MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5012910-46.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW
IMPETRANTE: SALINAS GOLD MINERACAO LTDA
Advogados do(a) IMPETRANTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON - SP65371-A, FERNANDO DA NOBREGA CUNHA - SP183378-A, HELIO NISHIYAMA - MT12919/O-A, NEULER MENDES GOMES JUNIOR - SP457914-A, RODRIGO DE BITTENCOURT MUDROVITSCH - DF26966-A
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 1ª VARA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5012910-46.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW IMPETRANTE: SALINAS GOLD MINERACAO LTDA Advogados do(a) IMPETRANTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON - SP65371-A, FERNANDO DA NOBREGA CUNHA - SP183378-A, HELIO NISHIYAMA - MT12919/O-A, NEULER MENDES GOMES JUNIOR - SP457914-A, RODRIGO DE BITTENCOURT MUDROVITSCH - DF26966-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 1ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de mandado de segurança impetrado por Salinas Gold Mineração Ltda. contra decisão do Juízo Federal da 1ª Vara Criminal de Campinas (SP), proferida nos Autos n. 5012265-73.2022.4.03.6105, que decretou a quebra de seu sigilo fiscal a partir do ano-calendário de 2017 (Id n. 274184023, pp. 67/676). Alega-se, em síntese, o seguinte: a) a impetrante desenvolve empreendimento minerário em Poconé (MT), devidamente licenciado junto ao órgão competente, com geração de 409 (quatrocentos e nove) empregos diretos, além da promoção de projetos sociais; b) malgrado a impetrante tenha feito apenas 2 (duas) aquisições de mercúrio do Grupo Veggi (em maio de 2019 e novembro de 2020), o Juízo a quo determinou a quebra de seu sigilo bancário e fiscal; c) a decisão recorrida foi proferida no âmbito da Operação Hermes, investigação policial que tem por principal objetivo apurar “esquema criminoso envolvendo o branqueamento de mercúrio introduzido de forma criminosa em território nacional [pelo Grupo Veggi e na sua circulação também ilícita”, com a possível prática de crimes ambientais, contrabando de mercúrio e associação criminosa; d) a decisão recorrida baseia-se em representação policial genérica e que não aponta a efetiva necessidade da quebra do sigilo fiscal para a apuração dos fatos, a indicar que se trata de “pescaria probatória” (fishing expedition); e) a mera afirmação de que a medida seria necessária ao esclarecimento das investigações é genérica e resulta em ofensa ao art. 315, § 2º, II, do Código de Processo Penal; f) a decisão recorrida resulta em devassa patrimonial indiscriminada e estranha ao objeto da investigação, uma vez que se passou a apurar a compatibilidade entre a movimentação com cartões de crédito e a renda declarada pela impetrante, assim como a compatibilidade entre a movimentação bancária e a renda/patrimônio declarados pela impetrante, além de outras informações que não guardam nexo com a suposta aquisição de mercúrio de origem espúria; g) a decisão recorrida impõe ao Fisco a busca a esmo por eventuais ilícitos fiscais, subvertendo a lógica da Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal; h) à época das aquisições de mercúrio, inexistia investigação sobre as empresas do Grupo Veggi e os registros na plataforma do Ibama davam conta de que as empresas tinham créditos de mercúrio regulares e disponíveis para venda; i) há erro na premissa adotada pelo Juízo a quo na decisão recorrida, vale dizer, de que já havia sido afastado o sigilo fiscal de pessoas físicas relacionadas às empresas que agora também tiveram os seus sigilos fiscais afastados (isso havia ocorrido apenas em relação às empresas do Grupo Veggi, não em relação à Salinas Gold); j) a Salinas Gold é apontada na representação policial como um das empresas de que ADMF Comércio Produtos para Tratamento de Água e Serviços se valia para a lavagem de dinheiro, porém há apenas a indicação de 1 (um) lançamento no valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais); k) uma simples lista de pessoas supostamente envolvidas em movimentações suspeitas não é indício suficiente de lavagem de dinheiro: cumpria à Autoridade Policial discriminar as movimentações e os motivos pelos quais elas seriam suspeitas; l) também foi decretada constrição sobre o patrimônio da impetrante (objeto da Apelação Criminal n. 5014441-25.2022.4.03.6105); m) postula-se a declaração de nulidade da decisão que decretou a quebra do sigilo fiscal, seja pela ilegal amplitude da medida (inclusive com violação direta do art. 6º da LC n. 105/01, em evidente fishing expedition), seja pela carência de fundamentação idônea (Id n. 274183644, instruído com documentos). Não houve pedido de liminar. O Juízo da 1ª Vara Federal de Campinas informou que em “decorrência do apurado durante a denominada Operação Hermes, houve o deferimento de medida de afastamento do sigilo fiscal e bancário da pessoa jurídica Salinas Gold Mineração Ltda., requerida pela autoridade policial que conduz as investigações e após a manifestação ministerial, conforme fundamentos lançados nas decisões de ID 270083165 e 285404184” (Id n. 274726868, instruído com documentos). O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. José Ricardo Meirelles, manifestou-se pela denegação da segurança, pois a quebra do sigilo fiscal deu-se em consonância com os arts. 1º e 6º da LC n. 105/2001 e com o art. 198, § 1º, II, do Código Tributário Nacional. Acrescentou que à vista do rito célere do mandado de segurança, é impertinente a análise de indícios de prática delitiva, sendo suficiente a análise da legalidade e pertinência da decisão recorrida (Id n. 275028140). A impetrante juntou aos autos laudo técnico sobre a recuperação do mercúrio em sua atividade minerária (Ids. 275495771 e 275501490). É o relatório.
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5012910-46.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW IMPETRANTE: SALINAS GOLD MINERACAO LTDA Advogados do(a) IMPETRANTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON - SP65371-A, FERNANDO DA NOBREGA CUNHA - SP183378-A, HELIO NISHIYAMA - MT12919/O-A, NEULER MENDES GOMES JUNIOR - SP457914-A, RODRIGO DE BITTENCOURT MUDROVITSCH - DF26966-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 1ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Em 07.10.22, a Polícia Federal representou ao Juízo da 1ª Vara Federal de Campinas para a quebra do sigilo bancário e fiscal de diversas pessoas físicas e jurídicas supostamente ligadas ao “branqueamento” de mercúrio para a sua comercialização em território nacional (Id n. 274184023, pp. 218/219). Em 01.12.22, após manifestação favorável do Ministério Público Federal, o Juízo da 1ª Vara Federal de Campinas decretou a quebra do sigilo bancário conforme segue: Trata-se de representação firmada pelo Delegado de Polícia Federal, Dr. DALTON MARINHO VIEIRA JUNIOR, por medida cautelar de afastamento de sigilo bancário e fiscal (ID Num. 265095308 - Pág. 1-260). A presente representação é decorrente da investigação iniciada nos autos do inquérito policial nº IPL 2021.0074943 DPF/CAS/SP (PJe nº 5000577-17.2022.4.03.6105), instaurado para apurar a possível ocorrência de crimes ambientais bem como do delito previsto no artigo 288 do Código Penal. (...) 3.2. ADMF COMÉRCIO E SERVIÇO LTDA - ME Observou a autoridade policial que a empresa ADMF interrompeu por um período tanto as compras quanto as vendas de mercúrio, tendo declarado no sistema de Relatório de Mercúrio que adquiriu 198 kg e vendeu 143,7 kg, sendo os compradores pessoas físicas e jurídicas envolvidas com garimpo e mineração de ouro. Outrossim, que a empresa ADMF tentou, em duas ocasiões, importar mercúrio proveniente da Bolívia, figurando como empresa exportadora QUIMMERX, com sede em Santa Cruz de La Sierra, e tendo como responsável legal ALI VEGGI ATALA, pai de ARNOLDO. (...) INDÍCIOS DE LAVAGEM DE DINHEIRO Consoante representação, a Polícia Federal conseguiu identificar maiores participações e envolvimento que refletiu no resultado de movimentações atípicas, com exceção de NOEMIA e NILSON. Ressalta a autoridade policial que a análise dos relatórios se fixa nas movimentações identificadas como atípicas pelo COAF, sem se ater às movimentações corriqueiras. Tais relatórios apontam, em suma, para grandes movimentações financeiras entre as empresas do denominado “GRUPO VEGGI” e entre estes e pessoas físicas sem vínculo aparente. Há, ainda, transações entre empresas de ramos totalmente diversos (imobiliária com empresa de tratamento químico), sem justificativa ou lastro evidente. Verificou-se, ainda, a ocorrência de métodos conhecidos pela indicação da ocorrência de lavagem de dinheiro, como saques de alto valor em espécie (por parte de FELIX LOPEZ), movimentações de altos valores por parte de ARNOLDO VEGGI à empresa de fachada JS TORRES e, ainda, identificação de venda de imóveis pela IMOBILIÁRIA PAIAGUAS LTDA., em valores inferiores ao de mercado. Nas páginas 208 e seguintes da representação, foram indicadas as movimentações suspeitas entre as pessoas físicas e jurídicas a seguir listadas: (...) x) SALINAS GOLD MINERAÇÃO LTDA., Aduz a autoridade policial que a partir dos levantamentos da Polícia Federal em conjunto com os relatórios do IBAMA, foi possível estabelecer toda a cadeia de comando da presente organização criminosa. Prossegue: os fatos delineados dão conta da constituição, formação, financiamento e integração de Organização Criminosa por parcela dos investigados, não havendo dúvidas quanto às suas participações mediante uma clara e bem estabelecida divisão de tarefas, ao passo que foram identificados outros núcleos reunidos em prol de associações criminosas paralelas para prestar auxílio àquela estrutura principal (pág. 233 do ID 265095308). Aponta a autoridade que no comando da organização criminosa estariam ARNOLDO VEGGI, EDGAR DOS SANTOS VEGGI, ALI VEGGI ATALA E EDILSON RODRIGUES DE CAMPOS. (...) Em grau hierárquico inferior, aponta a autoridade policial JHENYFER SILVA TORRES, ANDRÉ PONCIANO LUIZ, PATRIKE NORO DE CASTRO E LUCIANO REGINALDO MONTEIRO. No mesmo patamar estariam FERDINANDO RIGUEIRA MORELLI e JOSÉ CARLOS MORELLI, administradores da METALMS, empresa esta que, ao lado da APLIQUIM, forneceria “créditos de mercúrio” no sistema do IBAMA. Argumenta a autoridade policial que os elementos colhidos até o momento demonstram o animus associativo entre os investigados, em número superior a 04 (quatro) indivíduos, mediante a clara e necessária divisão de tarefas, em uma estrutura ordenada de acordo com a hierarquia estrutural no grupo criminoso, com a finalidade exclusiva de obter vantagem pessoal decorrente da movimentação dos valores ilícitos oriundos dos crimes ambientais e demais relacionados, sobretudo através de empresas constituídas para este fim e/ou por intermédio de “laranjas”, e sua ocultação através da aquisição de imóveis por meio de suas imobiliárias. Não se pode olvidar que a presente ORCRIM ainda se mantém ativa, em uma estrutura e logística montada há anos, tal como se verifica pela atuação cada vez maior no contrabando de mercúrio e consequente extração ilegal de ouro além da lavagem de dinheiro. Assim, registrando a natureza formal do delito de organização criminosa, sua consumação independe da prática efetiva de qualquer dos ilícitos almejados pelos agentes, muito embora estejam devidamente comprovados nos autos. A fim de fundamentar as hipóteses supramencionadas, a autoridade policial apresentou gráficos, planilhas, tabelas, excertos de relatórios, dados extraídos de sistemas oficiais, que constam de forma bem detalhada na representação. Outrossim, na pág. 240, traz organograma que permite visualizar de forma ampla os envolvidos na investigação. A demonstrar a prática dos delitos, afirma que as análises demonstraram que as principais tipologias utilizadas pelo grupo criminoso para a movimentação de valores seriam: A) Utilização de interpostas pessoas, como testas de ferro e laranjas, com o fim de ocultar o verdadeiro responsável por trás das operações comerciais e financeiras ou mesmo o verdadeiro proprietário de bens, diretos e valores; B) Utilização de empresas de fachada ou fantasmas, que seriam aquela que sequer sede física estruturada possuem, utilizada apenas para a prática de fraudes e/ou justificar operações comerciais falsas; Geralmente, o uso de empresa de fachada vem acompanhado da colocação de um “testa de ferro” ou “laranja” como o responsável desta pessoa jurídica, criando mais um obstáculo entre os fatos e o verdadeiro responsável; C) Mescla entre o capital ilícito com eventual capital lícito gerado por empresas com certa atuação comercial, de modo a tornar mais difícil a separação de um e de outro pelas autoridades de fiscalização e repressão; Para esta tipologia é muito comum a utilização de ramos de negócio em que se costuma pagar em dinheiro e cuja identificação dos clientes não existe ou é praticamente impossível (por exemplo, restaurantes, lavanderias, hotéis e pousadas, postos de gasolina, empresas de ônibus, etc.); D) Utilização de empresas sem registro de um funcionário sequer cadastrado; E) Compra e venda de imóveis, com valorização artificial de bens, para justificar a origem ilícita do dinheiro utilizado; O criminoso também pode comprar o imóvel pelo seu valor de mercado, registrando-o por um valor inferior, pagando a diferença “por fora”; G) Blindagem patrimonial, por meio de manobras jurídicas e engenharia financeira/contábil, o agente retira bens de seu patrimônio, deixando-os sob a titularidade de empresas que, em verdade e indiretamente, lhe pertencem; Os crimes apontados pela autoridade policial, além da lavagem de dinheiro e organização criminosa, são os previstos no art. 54 a 56 e 69-A da Lei 9605/98, bem como os delitos dos artigos 180, 288, 299, 304, 334-A do Código Penal. Especificamente no tocante ao delito do artigo 288 do Código Penal esclarece que foram identificados grupos paralelos, aparentemente sem vínculo entre si, que davam todo o suporte efetivo para a organização criminosa liderada pela família VEGGI, destacando como principais compradores de mercúrio: MARCIO MACEDO SOBRINHO, ANTONIO VIEIRA DA SILVA, MARCELO MASSARU TAKAHASHI, CRISTIANA DAS DORES DE SOZA, VALDINEI MAURO DE SOUZA, WAGNER FERNANDO GONÇALVES E EDILSON RODRIGUES DE CAMPOS. Nos termos da representação, o prejuízo ao Erário remonta, por ora, R$ 1.116.587.799,77 (um bilhão cento e dezesseis milhões quinhentos e oitenta e sete mil setecentos e noventa e nove reais e setenta e sete centavos). (...) É o relatório do necessário, fundamento e decido. Os fatos acima narrados, em minuciosa explanação da autoridade policial, em consonância com a documentação recolhida no inquérito policial, notadamente os dados de utilização de sistemas do IBAMA, trazem elementos de prova da materialidade e indícios de autoria que levam à conclusão da existência de organização criminosa voltada para a prática de crimes ambientais, de contrabando, receptação, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, entre outros. Conforme consta do caderno investigatório, verificou-se a utilização dos sistemas de controle do IBAMA para dar aparente legalidade ao mercúrio introduzido clandestinamente no país e a sucessiva comercialização do metal entre as empresas, numa imbricada relação de atravessadores e destinatários finais do produto. A empresa APLIQUIM declara no sistema do IBAMA a obtenção do metal via reciclagem, e, posteriormente, comercializa seus créditos de mercúrio, como se o houvesse produzido, por meio de atravessadores até o destino final. Note-se que, ao longo dos anos e as sucessivas suspensões das empresas autorizadas à importação de mercúrio, o esquema criminoso automaticamente, praticamente de forma imediata, muda para outros processos formais de obtenção do metal com o intuito de conferir aparente legalidade, (importação, reciclagem, aquisição de créditos) e de empresas fornecedoras, atravessadoras e destinatárias, estando, porém, todas elas intimamente ligadas, numa verdadeira sucessão de delitos e habitualidade criminosa. Dessa forma, constatou-se que a partir da introdução clandestina do metal e seu acobertamento mediante lançamentos de dados falsos nos sistemas de controle, sucedem-se os demais delitos investigados, desembocando na utilização do metal para extração irregular de ouro, em claro prejuízo ao meio ambiente, bem como a consequente lavagem e ocultação de bens e valores obtidos pela atividade ilícita através de interpostas pessoas jurídicas, inclusive em outros ramos de atividades, como é o caso da imobiliária, por exemplo. Necessário ressaltar que os fatos são tão complexos que se verifica indícios da existência de associações criminosas com atuação paralela à atuação da organização criminosa liderada pelo GRUPO VEGGI, mas que dão suporte à atuação desta. Nesse sentido se verificam os indícios de atuação de MARCIO MACEDO SOBRINHO, ANTONIO VIEIRA DA SILVA, MARCELO MASSARU TAKAHASHI, CRISTIANA DAS DORES DE SOZA, VALDINEI MAURO DE SOUZA, WAGNER FERNANDO GONÇALVES E EDILSON RODRIGUES DE CAMPOS, identificados como os principais compradores do mercúrio. O pedido mostra-se justificado, pertinente e necessário diante dos vários indícios constantes dos autos. A gravidade dos fatos narrados é patente, assim como a necessária intervenção estatal para a verificação dos possíveis delitos e identificação de todos os seus autores e, principalmente, sua extensão. Veja-se que o apurado pela autoridade policial aponta para a existência de intrincada organização que, por meio de constituição de empresas de fachada, utilização de “laranjas”, simulação de negócios, obtenção de recursos financeiros, ocultação de valores, sonegação fiscal, dentre outros meios fraudulentos, busca garantir o enriquecimento ilícito de seus membros. Há que se buscar, neste ponto, o equilíbrio entre o bem jurídico protegido e o interesse individual. No presente caso concreto, as circunstâncias expostas pelas autuações do IBAMA e pela autoridade policial, conforme descritas acima, fazem concluir pela necessidade do afastamento dos sigilos em atendimento ao relevante interesse público na obtenção de informações que possam descortinar o intrincado e engenhoso modus operandi da organização criminosa que se mostra, até o aqui apurado, voltada à consecução de diversos delitos cuja prática resulta em claro prejuízo ao meio ambiente e com a finalidade de obter para os membros do grupo desproporcional vantagem financeira, em detrimento da ordem econômica e financeira nacional. Presente, portanto, os fundamentos concretos que autorizam a aplicação do princípio da proporcionalidade, tal qual o entendimento do ilustre professor Antônio Scarance Fernandes (...). Pois bem. As pessoas físicas e jurídicas identificadas pela autoridade policial, conforme consta no relatório acima, estão envolvidas nas práticas dos fatos investigados. De todo o colhido, além de todo o exposto do relatório, ainda é possível identificar, em síntese, os seguintes dados de envolvidos a justificar as medidas, principalmente no tocante à verificação da larga cadeia percorrida pelo mercúrio supostamente reciclado pela APLIQUIM EQUIPAMENTOS E PRODUTOS QUÍMICOS LTDA., e repassado às demais empresas atravessadoras até chegar ao destino. Nessa cadeia sucessiva de operações de compra e venda, destacaram-se as empresas Tucano e J. F. de Oliveira, prontamente sucedidas pela NOTHI COMERCIAL LTDA., como principal compradora dos lotes de mercúrio, quando do bloqueio das primeiras pelo sistema de controle, após operação realizada pelo IBAMA. A partir da aquisição do mercúrio pela NOTHI, este teria como principal destino a empresa J. S.Torres. Tal empresa, registrada em nome de JHENYFER SILVA TORRES, funcionaria somente como uma fachada, sendo mais uma atravessadora da mercadoria e seu controle, em verdade, estaria nas mãos do denominado “Grupo Veggi”, formado por diversas pessoas jurídicas e controlado pela família Veggi, da qual fazem parte os investigados ARNOLDO VEGGI, EDGAR DOS SANTOS VEGGI e ALI VEGGI ATALA que, juntamente com EDILSON RODRIGUES DE CAMPOS, destinatário real do mercúrio vendido pela APLIQUIM quando suas principais compradoras ainda eram a Tucano e a J. F. de Oliveira, com forte atuação entre os anos de 2013 e 2018, até o impedimento das operações das empresas, estariam no comando da organização criminosa. Isto porque, após a denominada Operação Mercúrio Hg/2018, houve a automática substituição das então intermediárias Tucano e a J. F. de Oliveira pela NOTHI, que repassa quase a totalidade do mercúrio supostamente adquirido da APLIQUIM, para a empresa J. S. Torres. Esta, por sua vez, aberta em 2019 e com sede em Terenos/MS, a despeito de recém-constituída, teria, em 2020 saído com créditos de 664kg de mercúrio, comprados da NOTHI, sendo que todos os acessos realizados com sua senha no sistema Relatório de Mercúrio Metálico/CTF deram-se a partir de computadores cujos registros IP estão localizados no Mato Grosso, e não em Terenos, que fica no Mato Grosso do Sul. Identificou-se que o registro IP 179.162.33.74, utilizado para as operações, está vinculado à IMOBILIÁRIA SATÉLITE LTDA. EPP, cujos proprietários são ANDERSON FERREIRA DE FARIAS e EDGAR DOS SANTOS VEGGI. No mesmo endereço da imobiliária, ainda consta a sede de ADMF COMÉRCIO PRODUTOS TRATAMENTO DE ÁGUA E SERVIÇOS EIRELI ou ADMF COMÉRCIOS E SERVIÇOS LTDA. ME, ambas de propriedade de ARNOLDO SILVA VEGGI e que tem como um dos emails cadastrados (admquimar@hotmail.com) o mesmo registrado para J. S TORRES no CTF. A J. S. Torres, registrou, então, a revenda do mercúrio para várias pessoas físicas e jurídicas com base nos Estados do Pará e Mato Grosso que tem por atividade declarada o garimpo, excetuando-se duas, justamente a ADMF COMERCIO E SERVICOS LTDA - ME e QUIMAR COMERCIO DE PRODUTOS QUIMICOS E TRATAMENTO (também de propriedade de Arnoldo), igualmente integrantes do Grupo Veggi e que tem por atividade o comércio de mercúrio. ALI VEGGI ATALA, é químico e pai de ARNOLDO. Consta que através de uma de suas empresas, a QUIMMERX, situada em Santa Cruz de La Sierra na Bolívia, tentou exportar mercúrio para a ADMF, que teve o pedido de importação negado. Assim, segundo as investigações e o acima delineado, ARNOLDO teria por função a organização da parte operacional e política do esquema; EDGAR seria o responsável financeiro; ALI cuidaria da parte técnica, considerando ter formação em Química; e EDILSON atuaria na movimentação e parte operacional, com a expertise obtida desde 2013. Por sua vez, PATRIKE NORO DE CASTRO é um dos dois únicos empregados registrados na J. S. Torres e faz constar expressamente na rede social Instagram que trabalha com “IMPORTAÇÃO HG” (ID 264437880 – pág. 94), a despeito de não possuir qualquer autorização legal para tanto. Outrossim, foram constatadas movimentações bancárias atípicas em contas de sua titularidade, tendo recebido, entre 01/10/2021 e 14/12/2021, R$ 455.712,69, dos quais R$ 123.450,00 oriundos de transações com R2 TRANSPORTES E TERRAPLANAGEM EIRELI, registrando, ainda, saídas de suas contas o montante de R$ 117.700,00 para ARNOLDO VEGGI; R$ 7.500,00 para HIPOSAL COMÉRCIO DE PRODUTOS QUÍMICOS E TRATAMENTO, empresa esta também ligada ao GRUPO VEGGI e que tem como responsável legal ALBERTO VEGGI ATALA. ANDRÉ PONCIANO LUIZ é um dos dois empregados cadastrados na J.S.Torres e possui procuração outorgada por Jhenyfer – única sócia da empresa de fachada. Sendo residente em Cuiabá/MT e constando dos sistemas oficiais como beneficiário de auxílio emergencial, ANDRÉ tem relação próxima com ARNOLDO VEGGI como se denota de suas redes sociais, tendo inclusive participado de confraternização da empresa Quimar Química, juntamente com outros investigados, como o próprio ARNOLDO e FELIX LOPES BRESS. ANDERSON FERREIRA DE FARIAS é um dos sócios da Imobiliária Satélite Ltda EPP, juntamente com Edgar dos Santos Veggi. No mesmo endereço funcionam, ainda, as empresas ADMF Comércio Produtos Tratamento de Água e Serviços EIRELI ou ADMF Comércios e Serviços LTDA ME (CNPJ 07.845.581/0001-01), ambas tendo como proprietário Arnoldo Silva Veggi. A imobiliária aparece na investigação em razão de ser o local de acesso ao sistema CTF com o IP 179.162.33.74, de onde partiram os registro de operação da empresa J.S.Torres, apesar de estar formalmente localizada em outro Estado da federação e a quilômetros do local. MARCELO DE QUEIROZ MACHADO e ANTONIO CARLOS COSTA DE ALMEIDA são sócios da APLIQUIM, responsável pelo abastecimento de mercúrio durante anos no mercado, de modo irregular, dado que restou evidente nas apurações prévias a incapacidade produtiva da quantidade de mercúrio vendida como se obtido através de reciclagem, objeto principal da atividade empresarial, sendo que visita in loco realizada pela CETESB no ano de 2021, verificou sequer existir no local o equipamento necessário para a desmercurização. NILSON PEREIRA GOMES é o responsável legal pela empresa NOTHI, atravessadora que intermedia a comercialização do mercúrio, simulando sua aquisição da APLIQUIM e repassando às próximas empresas como a J.S.Torres, que, por sua vez, revende aos destinatários finais. Note-se que, durante a Operação Mercúrio Hg/2018, houve vistoria fiscalizatória de equipe do IBAMA SP sobre a empresa NOTHI, segundo informa o Processo 02027.001158/2018-61. A vistoria foi realizada, em 30/01/2018, no endereço da empresa localizado na Avenida Mario Alves,255 - 15, Jardim Pedro José Nunes, São Paulo - SP e os agentes foram recebidos e acompanhados por Nilson Pereira Gomes. Na ocasião, além de ser constatada a inexistência de estoque de mercúrio metálico, Nilson teria declarado que “a empresa trabalha com vendas casadas, evitando assim a estocagem de produtos. Esclareceu também que não tem trabalhado muito com mercúrio metálico e não conhece particularmente os clientes para os quais vendeu esta substância”. WAGNER FERNANDO GONÇALVES, é apontado como um dos principais compradores finais do mercúrio cuja venda é intermediada pelo Grupo Veggi. Indica, a autoridade, que Wagner já aparecia no radar da fiscalização quando da Operação realizada pelo IBAMA em 2018, pelo comércio irregular do metal. Wagner, atuante na área da Cooperativa de Mineradores e Garimpeiros da Região de Aripuanã, aparece, ainda, como um dos principais compradores de créditos de mercúrio da METALMS INDUSTRIAL BRASILEIRA DE METAIS LTDA., que sucedeu, prontamente a APLIQUIM após a vistoria da CETESB. Consta, ainda, que Wagner Fernando Gonçalves, possui como um dos e-mails cadastrados o e-mail vendas5@QUIMIDROL.com.br. Não é demais lembrar que a empresa QUIMIDROL foi alvo da Operação HG em 2018 e comercializou grandes volumes de mercúrio ao longo de anos para terceiros responsáveis por esquema de distribuição clandestina da substância no estado do Mato Grosso, incluindo a empresa de fachada J.F. de Oliveira e Edilson Rodrigues de Campos. FELIX LOPEZ BRESS, substituiu Arnoldo Silva Veggi, como responsável legal pela empresa QUIMAR COMÉRCIO DE PRODUTOS QUÍMICOS E TRATAMENTOS, em julho de 2022. Embora tal alteração tenha sido formalmente realizada, suspeita-se que FELIX seja apenas um laranja de Arnoldo Veggi, já que este continua constando em sua página do facebook como proprietário declarado da Quimar desde 2010. Na mesma página da rede social, há foto de ambos em conjunto com outros investigados, justamente no que se diz ser uma festa de confraternização da referida empresa. Felix consta, ainda, como funcionário da HIPOSAL COMERCIO DE PRODUTOS QUIMICOS E TRAT DE ÁGUA, igualmente pertencente ao “Grupo Veggi”. As movimentações financeiras do grupo também esbarram em FELIX, constando diversos saques em espécie, tudo como consta da representação policial. BRUNA DAMASCENO VEGGI, é a única sócia da empresa BDV TRADING COMERCIO ATACADISTA EIRELI, tendo outorgado procuração a seu marido EDGAR DOS SANTOS VEGGI. Junto ao CTF, a empresa declara que exerce a atividade de Comércio de produtos químicos e produtos perigosos - Decreto nº 97.634/1989 desde 07/10/2019 SEI 13282244. Em 06/05/2022, foi incluída a atividade de Produção de substâncias e fabricação de produtos químicos - Lei nº 9.976/2000, que deveria ser declarada apenas por 3 empresas no país e que justificaria a existência de estoque de mercúrio no local. Ressalte-se que o cadastro da empresa foi realizado no CTF/APP após bloqueio da empresa JS Torres no sistema, com a utilização de um IP utilizado por J S Torres/ADMF/Quimar. Bruna é esposa de Edgar dos Santos Veggi, filho de Edy Veggi Soares e sobrinho de Ali Veggi Soares. De notar-se que a BDV possui endereço no Estado de Santa Catarina a uma distância de menos de 6km da unidade da APLIQUIM de Indaial. Bruna consta, ainda, como proprietária da empresa SATELITE PRIME ASSESSORIA E CONSULTORIA IMOBILIARIA LTDA. EDY VEGGI SOARES, é o responsável pelo IP 79.162.33.74, utilizado para as transmissões e acessos em nome da empresa JSTorres, com vinculação ao endereço da IMOBILIARIA SATELITE LTDA EPP. Também constam movimentações financeiras sob suspeita. ALAIN STEPHANIE RIVIERE MINERAÇÃO é compradora de mercúrio da J. S. Torres. BDV TRADING COMERCIO ATACADISTA EIRELI – empresa do Grupo Veggi com acesso ao CTF com declaração de que exerce atividade de comércio de produtos químicos e perigosos. Utiliza o mesmo IP de J.S.Torres/ADMF/Quimar. Tem como sócia Bruna Veggi. Pelo exposto, defiro, com fulcro no artigo 1º, § 4º, da Lei Complementar no 105/2001, O AFASTAMENTO DO SIGILO BANCÁRIO de todos os bens, direitos e valores mantidos em instituições financeiras, no período de 01/01/2018 a 07/10/2022, pelas pessoas físicas e jurídicas relacionadas abaixo, diretamente ou por seus representantes legais, responsáveis ou procuradores, de forma individualizada ou em conjunto com outras pessoas: (...) 41. SALINAS GOLD MINERAÇÃO LTDA. 03.213.955/0001-09 (...) Consigno o prazo de 30 dias a partir do recebimento da decisão para cumprimento pelas instituições financeiras das seguintes medidas: a) Que se realize consulta através do SISBAJUD e se identifique as instituições financeiras nas quais as referidas pessoas físicas e jurídicas investigados mantêm relacionamento como titulares, representantes ou procuradores, tais como contas de depósito à vista, de poupança, de investimento, de depósitos a prazo e outros bens, direitos e valores, diretamente ou por seus representantes legais, bem como em relações em conjunto com terceiros; b) Que se consigne no SISBAJUD que o atendimento à determinação judicial deve ser realizado prioritariamente pelo sistema SIMBA, através do Caso nº “002-PF-008052-23”; c) Que se encaminhe o ofício judicial exclusivamente às instituições financeiras com as quais os investigados mantêm ou mantiveram relacionamento durante o período de 01/01/2018 a 07/10/2022, conforme resultado da consulta ao CCS e faça constar na comunicação o Código Identificador do Caso nº “002-PF-008052-23”, e e-mail dalton.dmvj@pf.gov.br para ser utilizado para validação e transmissão dos dados; d) Que para o cumprimento da decisão judicial as instituições financeiras observem o disposto na Carta Circular nº 3454/2010, do Banco Central do Brasil, que divulga leiaute para que as instituições financeiras prestem informações relativas a movimentação financeira, dos investigados citados inclusive na qualidade de procurador, referente ao período de 01/01/2018 a 07/10/2022; e) Que as instituições financeiras envolvidas encaminhem os dados bancários via rede mundial de computadores, utilizando-se dos programas VALIDADOR BANCÁRIO SIMBA e TRANSMISSOR BANCÁRIO SIMBA, disponibilizados no sitio http://www.pf.gov.br/servicos-pf/sigilo-bancario; f) Que as instituições financeiras envolvidas encaminhem os dados bancários no prazo máximo de 30 dias a partir do recebimento do comunicado da decisão judicial. g) Que se encaminhe ofício judicial ao Banco Central do Brasil, através do protocolo digital desta instituição, solicitando a transmissão do CCS dos investigados ao Código Identificador do Caso nº “002-PF-008052-23”, contendo o prazo para cumprimento da ordem judicial e a data do recebimento do ofício judicial pelas instituições financeiras visando o preenchimento dos campos obrigatórios para transmissão do CCS pelo validador do SIMBA. h) Que seja autorizado a autoridade policial autora da representação e a peritos criminais por ela designados para atuar no caso, requisitar diretamente às instituições financeiras, dados e documentos de suporte das operações financeiras realizadas no período de afastamento do sigilo, bem como aqueles relacionados a cadastros dos clientes e análises de crédito feito nas próprias instituições pela área de compliance ou de controles internos. i) Que sejam fornecidos pelo Banco Central do Brasil, em meio eletrônico, planilha eletrônica e dados tabulados, todos os registros no SISTEMA CÂMBIO existentes de operações de câmbio dos investigados, no período cujo sigilo foi afastado, contendo os dados lançados no SISTEMA CÂMBIO (Dados Contratação e Dados Liquidação), especialmente: A) CONTRATAÇÃO: 1. Data do Evento; 2 Data do Movimento; 3. Data Limite Liquidação; 5. Tipo Registro; 6. Tipo Registro; 7. Tipo Operação; 8. Tipo Contrato; 9. Natureza do Fato; 10. Natureza Grupo; 11. IF Proprietária; 12. IF Contratante; 13. Corretora; 14. Correspondente; 15. Cliente; 16. Número Contrato; 17. Moeda; 18 Forma de Entrega da Moeda; 19. Outras Especificações; 20. RDE; 21. Valor Contratado na Moeda Estrangeira (ME); 22. Valor Contratado USD; 23. Valor Liquidado USD; 24. Valor Liquidado ME; 25. Prazo Liquidação em Dias; 26. Percentual Adiantamento; 27. Taxa Câmbio; B) LIQUIDAÇÃO: 1. Data Contratação; 2. Data da Liquidação; 3. Tipo Registro; 4. Compra/Venda; 5. Tipo do Contrato; 6. Natureza; 7. Grupo; IF Proprietária; 8. Corretora; 9. Correspondente; 10. Cliente; 11. Pagador/Recebedor Exterior; 12. País Pagador/Recebedor Exterior; 13. Número do Contrato; 14. Moeda; 15. Forma de Entrega da Moeda; 15. Outras Especificações; 16. RDE; 17. Outras Especificações; 18. Valor Liquidado US$; 19. Valor Liquidado Moeda, e outros conforme extraído do DW, bem como outros registros de manutenção de recursos no exterior, relacionados aos investigados. Os autos devem ser mantidos em sigilo até que todas as medidas sejam efetivadas nestes autos, bem como nos autos nº 5012030-09.2022.4.03.6105. Autorizo o compartilhamento dos dados bancários obtidos neste feito, assim como os dos demais dados obtidos no decorrer da investigação, com os órgãos públicos Receita Federal do Brasil, Controladoria Geral da União, Banco Central do Brasil, Instituto Nacional do Seguro Social, IBAMA e outros, a fim de subsidiar os processos administrativos de atribuição desses órgãos. Defiro, ainda, o afastamento do sigilo fiscal das pessoas abaixo indicadas desde ano-calendário de 2017, até as declarações fiscais mais recentes (exercício 2022): 1. ARNOLDO SILVA VEGGI, CPF 005.536.791-71 2. EDGAR DOS SANTOS VEGGI, 032.368.641-92 3. ALI VEGGI ATALA, 181.825.001-25 4. NOEMIA DAS GRAÇAS SILVA VEGGI, 383.633.801-72 5. BRUNA DAMASCENO VEGGI, 017.232.471-89 6. EDILSON RODRIGUES DE CAMPOS, 395.212.061-87 7. MARCELO DE QUEIROZ MACHADO, 329.876.328-43 8. WAGNER FERNANDO GONÇALVES, 030.392.688-05 9. EDUARDO SEBBEN, CPF: 807.029.700-00 Para tanto autorizo e determino que a Receita Federal: a) forneça as relações de bens declarados de todos os investigados b) elabore relatórios com o cruzamento da renda e do patrimônio declarados pelo investigado, com sua movimentação bancária efetivamente verificada a partir do recolhimento da CMPF e, finalmente, com a análise dos “fatores relacionais” pela Receita Federal (Movimentação Financeira versus Total de Rendimentos Declarados, Variação Patrimonial versus Total de Rendimentos Declarados e outros cruzamentos); c) forneça informações sobre movimentações de cartões de crédito, de compra e venda de imóveis, de veículos e aeronaves; d) indique se os bens móveis e imóveis declarados no IRPF do investigado são compatíveis com a renda declarada; e) indique se a renda e patrimônio declarados pelo investigado são compatíveis com a movimentação bancária no período; f) aponte se o volume total de movimentação anual registrado no DECRED é compatível com a renda declarada; g) encaminhe outras informações disponíveis no “dossiê integrado” da Receita Federal Para cumprimento das medidas acima, a quem caberá a expedição de ofícios e comunicações, bem como o cumprimento das demais diligências requeridas, encaminhem-se os autos à Delegacia de Polícia Federal com as baixas pertinentes, juntamente com os autos do inquérito policial. Ciência ao Ministério Público Federal. Habilite-se os defensores dos investigados, desde que regularmente constituídos. (Id n. 274184023, pp. 294/315, destaques no original) Em representação datada de 24.03.23, a Autoridade Policial requereu a quebra do sigilo bancário e fiscal das empresas supostamente envolvidas com a comercialização irregular de mercúrio e com lavagem de dinheiro (Id n. 274184023, pp. 391/655). Após manifestação favorável do Ministério Público Federal, o Juízo a quo proferiu a seguinte decisão: Trata-se de representação firmada pelo Delegado de Polícia Federal, Dr. DALTON MARINHO VIEIRA JUNIOR, por medida cautelar de afastamento de sigilo bancário e fiscal (ID Num. 279956741). A presente representação é decorrente da investigação iniciada nos autos do inquérito policial nº IPL 2021.0074943 DPF/CAS/SP (PJe nº 5000577-17.2022.4.03.6105), instaurado para apurar a possível ocorrência de crimes ambientais, além do contrabando de mercúrio e, ainda, delito previsto no artigo 288 do Código Penal. Já houve deferimento de medidas de afastamento bancário e fiscal de diversos envolvidos nos delitos sob apuração, conforme decisão de ID 270083165, que trata da representação feita pelo i. Delegado no ID 279956738. Houve, ainda, a decretação de outras medidas cautelares nos autos nº 5012030-09.2022. 4.03.6105. No pedido de ID 279956741, que está sob apreciação, a autoridade policial representa pelo afastamento do sigilo bancário da empresa JS TORRES, bem como do sigilo fiscal das empresas que foram alvo da operação por ocasião de sua deflagração. O Ministério Público Federal manifestou-se no ID 280158757 pelo deferimento das medidas ora pleiteadas, destacando que as empresas elencadas pela Autoridade Policial em sua representação também estão relacionadas de alguma forma com o esquema criminoso, envolvendo o “branqueamento” de mercúrio introduzido de forma criminosa em território nacional e na sua circulação, também ilícita. É o relatório do necessário, fundamento e decido. O cabimento das medidas de afastamento de sigilos bancário e fiscal no ordenamento jurídico brasileiro já foi devidamente analisado na decisão de ID 270083165. Olhos postos ao caso concreto, verifica-se que a empresa JS TORRES funcionou como empresa de fachada, sendo utilizada para a prática delituosa sob investigação. Ademais, já houve denúncia oferecida por práticas de alguns delitos investigados em face de pessoas físicas envolvidas diretamente com a mencionada empresa, o que demonstra a pertinência do pedido de afastamento do sigilo bancário apresentado. Da mesma forma, é necessário para o esclarecimento das investigações o afastamento do sigilo fiscal das pessoas jurídicas listadas pela autoridade policial no ID Num. 279956741 - Pág. 6-7. A utilização das mencionadas empresas e os prejuízos causados pela atuação delas na empreitada investigada também foram analisados pela decisão de ID 270083165, proferida nestes autos, e que, na ocasião, já afastou o sigilo fiscal das pessoas físicas relacionadas a elas e também investigadas pelo inquérito policial. Pelo exposto, defiro, com fulcro no artigo 1º, § 4º, da Lei Complementar no 105/2001, O AFASTAMENTO DO SIGILO BANCÁRIO de todos os bens, direitos e valores mantidos em instituições financeiras, no período de 01/01/2018a 24/03/2023, pela pessoa jurídica relacionada abaixo, diretamente ou por seus representantes legais, responsáveis ou procuradores, de forma individualizada ou em conjunto com outras pessoas: (...) Defiro, ainda, o afastamento do sigilo fiscal das pessoas abaixo indicadas desde ano-calendário de 2017, até as declarações fiscais mais recentes (exercício 2023): 1. ADMF COMERCIO E SERVICOS LTDA – ME - 07.845.581/0001-01 2. ALAIN STEPHANIE MINERAÇÃO - 15.264.439/0001-07 3. APLIQUIM INDUSTRIA COMERCIO E SERVICOS LTDA - 54.097.159/0002 86 4. APLIQUIM INDUSTRIA COMERCIO E SERVIÇOS LTDA - 03.299.417/0001-95 5. BDV TRADING COMERCIO ATACADISTA EIRELI - 35.095.537/0001-67 6. COOPERATIVA DE MINERADORES E GARIMPOS DA REGIAO DE ARIPUANÃ 36.084.594/0001-03 7. HIPOSAL COMERCIO DE PRODUTOS QUIMICOS E TRATAMENTO DE AGUA LTDA ME - 23.203.470/0001-58. 8. IMOBILIARIA PAIAGUAS LTDA - 11.009.202/0001-10 9. IMOBILIARIA SATELITE LTDA - 11.077.409/0001-22 10. METALMS INDUSTRIAL BRASILEIRA DE METAIS LTDA - 08.049.419/0001-40. 11. NOTHI COMERCIAL LTDA - 05.689.394/0001-50 12. QUIMAR COMERCIO DE PRODUTOS QUIMICOS E TRATAMENTO - 11.387.627/0001-63 13. R2 TRANSPORTES E TERRAPLENAGEM LTDA - 37.907.613/0001-17 14. SALINAS GOLD MINERAÇÃO LTDA - 03.212.955/0001-09 15. VM MINERAÇÃO E CONSTRUÇÃO EIRELI – EPP - 03.121.422/0001-03 Para tanto autorizo e determino que a Receita Federal: a) forneça as relações de bens declarados de todos os investigados b) elabore relatórios com o cruzamento da renda e do patrimônio declarados pelo investigado, com sua movimentação bancária efetivamente verificada a partir do recolhimento da CMPF e, finalmente, com a análise dos “fatores relacionais” pela Receita Federal (Movimentação Financeira versus Total de Rendimentos Declarados, Variação Patrimonial versus Total de Rendimentos Declarados e outros cruzamentos); c) forneça informações sobre movimentações de cartões de crédito, de compra e venda de imóveis, de veículos e aeronaves; d) indique se os bens móveis e imóveis declarados no IRPF do investigado são compatíveis com a renda declarada; e) indique se a renda e patrimônio declarados pelo investigado são compatíveis com a movimentação bancária no período; f) aponte se o volume total de movimentação anual registrado no DECRED é compatível com a renda declarada; g) encaminhe outras informações disponíveis no “dossiê integrado” da Receita Federal. Para cumprimento das medidas acima, a quem caberá a expedição de ofícios e comunicações, bem como o cumprimento das demais diligências requeridas, encaminhem-se os autos à Delegacia de Polícia Federal com as baixas pertinentes, juntamente com os autos do inquérito policial. Ciência ao Ministério Público Federal. Id n. 274184023, pp. 671/679) A impetrante aduz que a excessiva amplitude da quebra de sigilo fiscal, que abrange o ano-calendário 2017 até o atual Exercício 2023, confirma tratar-se de fishing expedition considerando-se ter havido apenas duas isoladas aquisições de mercúrio, uma da ADMF em maio de 2019 e outra da JS Torres em novembro de 2020. O inexplicável lapso temporal relaciona-se com a inexistência de vinculação temática, pois na realidade as relações entre as empresas suspeitas já são objeto de quebra de sigilo bancário. Sendo assim, ao mesmo tempo em que fica evidente tratar-se de “pescaria probatória”, configura-se ofensa à Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, pois em vez de a investigação quanto a essa espécie de crime depender do exaurimento da instância fiscal, o que se verifica é a autoridade responsável pela investigação provocar a Receita Federal, fazendo-a como que um membro ou um braço a seu serviço. Esse procedimento contradiz, conforme entende a impetrante, o art. 6º da Lei Complementar n. 105/01, o qual exige processo administrativo-fiscal regularmente instaurado para que a Receita Federal se habilite a fazer suas pesquisas e os cruzamentos de dados assim coligidos. Acrescenta a impetrante que a decisão impugnada equivoca-se em sua premissa, qual seja, de que a quebra de sigilo fiscal de outros contribuintes supostamente envolvidos consistiria em fundamento suficiente para decretar, em consequência, a quebra de sigilo fiscal da própria impetrante. A erronia da premissa invalida a conclusão dela extraída, a resultar em decisão carente de fundamentação, que se prestaria a qualquer outra parte, o que é proibido tanto pelo art. 315, § 2º, II, do Código de Processo Penal quanto pelo art. 489, § 1º, III, do Código de Processo Civil, igualmente aplicável (CPP, art. 3º). Por fim, adiciona não haver demonstração da imprescindibilidade da medida que atinge sensível direito da impetrante. Em que pesem as alegações da impetrante, entendo não ser caso de se conceder a ordem postulada. A decisão que decretou a quebra do sigilo bancário foi proferida em função de representação da Autoridade Policial, por seu turno instruída com extenso material probatório, ademais decorrente de investigação que a antecedeu. Trata-se, pelo que se pode depreender, de apurar o comércio ilegal de mercúrio, que é introduzido no País clandestinamente, mediante fraudes que se perpetram por meio da constituição de empresas de fachada, as quais teriam créditos nos sistemas próprios dos órgãos competentes. Embora o mercúrio seria obtido mediante a recuperação de lâmpadas, sua absurda quantidade acabou por revelar todo um esquema fraudulento, o qual culmina, como é evidente, em dano ambiental. Ao contrário do que talvez suponha a impetrante, a investigação trabalha sob a hipótese de que o mercúrio comercializado dessa maneira escusa, dessa mesma maneira proporcione a extração mineral com consequências danosas para o meio ambiente ao mesmo tempo que produz, em contrapartida, ganhos em descompasso com o custo, supostamente mais elevado, caso toda essa cadeia de “produção” de riqueza observasse e respeitasse, com veracidade, suas respectivas fases. Dito de outro modo, com mais simplicidade, a investigação concerne não apenas a um particular aspecto (contrabando) dessa atividade, mas compreende também o emprego do material contrabandeado. Talvez por esse quadro, não sem razão a impetrante apresenta neste mandado de segurança suas credenciais quanto à licitude de sua atividade. Merece referência a juntada de laudo pericial para afastar de si a hipótese de que, malgrado a compra pontual do mercúrio, cometesse qualquer irregularidade; ou seja, pretende demonstrar que não se trata de “garimpo ilegal” sob nenhum aspecto. Mas é necessário considerar que o mandado de segurança não é via adequada para a dilação probatória, controvérsia sobre fatos etc. Seria inviável reconhecer, neste writ, a própria legitimidade da extração mineral realizada pela impetrante, como é intuitivo. Restabelecida a ordem pela qual a investigação foi instaurada e apreendidos os elementos indiciários que dela fazem parte, pode-se concluir que a decisão que deferiu a quebra de sigilo bancário não consubstancia fishing expedition. Não destoa do usual decretar a quebra de sigilo fiscal no período de tempo correspondente ao da atividade hipoteticamente delitiva objeto da investigação (2017-2023). Por essa razão, não medra o argumento segundo o qual esse período seria excessivamente dilatado, à vista de a impetrante ter adquirido somente em duas oportunidades, conforme aduz, mercúrio das demais investigadas (2019, 2020), pois a investigação não se restringe a apurar eventual irregularidade de um ou outro lançamento na escrita fiscal concernente a esses negócios; trata-se, como dito acima, de investigar o comércio ilícito de mercúrio mediante empresas de fachada, o qual supostamente pode ter ocasionado ganhos desproporcionais, além do dano ambiental. Dado que a impetrante com alguns outros adquirentes, à certa altura representam cerca de 50% (cinquenta por cento) dessas transações, não se pode dizer, sem nenhum desconto, que faltaria fundamento razoável para se apurar o que de fato sucedeu. Por sua vez, em que pese um sem-número de determinações judiciais feitas à Receita Federal, o que delas sinteticamente resulta é que desse órgão é solicitado o encaminhamento de informações das quais é detentor. Assim ocorre com a análise patrimonial, receitas e despesas, origem dos bens; são dados constantes das declarações e outros registros, além daqueles que a Receita Federal detém por intermédio do Dossiê Integrado, que reúne dados dispersos do mesmo órgão; é, também assim, no que tange ao Decred – Declaração com Operações com Cartão de Crédito, sem excluir, desse universo, informações sobre movimentação financeira. Aqui cabem algumas considerações particulares. De fato, a Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal dispõe que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV da lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. Isso significa não ser possível a instauração da ação penal por crime dessa espécie e, ainda que se estenda essa compreensão para a instauração de inquérito policial, essa compreensão não abrange outros crimes que não os previstos na Lei n. 8.137/90. E não é novidade obter informações fiscais para a apuração de diversos crimes, como de corrupção, de lavagem etc. A representação da Autoridade Policial, endossada pela decisão aqui impugnada, aponta para o uso de empresas de fachada que mascaram o comércio ilícito de mercúrio, com a consequente obtenção de ganhos ilícitos e danos ambientais. Quedando-se a impetrante num elo relevante dessa cadeia, não parece destituída de fundamentação a quebra de sigilo fiscal nos termos da decisão impugnada. Diante dessas considerações, não há falar em ofensa ao art. 6º da Lei Complementar n. 105. Esse dispositivo outorga a determinados agentes a competência para examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Mas a atribuição dessa competência, conforme seus requisitos específicos, às autoridades ou aos agentes fiscais em nada diminui o poder jurisdicional de que estão investidos os juízes. Não se deve confundir uma coisa com outra. A decisão judicial faz referência à impetrante e à circunstância de estar ela entre os grandes adquirentes de mercúrio ilícito. Essa referência deve ser contextualizada tanto na representação quanto na decisão judicial para que seja compreensível. A contextualização torna improcedente a invocação do art. 315, § 2º, II, do Código de Processo Penal. Pois não se trata de extrair uma relação entre premissa e consequência, isto é, por ter sido decretada a quebra de sigilo fiscal de certas pessoas em consequência também deve ser decretada em relação à impetrante. Ao contrário: há um indício, isto é, um fato provado (compra expressiva de mercúrio ilícito) com base no qual se formula uma hipótese para a descoberta de outros fatos (delitivos), a saber, o envolvimento da impetrante num intrincado esquema criminoso. Isso não significa que a impetrante, de fato, perpetrou qualquer crime; o que se quer dizer é apenas que a medida, ao tempo em que editada, contou com fundamentação razoável. Daí não se tratar de fishing expedition. Ante o exposto, DENEGO a segurança pleiteada por Salinas Gold Mineração Ltda. É o voto.
ITEM NOME CPF/CNPJ 1 JS TORRES 33.170.269/0001-75
E M E N T A
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO PENAL. QUEBRA DE SIGILO FISCAL. COMÉRCIO ILÍCITO DE MERCÚRIO. EMPRESAS DE FACHADA. EMPRESA ADQUIRENTE. PERTINÊNCIA DA INVESTIGAÇÃO. ORDEM DENEGADA.
1. A circunstância de a impetrante ser contada dentre os maiores adquirentes de mercúrio cuja internação ilícita no País não é controvertida e torna razoável que seja incluída no âmbito das investigações que abrangem, não apenas a internação, mas sua ulterior comercialização e efetivo uso em garimpos, cuja legalidade ou ilegalidade é matéria que demanda dilação probatória incompatível com o writ.
2. A Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal reclama a constituição do crédito tributário para a tipificação da sonegação fiscal, mas não impede que as autoridades fiscais forneçam ao Poder Judiciários informações de que dispõem em consequência das declarações de rendimentos ou outras obrigações fiscais, sem prejuízo do cruzamento de dados a ela disponíveis. A Lei Complementar n. 105/01, art. 6º, não estiola o poder jurisdicional.
3. Ordem denegada.