APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002983-81.2022.4.03.6114
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: LUCIANA AKEMI TIKAISHI
Advogado do(a) APELANTE: RUDI MEIRA CASSEL - DF22256-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002983-81.2022.4.03.6114 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: LUCIANA AKEMI TIKAISHI Advogado do(a) APELANTE: RUDI MEIRA CASSEL - DF22256-A R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação à sentença de improcedência de ação ordinária, que requereu regime de teletrabalho no exterior. Alegou-se, em síntese, que: (1) para manter unidade familiar, direito constitucionalmente assegurado (artigos 226 e 227, CF/1988), pretende exercer atividades em teletrabalho no exterior; e (2) o teletrabalho é amplamente incentivado nos dias de hoje, tanto no regime celetista, a partir das alterações da Lei 13.467/2017, como no estatutário (Instrução Normativa 65/2020; Decreto 11.072/2022; e Portaria 1.363/2020 PRES/INSS). Houve contrarrazões. É o relatório.
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002983-81.2022.4.03.6114 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: LUCIANA AKEMI TIKAISHI Advogado do(a) APELANTE: RUDI MEIRA CASSEL - DF22256-A V O T O Senhores Desembargadores, é assente que o regime de teletrabalho exige aquiescência formal da Administração Pública, segundo critérios de conveniência e oportunidade, cabendo excepcionalmente intervenção judicial no mérito administrativo somente para controle de aspectos específicos de regularidade no procedimento e legalidade do ato, sob pena de violação do princípio constitucional da separação dos poderes. Neste sentido: ApCiv 5008133-61.2017.4.03.6100, Rel. Des. Fed. GISELLE FRANCA, e - DJF3 19/06/2020: “CIVIL. PROCESSO CIVIL. SERVIDOR. TELETRABALHO A PARTIR DO EXTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO NEGADA. 1. Inicialmente, no que tange ao exercício da profissão através de teletrabalho, cumpre mencionar que a sua concessão aos servidores configura mera faculdade da Administração, conforme juízo de conveniência e oportunidade. Dito isto, conclui-se que a Administração não está vinculada a sua concessão, mesmo quando o requerente preencha todos os requisitos para tanto. 2. Com efeito, as Portarias e Resoluções mencionadas regulamentam o serviço à distância no âmbito da Procuradoria-Geral Federal. Ocorre que, de acordo com seus dispositivos, não há a regulamentação do exercício da profissão a partir de domicílio no exterior. 3. Em que pese a alegação de que os processos eletrônicos trouxeram facilidade no que concerne ao trabalho à distância, este exige determinadas regras e controles que ainda não foram definidos para trabalhos no exterior, considerando que conforme alegação da apelada, os trabalhos à distância ainda estão em fase inicial e com testes à adaptação dos servidores. 4. Portanto, a não concessão de teletrabalho não pode ser considerado ato abusivo, ilegal ou irregular. Isto porque, não há que se olvidar que cabe à Administração definir os critérios e circunstâncias do exercício funcional de seus servidores, devendo-se aguardar a regulamentação para a correta implementação. 5. Registre-se, ainda, que conforme as disposições normativas que regulamentam o teletrabalho, existe expressa necessidade de seleção interna por meio de regras previstas em Edital. Portanto, não comprovada a abertura desse processo seletivo, ou o preenchimento dos requisitos dispostos na Portaria para a participação neste, não se verifica ilegal o indeferimento do trabalho à distância. Oportuno se torna dizer, que a concessão de trabalho remoto sem o preenchimento dessas condições previamente estabelecidas e em detrimento dos demais servidores que também almejam o teletrabalho, implicaria em violação dos princípios que regem a Administração Pública. 6. Ademais, tendo em vista a separação dos Poderes, não cabe ao Poder Judiciário realizar ingerências na função administrativa, concedendo medidas que influenciam diretamente do funcionamento do órgão. 7. Ainda, registre-se que no momento em que foi requerida a licença no âmbito administrativo, esta aparentemente seria temporária, eis que para acompanhar cônjuge durante o período de realização do doutorado. No entanto, atualmente sua condição de residente no exterior é permanente, considerando que sua família fixou residência na Filadélfia quando seu esposo aceitou livremente a oportunidade de trabalho naquela cidade. 8. Convém notar que o trabalho de Procurador é exercido dentro do território nacional, sendo que a alteração de domicílio do servidor para o exterior é um fato que não possui qualquer relação com a sua atividade profissional. Neste ponto, relevante frisar que a Administração ao assegurar o direito à licença para acompanhar o cônjuge, atendeu ao comando constitucional que prestigia a integridade familiar. 9. Apelação a que se nega provimento. No caso, a autora é servidora pública federal, ocupante do cargo de Técnica do Seguro Social, lotada na Central de Análise de Benefícios (CEAB-RD), exercendo funções em trabalho integralmente remoto. Requereu a permanência no programa de gestão de trabalho remoto, para exercício no exterior, considerando que o cônjuge passou a trabalhar em Portugal desde março/2022. No contexto da pandemia de COVID-19, foi expedido o Decreto 11.072/2022, dispondo sobre o “Programa de Gestão e Desempenho - PGD da administração pública federal direta, autárquica e fundacional”, nos seguintes termos: “Art. 2º Este Decreto aplica-se à administração pública federal direta, autárquica e fundacional, integrante do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal - Sipec e do Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal - Siorg. § 1º Este Decreto aplica-se aos seguintes agentes públicos: I - servidores públicos ocupantes de cargo efetivo; II - servidores públicos ocupantes de cargo em comissão; III - empregados públicos em exercício na administração pública federal direta, autárquica e fundacional; IV - contratados por tempo determinado, nos termos do disposto na Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993; e V - estagiários, observado o disposto na Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. § 2º Este Decreto não se aplica aos militares das Forças Armadas. [...] Art. 3º Os Ministros de Estado, os dirigentes máximos dos órgãos diretamente subordinados ao Presidente da República e as autoridades máximas das entidades poderão autorizar a instituição do PGD para o exercício de atividades que serão avaliadas em função da efetividade e da qualidade das entregas. [...] § 2º A instituição do PGD é ato discricionário da autoridade máxima do órgão ou da entidade e observará os critérios de oportunidade e conveniência. § 3º A autoridade máxima do órgão ou da entidade poderá suspender ou revogar o PGD por razões técnicas ou de conveniência e oportunidade, devidamente fundamentadas. [...] Art. 5º A instituição e a manutenção do PGD ocorrerão no interesse da administração e não constituirão direito do agente público. [...] Art. 6º O PGD poderá ser adotado nas seguintes modalidades: I - presencial; ou II - teletrabalho. [...] Art. 9º O teletrabalho: I - dependerá de acordo mútuo entre o agente público e a administração, registrado no termo de ciência e responsabilidade; [...] Art. 10. O participante do PGD na modalidade teletrabalho deverá retornar, no prazo de trinta dias, à atividade presencial no órgão ou na entidade de exercício: I - se for excluído da modalidade teletrabalho ou do PGD; ou II - se o PGD for suspenso ou revogado. [...] Art. 12. Além dos requisitos gerais para a adesão à modalidade, o teletrabalho com o agente público residindo no exterior somente será admitido: [...] III - no interesse da administração; [...] § 1º A autorização para teletrabalho no exterior poderá ser revogada por razões técnicas ou de conveniência e oportunidade, por meio de decisão fundamentada. [...]” Releva destacar, ainda, o disposto no artigo 8º da Portaria PRES/INSS 1.363/ 2021: "Art. 8º O Programa de Gestão na modalidade de teletrabalho é uma faculdade da Administração Pública, uma vez configurada a conveniência e o interesse do serviço, não se constituindo direito do participante." Evidencia-se, pois, que as normas vigentes, no âmbito administrativo em referência, não asseguram direito subjetivo à prestação de serviço no regime de teletrabalho no exterior, cabendo o exame discricionário do requerimento, no interesse da Administração, podendo, a qualquer momento, ser revisto fundamentadamente pela autoridade competente. Ademais, o apelado informou que não houve, no âmbito do INSS, regulamentação da matéria como previsto no artigo 16 do Decreto 11.072/2022 para gerar direito subjetivo à apelante. Tais fatos já foram, inclusive, discutidos na Turma no julgamento do agravo interposto contra indeferimento da tutela, ressaltando que a assunção, pelo cônjuge da apelante, de emprego em empresa privada sediada no exterior (ID 272735477, f. 3/6), não gera direito ao deslocamento previsto no artigo 84 da Lei 8112/1990: AI 5021574-03.2022.4.03.0000, Rel. Des. Fed. HELIO NOGUEIRA, DJEN 07/02/2023: “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDEFERIMENTO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA REQUERIDA PARA CONCESSÃO DE REGIME DE TELETRABALHO NO EXTERIOR. NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO. DESLOCAMENTO NO INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO: NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O deferimento da tutela provisória de urgência tem como requisitos, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, de um lado, a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e, de outro, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, advindos da não concessão da medida. Ademais, o deferimento da tutela de urgência não pode implicar a irreversibilidade do provimento antecipado, nos termos do § 3º do mesmo dispositivo. 2. Esses requisitos, assim postos, implicam a existência de prova pré-constituída da veracidade do quanto arguido pela parte requerente, na medida em que a antecipação do provimento postulado, nas tutelas de urgência, provoca a postergação do contraditório. 3. No caso dos autos, não há fumus boni iuris. A própria agravante reconhece que o exercício de teletrabalho no exterior, no âmbito do INSS, pende de regulamentação. Incabível, portanto, a ingerência do Poder Judiciário em assunto sujeito ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública. 4. A licença para acompanhamento de cônjuge (artigo 84 da Lei nº 8.112/1990) constitui direito subjetivo do servidor público, de sorte que, preenchidos os requisitos legais, inexiste discricionariedade da Administração quanto à sua concessão. Precedentes. 5. Não obstante, a norma do artigo 84 da Lei nº 8.112/1990 somente gera direito à referida licença para acompanhamento do cônjuge quando ocorrido o deslocamento de um dos membros do casal por interesse da Administração (artigo 36, inciso I, da Lei nº 8.112/1990), não sendo admitida qualquer outra forma de alteração de domicílio. 6. O direito pleiteado pela agravante está submetido ao requisito do deslocamento do respectivo cônjuge – "que o cônjuge seja deslocado" –, tratando-se, por conseguinte, de hipótese de provimento derivado. Exclui-se, assim, situação em que o consorte é aprovado em concurso público para lotação inicial, ou assume novo emprego na iniciativa privada, em local diverso do domicílio do casal, porquanto, em tais casos, a mudança de domicílio profissional está no âmbito de livre escolha dos cônjuges, devendo as eventuais vantagens financeiras e profissionais serem sopesadas com o distanciamento geográfico do núcleo familiar. 7. No caso concreto, o marido da agravante trabalha na iniciativa privada, prestando serviços a empresa sediada em Portugal. Desse modo, não se pode falar em deslocamento, mas sim em assunção voluntária de emprego em pessoa jurídica situada no exterior, de modo que, ausente regulamentação específica do órgão onde se encontra lotada, a pretensão da agravante não se amolda aos pressupostos do direito previsto no artigo 84 da Lei nº 8.112/1990. 8. Agravo de instrumento não provido. Agravo interno prejudicado.” Como visto, a manutenção da unidade familiar não prescinde de atendimento do interesse público na prestação do serviço à distância pelo servidor. A sentença é, assim, integralmente mantida. Pela sucumbência recursal, a apelante deve suportar condenação adicional, nos termos do artigo 85, § 11, CPC, no equivalente a 5% do valor atualizado da causa, a ser acrescida à sucumbência fixada pela sentença pelo decaimento na instância de origem. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É como voto.
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E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA. TELETRABALHO NO EXTERIOR. INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO. CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. MÉRITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL. EXCEPCIONALIDADE. DECRETO 11.072/2022. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO NO ÂMBITO DO INSS.
1. É assente que o regime de teletrabalho exige aquiescência formal da Administração Pública, segundo critérios de conveniência e oportunidade, cabendo excepcionalmente intervenção judicial no mérito administrativo somente para controle de aspectos específicos de regularidade no procedimento e legalidade do ato, sob pena de violação do princípio constitucional da separação dos poderes.
2. Sobre o regime de teletrabalho, no âmbito do Programa de Gestão e Desempenho - PGD, foi instituído pelo Poder Executivo da União, através do Decreto 11.072/2022, dispondo que se trata de modalidade de atuação funcional que depende da aquiescência da Administração, com termo de ciência e responsabilidade, fundado na premissa do atendimento do interesse da administração e que não gera direito adquirido, pois, ainda que concedida a autorização, sujeita-se à revogação por razões técnicas ou de conveniência e oportunidade, por decisão fundamentada.
3. A matéria foi apreciada no âmbito da Turma, em relação à apelante, quando negado provimento ao agravo de instrumento contra indeferimento de tutela antecipada, quando ressaltado, inclusive, que a assunção, pelo cônjuge da apelante, de emprego em empresa privada sediada no exterior não gera sequer direito ao deslocamento previsto no artigo 84 da Lei 8112/1990.
4. Pela sucumbência recursal, a apelante deve suportar condenação adicional, nos termos do artigo 85, § 11, CPC, no equivalente a 5% do valor atualizado da causa, a ser acrescida à sucumbência fixada pela sentença pelo decaimento na instância de origem.
5. Apelação desprovida.