O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CRIME DE CONCESSÃO DE EMPRÉSTIMO VEDADO. PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. CONCOMITÂNCIA DA CONDIÇÃO DE ADMINISTRADOR DAS EMPRESAS CONCEDENTE E BENEFICIÁRIA DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO. TIPICIDADE. ERRO DE PROIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO. CONDENAÇÃO. PENA. APLICAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONDENAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE PENA DE RECLUSÃO, DE 04 E 06 MESES, NO REGIME INICIAL SEMIABERTO, E MULTA DE 200 DIAS-MULTA. DELITOS PRATICADOS EM 2003. INOCORRÊNCIA, QUANTO AO CRIME DE EMPRÉSTIMO VEDADO, DE CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. AÇÃO PENAL JULGADA PROCEDENTE, COM DECRETAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE QUANTO A UM DOS FATOS CRIMINOSOS. 1. A gestão fraudulenta, prevista no art. 4º, caput, da Lei 7.492/1986 caracteriza-se penalmente pela conduta de gerir fraudulentamente instituição financeira, crime que não se confunde com aquele previsto no parágrafo único do mesmo art. 4º (gestão temerária de instituição financeira), de menor lesividade e menor gravidade penal, embora ambos visem a tutelar o mesmo bem jurídico, qual seja, a estabilidade e higidez do sistema financeiro nacional. 2. A tutela penal das duas condutas, em linhas gerais, visa a resguardar a atuação segura das instituições financeiras, mormente em consideração à volatilidade e risco financeiro que são inerentes a uma economia de natureza globalizada, de cujo regular funcionamento é fiadora a confiança dos investidores na higidez das aludidas instituições. 3. a gestão fraudulenta diferencia-se da gestão temerária, porquanto a primeira consubstancia-se na prática de atos de gestão de uma instituição financeira, pelo emprego de fraude, ardil ou qualquer manobra de natureza desleal que vise a induzir terceiras pessoas em erro e, desse modo, produzir um ou mais resultados predeterminados pelo agente, que age com dolo, associada à obtenção de vantagem indevida em proveito próprio ou alheio. 4. O objetivo do legislador ao criminalizar a gestão temerária não foi o de penalizar a conduta do gestor de induzir terceiras pessoas em erro para auferir vantagem, mas sim a conduta que, embora praticada abertamente, sem qualquer ardil ou tentativa de ocultação, atente, quando acarretar risco injustificável ou desproporcional ao universo de investidores, contra a higidez da instituição financeira administrada. 5. A gestão fraudulenta no âmbito doutrinário é reconhecida por força do ardil, compreendido via condutas comissivas ou omissivas, desde que, em quaisquer dos casos, vise a induzir terceiras pessoas em erro. Trata-se, por exemplo, da não inclusão deliberada, nos balanços ou registros da instituição, de informações concernentes à situação de higidez financeira, com o objetivo de iludir terceiros investidores e/ou órgãos oficiais de fiscalização do mercado. (...) (STF, AP 892, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26/02/2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-104 DIVULG 17-05-2019 PUBLIC 20-05-2019) PENAL E PROCESSO PENAL. GESTÃO FRAUDULENTA. ART. 4°, CAPUT, DA LEI N.° 7.492/1986. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA. VALORES DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E DE CADA DIA-MULTA REDUZIDOS. Para a caracterização do crime de gestão fraudulenta de instituição financeira (tipo penal aberto), é indispensável que o agente, dolosamente, pratique conduta fraudulenta, isto é, pressupõe-se, como elemento normativo do tipo, o emprego de fraude, a qual, no âmbito da compreensão do tipo penal previsto no art. 4º, da Lei n 7.492/86, compreende a ação realizada de má-fé, com intuito de enganar, iludir, produzindo resultado não amparado pelo ordenamento jurídico através de expedientes ardilosos. A gestão fraudulenta se configura pela ação do agente de praticar atos de direção, administração ou gerência, mediante o emprego de ardis e artifícios, com o intuito de obter vantagem indevida (STF, HC 95.515/RJ, Rel. Ministra Ellen Gracie, Primeira Turma, DJe de 30.09.2008). Há entendimento doutrinário no sentido de que bastaria um ato (habitual impróprio ou acidentalmente impróprio) admitindo, pois, a capacidade de uma única conduta isolada realizar a elementar do tipo. Dada a gravidade e autonomia das ações e omissões de per si, exige-se a simples prática de uma conduta potencialmente lesiva de administração para o enquadramento nos delitos de gestão. Entendimento contrário levaria a absurda admissão da possibilidade de o administrador cometer um único ato fraudulento ou temerário durante sua gestão e levar a instituição financeira à inadimplência, sem que nenhuma responsabilidade penal pudesse advir por tal conduta. Doutra parte, por este raciocínio, o reconhecimento da tipicidade da prática de um único ato isolado, mas que apresente relevância penal, não induz ao reconhecimento de pluralidade de crimes quando os atos fizerem parte de uma cadeia ou de uma manifestação de exercício profissional habitual. (...) A expressão “gestão fraudulenta” não afronta o princípio da determinação taxativa. Embora se esteja tratando de tipo penal aberto, ou seja, que não descreve com precisão as condutas reprováveis pela norma, é perfeitamente possível verificar-se, a partir de complemento valorativo a ser conferido pelo intérprete no caso concreto, se os comportamentos ora perpetrados caracterizam ou não crime. Considerando a complexidade do Sistema Financeiro Nacional, seria inviável para o legislador ordinário descrever todas as condutas que pudessem caracterizar uma gestão fraudulenta. Nada obsta que o delito de gestão fraudulenta seja praticado por gerente de agência bancária, desde que fique comprovado que este detinha poderes de gestão (STJ, Quinta Turma, AGRESP – 1374090 – 2013.00.97650-8, Rel. Joel Ilan Paciornik, DJe de 15.08.2018, e STJ, Sexta Turma, AGRG NO RESP 917.333/MS, Rel. Sebastião Reis Junior, DJe de 19.09.2011). In casu, ficou demonstrado que o ora apelante, à frente da agência bancária de Divinolândia-SP por ele gerida, movimentou valores de clientes sem autorização, concedeu empréstimos indevidos, realizou resgates não solicitados etc, ou seja, realizou atos de administração (dentro dos poderes a ele conferidos, ainda que apenas de fato) visando à percepção de vantagem indevida (para si ou para outrem) em prejuízo alheio, de modo que não há dúvida de que os fatos narrados na denúncia se situam na moldura do art. 4°, caput, da Lei n.° 7.492/1986. (...) Apelação da defesa a que se dá parcial provimento, tão somente para determinar a redução do valor de cada dia-multa para o patamar mínimo legal de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo e para fixar a prestação pecuniária em 3 (três) salários mínimos. Fica a pena estabelecida em 3 (três) anos de reclusão, em regime ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; e b) prestação pecuniária, consistente em doar 03 (três) salários mínimos a entidade assistencial a ser definida pelo Juízo da Execução. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0000631-56.2009.4.03.6127, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 28/01/2022, DJEN DATA: 03/02/2022) Desse modo, considerando-se que Vagner dos Anjos ocupava o cargo de Diretor de Investimentos e Gestão Previdenciária do fundo RECIPREV à época dos fatos denunciados; sua reconhecida ligação com o corréu Waldir Vicente do Prado (cujo papel no esquema fraudulento será esclarecido mais adiante); o tempo prolongado pelo qual títulos públicos foram negociados diretamente pelo apelante em condições de preços artificiosas; bem como as perdas financeiras da ordem de milhões sofridas pelo fundo previdenciário em decorrência dessas negociações, resta configurado o dolo de produzir resultado econômico pré-determinado mediante manobra inidônea que, simultaneamente, causou desvantagem ao RECIPREV e proporcionou a obtenção de vantagem indevida, se não em proveito próprio, a benefício comprovado de terceiros. Da autoria e dolo do réu Jair Gonçalves O acusado Jair Gonçalves era sócio fundador e administrador da empresa denominada Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda., à época dos fatos delituosos apurados. Após sua citação, em 01/07/2016, o apelante fez juntar aos autos declaração de próprio punho, com o intuito de prestar esclarecimentos ao Juízo quanto aos fatos denunciados, nos seguintes termos (ID 165087513, p. 43): ... A minha participação nestas transações foi como a pessoa que possuía C.V.M. e estava registrado na Corretora Sagres. Fui chamado pelo Sr. Vítor, indicado pelo Sr. Waldir e Sr. Jorge, para emitir as notas fiscais das operações para a corretora poder liberar o dinheiro das comissões documentado. A Ações e Opções recebeu 5% (cinco por cento) do valor da comissão e o restante foi destinado, segundo instruções do Sr. Vítor, Sr. Waldir e Sr. Jorge, sendo que os senhores Waldir e Jorge iam comigo até o banco acompanhar as transferências e os valores que podiam ser retirados em espécie. As operações eram feitas pelo operador da corretora, o Sr. Hipólito e eu não podia acompanhar. ... À autoridade policial, o apelante prestou as seguintes declarações (ID 165087508, p. 79/83): (...) QUE é sócio fundador da AÇÕES & OPÇÕES AGENTES AUTÔNOMOS DE INVESTIMENTOS LTDA. (...), empresa constituída em agosto de 2001; (...) QUE seu outro sócio é JOSÉ CARLOS MATAS PARRAS; QUE a empresa é administrada pelo declarante e por JOSÉ CARLOS MATAS PARRAS, em conjunto; QUE, apesar de a administração competir a ambos, esclarece que JOSÉ CARLOS, no ano de 2007, sofreu um AVC e ficou afastado da empresa, até 2009; QUE, portanto, JOSÉ CARLOS, pouco pode esclarecer sobre os fatos em investigação, pois naquele período estava afastado por questões de saúde; QUE essa empresa atua no mercado financeiro, atuando com compra e venda de ações, títulos públicos, debêntures etc.; (...) QUE, especificamente quanto à DISTRIBUIDORA SAGRES, o declarante esclarece que é ele próprio que trata do relacionamento entre a AÇÕES & OPÇÕES e a DISTRIBUIDORA SAGRES, pois esta empresa atua na compra e venda de títulos públicos; QUE trata diretamente com VÍTOR ROGÉRIO DE MOURA FERREIRA, dono da SAGRES; (...) QUE, na prática, o agente autônomo capta clientes para a corretora e se remunera por isso com os 70% da taxa de corretagem que, como dito, varia entre 0,20 e 0,50% da operação, pelo número de anos que rende o título; (...) QUE, indagado se a corretora compra a um valor menor e repassa pelo valor indicado pelo cliente, ficando com a diferença, responde que isso não acontece e se acontecer “o BANCO CENTRAL vai lá e fecha a corretora”; (...) QUE, no caso da MÚTUA DE ASSISTÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DA ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA (...), WALDIR VICENTE DO PRADO, que atua como corretor autônomo informal, “freelancer”, desvinculado a qualquer empresa, estabeleceu inicialmente o contato com a MÚTUA; QUE WALDIR VICENTE DO PRADO apresentou a MÚTUA à AÇÕES & OPÇÕES; (...) QUE não sabe dizer quem foi a pessoa da MÚTUA a responsável pela fixação desse valor; QUE a SAGRES conseguiu comprar o título, por um valor menor que o fixado pela MÚTUA e vendeu para a MÚTUA pelo valor por esta fixado, que era maior; QUE, indagado se isso não é questionado pelo BACEN, o declarante afirma que o BACEN tolera que haja alguma pequena diferença entre o preço que a corretora paga e o preço pelo qual ela revende para o investidor, mas se essa diferença for muito grande, o BACEN fecha a corretora; (...) QUE, ao receber da SAGRES as comissões referentes às operações com a MÚTUA, a AÇÕES & OPÇÕES repassou parte desses valores ao corretor informal WALDIR VICENTE DO PRADO, que foi quem captou a MÚTUA para a AÇÕES E OPÇÕES; QUE não existe um contrato entre WALDIR VICENTE DO PRADO e a AÇÕES E OPÇÕES, mas se recorda que foi verbalmente estabelecido que WALDIR ficaria com 80% do valor que a AÇÕES E OPÇÕES recebesse da SAGRES, em virtude das operações com a MÚTUA; QUE os valores que a AÇÕES E OPÇÕES repassava para VALDIR eram transferidos por meio de TEDs, para contas de terceiros indicados por ele; (...) Que WALDIR indicava os terceiros que deveriam receber esse montante; QUE a AÇÕES E OPÇÕES escriturou esses pagamentos feitos aos terceiros indicados por WALDIR como “pagamentos a terceiros”; (...) QUE WALDIR não dava recibos; (...) QUE fez negócios com WALDIR e com seu sócio, JORGE PAULO PINHEIRO, entre 2005 e 2009; QUE esses negócios foram feitos em nome da MÚTUA, da RECIPREV e dos dois, como pessoas físicas; (...) QUE, no caso do FUNDO PREVIDENCIÁRIO – RECIPREV (...), a mesma lógica descrita no caso da MÚTUA se aplica para as operações da RECIPREV; QUE foi WALDIR que apresentou a RECIPREV à AÇÕES E OPÇÕES, que levou essa cliente para a SAGRES; QUE a SAGRES efetuou as transações junto ao mercado, conforme previamente especificado pela RECIPREV, ficando integralmente com o valor da diferença e remunerando-se com a taxa de corretagem de 0,20% por ano de rendimento; QUE, do total dessa taxa de corretagem, 70% foram repassados à AÇÕES E OPÇÕES, que, por sua vez, repassou 80% dessa sua parte para WALDIR; QUE, do mesmo modo em que ocorreu com a MÚTUA, WALDIR indicou a conta de terceiros para receber esses valores; (...) Posteriormente, ao ser reinquirido pela autoridade policial, o apelante complementa as informações anteriormente prestadas (ID 165087508, p. 123/124): (...) QUE VÍTOR determinava à AÇÕES E OPÇÕES que fizesse repasses de recursos a terceiros e a ele próprio; QUE essas ordens às vezes eram transmitidas por telefone, ou por escrito, conforme os documentos apresentados; (...) QUE o responsável pelas operações relativas à MÚTUA é ABDO CALIL NETO; QUE acredita que ABDO CALIL NETO é empregado da MÚTUA, pois é ele que tem o controle do dinheiro da MÚTUA; (...) Não obstante as diferenças pontuais existentes entre as declarações prestadas à Polícia Federal, a declaração escrita de próprio punho pelo apelante e o interrogatório em juízo (IDs165087526, 165087527, 165087528 e 165087529), não há dúvidas de que a sociedade administrada por Jair Gonçalves – Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. – atuava como intermediadora da corretora Sagres DTVM Ltda. na captação de clientes investidores para a negociação de títulos no mercado secundário, recebendo determinado percentual a título de comissão e em seguida procedendo à transferência dos valores auferidos a terceiros indicados tanto pelo representante da Sagres DTVM Ltda. como pelo agente autônomo Waldir Vicente do Prado. Assim, restando comprovada documentalmente a efetiva participação do apelante Jair Gonçalves, na qualidade de representante da empresa Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda., nas operações artificiosas denunciadas, conclui-se pela autoria de Jair Gonçalves no tipo penal previsto no artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986. Quanto ao dolo, como visto, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, o delito de gestão fraudulenta é caracterizado pela prática de atos de gestão de uma instituição financeira, pelo emprego de fraude, ardil ou qualquer manobra de natureza desleal que vise a induzir terceiras pessoas em erro e, desse modo, produzir um ou mais resultados predeterminados pelo agente, que age com dolo, associada à obtenção de vantagem indevida em proveito próprio ou alheio. No caso do apelante Jair Gonçalves, os elementos de prova presentes nos autos são suficientes para evidenciar a conduta dolosa, ao participar, na qualidade de representante de empresa intermediadora, de esquema fraudulento de negociação de títulos públicos, elaborado conjuntamente com a Sagres DTVM Ltda., por meio do qual duas entidades foram financeiramente lesadas, enquanto os agentes auferiam vantagem. A ação foi descrita de maneira sucinta e eficiente pela Polícia Federal, em representação pela quebra dos sigilos bancário e fiscal de Vítor Rogério de Moura Ferreira, Jair Gonçalves, Sagres DTVM Ltda. e Ações & Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. (ID 165087509, p. 98), nestes termos: (...) Em poucas palavras, o dinheiro saiu das entidades, foi para a SAGRES, que o repassou à AÇÕES & OPÇÕES que, por sua vez, o distribuiu a terceiros. Alguns desses terceiros já foram identificados nessas investigações, sendo um deles WALDIR VICENTE DO PRADO, pessoa investigada na CPI dos CORREIOS por operações fraudulentas em bolsa (...). Todas essas informações reunidas são fortes indícios de que a AÇÕES & OPÇÕES foi utilizada para receber os recursos auferidos (desviados) das entidades, recursos estes que, em seguida, foram redistribuídos para os integrantes do esquema. Da autoria e dolodo réu Waldir Vicente do Prado Na fase inquisitorial, o apelante se limitou a negar as acusações, nestes termos (ID 165087510, p. 105): (...) QUE a empresa SERCOMPREV SERVIÇOS E CONSULTORIA pertence a amigo do declarante de nome ILDEMAR; QUE SOCORRO MARIA DE JESUS é esposa ou companheira de ILDEMAR; QUE MAOEL ALMEIDA DA SILVA é pai de ILDEMAR; QUE reitera que desconhece a MÚTUA e não intermediou a negociação ora investigada, não recebendo qualquer comissão pelo negócio; QUE nega ter orientado a AÇÕES E OPÇÕES AGENTES AUTÔNOMOS DE INVESTIMENTOS LTDA. ou JAIR GONÇALVES a remeter TEDs para terceiros (...); QUE no momento não sabe explicar o motivo dos TEDs de fls. 211-212 e 218 (...); QUE nega ter recebido dinheiro em espécie da AÇÕES E OPÇÕES; (...) Em juízo, reiterou que as transferências bancárias realizadas pela Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. em seu nome teriam sido efetuadas por José Carlos Matas Parrasa título de socorro financeiro a Ildemar Almeida da Silva, seu amigo pessoal que, naquele momento, estava com suas contas bloqueadas e não podia pagar seus fornecedores. Negou ter intermediado as negociações de títulos envolvendo a Sagres DTVM Ltda. e as entidades RECIPREV e Mútua. Afirmou ter conhecido Jair Gonçalves esporadicamente no escritório de outro amigo – Jorge Paulo Pinheiro– e, quanto às afirmações de Jair Gonçalves, afirma desconhecer os fatos e os representantes das entidades envolvidas na negociação dos títulos, atribuindo a narrativa de Jair Gonçalves ao seu caráter “atrapalhado” (IDs 165087541, 165087542, 165087543 e 165087544). O apelante não apresenta provas da veracidade da versão apresentada, contudo. Sabe-se que, à época dos fatos apurados, o hoje falecido José Carlos Matas Parras estava afastado da administração da Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. em decorrência de problemas de saúde, como se verifica do depoimento prestado pelo próprio à autoridade policial (ID 165087508, p. 117), não sendo crível que tivesse sido o responsável pelas transferências efetuadas pela empresa em favor do apelante. Ademais, em seu interrogatório, o corréu Vagner dos Anjos, à época responsável pelas negociações do fundo RECIPREV, afirma ter conhecido Waldir Vicente do Prado, mas não Jair Gonçalves (ID 165087531), o que confere lastro à afirmação deste último no sentido de que Waldir captava os clientes para que a Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda.intermediasse as operações com a Sagres DTVM Ltda. Bem assim, o apelante não nega o contato regular com a Sagres DTVM Ltda., mas atribui essa ligação à sua atuação regular no mercado de capitais, de maneira a descaracterizar o crime de gestão fraudulenta, porquanto não participaria das negociações reputadas irregulares. Não obstante o apelante não aparecer formalmente nas negociações intermediadas pela Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. entre a Sagres DTVM Ltda. e as entidades lesadas, os elementos de prova presentes nos autos são suficientes para evidenciar a autoria e a conduta dolosa de Waldir Vicente do Prado, atuando como o contato inicial entre as referidas entidades e a corretora, além de ser comprovadamente um dos beneficiários da posterior pulverização da vantagem econômica auferida. Ressalte-se que, embora o delito tipificado no artigo 4º, caput, da Lei n° 7.492/1986 configure crime próprio, o que, em princípio, significaria dizer que somente poderia ser praticado por quem detém poder de direção na instituição financeira, admite-se a coautoria ou participação de quem praticou atos em conjunto com os responsáveis pela gestão, possuindo influência sobre a realização das atividades ilícitas. Nesse sentido é a orientação desta Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região: PENAL E PROCESSO PENAL. GESTÃO FRAUDULENTA. ART. 4°, CAPUT, DA LEI N.° 7.492/1986. PARTICIPAÇÃO E/OU COAUTORIA DE TERCEIRO ESTRANHO AOS QUADROS DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. POSSIBILIDADE. ARTIGOS 29 E 30 DO CP. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA. VALORAÇÃO NEGATIVA DE DUAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS (“CULPABILIDADE” E “CONSEQUÊNCIAS DO CRIME”). INCREMENTO DE 1/6 (UM SEXTO) PARA CADA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVOFÁVEL. NÚMERO DE DIAS-MULTA E VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA REDUZIDOS. (...) O delito tipificado no art. 4º, caput e parágrafo único, da Lei n° 7.492/1986, configura crime próprio, o que, em princípio, significaria dizer que apenas pode ser cometido por quem detém poder de direção na instituição financeira, conforme rol expressamente previsto no art. 25 do mesmo diploma legal. Admite-se, porém, a coautoria ou participação de quem praticou atos em conjunto com os responsáveis pela gestão, possuindo influência sobre a realização das atividades ilícitas. Se restar demonstrado o conluio de um administrador, diretor ou gerente da instituição com os demais réus, mesmo que estes não ostentem tal qualidade, podem participar da prática criminosa, caso tenham apoiado material ou moralmente sua execução (inteligência do artigo 29 do Código Penal). Assim, pode haver a imputação pelo crime de gestão fraudulenta ainda que o agente não mantenha relação profissional com a instituição financeira. Por certo, há que se ter a autoria de ao menos uma das pessoas com as especiais qualidades exigidas pelo tipo. Portanto, mesmo aqueles que não detenham a qualidade especial exigida para o art. 4º, podem incorrer nas penas a este delito cominadas, bastando que ao menos um dos agentes se revista da especial qualidade exigida pelo tipo e os demais participantes tenham conhecimento desta circunstância. O ordenamento jurídico permite a comunicabilidade de circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares ao tipo, com espeque no artigo 30 do Código Penal. Embora não possuísse poder de administração nem ocupasse cargo de direção no “Banco Royal”, RALPH CONRAD prestou importante colaboração para a consecução das fraudes descritas da denúncia. Em sendo a qualidade de administrador elementar do delito em questão e tendo-se em vista que as circunstâncias de caráter pessoal se comunicam aos coautores e partícipes (inteligência do art. 30 do CP), sejam eles empregados da instituição financeira ou mesmo particulares, não poderia ser outra a conclusão senão a de que, em se constatando que o ora acusado agiu em conluio com os então diretores da instituição financeira (HARVEY EDMUR COLLI e MIGUEL YAW MIEN TSAU), a prática do delito de gestão fraudulenta deve ser-lhe, também, imputada. (...) (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0016900-42.2008.4.03.6181, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 11/02/2022, Intimação via sistema DATA: 15/02/2022) Do crime do artigo 1º, inciso VI, § 5º, da Lei nº 9.613/98 (em sua redação original) No que concerne ao delito de lavagem de dinheiro, registro, de início, que antes da alteração legislativa conferida pela Lei nº 12.683/12 e pelo qual os apelantes Jair Gonçalves e Waldir Vicente do Prado foram denunciados, encontrava-se assim tipificado: Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II - de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 2003) III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante seqüestro; V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organização criminosa. VIII - praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal). (Incluído pela Lei nº 10.467, de 2002) Pena: reclusão de três a dez anos e multa. Neste contexto, impende registrar que para a condenação pelo crime de lavagem de dinheiro, o que se preceitua é prova convincente, seja direta ou indireta, de ser seu objeto produto do crime antecedente, in casu, gestão fraudulenta (crime contra o Sistema Financeiro Nacional), o que restou efetivamente comprovado nos autos. Independentemente disso, cumpre anotar que a doutrina e jurisprudência são unânimes quanto à autonomia do delito de lavagem de dinheiro em relação ao crime antecedente. Nesse sentido: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. DETALHAMENTO MINUCIOSO DECORRENTE DO EXAME DO PLEITO. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO COM BASE EM FUNDAMENTOS DIVERSOS DAQUELES APRESENTADOS PELAS PARTES. INDÍCIOS SUFICIENTES DA EXISTÊNCIA DO CRIME ANTECEDENTE. CONFIGURAÇÃO. AUTONOMIA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Na hipótese, o detalhamento minucioso do caso, inclusive acerca da existência ou não de indícios de autoria, deu-se em decorrência da análise do pleito formulado pelo impetrante, quanto à incompetência da Justiça Federal para processamento do feito. 2. Pode o magistrado prestar jurisdição solvendo o direito aplicável inclusive por fundamentos não apresentados pelas partes, sem que isto altere o limite do caso penal. 3. Permanece típica e punível a lavagem de dinheiro mesmo quando desconhecido ou isento de pena o autor do crime precedente, desde que presentes indícios suficientes da existência deste delito (art.2º, § 1º, da Lei n. 9.613/98). 4. O sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro pode ser, não só o autor, o coautor ou o partícipe do crime antecedente, mas todo aquele que, de alguma forma, concorra para a ocultação ou dissimulação do lucro proveniente da atividade delituosa. 5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, para a configuração do crime do artigo art. 1º da Lei n. 9.613/98, não é necessário que o acusado tenha sido condenado pelo delito antecedente, pois embora derivado ou acessório, o delito de lavagem de dinheiro é autônomo. 6. Recurso ordinário improvido. (STJ, RHC 41.203/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 12/05/2016) Deve-se consignar, também, que o tipo penal em comento exige que o agente aja no sentido de dissimular (ou seja, disfarçar) a origem e conferir aparência de licitude aos valores provenientes do crime antecedente, essência do delito lavagem de dinheiro, podendo se utilizar de diversos meios legais ou ilegais, sejam bancários, contábeis, fiscais ou cambiais para esse fim. Da materialidade e da autoria Em relação ao delito de lavagem de dinheiro, como provas materiais, aproveitam todas aquelas já mencionadas anteriormente no tocante ao delito de gestão fraudulenta, às quais me reporto para evitar repetições desnecessárias. Além disso, cumpre ressaltar que não há dúvidas quanto ao relacionamento existente entre os denunciados Jair Gonçalves e Waldir Vicente do Prado e o administrador da Sagres DTVM Ltda., Vítor Rogério de Moura Ferreira. Destacam-se os vários comprovantes de TEDs feitas pela Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. em nome de terceiros, dentre os quais Waldir Vicente do Prado (ID 165087508, p. 89/100 e 127/153), bem como os seguintes esclarecimentos prestados pelo apelante Jair Gonçalves: (...) QUE, ao receber da SAGRES as comissões referentes às operações com a MÚTUA, a AÇÕES & OPÇÕES repassou parte desses valores ao corretor informal WALDIR VICENTE DO PRADO, que foi quem captou a MÚTUA para a AÇÕES E OPÇÕES; QUE não existe um contrato entre WALDIR VICENTE DO PRADO e a AÇÕES E OPÇÕES, mas se recorda que foi verbalmente estabelecido que WALDIR ficaria com 80% do valor que a AÇÕES E OPÇÕES recebesse da SAGRES, em virtude das operações com a MÚTUA; QUE os valores que a AÇÕES E OPÇÕES repassava para VALDIR eram transferidos por meio de TEDs, para contas de terceiros indicados por ele; (...) Que WALDIR indicava os terceiros que deveriam receber esse montante; QUE a AÇÕES E OPÇÕES escriturou esses pagamentos feitos aos terceiros indicados por WALDIR como “pagamentos a terceiros”; (...) QUE WALDIR não dava recibos; (...) QUE fez negócios com WALDIR e com seu sócio, JORGE PAULO PINHEIRO, entre 2005 e 2009; QUE esses negócios foram feitos em nome da MÚTUA, da RECIPREV e dos dois, como pessoas físicas; (...) QUE, no caso do FUNDO PREVIDENCIÁRIO – RECIPREV (...), a mesma lógica descrita no caso da MÚTUA se aplica para as operações da RECIPREV; QUE foi WALDIR que apresentou a RECIPREV à AÇÕES E OPÇÕES, que levou essa cliente para a SAGRES; QUE a SAGRES efetuou as transações junto ao mercado, conforme previamente especificado pela RECIPREV, ficando integralmente com o valor da diferença e remunerando-se com a taxa de corretagem de 0,20% por ano de rendimento; QUE, do total dessa taxa de corretagem, 70% foram repassados à AÇÕES E OPÇÕES, que, por sua vez, repassou 80% dessa sua parte para WALDIR; QUE, do mesmo modo em que ocorreu com a MÚTUA, WALDIR indicou a conta de terceiros para receber esses valores; (...)(ID 165087508, p. 79/83) (...) QUE VÍTOR determinava à AÇÕES E OPÇÕES que fizesse repasses de recursos a terceiros e a ele próprio; QUE essas ordens às vezes eram transmitidas por telefone, ou por escrito, conforme os documentos apresentados; (...)(ID 165087508, p. 123/124) ... A Ações e Opções recebeu 5% (cinco por cento) do valor da comissão e o restante foi destinado, segundo instruções do Sr. Vítor, Sr. Waldir e Sr. Jorge, sendo que os senhores Waldir e Jorge iam comigo até o banco acompanhar as transferências e os valores que podiam ser retirados em espécie. As operações eram feitas pelo operador da corretora, o Sr. Hipólito e eu não podia acompanhar. ...(ID 165087513, p. 43): Portanto, entendo que restou devidamente demonstrada a materialidade e a autoria de ambos os delitos imputados aos denunciados Jair Gonçalves e Waldir Vicente do Prado. Do dolo Quando ao dolo, os comprovantes de transferências bancárias realizadas pela intermediadora Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. tendo por beneficiários terceiros indicados tanto pelo administrador da Sagres DTVM Ltda. quanto pelo denunciado Waldir Vicente do Prado, permitem a conclusão pela intenção de ocultar a origem escusa dos valores repassados. Ressalte-se que o apelante Jair Gonçalves realizou transferências também em favor de sua filha, Fabíola Gerônimo Gonçalves, as quais justificou, em interrogatório judicial, como sendo provenientes de outras comissões que recebera e relativas a pagamento de empréstimos que contraiu com sua filha para arcar com despesas pessoais (ID 165087528). Essa versão, porém, não condiz com as declarações prestadas por Fabíola Gerônimo Gonçalves à autoridade policial, a quem afirmou que, “em relação ao comprovante de TED de fl. 222, declara que JAIR GONÇALVES perguntou à declarante se podia transferir dinheiro para sua conta, justificando querer fazer investimento no BANCO ITAÚ, que estava com taxas atraentes; QUE o valor transferido era e é de seu pai” (ID 165087508, p. 107). Vê-se, portanto, que não há clareza nem quanto à origem do dinheiro nem quanto ao motivo da transferência para a conta da filha do apelante, o que vem a reforçar a intenção de pulverização dos recursos auferidos, com o intuito de desvinculá-los da origem ilícita. Quanto às comissões pagas pela Sagres DTVM Ltda. à empresa de Jair Gonçalves, os elementos constantes dos autos apontam para a realização de manobra com o objetivo de conferir uma fachada de legalidade ao negócio perpetrado, consistente no pagamento de comissões em valor elevado, de cujo total apenas uma pequena parte ficaria efetivamente com a empresa intermediadora, enquanto o restante era transferido para contas de terceiros indicados tanto pelo administrador da Sagres DTVM Ltda. quanto por Waldir Vicente do Prado que, como outrora mencionado, era quem captava os clientes e os repassava à Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos que, por sua vez, os repassava à Sagres DTVM Ltda. Com efeito, consta da Cláusula Terceira do Contrato de Agenciamento entabulado entre a Sagres DTVM Ltda. e a Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. (ID 165087507, p. 125), que “a remuneração para cada operação será de 60% do valor advindo do resultado da operação apresentada pelo AGENTE”. O percentual constante do instrumento contratual é confirmado pelo administrador da Sagres DTVM Ltda. nas declarações prestadas à autoridade policial, de maneira a reforçar a ausência de irregularidade na comissão paga à intermediadora (ID 165087508, p. 60/63): (...) QUE, indagado sobre a AÇÕES & OPÇÕES, informa que conhece tal empresa há quatro ou cinco anos; (...) QUE, indagado qual é a comissão normalmente paga aos agentes autônomos, afirma que a comissão da AÇÕES & OPÇÕES variava entre 60 e 70%; QUE essa é uma comissão bastante normal no mercado; (...). Não obstante, ainda que o percentual contratado estivesse condizente com as práticas de mercado, a comissão paga pela Sagres DTVM Ltda. à Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. foi na realidade ainda maior. Segundo o Relatório elaborado pelo BACEN, que embasa a denúncia, os dados apontam que, nas treze cadeias de operações day-trade realizadas no período demarcado, a Sagres DVTM obteve ganhos efetivos de R$ 9.639.046,17, tendo repassado à Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimento Ltda. o total de R$ 7.160.087,27, equivalente a 74,3% do resultado efetivo. Ressalte-se que, segundo o BACEN, a anormalidade está “na proporção com que os ganhos das operações em condições artificiosas (...) foram repassados a estes agentes, a título de remuneração de serviços prestados” ((ID 165087486, p. 14) As testemunhas comuns à acusação e à defesa, responsáveis pela execução dos trabalhos de fiscalização do BACEN, confirmam a irregularidade. Com efeito, Rosana Cavalcante Chan declarou ao Juízo que o repasse de mais de 70% do valor da operação ao agente autônomo a título de pagamento de comissão não seria compatível com o valor habitual de mercado. Segundo seu depoimento, embora não exista um valor fixo de remuneração do agente autônomo, destoaria do habitual observado nesse tipo de operação o repasse de cerca de 75% dos ganhos auferidos, quando a práxis seria o repasse de valores entre 5% e 10% (ID 165087519). Bem assim, Paulo Sérgio Bussinger da Silva afirmou em Juízo que o repasse de cerca de 75% do valor da operação ao agente autônomo, a título de pagamento de comissão, não seria condizente com as práticas de mercado (ID 165087520). Com relação ao apelante Waldir Vicente do Prado que, como constatado, não aparece formalmente em nenhum negócio jurídico realizado entre as partes envolvidas, reitera-se o quanto já considerado anteriormente, no sentido da inaptidão da versão apresentada frente às provas materiais das transferências bancárias realizadas pela Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos em seu favor, bem como frente às declarações de Jair Gonçalves e Vagner dos Anjos quanto ao seu papel inicial na captação dos clientes. Apenas para que se relembre, o apelante justifica os depósitos em seu favor como tendo sido fruto de empréstimos contraídos por seu amigo pessoal Ildemar Almeida da Silva com o sócio já falecido de Jair Gonçalves, ao argumento de que Ildemar estaria impossibilitado de pagar seus fornecedores à época e, por isso, teria pedido o favor de utilizar a conta do apelante para essa finalidade (IDs 165087541, 165087542, 165087543 e 165087544). Como mencionado anteriormente, a ação foi descrita de maneira sucinta e eficiente pela Polícia Federal, em representação pela quebra dos sigilos bancário e fiscal de Vítor Rogério de Moura Ferreira, Jair Gonçalves, Sagres DTVM Ltda. e Ações & Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. (ID 165087509, p. 98), nestes termos: (...) Em poucas palavras, o dinheiro saiu das entidades, foi para a SAGRES, que o repassou à AÇÕES & OPÇÕES que, por sua vez, o distribuiu a terceiros. Alguns desses terceiros já foram identificados nessas investigações, sendo um deles WALDIR VICENTE DO PRADO, pessoa investigada na CPI dos CORREIOS por operações fraudulentas em bolsa (...). Todas essas informações reunidas são fortes indícios de que a AÇÕES & OPÇÕES foi utilizada para receber os recursos auferidos (desviados) das entidades, recursos estes que, em seguida, foram redistribuídos para os integrantes do esquema. Por todo o exposto, entendo que há prova seguras, colhidas sob o crivo do contraditório, de que os corréus Vagner dos Anjos (artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986), Jair Gonçalves (artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986, c.c. artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 9.613/1998 em sua redação original) e Waldir Vicente do Prado (artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986, c.c. artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 9.613/1998 em sua redação original) praticaram os fatos que lhes foram imputados na inicial, razão pela qual mantenho o decreto condenatório. Passo à dosimetria da pena. Da dosimetria da pena cominada a Vagner dos Anjos – artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986 A r. sentença condenou o réu Vagner dos Anjos como incurso no crime previsto no artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986, à pena de 04 anos e 04 meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 61 dias-multa, no valor total de R$ 8.540,00, atualizado desde a data do último fato (13/01/2009). Na primeira fase, tem-se que a culpabilidade do réu não extrapola a normalidade para o tipo penal. Não há elementos nos autos que permitam a valoração dos aspectos relativos à conduta social e à personalidade do acusado. Os motivos são normais à espécie e o comportamento da vítima é circunstância irrelevante no caso concreto. Quanto às circunstâncias do crime, a r. sentença exasperou a pena-base em oito meses, destacando que o delito foi praticado mediante esquema sofisticado, no qual “cada agente atuou a partir de um polo distinto dos demais, exercendo seu papel na empreitada criminosa de forma a ampliar exponencialmente o alcance da atividade delitiva”. Não há desproporcionalidade na majoração. Os elementos de prova analisados, com destaque para o já mencionado relatório preliminar da auditoria realizada pelo TCE/PE, indicam que a gestão do apelante como Diretor de Investimentos e Gestão Previdenciária do fundo RECIPREV foi marcada pela negociação de títulos a preços artificiosos, a prejuízo do fundo previdenciário, corroborando o alcance da atividade delitiva engendrada. Mantenho, portanto, o patamar da circunstância desfavorável. A r. sentença também majorou a pena-base em mais 08 (oito) meses, com fundamento nas consequências negativas do crime, que resultou em prejuízo financeiro ao fundo previdenciário RECIPREV superior a R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais). Considerando-se que as expressivas perdas financeiras sofridas pelo RECIPREV foram ocasionadas por negociações anormais de títulos no período exíguo de três meses, entendo que o patamar fixado pela sentença deve ser mantido, prevalecendo, portanto, a pena-base fixada pela sentença em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Na segunda fase, não há circunstâncias agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, não há causas de diminuição nem de aumento de pena identificadas para o caso concreto, consolidando-se a pena cominada em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto. No que tange à pena de multa, aplico o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade e reduzo o pagamento para 14 (catorze) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, dada a vedação contida no artigo 44, inciso I, do Código Penal. Da dosimetria da pena cominada a Jair Gonçalves A sentença de primeiro grau condenou o réu Jair Gonçalves como incurso nos crimes previstos no artigo 4º, caput, e artigo 25, § 2º, da Lei nº 4.792/1986, em concurso material com o crime previsto no artigo 1º, inciso VI e § 5º, da Lei nº 9.613/1998 (em sua redação original), à pena de 05 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 16 dias-multa no valor total de R$ 624,00, atualizado desde a data do último fato (13/01/2009); Na primeira fase, tem-se que a culpabilidade do réu não extrapola a normalidade para o tipo penal. Não há elementos nos autos que permitam a valoração dos aspectos relativos à conduta social e à personalidade do acusado. Os motivos são normais à espécie e o comportamento da vítima é circunstância irrelevante no caso concreto. Quanto às circunstâncias do crime, a r. sentença exasperou a pena-base em oito meses, destacando que o delito foi praticado mediante esquema sofisticado, no qual “cada agente atuou a partir de um polo distinto dos demais, exercendo seu papel na empreitada criminosa de forma a ampliar exponencialmente o alcance da atividade delitiva”. No caso, a empresa administrada por Jair Gonçalves intermediou a captação de clientes para a Sagres DTVM Ltda. e recebeu valores elevados a título de comissão, sendo por esse motivo parte no esquema de negociação de títulos a preços artificiosos. Tratando-se de prática recorrente desde que a empresa Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos iniciou a parceria com a Sagres DTVM Ltda., em 2007 (segundo o contrato de agenciamento de ID 165087507, p. 122/126), reputo proporcional e bem aplicada a majoração da pena-base em 08 (oito) meses. A r. sentença também majorou a pena-base em mais 08 (oito) meses, com fundamento nas consequências negativas do crime, que resultou em prejuízo financeiro ao fundo previdenciário RECIPREV e à entidade privada Mútua de Assistência dos Profissionais de Arquitetura, Engenharia e Agronomia superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões) de reais, conjuntamente. Considerando-se que as expressivas perdas financeiras sofridas pelas referidas entidades foram ocasionadas por negociações anormais de títulos em períodos exíguos (entre 19/11/2007 e 25/06/2008, no caso da Mútua; e entre 02/10/2008 e 13/01/2009, no caso do RECIPREV), entendo que o patamar fixado pela r. sentença deve ser mantido, resultando, portanto, a pena-base de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Na segunda fase, não há circunstâncias agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, incide a causa especial de diminuição de pena estabelecida pelo artigo 25, § 2º, da Lei nº 7.492/1986, que prevê a redução da pena de 1/3 a 2/3 em razão da confissão espontânea do coautor ou partícipe que revele a trama delituosa à autoridade policial ou judicial. No caso, a sentença considerou que o grau de colaboração do réu não permitiu a total elucidação da empreitada criminosa e, por isso, aplicou a fração mínima de 1/3. Não obstante, deve-se considerar que as informações trazidas a conhecimento pelo réu Jair Gonçalves permitiram esclarecer qual o papel de cada um dos réus do presente feito no crime de gestão fraudulenta, mostrando-se coerentes com os fatos denunciados. Isso é reconhecido inclusive pela Polícia Federal que, na representação pela quebra do sigilo bancário dos investigados, pontua que “JAIR GONÇALVES, sócio fundador da AÇÕES &OPÇÕES e administrador desta empresa no período em investigação, trouxe informações extremamente importantes para as investigações (...)” (ID 165087509, p. 90). Desse modo, entendo cabível a aplicação da causa de diminuição do § 2º do artigo 25 da Lei nº 7.492/1986 no patamar máximo de 2/3, resultando na pena definitiva de 01 (um) ano, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão. Ressalto que, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “para as duas primeiras fases, deve-se observar os limites mínimo e máximo cominados; somente exsurge a possibilidade de diminuição ou de elevação da pena aquém de seu mínimo legal ou além do máximo quando da terceira etapa da aplicação da reprimenda" (STJ, AgRg no AREsp 437.391/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 2/4/2014). No que tange à pena de multa, aplico o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade e reduzo o pagamento para 05 (cinco) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal. Na primeira fase, tem-se que a culpabilidade do réu não extrapola a normalidade para o tipo penal. Não há elementos nos autos que permitam a valoração dos aspectos relativos à conduta social e à personalidade do acusado. Os motivos são normais à espécie, as circunstâncias do crime são inerentes ao tipo penal e o comportamento da vítima é irrelevante no caso concreto. Quanto às consequências do crime, os comprovantes de transferências bancárias realizadas pela empresa Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. em favor de terceiros demonstraram a movimentação de valores superiores a R$ 500.000,00 (quinhentos mil) reais, sendo que os referidos comprovantes não cobrem a integralidade do período dos fatos, indicando, assim, a movimentação de valores em montante ainda superior. É o que demonstra o laudo de perícia criminal nº 3.799/2014, segundo o qual a Sagres DTVM Ltda. transferiu à Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. valor próximo a R$ 7.000,000,00 (sete milhões de reais), durante o período dos fatos apurados (ID 165087510, p. 143/159). Desse modo, reputo proporcional a majoração da pena-base em 06 (seis) meses, mantendo a pena-base fixada em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase, não há agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, incide a causa especial de diminuição de pena estabelecida pelo artigo § 5º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998, na redação vigente à época dos fatos, que previa a redução da pena de 1/3 a 2/3 em razão da confissão espontânea do coautor ou partícipe que esclareça os fatos e sua autoria. No caso, a r. sentença considerou que o grau de colaboração do réu não permitiu a total elucidação da empreitada criminosa nem do destino do dinheiro, por isso, aplicou a fração mínima de 1/3. Com efeito, embora a colaboração do réu tenha sido de inegável importância para o esclarecimento dos fatos, permitiu apenas a elucidação parcial do destino dos valores milionários transferidos pela Sagres DTVM Ltda. Como bem pontuado pela r. sentença, “os documentos apresentados espontaneamente pelo corréu JAIR GONÇALVES abrangem apenas parte do período da atividade delitiva (são datados de novembro de 2007 e outubro de 2008) e parte do dinheiro obtido pela AÇÕES E OPÇÕES”. Desse modo, deve ser mantido o patamar de 1/3 da causa de diminuição do § 5º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 (em sua redação original), consolidando-se a pena em 02 (anos) e 04 (quatro) meses de reclusão. No que tange à pena de multa, aplico o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade e mantenho o pagamento em 07 (sete) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal. Da consolidação da pena Inicialmente, consigno ser incabível a substituição do concurso material pela continuidade delitiva, tal como requerido pela defesa, porquanto os crimes praticados são de espécies distintas. Assim, com fundamento da norma do artigo 69 do Código Penal, condeno o réu Jair Gonçalves à pena de 03 (três) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 12 dias-multa, no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, na forma do artigo 49 do Código Penal. O regime inicial do cumprimento da pena deve ser o aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal. Possível a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, estando atendidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal. As penas restritivas de direitos serão consistentes em (i) prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública a ser definida pelo Juízo da execução, pelo tempo da pena privativa de liberdade substituída; e (ii) prestação pecuniária de 10 (dez) salários-mínimos, direcionada a entidade sem fins lucrativos a ser definida pelo Juízo da execução. Da dosimetria da pena cominada a Waldir Vicente do Prado. Embora a defesa não tenha recorrido da pena fixada em primeiro grau, passo a rever, de ofício, os critérios empregados pela r. sentença. O decisum condenou o réu Waldir Vicente do Prado como incurso nos crimes previstos no artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986, em concurso material com o crime previsto no artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 9.613/1998 (em sua redação original), à pena de 07 anos e 10 meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 95 dias-multa, no valor total de R$ 7.916,35, atualizado desde a data do último fato (13/01/2009). Na primeira fase, tem-se que a culpabilidade do réu não extrapola a normalidade para o tipo penal. Não há elementos nos autos que permitam a valoração dos aspectos relativos à conduta social e à personalidade do acusado. Os motivos são normais à espécie e o comportamento da vítima é circunstância irrelevante no caso concreto. Quanto às circunstâncias do crime, a r. sentença exasperou a pena-base em oito meses, destacando que o delito foi praticado mediante esquema sofisticado, no qual “cada agente atuou a partir de um polo distinto dos demais, exercendo seu papel na empreitada criminosa de forma a ampliar exponencialmente o alcance da atividade delitiva”. No caso, Waldir Vicente do Prado, de maneira independente de qualquer relação jurídica contratual, captou clientes para a Sagres DTVM Ltda. com o intermédio da empresa Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos e comprovadamente recebeu vantagem oriunda da negociação dos títulos, a prejuízo das entidades que apresentou à corretora, sendo por esse motivo parte no esquema de negociação de títulos a preços artificiosos. Tratando-se do agente autônomo que, na prática, apresentou as entidades prejudicadas à corretora, dando início ao esquema fraudulento, reputo proporcional e bem aplicada a majoração da pena-base em 08 meses. A r. sentença também majorou a pena-base em mais 08 (oito) meses, com fundamento nas consequências negativas do crime, que resultou em prejuízo financeiro ao fundo previdenciário RECIPREV e à entidade privada Mútua de Assistência dos Profissionais de Arquitetura, Engenharia e Agronomia superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões) de reais, conjuntamente. Considerando-se que as expressivas perdas financeiras sofridas pelas referidas entidades foram ocasionadas por negociações anormais de títulos em períodos exíguos (entre 19/11/2007 e 25/06/2008, no caso da Mútua; e entre 02/10/2008 e 13/01/2009, no caso do RECIPREV), entendo que o patamar fixado pela r. sentença deve ser mantido, resultando, portanto, a pena-base de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Na segunda fase, não há circunstâncias agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, não há causas de diminuição nem de aumento da pena, no caso concreto. Desse modo, resta mantida a pena fixada pela r. sentença, de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. No que tange à pena de multa, aplico o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade e reduzo o pagamento para 12 (doze) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal. Na primeira fase, tem-se que a culpabilidade do réu não extrapola a normalidade para o tipo penal. Não há elementos nos autos que permitam a valoração dos aspectos relativos à conduta social e à personalidade do acusado. Os motivos são normais à espécie, as circunstâncias do crime são inerentes ao tipo penal e o comportamento da vítima é irrelevante no caso concreto. Quanto às consequências do crime, os comprovantes de transferências bancárias realizadas pela empresa Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. em favor de terceiros demonstraram a movimentação de valores superiores a R$ 500.000,00 (quinhentos mil) reais, sendo que os referidos comprovantes não cobrem a integralidade do período dos fatos, indicando, assim, a movimentação de valores em montante ainda superior. É o que demonstra o laudo de perícia criminal nº 3.799/2014, segundo o qual a Sagres DTVM Ltda. transferiu à Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. valor próximo a R$ 7.000,000,00 (sete milhões de reais), durante o período dos fatos apurados (ID 165087510, p. 143/159). Desse modo, reputo proporcional a majoração da pena-base em 06 (seis) meses, mantendo a pena-base fixada em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase, não há agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, não há causas de diminuição nem de aumento da pena, no caso concreto. Desse modo, resta mantida a pena fixada pela r. sentença, de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão. No que tange à pena de multa, aplico o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade e reduzo o pagamento para 12 (doze) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal. Da consolidação da pena Com fundamento da norma do artigo 69 do Código Penal, condeno o réu Waldir Vicente do Prado à pena de 07 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão e pagamento de 24 dias-multa, no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, na forma do artigo 49 do Código Penal. O regime inicial do cumprimento da pena deve ser o semiaberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, uma vez ausente o requisito legal do inciso I do artigo 44 do Código Penal. Dispositivo Ante o exposto, voto por afastar a preliminar suscitada e, no mérito, (i) dar parcial provimento à apelação interposta por Vagner dos Anjos, tão somente para reduzir a pena de multa ao pagamento de 14 dias-multa, na forma da fundamentação; (ii) dar parcial provimento à apelação interposta por Jair Gonçalves, para reduzir sua pena a 03 (três) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial aberto, e pagamento de 12 dias-multa, bem como para determinar a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, na forma da fundamentação; e (iii) dar parcial provimento à apelação interposta para Waldir Vicente do Prado, tão somente para reduzir a pena de multa ao pagamento de 24 dias-multa, na forma da fundamentação.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0005215-96.2012.4.03.6181
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: VAGNER DOS ANJOS, JAIR GONCALVES, WALDIR VICENTE DO PRADO
Advogados do(a) APELANTE: JORGE FELIPE OLIVEIRA DA SILVA - SP401669-A, LUIZ CHRISTIANO GOMES DOS REIS KUNTZ - SP49806-A, LUIZ EDUARDO DE ALMEIDA SANTOS KUNTZ - SP307123-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Pedi vista dos autos para melhor examinar o contexto fático e normativo pertinente à ação, bem como seu acervo probatório. Após detida análise da ação, acompanho integralmente o e. Relator, Des. Fed. Hélio Nogueira, com os breves apontamentos a seguir.
A materialidade delitiva do crime de gestão fraudulenta foi amplamente comprovada, como bem demonstrado no voto do e. Relator. Deve ser afastada, ademais, a ideia de que as cadeias de operações de compra e venda de títulos foram consideradas prejudiciais por mera comparação com preços de referência estabelecidos pela ANDIMA (Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro). Tal parâmetro permite visualizar o quão discrepante dos valores diários de referência foram as operações de compra e venda de títulos envolvendo a RECIPREV ou a MÚTUA (sempre em prejuízo destas), mas não foi o único elemento que levou à constatação de existência de uma política fraudulenta de condução de negócios da entidade RECIPREV (em desfavor desta). Os dados trazidos pelo Banco Central no relatório de pp. 10-19 do ID 165087507 mostram a discrepância concreta e reiterada entre os preços praticados pela RECIPREV (em benefício da SAGRES) e aqueles envolvendo os mesmos títulos em negociações efetivadas no mesmo dia. Seja pelo montante envolvido, seja pela reiteração da discrepância em diversas cadeias de operações, percebe-se verdadeiro método doloso de condução de negócios de maneira a gerar lucros fraudulentos em favor da SAGRES DTVM e, ao fim, dos réus, tudo em prejuízo do fundo previdenciário RECIPREV (nessa medida fraudulentamente gerido). Este pagava, pelos títulos públicos adquiridos da SAGRES no mercado secundário, valor substancialmente superior ao custo de aquisição dos mesmos títulos pela SAGRES nas mesmas datas (valendo lembrar que se cuida, aqui, de operações de day-trade, em que a compra e venda ocorre no mesmo dia). É certo que se pode esperar um lucro na revenda em operações de day-trade; não, porém, lucros sempre superiores a 3% - com uma média de desvio em relação ao preço de referência superior a 5%, como bem pontuado na sentença (p. 210 do ID 165087515) -, e sempre em prejuízo da mesma instituição, que consistentemente aceitava pagar preços superiores àqueles efetivamente praticados no mercado nas respectivas datas (e aos preços de referência expostos pela ANDIMA). No exemplo da cadeia de operações de 07 de janeiro de 2009, a SAGRES adquiriu dez mil títulos públicos (NTN-B) ao valor unitário de cerca de R$1.564,55, e os revendeu na mesma data à RECIPREV pelo valor unitário de R$ 1.761,00 (bastante superior ao das demais operações da cadeia e ao preço de referência daquele título no dia), obtendo um lucro superior a 1,9 milhão de reais.
O mesmo ocorria no sentido inverso, e, de igual forma, sempre em favor da SAGRES DTVM. A RECIPREV vendia títulos por valor sensivelmente menor do que o valor conseguido pela SAGRES em negociações posteriores no mesmo dia.
Outrossim, o próprio encadeamento dos recebimentos de lucros e comissões mostra que havia uma estrutura concebida para tratar dos valores que eram advindos das operações reiteradamente prejudiciais à RECIPREV e favoráveis à SAGRES (que, por sua vez, pagava altos montantes ao corréu JAIR GONÇALVES, que era o intermediário formal de operações, mas que, como se demonstrou e foi confessado por ele, não era o captador ou realizador efetivo delas).
Vê-se que havia não apenas operações esparsas, mas um modelo de gestão das duas instituições, que utilizavam operações de day-trade para lucros ou prejuízos fraudulentos, porquanto baseados em valores de venda e de compra de títulos (sempre pela RECIPREV) sensivelmente discrepantes dos de mercado para as mesmas datas. O prejuízo da RECIPREV nas operações se dá pela ausência de qualquer justificativa de mercado para tal discrepância, ou de dados que permitam compreender que se tratava de opções lícitas dos envolvidos. Era, ao contrário, uma política de condução de negócios da instituição que dolosamente lhe desfavorecia, com obtenção de ganho nessa prática (o que, como se sabe, não é elemento necessário para a caracterização do crime de gestão fraudulenta, mas reforça sua demonstração no contexto concreto).
Também a materialidade do crime de lavagem de capitais foi comprovada, tendo em vista que, após o recebimento dos valores advindos do crime antecedente, havia atos de ocultação e dispersão, inclusive com depósitos nas contas de terceiros indicados por WALDIR VICENTE DO PRADO, de modo a ocultar a propriedade e origem dos recursos, com vistas à sua posterior reinserção na economia formal sob aparência lícita.
A autoria e o dolo são igualmente certos.
VAGNER DOS ANJOS era o gestor de investimentos da RECIPREV, ostentava grande experiência no setor bancário e tinha o dever jurídico de zelar pela higidez das operações. Foi o responsável por escolher operar seguidamente com a SAGRES DTVM para compra e venda de títulos públicos pela RECIPREV, bem como por autorizar os valores unitários sempre desvantajosos à instituição da qual era gestor. Não havia qualquer razão válida para tanto, mormente porque se tratava de títulos públicos de ampla circulação no mercado, tanto que a SAGRES os adquiria no mesmo dia em que os revendia à RECIPREV (ou os revendia no dia em que os comprava da RECIPREV, a preços sensivelmente melhores). O modus operandi e o nível da reiteração mostram que ele não apenas descumpria os deveres de pesquisa e cuidado normativamente exigidos pela função ocupada, mas que conduzia verdadeira política fraudulenta em detrimento da entidade, desfavorecendo-a deliberadamente em operações milionários de compra e venda de títulos públicos, sempre com lucro artificial gerado à empresa por ele escolhida para as operações, qual seja, a SAGRES DTVM.
JAIR GONÇALVES era o corretor de valores mobiliários que intermediava formalmente as transações. Emitia notas fiscais que indicavam sua atividade formal de corretor, permitindo dar lastro de normalidade ao fluxo de recursos advindos da empreitada. Assim, emitidas as notas fiscais pelos supostos serviços de corretagem realizados nas operações entre SAGRES e RECIPREV (que, como confessou o próprio JAIR GONÇALVES por escrito – pp. 43-44 do ID 165087513), não entabularam negócios graças a sua intermediação nem eram clientes de sua corretora para outros fins que não tais transações), a SAGRES enviava os valores devidos a título de “comissão” para a corretora de JAIR GONÇALVES (“Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos”); este, por sua vez, repassava a maior parte dos valores a WALDIR VICENTE DO PRADO ou pessoas por este indicadas. JAIR GONÇALVES tinha consciência de que não exercia papel efetivo nas transações, e que repassava a maior parte do dinheiro das “comissões” recebidas para terceiros indicados pela pessoa que ofereceu a ele tal papel formal: WALDIR VICENTE DO PRADO. É certo que um corretor de valores mobiliários, que tinha uma pequena corretora de faturamento diminuto, tinha clareza acerca da natureza da empreitada que auxiliava de forma relevante, como operador formal que permitia receber fluxos financeiros advindos de operações das quais nem sequer participara como intermediador em qualquer medida. A conclusão se reforça pelo fato de que o réu repassava muito do que ganhava a terceiros que não tinham relação com ele, do que dão prova cabal os comprovantes de pp. 89/100 do ID 165087508, aos quais tornarei na sequência. Também auxiliava, nessa medida, a ocultar a real propriedade e origem de valores advindos das práticas anteriores.
Igualmente comprovada a autoria e o dolo de WALDIR VICENTE DO PRADO. Além das declarações prestadas por JAIR GONÇALVES à autoridade policial e em posterior confissão de próprio punho – nas quais explica que foi WALDIR quem o procurou para exercer tal papel formal de corretor nas operações de compra e venda envolvendo SAGRES e RECIPREV, e que era WALDIR quem definia para onde ia a maioria dos recursos que ele, JAIR, recebia a título de comissão -, os comprovantes de pp. 89/100 do ID 165087508 mostram remessas feitas pela “Ações e Opções” (pessoa jurídica de JAIR GONÇALVES) a WALDIR VICENTE DO PRADO ou a pessoas a ele ligadas, em datas muito próximas ou idênticas às de operações entre RECIPREV e SAGRES (em especial aquelas ocorridas em 02 e 06 de outubro de 2008 – pp. 13/14 do ID 165087507).
O réu justificou os recebimentos de valores dizendo que se tratava, em verdade, de empréstimos feitos por um sócio da “Ações e Opções” a um amigo seu, Ildemar Almeida da Silva, que teria pedido a WALDIR para usar sua conta para receber os recursos. Ocorre que, como bem sublinhado na sentença recorrida (pp. 6 e ss. do ID 165087516), os depoimentos de Ildemar Almeida da Silva (amigo de WALDIR e ouvido como testemunha) não corroboram o relator do corréu. Ildemar não informou ter pedido para usar a conta de WALDIR ou por meio dela receber recursos. Tampouco relatou qualquer relação pessoal ou profissional com os sócios da corretora “Ações e Opções” (de resto, nem sequer conhecia o nome da empresa). Explicou que WALDIR VICENTE DO PRADO lhe emprestara dinheiro como investimento em um empreendimento conduzido por ele, Ildemar, para construção de casas. Recebeu esse dinheiro em sua própria conta e na de familiares ou de sua pessoa jurídica, o que explica os depósitos feitos pela “Ações e Opções” nas contas de Socorro Maria de Jesus (esposa de Ildemar), Manoel Almeida da Silva (pai de Ildemar) e “Sercomprev Serviços e Consultoria” (pessoa jurídica de Ildemar). Os documentos de pp. 89-100 do ID 165087508 mostram, em suma, que JAIR GONÇALVES repassava diversos montantes a várias pessoas físicas e jurídicas que não possuíam qualquer relação pessoal ou profissional com ele (ou com sua corretora), e cujo único vínculo é com WALDIR VICENTE DO PRADO. Tal fato atesta de maneira objetiva a correção da explicação de JAIR GONÇALVES: os destinatários da maior parte dos valores que ele recebia da SAGRES a título de comissão formal eram pessoas indicadas por WALDIR VICENTE DO PRADO (que era, portanto, o controlador de fato daqueles valores). Eram pessoas vinculadas a Ildemar Almeida da Silva, o qual não tinha vínculo com JAIR GONÇALVES, com o sócio deste ou com a “Ações e Opções” (sua corretora), e sim era amigo de WALDIR VICENTE DO PRADO (e receptor de recursos deste, como expôs em seus depoimentos).
Portanto, a prova testemunhal, o relato de JAIR GONÇALVES e o acervo documental existente nos autos confluem de maneira certa para a autoria de WALDIR VICENTE DO PRADO com relação a ambos os crimes que lhe são imputados na ação. Na gestão fraudulenta, como intermediário que alinhou o auxílio de JAIR GONÇALVES na formalização de operações e no encaminhamento dos recursos auferidos com a prática; na lavagem de dinheiro de parte desses recursos, ao indicar a dispersão de valores e realização de seu emprego em empreendimento lícito (já após os expedientes de dispersão que permitiam a ocultação de propriedade real e a não atração de atenção das autoridades, mediante o fracionamento dos valores em contas distintas e depósitos diversos, mas sob seu comando intelectual).
No tocante à dosimetria, igualmente acompanho na íntegra o voto do Des. Fed. Hélio Nogueira.
Assim, e diante dos sólidos elementos expostos no voto do e. Relator e na sentença recorrida, deve ser mantida a condenação dos apelados, com as alterações de dosimetria fundamentadas no voto de Sua Excelência.
Pelo exposto, acompanho na íntegra o voto do Relator.
É como voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE ACAREAÇÃO ENTRE OS ACUSADOS. NULIDADE NÃO CARACTERIZADA. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. GESTÃO FRAUDULENTA. NEGOCIAÇÃO DE TÍTULOS PÚBLICOS NO MERCADO SECUNDÁRIO EM CONDIÇÕES DE PREÇOS ARTIFICIOSAS. DESVIO ANORMAL E INJUSTIFICADO DO REFERENCIAL ADOTADO PELO BACEN. COMPRA E VENDA EM CADEIAS DE OPERAÇÕES DAY TRADE A PREJUÍZO DE FUNDO PREVIDENCIÁRIO E ENTIDADE PRIVADA. INTERMEDIAÇÃO POR AGENTE AUTÔNOMO. LAVAGEM DE CAPITAIS. PAGAMENTO DE COMISSÃO AO AGENTE AUTÔNOMO EM PERCENTUAL EXCESSIVO, QUANDO COMPARADO À DINÂMICA DO MERCADO. POSTERIOR REPASSE DO VALOR DAS COMISSÕES A CONTAS DE TERCEIROS, INDICADOS POR INTEGRANTES DO ESQUEMA FRAUDULENTO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. Em observância à jurisprudência dominante, deve prevalecer a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de prova em audiência, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Precedente.
2. No caso, a acareação entre os acusados Waldir Vicente do Prado e Jair Gonçalves mostrou-se desnecessária ao esclarecimento dos fatos, sendo por esse motivo indeferida. Ademais, o apelante teve garantido o direito ao contraditório e ampla defesa, não havendo demonstração de efetivo prejuízo capaz de inquinar o processo de nulidade. Precedente.
3. Nos termos da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, a empresa Sagres Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda., em conjunto com a empresa Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda., por intermédio de seus responsáveis, negociou títulos públicos federais sob condições artificiosas de preços, em detrimento de entidade previdenciária e entidade sem fins lucrativos, no período compreendido entre novembro de 2007 e janeiro de 2009.
4. A materialidade do crime previsto no artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986 está demonstrada pelo Relatório Final de Inspeção Integrada de Operações Day Trade com Módulo de PLD, elaborado pelo Departamento de Supervisão de Cooperativas e Instituições Não-Bancárias do BACEN, em 09/12/2009. Também corroboram a materialidade delitiva as Peças Informativas nº 1.34.001.006724/2010-01, com destaque para o contrato de agenciamento entabulado entre as empresas Sagres DTVM Ltda. e Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda., administrada pelo réu Jair Gonçalves, bem como os documentos relativos ao contrato entre o fundo RECIPREV e a Sagres DTVM Ltda., quando o fundo era administrado pelo réu Vagner dos Anjos.
5. Segundo o Relatório Final de Inspeção Integrada de Operações Day Trade com Módulo de PLD, elaborado pelo Departamento de Supervisão de Cooperativas e Instituições Não-Bancárias do BACEN em 09/12/2009, foi realizada inspeção integrada em 15 sociedades corretoras e distribuidoras no mercado secundário de títulos públicos e privados, dentre as quais a Sagres DTVM Ltda. (CNPJ 62.050.554/0001-50), com o objetivo de identificar “operações atípicas de intermediação ou de compra e venda definitiva de títulos públicos e privados, liquidadas no SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia e na CETIP S/A – Balcão Organizado de Ativos e Derivativos, a preços e/ou com ganhos fora do padrão do mercado, propiciando resultados expressivos para as instituições envolvidas, em detrimento da contraparte final (em geral, entidades previdenciárias ou fundos de investimento)”.
6. De acordo com o Relatório do BACEN, “a análise das operações day-trade registradas no SELIC revelou que a Sagres DVTM, em treze ocasiões, entre novembro/2007 e janeiro/2009, participou de cadeias de negociação de títulos públicos federais em condições artificiosas e não equitativas de preço, auferindo um resultado efetivo bastante significativo, em detrimento de um fundo de pensão e de uma entidade privada. A maior parte do resultado auferido pela Distribuidora foi transferida para um agente autônomo, a título de comissão de intermediação (...). A tabela com os resultados consolidados apurados no trabalho de campo esclarece que o agente autônomo é a pessoa jurídica Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimento Ltda.; o fundo de pensão é o RECIPREV; e a entidade privada é a Mútua de Assistência dos Profissionais da Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
7. As negociações artificiosas envolvendo a Sagres DTVM Ltda. e o fundo previdenciário RECIPREV aconteceram entre 02/10/2008 e 13/01/2009, segundo a denúncia, embasada nos documentos emitidos pelo BACEN, período em que o apelante Vagner dos Anjos ocupava o cargo de Diretor de Investimentos e Gestão Previdenciária da referida entidade.
8. No caso dos autos, não há dissídio quanto ao fato de que a definição das taxas pelas quais os títulos foram negociados ficou a cargo do apelante Vagner dos Anjos, pela RECIPREV, e de um funcionário da Sagres DTVM Ltda. identificado como Hipólito, fato reconhecido pelo próprio apelante nas declarações prestadas à autoridade policial.
9. Em juízo, o apelante atribuiu à conjuntura econômica mundial a grande volatilidade dos títulos à época dos fatos. Reconheceu, ademais, que as pesquisas de mercado que realizou para a negociação das taxas de juros podem não ser sido suficientes, porém justificou a escolha da Sagres DTVM Ltda. pelo fato de que seria a única corretora a negociar os títulos de interesse do fundo naquele momento de crise internacional.
10. Alegações no sentido de que os títulos não são precificados; de que o PU Andima consistiria em mero referencial; e de que o momento de crise econômica mundial teria sido o grande responsável pela variação anormal dos preços de negociação dos títulos federais pontuam as explicações do apelante tanto na fase inquisitorial quanto em juízo. Não obstante, essas justificativas parecem ser frequentemente adotadas pelos envolvidos em operações de títulos em condições de preços artificiosas, segundo o Relatório Final de Inspeção Integrada de Operações Day Trade com Módulo de PLD, elaborado pelo Departamento de Supervisão de Cooperativas e Instituições Não-Bancárias do BACEN.
11. Ademais, a crise econômica deflagrada em 2008 não poderia explicar o rastro de negociações atípicas envolvendo o fundo RECIPREV desde 2006, conforme consta de relatório de auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. Ainda que assim não fosse, os desvios em relação ao PU Andima seriam verificáveis em todas as negociações day trade do período da crise, independentemente da corretora, tornando a alegação pouco plausível.
12. Quanto ao “prejuízo potencial”, o BACEN esclarece que “o resultado potencial, de compra ou de venda, é calculado pela diferença entre o preço unitário negociado e o preço de referência de mercado - PU Andima, multiplicada pela quantidade de títulos negociados. A impossibilidade de se falar em resultado efetivo decorre do desconhecimento do preço com o qual o título gerador do resultado foi adquirido, no caso de resultado na venda; ou posteriormente vendido, ou mesmo mantido até o vencimento, no resultado de compra”.
13. Não se trata, portanto, de prejuízo hipotético, como afirmado pela defesa. Os dados apontam para a efetiva perda econômica em desfavor do fundo RECIPREV, em valores expressivos, em decorrência das anomalias nos preços negociados diretamente pelo apelante Vagner dos Anjos com a Sagres DTVM Ltda.
14. A alegação de negligência ou imperícia na conduta do apelante, por não ter elaborado pesquisas de mercado de maneira mais minuciosa, somente seria aceitável caso o cargo de Diretor de Investimentos e Gestão Previdenciária do fundo fosse ocupado por pessoa sem conhecimento da práxis do mercado financeiro, hipótese que não se mostra incomum na gestão de fundos previdenciários de categorias profissionais, mas que, definitivamente, não é o caso do apelante que, conforme apontam os elementos dos autos, acumula ampla experiência profissional na área econômico-financeira, gozando assim da confiança da diretoria do fundo previdenciário no que respeita às pesquisas de mercado apresentadas.
15. Quanto ao dolo, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, o delito de gestão fraudulenta é caracterizado pela prática de atos de gestão de uma instituição financeira, pelo emprego de fraude, ardil ou qualquer manobra de natureza desleal que vise a induzir terceiras pessoas em erro e, desse modo, produzir um ou mais resultados predeterminados pelo agente, que age com dolo, associada à obtenção de vantagem indevida em proveito próprio ou alheio. Precedentes.
16. Considerando-se que Vagner dos Anjos ocupava o cargo de Diretor de Investimentos e Gestão Previdenciária do fundo RECIPREV à época dos fatos denunciados; sua reconhecida ligação com o corréu Waldir Vicente do Prado; o tempo prolongado pelo qual títulos públicos foram negociados diretamente pelo apelante em condições de preços artificiosas; bem como as perdas financeiras da ordem de milhões sofridas pelo fundo previdenciário em decorrência dessas negociações, resta configurado o dolo de produzir resultado econômico pré-determinado mediante manobra inidônea que, simultaneamente, causou desvantagem ao RECIPREV e proporcionou a obtenção de vantagem indevida, se não em proveito próprio, a benefício comprovado de terceiros.
17. O acusado Jair Gonçalves era sócio fundador e administrador da empresa denominada Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda., à época dos fatos delituosos apurados. Após sua citação, em 01/07/2016, o apelante fez juntar aos autos declaração de próprio punho, com o intuito de prestar esclarecimentos ao Juízo quantos aos fatos denunciados.
18. Não obstante as diferenças pontuais existentes entre as declarações prestadas à Polícia Federal, a declaração escrita de próprio punho pelo apelante e o interrogatório em juízo, não há dúvidas de que a sociedade administrada por Jair Gonçalves – Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. – atuava como intermediadora da corretora Sagres DTVM Ltda. na captação de clientes investidores para a negociação de títulos no mercado secundário, recebendo determinado percentual a título de comissão e em seguida procedendo à transferência dos valores auferidos a terceiros indicados tanto pelo representante da Sagres DTVM Ltda. como pelo agente autônomo Waldir Vicente do Prado.
19. Restando comprovada documentalmente a efetiva participação do apelante Jair Gonçalves, na qualidade de representante da empresa Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda., nas operações artificiosas denunciadas, conclui-se pela autoria de Jair Gonçalves no tipo penal previsto no artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986.
20. Os elementos de prova presentes nos autos são suficientes para evidenciar a conduta dolosa de Jair Gonçalves, ao participar, na qualidade de representante de empresa intermediadora, de esquema fraudulento de negociação de títulos públicos, elaborado conjuntamente com a Sagres DTVM Ltda., por meio do qual duas entidades foram financeiramente lesadas, enquanto os agentes auferiam vantagem.
21. Na fase inquisitorial, o apelante Waldir Vicente do Prado se limitou a negar as acusações. Em juízo, reiterou que as transferências bancárias realizadas pela Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. em seu nome teriam sido efetuadas por José Carlos Matas Parras a título de socorro financeiro a Ildemar Almeida da Silva, seu amigo pessoal que, naquele momento, estava com suas contas bloqueadas e não podia pagar seus fornecedores. Negou ter intermediado as negociações de títulos envolvendo a Sagres DTVM Ltda. e as entidades RECIPREV e Mútua. Afirmou ter conhecido Jair Gonçalves esporadicamente no escritório de outro amigo – Jorge Paulo Pinheiro – e, quanto às afirmações de Jair Gonçalves, afirma desconhecer os fatos e os representantes das entidades envolvidas na negociação dos títulos, atribuindo a narrativa de Jair Gonçalves ao seu caráter “atrapalhado”.
22. O apelante não apresenta provas da veracidade da versão apresentada, contudo. Sabe-se que, à época dos fatos apurados, o hoje falecido José Carlos Matas Parras estava afastado da administração da Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. em decorrência de problemas de saúde, como se verifica do depoimento prestado pelo próprio à autoridade policial, não sendo crível que tivesse sido o responsável pelas transferências efetuadas pela empresa em favor do apelante.
23. Ademais, em seu interrogatório, o corréu Vagner dos Anjos, à época responsável pelas negociações do fundo RECIPREV, afirma ter conhecido Waldir Vicente do Prado, mas não Jair Gonçalves, o que confere lastro à afirmação deste último no sentido de que Waldir captava os clientes para que a Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. intermediasse as operações com a Sagres DTVM Ltda.
24. O apelante não nega o contato regular com a Sagres DTVM Ltda., mas atribui essa ligação à sua atuação regular no mercado de capitais, de maneira a descaracterizar o crime de gestão fraudulenta, porquanto não participaria das negociações reputadas irregulares.
25. Não obstante o apelante não aparecer formalmente nas negociações intermediadas pela Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. entre a Sagres e as entidades lesadas, os elementos de prova presentes nos autos são suficientes para evidenciar a autoria e a conduta dolosa de Waldir Vicente do Prado, atuando como o contato inicial entre as referidas entidades e a corretora, além de ser comprovadamente um dos beneficiários da posterior pulverização da vantagem econômica auferida.
26. Embora o delito tipificado no artigo 4º, caput, da Lei n° 7.492/1986 configure crime próprio, o que, em princípio, significaria dizer que somente poderia ser praticado por quem detém poder de direção na instituição financeira, admite-se a coautoria ou participação de quem praticou atos em conjunto com os responsáveis pela gestão, possuindo influência sobre a realização das atividades ilícitas. Precedente.
27. No que concerne ao delito de lavagem de dinheiro, pelo qual os apelantes Jair Gonçalves e Waldir Vicente do Prado foram denunciados, impende registrar que para a condenação, o que se preceitua é prova convincente, seja direta ou indireta, de ser seu objeto produto do crime antecedente, in casu, gestão fraudulenta (crime contra o Sistema Financeiro Nacional), o que restou efetivamente comprovado nos autos. Independentemente disso, cumpre anotar que a doutrina e jurisprudência são unânimes quanto à autonomia do delito de lavagem de dinheiro em relação ao crime antecedente. Precedente.
28. Deve-se consignar, também, que o tipo penal em comento exige que o agente aja no sentido de dissimular (ou seja, disfarçar) a origem e conferir aparência de licitude aos valores provenientes do crime antecedente, essência do delito lavagem de dinheiro, podendo se utilizar de diversos meios legais ou ilegais, sejam bancários, contábeis, fiscais ou cambiais para esse fim.
29. Em relação ao delito de lavagem de dinheiro, como provas materiais, aproveitam todas aquelas já mencionadas anteriormente no tocante ao delito de gestão fraudulenta. Além disso, cumpre ressaltar que não há dúvidas quanto ao relacionamento existente entre os denunciados Jair Gonçalves e Waldir Vicente do Prado e o administrador da Sagres DTVM Ltda., Vítor Rogério de Moura Ferreira. Destacam-se os vários comprovantes de TEDs feitas pela Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. em nome de terceiros, dentre os quais Waldir Vicente do Prado, bem como os esclarecimentos prestados pelo apelante Jair Gonçalves.
30. Quando ao dolo, os comprovantes de transferências bancárias realizadas pela intermediadora Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. tendo por beneficiários terceiros indicados tanto pelo administrador da Sagres DTVM Ltda. quanto pelo denunciado Waldir Vicente do Prado, permitem a conclusão pela intenção de ocultar a origem escusa dos valores repassados.
31. Ressalte-se que o apelante Jair Gonçalves realizou transferências também em favor de sua filha, Fabíola Gerônimo Gonçalves, as quais justificou, em interrogatório judicial, como sendo provenientes de outras comissões que recebera e relativas a pagamento de empréstimos que contraiu com sua filha para arcar com despesas pessoais. Essa versão, porém, não condiz com as declarações prestadas por Fabíola Gerônimo Gonçalves à autoridade policial. Vê-se, portanto, que não há clareza nem quanto à origem do dinheiro nem quanto ao motivo da transferência para a conta da filha do apelante, o que vem a reforçar a intenção de pulverização dos recursos auferidos, com o intuito de desvinculá-los da origem ilícita.
32. Quanto às comissões pagas pela Sagres DTVM Ltda. à empresa de Jair Gonçalves, os elementos constantes dos autos apontam para a realização de manobra com o objetivo de conferir uma fachada de legalidade ao negócio perpetrado, consistente no pagamento de comissões em valor elevado, de cujo total apenas uma pequena parte ficaria efetivamente com a empresa intermediadora, enquanto o restante era transferido para contas de terceiros indicados tanto pelo administrador da Sagres DTVM Ltda. quanto por Waldir Vicente do Prado que, como outrora mencionado, era quem captava os clientes e os repassava à Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos que, por sua vez, os repassava à Sagres DTVM Ltda.
33. Consta da Cláusula Terceira do Contrato de Agenciamento entabulado entre a Sagres DTVM Ltda. e a Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda., que “a remuneração para cada operação será de 60% do valor advindo do resultado da operação apresentada pelo AGENTE”.
34. Ainda que o percentual contratado estivesse condizente com as práticas de mercado, a comissão paga pela Sagres DTVM Ltda. à Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos Ltda. foi na realidade ainda maior. Segundo o Relatório elaborado pelo BACEN que embasa a denúncia, os dados apontam que, nas treze cadeias de operações day-trade realizadas no período demarcado, a Sagres DVTM obteve ganhos efetivos de R$ 9.639.046,17, tendo repassado à Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimento Ltda. o total de R$ 7.160.087,27, equivalente a 74,3% do resultado efetivo. Ressalte-se que, segundo o BACEN, a anormalidade está “na proporção com que os ganhos das operações em condições artificiosas (...) foram repassados a estes agentes, a título de remuneração de serviços prestados”.
35. Com relação ao apelante Waldir Vicente do Prado que, como constatado, não aprece formalmente em nenhum negócio jurídico realizado entre as partes envolvidas, reitera-se o quanto já considerado anteriormente, no sentido da inaptidão da versão apresentada frente às provas materiais das transferências bancárias realizadas pela Ações e Opções Agentes Autônomos de Investimentos em seu favor, bem como frente às declarações de Jair Gonçalves e Vagner dos Anjos quanto ao seu papel inicial na captação dos clientes.
DOSIMETRIA
36. Vagner dos Anjos. Mantida a pena cominada em primeiro grau, em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto. No que tange à pena de multa, aplica-se o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade e reduzindo-se o pagamento para 14 (catorze) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, dada a vedação contida no artigo 44, inciso I, do Código Penal.
37. Jair Gonçalves – artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986. Na primeira fase, o patamar fixado pela r. sentença deve ser mantido, resultando, portanto, a pena-base de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Na segunda fase, não há circunstâncias agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, incide a causa especial de diminuição de pena estabelecida pelo artigo 25, § 2º, da Lei nº 7.492/1986, que prevê a redução da pena de 1/3 a 2/3 em razão da confissão espontânea do coautor ou partícipe que revele a trama delituosa à autoridade policial ou judicial. Cabível a aplicação da causa de diminuição do § 2º do artigo 25 da Lei nº 7.492/1986 no patamar máximo de 2/3, resultando na pena definitiva de 01 (um) ano, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão. No que tange à pena de multa, aplica-se o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade, reduzindo-se o pagamento para 05 (cinco) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal.
38. Jair Gonçalves – artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 9.613/1998 (na sua redação original). Na primeira fase, o patamar fixado pela r. sentença deve ser mantido, resultando, portanto, a pena-base de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase, não há agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, incide a causa especial de diminuição de pena estabelecida pelo artigo § 5º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998, na redação vigente à época dos fatos, que previa a redução da pena de 1/3 a 2/3 em razão da confissão espontânea do coautor ou partícipe que esclareça os fatos e sua autoria. Mantido o patamar de 1/3 da causa de diminuição do § 5º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 (em sua redação original), consolidando-se a pena em 02 (anos) e 04 (quatro) meses de reclusão. No que tange à pena de multa, aplica-se o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade, mantendo-se o pagamento em 07 (sete) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal.
39. Consolidação da pena de Jair Gonçalves. Incabível a substituição do concurso material pela continuidade delitiva, tal como requerido pela defesa, porquanto os crimes praticados são de espécies distintas. Assim, com fundamento da norma do artigo 69 do Código Penal, fica o réu Jair Gonçalves condenado à pena de 03 (três) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 12 dias-multa, no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, na forma do artigo 49 do Código Penal. O regime inicial do cumprimento da pena deve ser o aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal. Possível a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, estando atendidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal. As penas restritivas de direitos serão consistentes em (i) prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública a ser definida pelo Juízo da execução, pelo tempo da pena privativa de liberdade substituída; e (ii) prestação pecuniária de 10 (dez) salários-mínimos, direcionada a entidade sem fins lucrativos a ser definida pelo Juízo da execução.
40. Waldir Vicente do Prado – artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986. Na primeira fase, deve ser mantida a pena-base de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Na segunda fase, não há circunstâncias agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, não há causas de diminuição nem de aumento da pena, no caso concreto. Desse modo, resta mantida a pena fixada pela r. sentença, de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. No que tange à pena de multa, aplica-se o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade, reduzindo-se o pagamento para 12 (doze) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal.
41. Waldir Vicente do Prado – artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 9.613/1998 (na redação original). Na primeira fase, deve ser mantida a pena-base fixada em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase, não há agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, não há causas de diminuição nem de aumento da pena, no caso concreto. Desse modo, resta mantida a pena fixada pela r. sentença, de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão. No que tange à pena de multa, aplica-se o mesmo critério utilizado para o cálculo da pena privativa de liberdade, reduzindo-se o pagamento para 12 (doze) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, conforme dicção do artigo 49 do Código Penal.
42. Consolidação da pena de Waldir Vicente do Prado. Com fundamento da norma do artigo 69 do Código Penal, fica o réu Waldir Vicente do Prado condenado à pena de 07 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão e pagamento de 24 dias-multa, no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado, na forma do artigo 49 do Código Penal. O regime inicial do cumprimento da pena deve ser o semiaberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, uma vez ausente o requisito legal do inciso I do artigo 44 do Código Penal.
43. Preliminar afastada. Apelação de Vagner dos Anjos parcialmente provida. Apelação de Jair Gonçalves parcialmente provida. Apelação de Waldir Vicente do Prado parcialmente provida.