Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001135-26.2021.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: GERSON DAMASCENO DOS SANTOS

Advogados do(a) APELANTE: DANILO DIAS TICAMI - SP302617-A, DENYS RICARDO RODRIGUES - SP141720-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001135-26.2021.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: GERSON DAMASCENO DOS SANTOS

Advogados do(a) APELANTE: DANILO DIAS TICAMI - SP302617-A, DENYS RICARDO RODRIGUES - SP141720-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

 

 R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pela defesa do acusado Gerson Damasceno dos Santos contra a sentença que o condenou a 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do delito do art. 334-A, caput, c. c. o art. 14, II, ambos do Código Penal, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena substituída, na forma definida pelo Juízo de Execução Penal, bem como prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos, com destinação a ser estabelecida em conformidade com a Resolução CNJ n. 154/12 (Id n. 269265818).

Recorre com os seguintes argumentos:

a) é devida a absolvição por manifesta atipicidade do delito e inidoneidade da tentativa, com fundamento no art. 17 do Código Penal e no art. 386 do Código de Processo Penal, considerando a falta de habilitação radar da Gerson Damasceno dos Santos EPP para utilizar o Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX);

b) trata-se de circunstância extremamente relevante, uma vez que a falta dessa autorização implica na absoluta ineficácia do meio utilizado pelo agente, constituindo uma tentativa impunível, nos termos do art. 17 do Código Penal;

c) a conduta imputada ao acusado nunca poderia ser consumada, pois, em nenhum momento, poderia tomar posse da mercadoria, considerando que não tinha autorização para realizar operações de importação e, sendo assim, o bem jurídico tutelado pela norma penal (Administração Pública) nunca esteve sob risco de lesão;

d) não se trata de mera tentativa, uma vez que a importação de mercadoria ilícita pelas vias ordinárias regulares apenas estaria consumada com sua retirada, ou seja, quando ultrapassada a fiscalização alfandegária, o que apenas seria viável se o acusado tivesse autorização para realizar a operação;

e) o mero conhecimento da necessidade do radar pelo acusado não implica em possibilidade de consumação delitiva apta a afastar ocorrência do crime impossível, na medida em que a ausência dessa autorização ainda terminaria por obstar a retirada da carga;

f) está caracterizado o erro de tipo previsto no art. 20 do Código Penal, à vista do desconhecimento da natureza proibida da mercadoria, impondo-se sua absolvição por aplicação do princípio in dubio por reo, a teor do art. 386, III, do Código de Processo Penal;

g) em interrogatório, o acusado reiterou que não tinha conhecimento da necessidade de radar para realizar operação de importação da mercadoria, o que tomou conhecimento apenas com a dificuldade para retirá-la das autoridades fazendárias;

h) Gerson não tinha ciência de que a mercadoria era proibida, tendo em vista que tinha “ ‘negociado mantas de fibras sintéticas 100% poliéster com desenhos comuns, desenhos populares de bichos e flores (paisagens), sem nenhum tipo de marca registrada apostada nas mercadorias’ (Página 8 do ID 45134842)” (Id n. 271351454, p. 10);

i) revela-se contraditório e ilógico que o imputado tentaria liberar a carga após seu bloqueio, caso tivesse ciência da ilicitude da mercadoria, o perdimento por inatividade após 60 (sessenta) dias (quando passa a ser considerada abandonada) seria mais pertinente do que correr o risco de ser incriminado pelo delito do art. 334-A do Código Penal;

j) não se entrevê a existência de dolo do acusado, pois além de não existir provas de que teria experiência em atividades relacionadas a importação, tampouco se verificou que estava ciente do caráter ilícito da mercadoria trazida em empresa de sua titularidade;

k) as testemunhas de acusação declararam que não tiveram contato com Gerson, sendo incapazes de confirmar a hipótese acusatória de que o acusado tivesse ciência da natureza proibida das mercadorias;

l) além de não saber da necessidade de radar para completar a operação, Gerson não tinha movimento em seu galpão, conforme declarou a testemunha Davi;

m) o acusado Gerson foi vítima de um golpe, uma vez que, inexperiente no segmento, foi ludibriado a investir em mercadorias de natureza diversa da que tinha efetivamente se disposto a comprar e que nunca recebeu;

n) qualquer ponderação baseada na condição de sócio-proprietário da pessoa jurídica importadora não resulta na conclusão de que tinha ciência da ilicitude da mercadoria trazida, sob pena de configurar responsabilidade penal objetiva, não acolhida pelo ordenamento jurídico penal brasileiro;

o) é devida a desclassificação da conduta descrita na denúncia para o delito do art. 190 da Lei n. 9.279/96, por aplicação do princípio da especialidade;

p) requer-se seja declarada a extinção da punibilidade pela decadência, tendo em vista que os crimes previstos na Lei 9.279/96 são de ação penal privada (art. 199 da Lei 9.279/96) e “as marcas que confirmaram a contrafação deixaram de propor queixa-crime no tempo hábil de seis meses contados do conhecimento da autoria delitiva (CP, art. 107, IV, c.c. art. 103 e CPP, art. 38 c.c. art. 61)” (Id n. 271351454, p. 18);

q) mantida a condenação, requer-se que a redução de pena decorrente do cometimento do delito na modalidade tentada corresponda a 2/3 (dois terços), considerando o intenso controle alfandegário que obstou sua consumação (Id n. 269265826 e 271351454).

Não foram apresentadas contrarrazões recursais pelo Ministério Público Federal.

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Stella Fátima Scampini, manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação defensivo (Id n. 271811994).

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

 

 


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001135-26.2021.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: GERSON DAMASCENO DOS SANTOS

Advogados do(a) APELANTE: DANILO DIAS TICAMI - SP302617-A, DENYS RICARDO RODRIGUES - SP141720-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

 

 V O T O

 

Imputação. Gerson Damasceno dos Santos foi denunciado pela prática do delito do art. 334-A, c. c. o art. 14, II, ambos do Código Penal, pelos seguintes fatos:

 

1. DOS FATOS

Consta dos autos que, no dia 29/04/2016, no Porto de Santos – SP, o denunciado GERSON DAMASCENO DOS SANTOS, na condição de responsável legal da empresa GERSON DAMASCENO DOS SANTOS – EPP, inscrita no CNPJ sob o n.º 11.366.985/0001-90, tentou importar mercadorias proibidas, não consumando o crime por circunstâncias alheias a sua vontade.

De acordo com o que consta da Representação Fiscal para Fins Penais – RFPFP n.º 11128.722108/2016-11 (mídia digital juntada às fls. 04 do Apenso I), a pessoa jurídica GERSON DAMASCENO DOS SANTOS – EPP, na qualidade de consignatária da carga apreendida no interior do contêiner UASU 103.989-7 (fls. 33/35 da mídia digital juntada às fls. 04 do Apenso I), inseriu ou fez inserir na CE Mercante n.º 151605037961128, declaração falsa e diversa da que deveria constar, com o intuito de importar mercadoria proibida.

Nesse sentido, no CE Mercante n.º 151605037961128 constava a informação de que a carga seria integralmente composta por roupas de cama NCM 6302. Entretanto, durante procedimento regular de fiscalização efetuado por servidores da Alfândega do Porto de Santos/SP (Termo de Verificação Fiscal – fls. 18/32 da mídia digital juntada às fls. 04 do Apenso I), foi verificado que a carga amparada pela referida CE Mercante não correspondia ao declarado, sendo composta, na verdade, por cobertores ostentando reproduções de marcas famosas diversas, mundialmente reconhecidas.

A fim de atestar a autenticidade dos produtos, foram contatados os representantes das marcas encontradas nos cobertores apreendidos durante a fiscalização. Em resposta, os representantes afirmaram categoricamente e inequivocadamente, que a totalidade da amostra imita padrões utilizados em seus produtos, conforme pode ser verificado das manifestações juntadas aos autos da RFPFP nº 11128.722108/2016-11 (fls. 40/191 e 200/2015 da mídia digital juntada às fls. 04 do Apenso I).

O denunciado, na condição de responsável legal da empresa consignatária da carga, foi intimado a apresentar a documentação relativa ao uso das marcas encontradas na carga, porém quedou-se inerte, resultando no decreto de perdimento da carga, avaliada em R$ 404.531,00 (quatrocentos e quatro mil quinhentos e trinta e um mil reais) (fl. 249 da mídia digital juntada às fls. 04 do Apenso I).

2. MATERIALIDADE E AUTORIA

A materialidade delitiva restou comprovada pelos documentos e informações que constam da Representação Fiscal para Fins Penais – RFPFP n.º 11128.722108/2016-11 (mídia digital juntada às fls. 04 do Apenso I), especificamente o Termo de Verificação (onde são visualizadas as fotografias das mercadorias contrafeitas apreendidas), o Auto de Infração e os Laudos (que atestaram a inautenticidade das marcas estampadas nas cargas apreendidas, apresentados pelos representantes legais das marcas).

A Autoria é igualmente inconteste.

O acusado GERSON DAMASCENO DOS SANTOS, foi ouvido pela Autoridade Policial (fls. 118/122 do IPL), confirmou que à época era o responsável legal da empresa GERSON DAMASCENO DOS SANTOS – EPP e que de fato entabulou a importação das mercadorias apreendidas pela Receita Federal, embora tenha alegado desconhecer que se tratavam de falsificações de marcas famosas. Outrossim, confirmou que sua empresa não detém autorização para o uso das marcas MATTEL, THE CARTOON NETWORK, VIACOM INTERNACIONAL e IBG BORROWER LLC. Por fim, afirmou que, na tentativa de liberar suas cargas apreendidas, passou procuração para algumas pessoas, admitindo a possibilidade de que uma delas tenha sido a pessoa de Helder Fonseca Pomaro.

A afirmação do denunciado vai ao encontro das declarações de Helder Fonseca Pomaro (fls. 114/115 do IPL), no sentido de que a empresa GERSON DAMASCENO DOS SANTOS – EPP de fato existia e possuía um galpão na Zona Sul de São Paulo. A testemunha declarou que foi procurado por uma pessoa denominada Idel, que se intitulou sócio da empresa GERSON DAMASCENO DOS SANTOS – EPP, e contratou o declarante para realizar serviços de despacho aduaneiro, visando a liberação de mercadorias que estavam apreendidas pela Receita Federal no Porto de Santos – SP.

Já Rafael Garcia, representante legal da empresa ROYAL AGENCIAMENTO DE CARGAS, apresentou petição escrita instruída com documentos (fls. 31/73 do IPL), por meio da qual afirma que foi contratado pelo exportador, por meio de sua parceira comercial na China (a pessoa jurídica TOP GEAR SHIPPING) para efetivar a liberação da mercadoria para o consignatário final da carga, a empresa GERSON DAMASCENO DOS SANTOS – EPP. Que posteriormente foi contatado por Helder Fonseca Pomaro, que afirmou representar a empresa GERSON DAMASCENO DOS SANTOS – EPP, o qual solicitou a alteração do HBL, para o fim de alterar a empresa originalmente consignatária para DELTA CARGO S.R.L., com endereço na Bolívia.

Como se vê, não há que se falar em desconhecimento das operações fraudulentas por parte do denunciado GERSON, visto que, por atuar no ramo de importação e exportação, detinha conhecimento acerca do funcionamento das operações de comércio exterior. Ademais, o próprio denunciado admitiu, em seu termo de declaração, ser o real responsável pela empresa GERSON DAMASCENO DOS SANTOS – EPP, real consignatária das mercadorias apreendidas pela Receita Federal, e que na tentativa de liberar sua carga, assinou procurações autorizando que outras pessoas atuassem no processo de liberação junto a Receita Federal. (destaques originais, Id n. 269265201, pp. 2-5)

 

Do processo. O Ministério Público Federal deixou de propor Acordo de Não Persecução Penal – ANPP, por não se revelar suficiente à reprovação e à prevenção do crime, considerando que “o acusado apresenta diversas ações penais em curso em razão da prática de crimes de contrabando, descaminho, falsidade e outros” (Id n. 269265327). Juntou documentos (Id n. 269265382, 269265384 e 269265387).

Materialidade. A materialidade delitiva encontra-se satisfatoriamente demonstrada pelos seguintes elementos de convicção:

a) Laudo de Constatação referente ao Contêiner UASU 103.989-7, realizado sobre cobertores retidos pela Receita Federal do Brasil na Alfândega do Porto de Santos (SP), reproduzindo os personagens “Peppa Pig”, de titularidade da Entertainment One Limited UK, o qual concluiu que “os produtos em questão não foram fabricados pelo titular dos direitos de propriedade intelectual referentes aos personagens ‘PEPPA PIG’, nem por empresa licenciada ou autorizada para tanto (...) não integram a gama de produtos explorados pela ENTERTAINMENT ONE LIMITED UK, sendo sua origem desconhecida” (Id n. 269265204, p. 38);

b) Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (Id n. 269265208, pp. 2-18);

c) Representação Fiscal para Fins Penais (Id n. 269265208, pp. 20-34);

d) Termo de Verificação (Id n. 269265202, pp. 25-33 e Id n. 269265203, pp. 1-7);

e) constatação da contrafação dos cobertores apreendidos pela The Cartoon Network Inc. (Id n. 269265203, pp. 19-20).

De acordo com o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal, os fatos deram-se do seguinte modo:

 

DO SUJEITO PASSIVO

(...)

O transportador, em cumprimento à citada obrigação legal, no caso a ROYAL AGENCIAMENTOS DE CARGAS LTDA. EPP, registrou o nome da empresa GERSON DAMASCENO DOS SANTOS - EPP e o seu respectivo CNPJ no campo CONSIGNATÁRIO do documento de transporte eletrônico, CE-Mercante nº 151605037961128, o que, de acordo com as normas vigentes, mormente o art. 554 do Decreto 6.759/2009, faz prova de propriedade das mercadorias ora apreendidas, e coloca a empresa GERSON DAMASCENO DOS SANTOS - EPP no polo passivo deste auto de infração.

(...)

DA ANÁLISE DE RISCO

Em observação aos parâmetros objetivos de controle de cargas congêneres da espécie, detectou-se possibilidade de eventual falsa declaração no CE 151605037961128, fls. 33/35, em relação à carga.

Em análise aos parâmetros subjetivos relacionáveis ao consignatário da carga, o potencial de risco foi sobremaneira asseverado. Tendo em vista a constatação da existência de registros de várias ocorrências, na base de dados da Receita Federal, apontando infrações e falsidades em documentos aduaneiros e fiscais, em cargas similares e/ou idênticas às ora apreendidas (ocorrências, fls. 02/03 e 36).

Porém, determinante para a consecução da presente ação fiscal, foi a solicitação de retificação do referido CE, registrada, no Sistema Carga, pelo agente de carga Royal Agenciamento de Cargas, em 27.04.2016. (Vide CE tentativa de retificação, fls. 04/06), com a justificativa “SOLICITAÇÃO POR PARTE DO IMPORTADOR”. Mediante a qual pretendia-se alterar o atual consignatário nacional, a autuada, para um outro consignatário radicado na Bolívia. Contudo, tal solicitação de retificação do CE não comportou aceite automático pelo Sistema Carga, dado o grau de risco envolvido, ocorrendo na verdade o bloqueio automático do CE. Em vista disso, tal retificação foi novamente solicitada, desta feita, o citado agente de carga fez uso da via dita manual, mediante o processo administrativo 10120.000891/0516-73, fls. 07/11.

Em vista dos indícios de irregularidades percebidas até o momento da análise dessa última solicitação, a fiscalização indeferiu o pleito de retificação do CE, no Sistema Carga.

Ademais, segundo o apurado pela fiscalização, a autuada protocolizara pedido de habilitação ao comércio exterior, junto à Delegacia Especial de Comércio Exterior (DELEX) da Receita Federal, em 17.03.2016. Em 18.04.2016, o referido pedido foi indeferido. Ou seja, a partir de tal data, não subsistiria mais a possibilidade de autuada prosseguir com o despacho aduaneiro da carga ora retida.

(...)

Assim tínhamos, como elementos de risco:

• uma carga que apresentou elementos objetivos díspares aos que deveriam ter sido observados;

• um consignatário cujo histórico de risco aduaneiro apontava para maior sensibilidade no exame de cargas similares e/ou idênticas às ora apreendidas;

• a observação da impossibilidade de que a operação fosse levada a efeito por tal consignatário, em vista d'ele não possuir habilitação para atuar em comércio exterior, junto à Receita Federal;

• o novo destino solicitado para a entrega da carga, a Bolívia, possuir como ponto de fronteira com o Brasil a cidade de Corumbá, sob jurisdição de controle aduaneiro da IRF Corumbá, unidade da RFB que registrou todas as ocorrências de irregularidades envolvendo o sócio responsável pela autuada, o Sr. GERSON DAMASCENO DOS SANTOS, CPF 218.626.678-45. Denotando que a carga apreendida poderia ser objeto de nova ação infracional, não apenas pelo destino em si, mas por tudo até aqui relatado;

logo, em vista dos elementos antes apontados, tornou-se imperioso que a fiscalização procedesse à verificação física da carga. Para isso, efetuou novo bloqueio do CE, em 28.04.2016, a fim de que pudesse prosseguir com suas investigações. A justificativa da necessidade de novo bloqueio fundamenta-se no fato de que o procedimento de indeferimento de retificação solicitada, no sistema Carga, tem o efeito de, apesar de não acatar a solicitação, desbloquear o CE. Ato não aceitável pela fiscalização, àquela altura dos fatos. E, não somente a carga precisaria ser verificada fisicamente, mas toda a documentação de transporte também deveria ser analisada. Para tanto, a fiscalização amealhou, junto ao recinto alfandegado (Terminal Localfrio) em que a carga estava depositada, cópia da documentação entregue àquele recinto, fls. 16/17.

DA VERIFICAÇÃO FÍSICA E DO BLOQUEIO DA CARGA

Dentro do procedimento regular de monitoramento, foram selecionadas para conferência física as cargas amparadas pelo conhecimento de transporte eletrônico CE-Mercante nº 151605037961128, fls. 33/35, armazenadas no Terminal Localfrio.

Por ocasião da abertura dos volumes verificou-se que a carga não condizia ao declarado. Pois fora declarado genericamente no CE 151605037961128 tratar-se de ROUPAS DE CAMA, Posição de NCM1 6302, porém, verificou-se que na verdade a carga era composta apenas de COBERTORES, Posição de NCM 6301 (vide OVR, fls. 18, e fotos, fls. 19/32).

A prática de fuga da classificação na Posição de NCM 6301 tem explicação no fato de que as mercadorias nela enquadráveis podem, eventualmente, estar passíveis de exigência de recolhimento de direitos anti-dumping.

Constatou-se, ainda, que grande parte da carga era composta de produtos ostentando a reprodução de marcas famosas, cujos direitos marcários poderiam estar protegidos por representantes dos detentores delas no Brasil.

Constatadas tais irregularidades, no intuito de aprofundar a análise do despacho, apesar de a carga já contar com bloqueio automático, a fiscalização efetuou novo bloqueio da carga (como relatado no item anterior) e determinou ao Terminal Alfandegado o completo saneamento dos produtos existentes para fins da completa identificação e quantificação das mercadorias.

(...)

DA FALSA DECLARAÇÃO DE CONTEÚDO

Da unidade de carga UASU 103989-7, segundo informações inseridas no CEMercante nº 151605037961128, fls. 33/35, deveriam constar apenas ROUPAS DE CAMA, Posição de NCM 6302.

Assim, pelas informações declaradas – descrição e posição na NCM – não haveria na carga nenhuma mercadoria classificada como COBERTORES, pois não consta do conhecimento a Posição de NCM 6301, específica para estes tipos de artigos e tampouco qualquer menção a tais tipos de produtos no campo descrição.

É fato que a Instrução Normativa RFB nº 800/2007, que dispõe sobre o controle aduaneiro informatizado da movimentação de embarcações, cargas e unidades de carga nos portos alfandegados, estabelece as informações que deverão ser prestadas no Siscomex-Carga pelos intervenientes à RFB, entre as quais estão a descrição e a relação dos NCM´s das mercadorias que deverão ser obrigatoriamente incluídas no conhecimento eletrônico (CE), definido pela mesma Instrução Normativa, no inciso XI de seu Art. 2º como:

XI - conhecimento eletrônico (CE), declaração eletrônica das informações constantes do conhecimento de carga (Bill of Lading - BL), informado à autoridade aduaneira na forma eletrônica, mediante certificação digital do emitente; (Redação dada pela Instrução Normativa RFB nº 1.473, de 2 de junho de 2014) .

(...)

Conforme estabelece a citada Instrução Normativa em seu artigo 38, no ato do registro da DI, o Importador deve utilizar a descrição e NCM informadas no sistema Carga:

“Art. 38. Serão observadas as seguintes condições cumulativas para a efetivação do registro da DI, DSI (...)

II - o consignatário da carga deverá ser o importador identificado na declaração;

III - os dados informados na declaração para despacho aduaneiro deverão ser compatíveis com os informados no respectivo CE;”

Desta feita, no ato do registro da Declaração de Importação o consignatário da carga informado pelo Agente de Carga por meio de certificação digital converte-se na figura do importador para fins de Declaração de Importação, sendo que este não conseguiria efetivar o registro de Declaração de Importação onde constasse posições de NCM e respectivas descrições de mercadorias diversas daquelas constantes do CE-Mercante.

Se do Conhecimento Eletrônico vinculado à carga não constam informações necessárias ao correto tratamento tarifário das mercadorias, é dizer, as informações ali constantes não fazem nenhuma menção à natureza dos produtos existentes na carga, quer no campo descrição, quer no campo NCM, é certo que o intuito do importador é um só: omitir da RFB e dos órgãos anuentes as mercadorias existentes no interior da unidade de carga.

DA PENALIDADE DE PERDIMENTO POR FALSA DECLARAÇÃO DE CONTEÚDO

Assim, e considerando que constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte de pessoa física ou jurídica, de norma estabelecida na legislação aduaneira, e considerando a divergência entre os produtos declarados no conhecimento eletrônico de transporte (CE-Mercante) e os encontrados durante a verificação física, restou configurada a hipótese tipificada em lei como falsa declaração de conteúdo, apenada com o perdimento das mercadorias, prevista no inciso XII, do art. 105, do Decreto-Lei nº 37/66, regulamentada pelo inciso XII e § 4º do artigo 689 do Decreto.

(...)

MERCADORIA QUE APRESENTE CARACTERÍSTICA ESSENCIAL FALSIFICADA (CONTRAFAÇÃO)

Conforme mencionado, na exposição de justificativa de verificação física das mercadorias existentes no CE-Mercante nº 151605037961128, a fiscalização constatou a existência de produtos que aparentavam ser objeto de violação da propriedade intelectual de diversas empresas, contactando, ato contínuo, os representantes das marcas encontradas para retirada de amostra de tais produtos, de forma a atestar ou não a autenticidade deles.

Posteriormente, confirmando a suspeita da fiscalização, os representantes das marcas apresentaram a esta Alfândega, laudos em que afirmam, categórica e inequivocamente, que a totalidade das amostras periciadas imita padrões utilizados em produtos cujas marcas são por eles representadas e defendidas, sendo, portanto, incontestavelmente contrafeitos (fls. 40/191 e 200/215).

(...)

DA PENALIDADE DE PERDIMENTO POR CARACTERÍSTICA FALSIFICADA

Do exposto, resta claro, em vista das manifestações dos detentores dos direitos marcários, por meio de seus representantes legais, que os itens que imitam marcas famosas acondicionados na unidade de carga em questão são falsificados e, portanto, materializam a hipótese infracional prevista no inciso VIII, do art. 105, do Decreto-Lei nº 37/66, que impõe a pena de perdimento das mercadorias:

(...)

DA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS

Assim, diante do contexto acima exposto, tornou-se imperioso à fiscalização averiguar a situação da presente carga. Temendo que a autuada pudesse envidar qualquer manobra que tivesse o fito de esquivar-se dos controles aduaneiros devidos, a fiscalização bloqueou o CEMercante nº 151605037961128, fls. 02/04. A fim de que se pudesse afastar ou ratificar as suspeições em curso, lavrou-se o Termo de Intimação EQODI/DIVIG nº 002/2016 – fls. 192, cientificado à autuada em 19.05.2016 [Processo 10120.005839/0416-41, fls. 193].

A autuada NADA respondeu ao que lhe fora intimado.

Por mais que a alegação da autuada pudesse ser a de que não seria a real consignatária da carga, na ocasião em que lhe fora oportunizado afastar cabalmente a suspeição de que não estaria se prestando a ocultar o(s) real(is) adquirente(s) da carga, não o fez. Desperdiçou a chance de comprovar não ser uma empresa de fachada.

Pois, ao se tentar examinar os mínimos elementos que pudessem corroborar a sua existência de fato, é de se observar que eles praticamente inexistem, pois:

não há comprovação de recolhimento de contribuições previdênciárias (GFIP), fls. 194, para os dois últimos anos calendários, o que suscita não dispor de funcionários;

• apresentou todas as Apurações de Recolhimento do SIMPLES (PGDAS) ZERADAS para os anos-calendário de 2014, 2015 e 2016. Sendo que as transmissões das apurações dos ano-calendários 2015 e 2016 foram efetuadas todas no dia 08.06.2016, muito provavelmente a fim de se que obtivesse um mínimo ateste de regularidade junto ao fisco federal. Logo é de se pressupor que não efetuou nenhuma atividade econômica nos interregnos citados, no âmbito do Simples; e

não tem emitido Notas Fiscais Eletrônicas (NF-e), embora esteja sujeita à obrigatoriedade total de emiti-las em suas transações (fls. 198), desde 01.04.2010.

Talvez já escaldada pelas autuações anteriores, a autuada optou por não produzir mais provas contra si mesma, na presente ocasião. Nas outras autuações anteriores, devido ao fato de a fiscalização ter amealhado os documentos instrutórios das transações, notadamente as faturas comerciais e as notas fiscais, foi possível constatar, também, a prática do crime, em tese, de falsidade de ideológica objetivando o aviltamento dos valores nelas contidos. Porém, ao se omitir de se defender, deu azo à ratificação da tese de presunção de interposição fraudulenta.

DA FRAUDE DE OCULTAÇÃO DE SUJEITO PASSIVO (INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA PRESUMIDA)

Esclareça-se que a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) estabeleceu requisitos e condições para a atuação de importadores que adquirem mercadorias no exterior para revenda a encomendante predeterminado com a publicação da IN SRF nº. 634, de 24/03/2006.

Entre os requisitos e as condições estabelecidos na IN SRF nº. 634/2006, há a obrigatoriedade, para o importador contratado, da prestação à Administração Aduaneira, através da declaração de importação, do número de inscrição no CNPJ do encomendante predeterminado, nos termos do seu art. 3º, transcrito abaixo:

(...)

Outrossim, para o registro da declaração de importação nos modos do artigo acima, há a obrigatoriedade, para o encomendante predeterminado, da vinculação do importador contratado ao próprio encomendante predeterminado, no SISCOMEX, nos termos do art. 2º. Da mesma IN, transcrito abaixo:

(...)

A inobservância das obrigações tributárias acessórias estabelecidas nos artigos mencionados acima pelo encomendante predeterminado e pelo importador contratado, tem como consequência a ocultação do real comprador da mercadoria estrangeira – o seu encomendante predeterminado – mediante fraude ou simulação.

Na importação, a ocultação do real comprador da mercadoria estrangeira, mediante fraude ou simulação, é considerada dano ao Erário, de acordo com o inciso V do art. 23 do Decreto-Lei nº. 1.455, de 07/04/1976, incluído pela Lei nº. 10.637, de 30/12/2002.

Além disso, a empresa, estabelecida no Brasil e operadora do Comércio Exterior, regularmente intimada em procedimento especial de fiscalização, não comprovou a origem lícita dos recursos empregados em suas operações ou mesmo a efetiva transferência dos recursos utilizados, não apresentando nenhuma prova ao menos da existência efetiva da transação comercial, no âmbito de procedimento regular de fiscalização da Receita Federal do Brasil.

(...)

DA PENALIDADE DE PERDIMENTO POR OCULTAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO, COM PRESUNÇÃO DE INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA

Em vista de a autuada não ter comprovado a origem lícita dos recursos empregados em suas operações ou mesmo a efetiva transferência dos recursos utilizados, ou da não apresentação de nenhuma prova nem ao menos da existência efetiva da transação comercial, no âmbito de procedimento regular de fiscalização da Receita Federal do Brasil, pode-se caracterizar como presumida a interposição fraudulenta na presente operação de comércio exterior. Segundo, dispõe o Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976:

(...)

O § 1º. do artigo acima, também incluído pela Lei nº. 10.637/2002, dispõe que o dano ao Erário que decorre da infração prevista no inciso V do art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455/1976 será punido com a pena de perdimento da mercadoria estrangeira. (destaques originais, Id n. 269265208, pp. 4-16)

 

Autoria. Interrogado em Juízo, o acusado Gerson Damasceno dos Santos declarou que estava trabalhando em uma franquia de sorvetes, que, em razão da pandemia, fechou. Houve tentativa de trabalhar com importação. Trabalhou com cama, mesa e banho, comprando artigos no mercado interno, de chineses. Tem o ensino fundamental. Foi absolvido do processo criminal envolvendo a empresa JGX, de que foi sócio, em conjunto com Mizael. Não viu a mercadoria importada. A importação aconteceu, sob sua responsabilidade. Porém, foi vítima de uma quadrilha. Esteve na casa de um despachante de prenome Cláudio, apresentado por Idel, para internação de mercadorias adquiridas da China. Não se lembrava que precisava de radar ativo, mas, quando chegou o primeiro contêiner, teve problemas no desembaraço. Chegou a pagar mais de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelo desembaraço, sob orientação de Cláudio, tendo assinado procurações para essa finalidade, sendo possível que tenham sido entregues a Helder Fonseca Pomaro, que desconhece pessoalmente. Mais 2 (dois) contêineres estavam a caminho, quando Cláudio deu a ideia de contratarem empresa que tivesse o radar ativo. Em nenhum momento, pediu para a mercadoria importada ser encaminhada para a Bolívia. Alugou um galpão para estocar a mercadoria, teve de rescindir o contrato de locação, está devendo ao fornecedor chinês até hoje. Comprava produtos com imagens de bichos e flores, desconhecendo sobre a reprodução, falsificada, de marcas famosas na mercadoria apreendida. Não detém autorização para uso das marcas falsamente reproduzidas. Comprava de um chinês, no mercado interno, de prenome Kim, que sugeriu que comprasse os produtos diretamente da China, o que achou, de início, uma boa ideia. Idel era seu conhecido de academia. Apresentou Kim a Cláudio para realizar toda a tratativa. Foi Kim quem embarcou a mercadoria, conversou com o Cláudio e etc. A mercadoria importada era de Kim. Nenhum dos 3 (três) contêineres foi pago. Kim chegou a desembolsar R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) para Cláudio, para a internalização das mercadorias. Atualmente, Kim cobra-lhe o valor dos 3 (três) contêineres, mais os R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) gastos. Cada cobertor transportado nos contêineres foi negociado a US$ 2,30 (dois dólares e trinta centavos). Cada contêiner continha aproximadamente 20.000 (vinte mil) cobertores. Desconhecia sobre a contrafação da mercadoria apreendida. Não preencheu nenhuma documentação relativa à importação, foi o despachante que efetuou esse preenchimento. Diante dos problemas com o desembaraço do primeiro contêiner, pensou-se na transferência dos outros 2 (dois) contêineres para a empresa EFL, que tinha radar ativo. Cláudio ficou de providenciar a habilitação da sua empresa no radar, porém nada foi elaborado. Não tem o contrato escrito firmado com Cláudio, não sabe seu nome completo, sabendo apenas o endereço onde residia, onde foi recebido com Kim, para tratar da importação. Já retornou nesse endereço por diversas vezes, não logrando localizá-lo  (Id n. 269265569, 269265571 e 269265573).

Ouvido na Polícia, no âmbito do IPL n. 453/2017, que antecedeu a presente ação penal, Gerson Damasceno dos Santos aduziu que atua no ramo de venda de sorvete, sendo franqueado da marca Chiquinhos Sorvete. Aufere R$ 7.000,00 (sete mil reais) mensais. Não tem relação com a Royal Agenciamento de Cargas Ltda., pois não conhece e nunca ouviu falar na referida empresa. O fornecedor é quem normalmente contrata esse tipo de empresa para a realização do transporte marítimo da carga. Nunca manteve contato com Rafael Garcia, Maik Santana, Guilherme, Paola Rogge e Luis Henrique Eccel, da empresa Royal. Não contratou a Royal para prestar serviços em operações de comércio exterior e/ou transporte e liberação de carga. Assinou procuração para o Despachante Cláudio, não se recordando se referido instrumento mencionava a Royal. Não se recordou de Helder Fonseca Pomaro, mas pode ter firmado procuração, outorgando poderes para ele recuperar sua carga. Não solicitou que Helder contatasse a Royal, com o fim de alterar o consignatário para a empresa Delta Cargo SRL, com endereço na Bolívia. Consultou a Receita Federal se sua empresa poderia devolver a carga para o fornecedor, a fim de amenizar prejuízos. O Despachante Cláudio indicou Telma para o desembaraço das mercadorias apreendidas. Foi enganado por quadrilha organizada em dar golpes em empresas que tinham por objetivo o transporte de cargas legalizadas para o Brasil. Pessoas mal intencionadas aproveitaram-se de sua falta de conhecimento específico, a fim de convencê-lo a embarcar cargas para o Brasil, para a sua empresa, quando, naquele momento, não detinha radar ativo. Não tinha pleno conhecimento da legislação aplicada ao transporte aduaneiro e importações, na época. Não confirmou que, em outra operação de comércio exterior, utilizou para desembaraço de cargas da sua empresa o radar da EFL Comércio Importação e Exportação Ltda. Não confirmou que a importação relacionada à EFL Comércio Importação e Exportação Ltda. envolvia mercadorias falsificadas das marcas Mattel, The Cartoon Network, Viacom International e IBG Borrower LLC, recordando-se da negociação de mantas de fibras sintéticas 100% poliéster, com desenhos comuns, populares, de bichos e flores, sem nenhum tipo de marca registrada aposta nas mercadorias. Não detém, nem nunca deteve autorização para uso das marcas Mattel, The Cartoon Network, Viacom International e IBG Borrower LLC, desconhecendo tais marcas. Desconhece a DFS Consultoria Eireli, assim como Danilo Felix da Silva. Foi sócio minoritário da JGX Importação de Artigos de Vestuários Ltda. EPP, entre os anos de 2011 a 2013, administrada pelo sócio José Antônio Mizael Alves, do ramo de cama, mesa e banho, que não se encontra mais em atividade. É sócio proprietário da Damasceno e Mota Comércio Alimentício de Produtos Ltda., do ramo de comércio de sorvetes, há 5 (cinco) anos, sendo sócio de Suelen Mota Peixoto da Silva., administradora da empresa, desde meados de 2017. Edriana Mota da Silva é Contadora da referida empresa. Nunca realizou qualquer operação de comércio exterior valendo-se das empresas JGX e Damasceno ME. Foi quem negociou a compra das mercadorias com o exportador, porém esclarece que as mercadorias importadas consistiam de mantas de fibra sintética 100% poliéster, sem marca. Os servidores da Receita Federal não permitiram que avistasse e verificasse os produtos que supostamente continham as marcas citadas e que estavam acondicionados no interior de contêiner lacrado. Não ocorreu o pagamento ao fornecedor, tendo em vista a apreensão realizada pela Receita Federal. Contratou e pagou os honorários do Despachante Aduaneiro de prenome Cláudio que se revelou um golpista. Não efetuou o pagamento dos tributos devidos na importação. Iria comercializar as mercadorias apreendidas e pagaria posteriormente o fornecedor (Id n. 269265219, pp. 6-11).

Inquirido no âmbito do IPL n. 533/17, que investigou não apenas a Gerson Damasceno dos Santos – EPP, mas também a EFL Comércio, Importação e Exportação Ltda., em suposta atividade de internalização de mercadoria estrangeira, com NCM diverso, de marcas registradas e famosas, sem apresentação de licença para uso dessas marcas, Gerson Damasceno dos Santos afirmou que é comerciante e vende produtos de cama, mesa e banho, desde 2002. É autônomo, não trabalha em nenhuma empresa. Comprou, por 2 (duas) vezes, produtos da empresa EFL, mais precisamente mantas de fibra sintética. Entre os anos de 2009 e 2010, teve a Gerson Damasceno dos Santos ME, cuja atividade consistia na importação de produtos de cama, mesa e banho. Sua relação com Fabrizio Lichy Grasso, proprietário da EFL, sempre foi comercial. Despachante Aduaneiro de prenome Cláudio recomendou que utilizasse os serviços da EFL para importação de aproximadamente 22.000 (vinte e duas mil) peças de mantas de fibra sintética, no valor aproximado de US$ 20.000,00 (vinte mil dólares), já que sua empresa não tinha radar. Desconhece o nome completo, o endereço e o contato atuais de Cláudio. Não pagou o fornecedor dessas mercadorias. Está pagando, esporadicamente, um chinês, conhecido como Kim, no bairro da Liberdade (SP). Não tem muito conhecimento sobre importação, tendo efetuado aquilo que Cláudio orientou-o (Id n. 269265300, pp. 7-8).

Em Juízo, Richard Fernando Amoedo Neubarth declarou que teve ciência do trabalho de fiscalização envolvendo a carga de cobertores apreendida. Foi feita conferência física de toda a mercadoria. A classificação da mercadoria não correspondia com a declarada no documento de transporte. Parte desses cobertores ostentavam uso indevido de marcas, cujos representantes manifestaram-se, apresentando laudo de inautenticidade. A Gerson Damasceno dos Santos ME era a consignatária da carga. Houve um pedido de alteração do consignatário, após o início da fiscalização, não se recordando da justificativa apresentada. Ratificou os termos da Representação Fiscal para Fins Penais juntada aos autos. O acusado Gerson foi intimado e teve oportunidade de apresentar impugnação administrativa. Se o consignatário não tiver o radar ativo, ele não consegue registrar a declaração de importação. Soube de outras ocorrências envolvendo o acusado Gerson. Uma empresa que não tem radar, não pode endossar para outra empresa (Id n. 269265531, 2:02). Ambas tem de estar habilitadas para transacionar no comércio exterior para ser concluída a importação (Id n. 269265531, 2:40) (Id n. 269265523 e 269265531).

Em Juízo, Rafael Garcia declarou que não conhece a Gerson Damasceno dos Santos EPP. É o sócio titular da Royal Agenciamento de Cargas Ltda., sendo o responsável pela gestão administrativa e financeira. Sua empresa serve como agente de frete internacional, podendo atuar como representante de empresas congêneres sediadas no exterior. No caso em apreço, a Gerson Damasceno dos Santos EPP era a consignatária da carga. O exportador contratou uma empresa de frete internacional sediada no exterior e esta parceira comercial remeteu-lhe toda a documentação, para que recebesse a carga no Brasil. A parceira era a Top Gear, sediada na China. Sua empresa não teve acesso à carga, mas apenas à documentação dessa carga. A Royal foi responsável pelo monitoramento do transporte da carga até a chegada do contêiner, com inserção de dados em sistema informatizado da marinha mercante e comunicações com o consignatário da carga (destinatário). Não teve ciência da apreensão da mercadoria pela Receita Federal. Não se recordou de alteração de consignatário para a empresa Delta Cargo, sediada na Bolívia. Não se recordou se a Gerson Damasceno dos Santos EPP tinha radar ativo, sendo que sua empresa não efetua esse tipo de controle sobre os consignatários das mercadorias importadas. Nunca teve contato pessoal com o acusado Gerson. Sua empresa prestou serviços para a parceira comercial chinesa, Top Gear, que pagou pelo seu serviço. Sua tentativa de contato com a Gerson Damasceno dos Santos EPP, caso tenha ocorrido, na época, limitou-se à comunicação relativa à chegada da carga (Id n. 269265564, 269265565 e 269265566).

Na fase policial, no âmbito do IPL n. 453/2017, que antecedeu a presente ação penal, Rafael Garcia, sócio e representante legal da Royal Agenciamento de Cargas Ltda., prestou declarações escritas, informando que sua única relação com a Gerson Damasceno dos Santos EPP e Gerson Damasceno dos Santos foi o agenciamento do transporte internacional de cargas descrito na Representação Fiscal, no qual a Royal atuou como agente de cargas. Nunca teve contato com o responsável legal pela Gerson Damasceno dos Santos EPP. A Royal foi contatada por sua parceira comercial na China, a Top Gear Shipping (Shenzen) Co. Ltd., também agente de cargas e transportadora contratual da mercadoria, para que atuasse como representante no Brasil, liberando documentalmente a mercadoria para o consignatário final. A Royal não efetivou contato físico na mercadoria, tendo apenas realizado a gestão das informações. Esse tipo de contratação é usualmente conhecido no comércio exterior como routing order, quando todo o frete é contratado no exterior e o agente de cargas brasileiro apenas recebe e libera documentalmente a mercadoria em nome da empresa com quem mantém parceria comercial. Tal liberação documental pressupõe também o lançamento de informações no módulo de controle de carga aquaviária do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), denominado Siscomex Carga, o qual é gerido pela Receita Federal do Brasil (RFB), com a descrição dos dados do transporte no sistema, gerando um Conhecimento de Embarque Eletrônico (CE). Ao ser informada pela Top Gear da operação de transporte, a Royal recebeu, por e-mail, cópia do conhecimento de embarque filhote (HBL), quando tomou conhecimento documental da mercadoria, de acordo com o que estava escrito, ou seja, “Roupas de Cama/NCM Code 6302”. Como a Royal só conhece documentalmente os dados da importação e da mercadoria, efetua o lançamento no Siscomex Carga, de acordo com o que lhe foi repassado pelo agente da origem, transportador contratual da carga. O agente de origem havia informado os meios de contato com o consignatário da carga, Gerson Damasceno dos Santos EPP, porém, ao tentar contatá-lo, não obteve sucesso. No dia 12.04.16, a Royal foi contatada, por telefone, com Helder F. Pomaro, que dizia atuar em nome da Gerson Damasceno dos Santos EPP, o qual solicitou a alteração do HBL para o nome do novo consignatário, a Delta Cargo S.R.L., com endereço na Bolívia, enfatizando que deveria ser alterado apenas o cabeçalho do HBL, pois os itens importados continuavam inalterados. Com a confirmação do agente no exterior, a Royal procedeu à solicitação de alteração do consignatário no Siscomex Carga, a qual ficou condicionada à apresentação de documentos à Receita Federal. Pessoa identificada apenas como Telma apresentou-se como representante do novo consignatário da mercadoria, a Delta Cargo, e encaminhou em 03.05.16 a Invoice e o Packing List das mercadorias. Verificou que, em 12.05.16, a retificação havia sido rejeitada. Como não houve outros questionamentos por parte dos importadores, sendo as mercadorias posteriormente retidas pela Receita Federal, a Royal finalizou, internamente, o caso (Id n. 269265212, pp. 6-9).

Na fase judicial, Helder Fonseca Pomaro declarou que o acusado Gerson tentou importar mercadoria proibida. Não conhece o acusado pessoalmente. Pessoa de prenome Idel levou-o na sede da empresa de Gerson, a Gerson Damasceno dos Santos EPP. Idel intitulava-se sócio de Gerson. Idel e Gerson pediram que alterasse o Bill of Landing (BL) da empresa de Gerson, que não tinha o radar ativo para realização de transações de comércio exterior, para outra empresa de São Paulo (SP). Antes que fosse ultimada essa alteração, referente à indicação do consignatário, o contêiner foi aberto pela Receita Federal e foi constatado que transportava mercadoria proibida, consistente de cobertores de marcas conhecidas que o acusado não tinha licença para comercializar. Recorda-se da empresa Royal, agenciadora de cargas, e de algum contato de Idel com a Royal. A alteração daria-se para outra empresa importadora, a Delta Cargo. Idel teria vendido a mercadoria importada para a Delta Cargo. Segundo Idel, Gerson tinha ciência dessa transação (Id n. 269265539 e 269265556).

Extrajudicialmente, no âmbito do IPL n. 453/2017, que antecedeu a presente ação penal, Helder Fonseca Pomaro aduziu que, por ser amigo de despachante aduaneiro, da empresa Fozmar, foi procurado por homem de prenome Idel, que se intitulou sócio da Gerson Damasceno dos Santos EPP, para realizar o serviço de despacho aduaneiro de 3 (três) contêineres. Por meio da Fozmar, realizou todos os procedimentos necessários para a internação regular das mercadorias. A Gerson Damasceno dos Santos EPP não tinha o “radar” para importar as mercadorias. A Fozmar, de forma provisória, conseguiu avançar no processo de importação. Não conheceu Gerson, proprietário da empresa, apenas o sócio Idel. Solicitou a mudança de consignatário da mercadoria importada porque a empresa de Gerson não tinha licença necessária para liberar os produtos da marca Disney. Desconhece o paradeiro de Gerson, que não conheceu. Não soube esclarecer a relação de Gerson com a Delta Cargo, empresa boliviana. A Fozmar foi a responsável unicamente pelos trâmites de despacho dos 3 (três) contêineres. A Gerson Damasceno dos Santos EPP realmente existe, sendo seu galpão localizado na zona sul da cidade. Não foi o responsável pela importação, razão pela qual não tem como se manifestar com relação às irregularidades apontadas na Representação Fiscal para Fins Penais (Id n. 269265219, pp. 2-3).

Em Juízo, José Antônio Mizael Alves relatou que conhece o acusado Gerson, que é seu amigo há muitos anos. Teve sociedade com Gerson, a JGX, no segmento de cama, mesa e banho, trabalhando com mercadoria nacional e importada. Sua atividade limitava-se à revenda de mercadorias adquiridas por Gerson. A margem de lucro era muito reduzida e decidiram desfazer essa sociedade. Gerson comentou que iria realizar importações, mas soube que a internalização das mercadorias acabou não acontecendo, não sabendo detalhes (Id n. 269265567).

Na fase judicial, Davi Cunha Leite aduziu que conhece o acusado Gerson, por ter sido seu vizinho de comércio, sediada a empresa dele ao lado de sua vidraçaria, na zona sul de São Paulo (SP). Soube que houve uma ruptura de contrato decorrente de mercadoria que não chegou para ele. Ele precisou devolver o galpão que tinha alugado para armazenar tal mercadoria (Id n. 269265568).

Inquirido na Polícia, no âmbito do IPL n. 533/17, que investigou não apenas a Gerson Damasceno dos Santos – EPP, mas também a EFL Comércio, Importação e Exportação Ltda., em suposta atividade de internalização de mercadoria estrangeira, com NCM diverso, de marcas registradas e famosas, sem apresentação de licença para uso dessas marcas, Fabrizio Lichy Grasso aduziu que é proprietário e administrador da EFL Comércio, Importação e Exportação Ltda. Gerson Damasceno dos Santos comprou por 1 (uma) ou 2 (duas) vezes diversas peças de cama, mesa e banho, as quais foram importadas por meio da EFL. Em meados de 2016, Gerson pediu-lhe que emprestasse o nome de sua empresa para finalizar transação de importação de mantas, sendo efetuada transferência de carga da empresa dele para a sua. Gerson foi quem realizou a importação. Não realizou importação, por meio do porto de Santos (SP), desde dezembro de 2010. Todas as procurações outorgadas aos seus despachantes aduaneiros encontram-se vencidas desde essa data (Id n. 269265300, pp. 4-5).

Na Polícia, no âmbito do IPL n. 533/17, Danilo Felix da Silva não colaborou com a elucidação dos fatos narrados na denúncia destes autos (Id n. 269265300, p. 12). Também ouvida para a instrução do IPL n. 533/17, Tânia Maria de Carvalho informou que é proprietária do escritório de contabilidade Unicontábil há 22 (vinte e dois) anos, trabalhando na área financeira, tendo Gerson Damasceno dos Santos como seu cliente até dezembro de 2013. Gerson estaria importando algum material, não sabendo se finalizou alguma importação. Gerson era sócio de José Antônio Mizael Alves. Nada sabe sobre a importação de produtos falsificados (Id n. 269265300, pp. 13-14).

No IPL n. 533/17, Suelen Mota Peixoto da Silva aduziu que é sócia de Gerson Damasceno dos Santos na Damasceno e Mota Comércio Alimentícios de Produtos Ltda., sendo ele o sócio-administrador na empresa, desconhecendo completamente sobre operações de comércio exterior que Gerson tenha atuado (Id n. 269265300, pp. 16-18).

Como se vê, a autoria também se encontra comprovada.

Extrai-se dos autos que, em 17.03.16, houve pedido de habilitação ao comércio exterior da Gerson Damasceno dos Santos – EPP e posterior indeferimento, em 18.04.16. Em 12.04.16, a empresa de frete internacional Royal Agenciamento de Cargas Ltda. foi contratada por Helder Pomaro, na condição de procurador da Gerson Damasceno dos Santos –EPP, para alteração do consignatário da carga para a Delta Cargo S.R.L., com endereço na Bolívia. Com a confirmação do agente no exterior, em 27.04.16, a Royal procedeu à solicitação de alteração do consignatário no Siscomex Carga, a qual ficou condicionada à apresentação de documentos à Receita Federal, o que motivou o bloqueio automático da carga, à vista dos riscos existentes, e culminou, em 29.04.16, com a conferência física da carga e a constatação da falsidade na descrição e classificação da mercadoria transportada, aparentando violação de propriedade intelectual e, em 12.05.16, com a rejeição da solicitação de retificação procedida.

O acusado Gerson não negou que a Gerson Damasceno dos Santos – EPP não detinha radar ativo para transacionar no comércio exterior, tampouco refutou que Helder Pomaro possa ter atuado como seu procurador no desembaraço da carga importada, ou mesmo que tivesse sido ajustada a alteração do consignatário da carga para empresa com radar ativo.

Ocorre que o acusado Gerson alegou que desconhecia os trâmites do processo de importação e que os delegou ao Despachante Aduaneiro Cláudio Osmundo Fábio, que teria sido o responsável pelos documentos que ampararam a CE Mercante n. 151605037961128, preenchida em desconformidade com a carga apreendida, que se revelou consistir de cobertores contrafeitos, contendo reprodução não autorizada de marcas famosas diversas, o que não se confirmou por outros elementos de prova nos autos, não se logrando êxito em ouví-lo como testemunha do Juízo (Id n. 269265791). Tampouco Idel, que seria sócio do acusado na Gerson Damasceno dos Santos – EPP e quem teria indicado os serviços de despachante aduaneiro de Cláudio, foi ouvido nos autos.

Alegou também que desconhecia que a expressiva quantidade de mercadoria importada, que justificou o aluguel de galpão na zona sul de São Paulo (SP), consistente de 60.000 (sessenta mil) cobertores, divididos em 3 (três) contêineres de 20.000 (vinte mil) cada, continham reprodução inidônea de marcas famosas diversas, bem como que o responsável pela mercadoria era Kim, chinês comerciante do centro da cidade de São Paulo (SP), de quem já era freguês, o qual tampouco foi ouvido, inexistindo qualquer outro elemento de prova que robore sua declaração.

Certo é que o acusado Gerson Damasceno dos Santos, na condição de sócio-administrador da Gerson Damasceno dos Santos – EPP, foi o responsável pela importação das mercadorias apreendidas pela Receita Federal, tendo constado como consignatário final, vale dizer, destinatário final da carga, aquele que se converte em importador para fins de formalização de Declaração de Importação, cujo contêiner UASU 103.989-7 foi recebido no território nacional, só não sendo obtida sua liberação por circunstâncias alheias a sua vontade, consistente na intervenção tempestiva do Fisco, considerando que constavam posições de NCM e respectiva descrição de mercadoria diversa daquela constante do CE-Mercante.

Erro de tipo. Conceito. Assim Guilherme de Souza Nucci conceitua o erro:

(...) é o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e agravantes. O engano a respeito de um dos elementos que compõem o modelo legal de conduta proibida sempre exclui o dolo, podendo levar à punição por crime culposo.

(Nucci, Guilherme de Souza, Código penal comentado, 4a ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 149, nota n. 81)

Erro de tipo. Descriminantes putativas. Caracterização. Para configurar o erro de tipo, consubstanciado em hipótese que se amolde às chamadas descriminantes putativas, é necessário que o agente suponha existir, por erro, uma determinada situação de fato que legitima seu comportamento, não obstante tal situação exista, na realidade, apenas em sua imaginação.

Guilherme de Souza Nucci assim conceitua as descriminantes putativas:

“(...) descriminantes são excludentes de ilicitude; putativo é imaginário, suposto, aquilo que aparenta ser verdadeiro. Portanto, as descriminantes putativas são as excludentes de ilicitude que aparentam estar presentes em uma determinada situação, quando, na realidade, não estão.”

(Nucci, Guilherme de Souza, Código Penal comentado, 4a ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 151, nota n. 86)

 

Do caso dos autos. A defesa sustenta que está caracterizado o erro de tipo previsto no art. 20 do Código Penal, à vista do desconhecimento da natureza proibida da mercadoria, impondo-se sua absolvição por aplicação do princípio in dubio por reo, a teor do art. 386, III, do Código de Processo Penal.

De acordo com a defesa, em interrogatório, o acusado teria reiterado que não tinha conhecimento da necessidade de radar para realizar operação de importação da mercadoria, o que tomou conhecimento apenas com a dificuldade para retirá-la das autoridades fazendárias. Gerson não tinha ciência de que a mercadoria era proibida, tendo em vista que tinha “ ‘negociado mantas de fibras sintéticas 100% poliéster com desenhos comuns, desenhos populares de bichos e flores (paisagens), sem nenhum tipo de marca registrada apostada nas mercadorias’ (Página 8 do ID 45134842)” (Id n. 271351454, p. 10), revelando-se contraditório e ilógico que o acusado tentasse liberar a carga após seu bloqueio, caso tivesse ciência da ilicitude da mercadoria, o perdimento por inatividade após 60 (sessenta) dias (quando passa a ser considerada abandonada) seria mais pertinente do que correr o risco de ser incriminado pelo delito do art. 334-A do Código Penal.

Aduz a inexistência de dolo do acusado, pois além de não existir provas de que teria experiência em atividades relacionadas a importação, tampouco se verificou que estava ciente do caráter ilícito da mercadoria trazida em empresa de sua titularidade, sendo que as testemunhas de acusação declararam que não tiveram contato com Gerson, sendo incapazes de confirmar a hipótese acusatória de que o acusado tivesse ciência da natureza proibida das mercadorias, não havendo sequer movimento em seu galpão, conforme declarou a testemunha Davi.

Reitera que o acusado Gerson foi vítima de golpe, uma vez que, inexperiente no segmento, foi ludibriado a investir em mercadorias de natureza diversa da que tinha efetivamente se disposto a comprar e que nunca recebeu, sendo que qualquer ponderação baseada na condição de sócio-proprietário da pessoa jurídica importadora não resulta na conclusão de que tinha ciência da ilicitude da mercadoria trazida, sob pena de configurar responsabilidade penal objetiva, não acolhida pelo ordenamento jurídico penal brasileiro.

Não procede o pleito defensivo.

O próprio acusado declarou, judicialmente, que sua empresa já se encontrava estabelecida no ramo de cama, mesa e banho e fazia negócio com Kim, comerciante chinês, no mercado interno, comprando dele artigos diversos. Segundo o acusado, apresentou Kim para o despachante Cláudio, para tratarem, diretamente, dos trâmites da importação das mercadorias.

O acusado ajustou com Kim, com quem já realizava negócios comerciais, a compra de 60.000 (sessenta mil) cobertores, que abasteceram 3 (três) contêineres e viriam a ocupar um galpão alugado com essa específica finalidade, com destino à revenda no mercado interno, atividade comercial a que já se dedicava o acusado, com a experiência própria de gestor de sociedade empresária.

Por concordância do acusado que sua empresa, que sabia não ser habilitada ao comércio exterior, figurou como consignatária final/importadora da mercadoria apreendida, admitindo o acusado a outorga de procurações para a finalidade de desembaraçar a carga negociada, sob sua responsabilidade, com a prática de atos que envolviam, inclusive, a alteração do consignatário para empresa detentora de radar ativo para transacionar no comércio internacional.

Não é crível que o acusado desconhecesse a natureza da mercadoria importada, de modo que não merece acolhida a alegação de caraterização de erro de tipo.

Crime Impossível. Tentativa inidônea. A defesa sustenta ser devida a absolvição por manifesta atipicidade do delito e inidoneidade da tentativa, considerando a falta de habilitação RADAR da Gerson Damasceno dos Santos EPP para utilizar o Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), circunstância extremamente relevante, considerando que a falta dessa autorização implica na absoluta ineficácia do meio utilizado pelo agente, constituindo uma tentativa impunível, nos termos do art. 17 do Código Penal.

Aduz que a conduta imputada ao acusado nunca poderia ser consumada, pois, em nenhum momento, poderia tomar posse da mercadoria, considerando que não tinha autorização para realizar operações de importação e, sendo assim, o bem jurídico tutelado pela norma penal (Administração Pública) nunca esteve sob risco de lesão.

Argumenta que não se trata de mera tentativa, uma vez que a importação de mercadoria ilícita pelas vias ordinárias regulares apenas estaria consumada com sua retirada, ou seja, quando ultrapassada a fiscalização alfandegária, o que apenas seria viável se o acusado tivesse autorização para realizar a operação, bem como que o mero conhecimento da necessidade do RADAR pelo acusado não implica em possibilidade de consumação delitiva apta a afastar ocorrência do crime impossível, na medida em que a ausência dessa autorização ainda terminaria por obstar a retirada da carga.

Não prevalece a insurgência defensiva.

Richard Fernando Amoedo Neubarth esclareceu, judicialmente, que, se o consignatário não tiver o radar ativo, ele não consegue registrar a declaração de importação. Uma empresa que não tem radar, não pode endossar carga para outra empresa (Id n. 269265531, 2:02). Ambas tem de estar habilitadas para transacionar no comércio exterior para ser concluída a importação (Id n. 269265531, 2:40) (Id n. 269265523 e 269265531).

A despeito disso, cumpre assinalar a conclusão expressa, com pertinência, na sentença de que as mercadorias proibidas efetivamente chegaram ao território nacional, iniciando-se a fase de consumação do crime de contrabando, que não se completou apenas em decorrência de fiscalização realizada, o que exclui a hipótese de tentativa inidônea:

 

Não obstante, é importante registrar que, no caso concreto, a mercadoria efetivamente chegou ao território nacional, dando início a fase de consumação do delito, que só iria se concluir com a liberação da carga pelo fisco. Portanto, sob esse viés, ainda que a alteração de consignatário não fosse bem-sucedida e falta de RADAR obstasse a liberação da carga, estaríamos diante de um crime em fase avançada de execução (a mercadoria já estava em solo brasileiro) e que somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do acusado.

A propósito, registro que, no caso, ficou bem caracterizada a figura da tentativa, como narrado pela acusação, uma vez que apesar de empregar os meios necessários a consumação do delito, o resultado pretendido foi obstado pela atuação diligente da Alfândega do Porto de Santos-SP.

Sobre o momento da consumação do delito de contrabando, confiram-se os seguintes precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. MOMENTO CONSUMATIVO. TENTATIVA. CONFIGURAÇÃO. REDUÇÃO DA PENA MÍNIMA EM ABSTRATO PELA FRAÇÃO MÁXIMA PREVISTA NO ART. 14, PARAGRAFO ÚNICO, DO CP. PENA ABAIXO DE 1 ANO. POSSIBILIDADE DE PROPOSTA DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ORDEM CONCEDIDA.

1. O delito de contrabando se consuma com o traspasse da fronteira, que pode ser considerada tanto as zonas primárias e secundárias dos recintos alfandegados (local onde ocorrem as fiscalizações e o controle aduaneiro de bagagens, mercadorias ou cargas procedentes do exterior) quanto os casos em que há a internalização da mercadoria ou produto por meio que não se utilize da alfândega. Assim, no primeiro caso, a consumação somente acontece com a transposição, pela zona de fiscalização, da mercadoria ou do produto, o que não ocorrerá se a entrada for obstada pelas autoridades fazendárias.

2. No caso, a paciente foi surpreendida durante inspeção física da bagagem de passageiros provenientes do exterior, ocorrida no setor de desembarque do terminal internacional de aeroporto, pelas autoridades aduaneiras, de modo que configurada, ao menos em tese, a prática tentada do crime de contrabando.

3. A suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei n. 9.095/1995, requer que a pena mínima cominada ao delito seja igual ou inferior a 1 ano. O delito de contrabando, previsto no art. 334-A do CP, prevê sanção que varia de 2 a 5 anos de reclusão. Em sua forma consumada, portanto, é inviável a concessão do benefício.

4. Entretanto, em se tratando de crime tentado, deve ser considerada a menor pena cominada em abstrato para o delito, reduzida pela fração máxima prevista no art. 14, II, do Código Penal, isto é, de 2/3, o que possibilita a suspensão condicional do processo, na medida em que a pena mínima em abstrato, com a redução pela tentativa, é inferior a 1 ano.

5. Ordem concedida para, superado o óbice do quantum mínimo da pena em abstrato previsto para o delito de que tratam os autos, determinar que o Ministério Público, após a avaliação do caso concreto quanto aos demais requisitos para suspensão condicional do processo, verifique a possibilidade do oferecimento de proposta de suspensão do processo à paciente.

(HC n. 505.156/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/10/2019, DJe de 21/10/2019.)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO (ART. 334-A DO CP). MOMENTO CONSUMATIVO. FISCALIZAÇÃO PELA ZONA ALFANDEGÁRIA. TENTATIVA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao decidir a controvérsia, consignou que, tendo sido o acusado flagrado no Terminal Aduaneiro da BR-290, proximidades da Ponte Internacional, em Uruguaiana/RS, zona primária de fiscalização, deve ser reconhecida a modalidade tentada do delito (art. 14, inciso II, do Código Penal), uma vez que a consumação restou frustrada em razão da atuação dos agentes da fiscalização aduaneira.

2. Tal entendimento encontra-se no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça de que a consumação de crime, em locais sujeitos à fiscalização da zona alfandegária, somente se dará após a liberação da mercadoria pelas autoridades competentes ou a transposição da aludida zona fiscal. Precedentes.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp n. 1.910.887/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 25/10/2021.)

Diante desse quadro, comprovada a intenção do réu de importar mercadorias proibidas, ciente do caráter ilícito de sua conduta, de rigor sua condenação nas penas do art. 334-A, caput, c.c. art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.

 

Afastada, assim, a caracterização do crime impossível previsto no art. 17 do Código Penal, ao fundamento de tentativa inidônea. Anoto que, na realidade, o crime de contrabando é formal e, reunidas  suas elementares mediante a internação da mercadoria, o desembaraço resolve-se em exaurimento. No entanto, o acusado foi condenado apenas pela tentativa, sem recurso da acusação.

Importação de mercadorias estrangeiras falsificadas. Tipificação. Crime de contrabando. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a importação de mercadorias estrangeiras falsificadas amolda-se ao delito de contrabando tipificado no art. 334-A do Código Penal, sem prejuízo de eventual caracterização do delito do art. 190, I, da Lei n. 9.279/96:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (...) IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS FALSIFICADAS. CRIME DE CONTRABANDO.

(...)

2. Sem prejuízo do disposto no artigo 190, inciso I, da Lei n.º 9.279/1996, a importação de mercadorias estrangeiras falsificadas configura o delito de contrabando, tipificado no artigo 334 do Código Penal

(TRF3, 1ª Seção, Incidente de uniformização de jurisprudência criminal n. 0003339-72.20094.03.6000, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, Primeira Seção, j. 05.12.13)

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. MERCADORIA FALSIFICADA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. ADEQUAÇÃO TÍPICA. ART. 190, I, DA LEI Nº 9.279/96. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. DESCABIMENTO. OFENSA A BENS JURÍDICOS DISTINTOS (...).

1. A descrição da conduta feita na denúncia - tentativa de importação de mercadorias estrangeiras falsificadas - amolda-se ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal, sem prejuízo de eventual caracterização do crime previsto no art. 190, I, da Lei 9.279/96. Preliminar rejeitada.

2. A proteção a bens jurídicos distintos (a administração pública e a propriedade intelectual) impede a aplicação do princípio da especialidade. Preliminar rejeitada.

(...)

5. A conduta objeto dos autos é tipificada como delito de contrabando de mercadoria proibida (falsificada), de modo que o valor pago à empresa detentora da marca dos produtos contrafeitos não pode ser utilizado como parâmetro para eventual aplicação do princípio da insignificância. A questão relativa à ofensa à propriedade intelectual não está sendo discutida nestes autos, razão pela qual a conduta não é materialmente atípica e o princípio da insignificância não tem, em regra, aplicação.

(...)

10. Apelação desprovida.

(TRF 3ª Região, 11ª Turma, ACr n. 0008995-76.2015.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, j. 23.04.19)

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. CONTRABANDO (CP, ART. 334-A). ATIPICIDADE. EMBLEMAS METÁLICOS CONTRAFEITOS (OAKLEY). MERCADORIA PROIBIDA. CARACTERIZAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. LEI N. 9.276, ART. 190 (PROPRIEDADE INDUSTRIAL). BENS JURÍDICOS DISTINTOS.

1. Não se verifica a alegada atipicidade da conduta pela falta da elementar "mercadoria proibida". A autoridade alfandegária considerou os emblemas contrafeitos da marca OAKLEY (1.700 do tamanho 6 e 5.685 do tamanho 3) como mercadorias, tendo lavrado o Termo de Separação/Retenção n. 056/2014 (fl. 32). E o laudo de constatação apresentado pela Oakley Inc. concluiu que os produtos são contrafeitos (fls. 35/38). O fato de serem objetos ou peças que irão integrar um outro objeto não impedem a sua comercialização (importação ou exportação) como mercadoria pelos diversos agentes da cadeia produtiva antes de estarem prontos para o consumidor final.

2. Quanto ao pedido subsidiário de alteração da classificação para o crime previsto no art. 190, I, da Lei n. 9.279/96, também, não deve ser acolhido. O art. 190, I, da Lei n. 9.279/96 (Propriedade Industrial), institui crime contra o registro de marca a conduta de quem adquire, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem estoque produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte. O bem jurídico tutelado pela norma penal é a propriedade industrial do respectivo titular, ao qual fica reservada a faculdade de propor ou não a ação penal, dependendo dos seus interesses, conforme estabelece o art. 198 da mesma Lei, segundo o qual esse crime se procede mediante queixa. A tutela penal do bem jurídico do particular, como é intuitivo, não prejudica àquela da coletividade, sob pena de fazer prevalecer o interesse singular sobre o bem comum: não é razoável eleger o titular da marca como responsável pela persecução penal dos crimes que ofendem a Administração Pública, como sucede com o crime de descaminho previsto no art. 334 do Código Penal. A importação de mercadorias proibidas, como ocorre com aquelas contrafeitas semelhantes às protegidas pela propriedade industrial, não pode ser coonestada pela eventual inação do particular na defesa dos seus interesses econômicos. Destituído do poder de polícia, esse não tem condição de substituir o Estado na sua função de zelar pela sua própria soberania no que se refere ao ingresso de bens no País. O princípio da especialidade é um critério para resolver o conflito aparente de normas cuja incidência seja supostamente concorrente sobre determinado fato. Não se trata de um veículo pelo qual se introduz o interesse particular em detrimento do bem protegido pela norma penal. Nesse caso é ademais duvidoso que se possa falar, propriamente e sem nenhuma cautela, em conflito aparente de normas. Nesse sentido, anoto que a Quinta Turma já teve ocasião de tipificar como contrabando (CP, art. 334) a apreensão de "grande quantidade de camisetas e vestuário (...), com indícios de contrafação e descaminho, que estavam desacompanhados de documentação legal comprobatória de regular internação em território nacional" (TRF da 3ª Região, ACr n. 2011.61.81.009941-9, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 09.04.18).

3. Embargos infringentes desprovidos.

(TRF 3ª Região, 4ª Seção, EIfNu n. 0008995-76.2015.4.03.6104, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 29.10.20)

 

Do caso dos autos. A defesa entende ser devida a desclassificação da conduta descrita na denúncia para o delito do art. 190 da Lei n. 9.279/96, por aplicação do princípio da especialidade.

Não lhe assiste razão, contudo.

A tutela penal do bem jurídico do particular não prejudica àquela da coletividade, amoldando-se a tentativa de importação de mercadorias estrangeiras falsificadas ao delito de contrabando tipificado no art. 334-A do Código Penal, consoante decidido em Incidente de Uniformização de Jurisprudência pela 1ª Seção deste Tribunal, como registrado pelo MM. Magistrado a quo na sentença condenatória:

 

De início, no que toca ao pedido de desclassificação, anoto que, segundo jurisprudência abalizada do E. TRF da 3ª Região, a tentativa de importação de mercadorias estrangeiras falsificadas se amolda tanto ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal como ao crime previsto no art. 190, I, da Lei 9.279/96.

Com efeito, o artigo 190, inciso I, da Lei de Propriedade Industrial dispõe ser crime contra o registro de marca a aquisição, exportação, venda, oferecimento ou exposição à venda, ocultação ou ter em estoque produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte.

O bem jurídico tutelado pela norma penal é a propriedade industrial do respectivo titular, ao qual fica reservada a faculdade de propor ou não a ação penal, dependendo dos seus interesses, conforme estabelece o art. 199 da mesma Lei, segundo o qual esse crime se procede mediante queixa.

Ao seu turno, o delito de contrabando se refere à importação ou exportação de mercadoria proibida, sendo manifestamente lesivo a interesses da União, tais como a saúde e segurança públicas, a indústria nacional, o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, além de, por via transversa, a atividade arrecadatória do Estado, e, por isso, gera a competência federal para o processamento e julgamento, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal.

Nesse viés, é importante ressaltar que a tutela penal do bem jurídico do particular não prejudica àquela da coletividade, sob pena de fazer prevalecer o interesse singular sobre o bem comum.

Sobre o tema, a Primeira Seção do TRF da 3ª Região já decidiu, em Incidente de Uniformização de Jurisprudência, que a importação de mercadorias estrangeiras falsificadas, de fato, configura delito de contrabando, tipificado no artigo 334-A do Código Penal. Confira-se:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DISSENSO VERIFICADO ENTRE JUÍZES QUE JÁ NÃO INTEGRAM AS TURMAS. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO REJEITADA. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS FALSIFICADAS. CRIME DE CONTRABANDO.

1. Em incidente de uniformização de jurisprudência, deve ser verificado o dissenso entre órgãos julgadores fracionários, nada importando que os respectivos integrantes já não os componham. Preliminar de não conhecimento rejeitada.

2. Sem prejuízo do disposto no artigo 190, inciso I, da Lei n.º 9.279/1996, a importação de mercadorias estrangeiras falsificadas configura o delito de contrabando, tipificado no artigo 334 do Código Penal (TRF3, Incidente de uniformização de jurisprudência criminal nº 2009.60.00.003339-1/MS, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, Primeira Seção, julgado em 05.12.2013, publicado em 18.02.2014 - grifei)

No mesmo sentido, vale reproduzir recente julgado do mesmo tribunal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. MERCADORIA FALSIFICADA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. ADEQUAÇÃO TÍPICA. ART. 190, I, DA LEI Nº 9.279/96. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. DESCABIMENTO. OFENSA A BENS JURÍDICOS DISTINTOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA MANTIDA.

1. A descrição da conduta feita na denúncia - tentativa de importação de mercadorias estrangeiras falsificadas - amolda-se ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal, sem prejuízo de eventual caracterização do crime previsto no art. 190, I, da Lei 9.279/96. Preliminar rejeitada.

2. A proteção a bens jurídicos distintos (a administração pública e a propriedade intelectual) impede a aplicação do princípio da especialidade. Preliminar rejeitada.

3. Materialidade, autoria e dolo suficientemente comprovados. A apelante foi a responsável pela operação de importação, a quem competia conferir a regularidade da importação realizada, inclusive no que se refere à procedência e conferência das peças.

4. A defesa não se desincumbiu do ônus probatório previsto na primeira parte do caput do art. 156 do Código de Processo Penal, estando destituída de qualquer comprovação a alegação de que as peças falsificadas encontradas no contêiner fiscalizado foram colocadas ali por terceiros.

5. A conduta objeto dos autos é tipificada como delito de contrabando de mercadoria proibida (falsificada), de modo que o valor pago à empresa detentora da marca dos produtos contrafeitos não pode ser utilizado como parâmetro para eventual aplicação do princípio da insignificância. A questão relativa à ofensa à propriedade intelectual não está sendo discutida nestes autos, razão pela qual a conduta não é materialmente atípica e o princípio da insignificância não tem, em regra, aplicação.

6. Dosimetria da pena mantida.

7. Mantido no mínimo legal de 1/3 (um terço) o patamar de redução de pena em razão da tentativa (CP, art. 14, II), considerando que o iter criminis percorrido esteve próximo da consumação. A mercadoria contrabandeada já estava em território nacional e prestes a ser entregue ao destinatário, o que só não ocorreu em razão da fiscalização alfandegária.

8. Inaplicável a causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do Código Penal (arrependimento posterior), porquanto o bem jurídico lesado na prática do crime de contrabando é a administração pública, não sendo passível de reparação.

9. Mantidos o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade e a sua substituição por penas restritivas de direitos, tal qual estipulado na sentença.

10. Apelação desprovida. (TRF3, Apelação Criminal 76005/SP, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, julgado em 23.04.2019, publicado em 23.05.2019 - grifei) (destaques meus, Id n. 269265818)

 

Nesse sentido, acrescente-se julgado da 4ª Seção desta Corte:

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. CONTRABANDO (CP, ART. 334-A). ATIPICIDADE. EMBLEMAS METÁLICOS CONTRAFEITOS (OAKLEY). MERCADORIA PROIBIDA. CARACTERIZAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. LEI N. 9.276, ART. 190 (PROPRIEDADE INDUSTRIAL). BENS JURÍDICOS DISTINTOS.

1. Não se verifica a alegada atipicidade da conduta pela falta da elementar "mercadoria proibida". A autoridade alfandegária considerou os emblemas contrafeitos da marca OAKLEY (1.700 do tamanho 6 e 5.685 do tamanho 3) como mercadorias, tendo lavrado o Termo de Separação/Retenção n. 056/2014 (fl. 32). E o laudo de constatação apresentado pela Oakley Inc. concluiu que os produtos são contrafeitos (fls. 35/38). O fato de serem objetos ou peças que irão integrar um outro objeto não impedem a sua comercialização (importação ou exportação) como mercadoria pelos diversos agentes da cadeia produtiva antes de estarem prontos para o consumidor final.

2. Quanto ao pedido subsidiário de alteração da classificação para o crime previsto no art. 190, I, da Lei n. 9.279/96, também, não deve ser acolhido. O art. 190, I, da Lei n. 9.279/96 (Propriedade Industrial), institui crime contra o registro de marca a conduta de quem adquire, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem estoque produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte. O bem jurídico tutelado pela norma penal é a propriedade industrial do respectivo titular, ao qual fica reservada a faculdade de propor ou não a ação penal, dependendo dos seus interesses, conforme estabelece o art. 198 da mesma Lei, segundo o qual esse crime se procede mediante queixa. A tutela penal do bem jurídico do particular, como é intuitivo, não prejudica àquela da coletividade, sob pena de fazer prevalecer o interesse singular sobre o bem comum: não é razoável eleger o titular da marca como responsável pela persecução penal dos crimes que ofendem a Administração Pública, como sucede com o crime de descaminho previsto no art. 334 do Código Penal. A importação de mercadorias proibidas, como ocorre com aquelas contrafeitas semelhantes às protegidas pela propriedade industrial, não pode ser coonestada pela eventual inação do particular na defesa dos seus interesses econômicos. Destituído do poder de polícia, esse não tem condição de substituir o Estado na sua função de zelar pela sua própria soberania no que se refere ao ingresso de bens no País. O princípio da especialidade é um critério para resolver o conflito aparente de normas cuja incidência seja supostamente concorrente sobre determinado fato. Não se trata de um veículo pelo qual se introduz o interesse particular em detrimento do bem protegido pela norma penal. Nesse caso é ademais duvidoso que se possa falar, propriamente e sem nenhuma cautela, em conflito aparente de normas. Nesse sentido, anoto que a Quinta Turma já teve ocasião de tipificar como contrabando (CP, art. 334) a apreensão de "grande quantidade de camisetas e vestuário (...), com indícios de contrafação e descaminho, que estavam desacompanhados de documentação legal comprobatória de regular internação em território nacional" (TRF da 3ª Região, ACr n. 2011.61.81.009941-9, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 09.04.18).

3. Embargos infringentes desprovidos.

(TRF 3ª Região, EIfNu n. 0008995-76.2015.4.03.6104, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 29.10.20)

 

Note-se, no mesmo sentido, o parecer da Procuradoria Regional da República:

 

Subsidiariamente, GERSON DAMASCENO DOS SANTOS pugna pela desclassificação de sua conduta para o crime tipificado no artigo 190, inciso I, da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), por entender aplicável o princípio da especialidade in casu.

Também quanto a tal pleito, razão não lhe assiste.

É cediço que: 1) no artigo 190, inciso I, da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), está previsto crime contra o registro de marca a conduta de quem adquire, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte; 2) o bem jurídico tutelado pela norma penal é a propriedade industrial do respectivo titular, ao qual fica reservada a faculdade de propor ou não a ação penal, conforme dispõe o artigo 198 daquela Lei, segundo o qual deve-se proceder mediante queixa.

(...)

Também é cediço que o crime de contrabando refere-se à importação ou exportação de mercadoria proibida e que a prática de tal crime é lesiva aos interesses da União, dentre os quais destaca-se a saúde e segurança públicas, a indústria nacional, o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, bem como, de forma oblíqua, a atividade arrecadatória do Estado.

Ora, além da tentativa de importação de mercadorias estrangeiras falsificadas amoldar-se ao tipo penal do artigo 334-A do Código Penal, diante da proteção a bens jurídicos distintos, bem como para não prevalecer o interesse individual de titular de marca sobre interesses da União, não há que se falar em aplicação do princípio da especialidade. (Id n. 271811994, pp. 11-13)

 

Não merece acolhida, assim, o pleito de desclassificação para o crime do art. 190, I, da Lei nº 9.279/96, tampouco o requerimento de reconhecimento da extinção da punibilidade pela decadência, tendo em vista que os crimes previstos na Lei 9.279/96 são de ação penal privada (art. 199 da Lei 9.279/96) e “as marcas que confirmaram a contrafação deixaram de propor queixa-crime no tempo hábil de seis meses contados do conhecimento da autoria delitiva (CP, art. 107, IV, c.c. art. 103 e CPP, art. 38 c.c. art. 61)” (Id n. 271351454, p. 18), impondo-se a manutenção da condenação do acusado Gerson Damasceno dos Santos pela prática do delito do art. 334-A, caput, c. c. o art. 14, II, ambos do Código Penal.

Dosimetria. Considerando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, o MM. Magistrado a quo fixou a pena-base no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão.

Sem circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Presente a causa de diminuição de pena do art. 14, II, do Código Penal, reduziu a pena em 1/3 (um terço), perfazendo 1 (um) ano e 4 (quatro) de reclusão, resultado que tornou definitivo, à míngua de causas de aumento de pena.

Estabeleceu o regime inicial aberto.

Substituiu a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena substituída, na forma definida pelo Juízo de Execução Penal, bem como prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos, com destinação a ser estabelecida em conformidade com a Resolução CNJ n. 154/12.

A defesa recorre, objetivando que a redução de pena decorrente do cometimento do delito na modalidade tentada corresponda a 2/3 (dois terços), considerando o intenso controle alfandegário que obstou sua consumação.

Não assiste razão à defesa.

Sopesando que as mercadorias contrabandeadas encontravam-se em território nacional e o crime de contrabando somente não se exauriu em decorrência da atividade fiscalizatória exercida pela Receita Federal, que concluiu que a carga registrada na CE Mercante n. 151605037961128, consignada à pessoa jurídica Gerson Damasceno dos Santos – EPP, não correspondia ao declarado, bem como que grande parte dela era constituída de produtos contrafeitos, ostentando reproduções de marcas famosas diversas, revela-se descabida a redução de pena prevista para a tentativa na proporção máxima de 2/3 (dois terços).

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação do acusado Gerson Damasceno dos Santos, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

É o voto.



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. DELITO DO ART. 334, A, CAPUT, C. C. O ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. ERRO DE TIPO. CRIME IMPOSSÍVEL. TENTATIVA INIDÔNEA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DO ART. 190, I, DA LEI N. 9.279/96. DOSIMETRIA. TENTATIVA. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DA PROPORÇÃO DE DIMINUIÇÃO DE PENA.

1. A materialidade delitiva encontra-se satisfatoriamente demonstrada, por intermédio do (i) Laudo de Constatação referente ao Contêiner UASU 103.989-7, realizado sobre cobertores retidos pela Receita Federal do Brasil na Alfândega do Porto de Santos (SP), reproduzindo os personagens “Peppa Pig”, de titularidade da Entertainment One Limited UK, o qual concluiu que “os produtos em questão não foram fabricados pelo titular dos direitos de propriedade intelectual referentes aos personagens ‘PEPPA PIG’, nem por empresa licenciada ou autorizada para tanto (...) não integram a gama de produtos explorados pela ENTERTAINMENT ONE LIMITED UK, sendo sua origem desconhecida” (Id n. 269265204, p. 38); ii) Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (Id n. 269265208, pp. 2-18); iii) Representação Fiscal para Fins Penais (Id n. 269265208, pp. 20-34); iv) Termo de Verificação (Id n. 269265202, pp. 25-33 e Id n. 269265203, pp. 1-7); e v) constatação da contrafação dos cobertores apreendidos pela The Cartoon Network Inc. (Id n. 269265203, pp. 19-20).

2. O acusado Gerson Damasceno dos Santos, na condição de sócio-administrador da Gerson Damasceno dos Santos – EPP, foi o responsável pela importação das mercadorias apreendidas pela Receita Federal, tendo constado como consignatário final, vale dizer, destinatário final da carga, aquele que se converte em importador para fins de formalização de Declaração de Importação, cujo contêiner UASU 103.989-7 foi recebido no território nacional, só não sendo obtida sua liberação por circunstâncias alheias a sua vontade, consistente na intervenção tempestiva do Fisco, considerando que constavam posições de NCM e respectiva descrição de mercadoria diversa daquela constante do CE-Mercante.

3. O erro de tipo é o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e agravantes.

4. Para configurar o erro de tipo é necessário que o agente suponha, por erro, situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.

5. O acusado ajustou com Kim, com quem já realizava negócios comerciais, a compra de 60.000 (sessenta mil) cobertores, que abasteceram 3 (três) contêineres e viriam a ocupar um galpão alugado com essa específica finalidade, com destino à revenda no mercado interno, atividade comercial a que já se dedicava o acusado, com a experiência própria de gestor de sociedade empresária. Por concordância do acusado que sua empresa, que sabia não ser habilitada ao comércio exterior, figurou como consignatária final/importadora da mercadoria apreendida, admitindo o acusado a outorga de procurações para a finalidade de desembaraçar a carga negociada, sob sua responsabilidade, com a prática de atos que envolviam, inclusive, a alteração do consignatário para empresa detentora de radar ativo para transacionar no comércio internacional. Não é crível que o acusado desconhecesse a natureza da mercadoria importada, de modo que não merece acolhida a caraterização de erro de tipo.

6. Afastada, assim, a caracterização do crime impossível previsto no art. 17 do Código Penal, ao fundamento de tentativa inidônea. Anoto que, na realidade, o crime de contrabando é formal e, reunidas  suas elementares mediante a internação da mercadoria, o desembaraço resolve-se em exaurimento. No entanto, o acusado foi condenado apenas pela tentativa, sem recurso da acusação.

7. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a importação de mercadorias estrangeiras falsificadas amolda-se ao delito de contrabando tipificado no art. 334-A do Código Penal, sem prejuízo de eventual caracterização do delito do art. 190, I, da Lei n. 9.279/96 (TRF3, 1ª Seção, Incidente de uniformização de jurisprudência criminal n. 0003339-72.20094.03.6000, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, Primeira Seção, j. 05.12.13; 11ª Turma, ACr n. 0008995-76.2015.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, j. 23.04.19 e 4ª Seção, EIfNu n. 0008995-76.2015.4.03.6104, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 29.10.20).

8. Sopesando que as mercadorias contrabandeadas encontravam-se em território nacional e o crime de contrabando somente não se exauriu em decorrência da atividade fiscalizatória exercida pela Receita Federal, que concluiu que a carga registrada na CE Mercante n. 151605037961128, consignada à pessoa jurídica Gerson Damasceno dos Santos – EPP, não correspondia ao declarado, bem como que grande parte dela era constituída de produtos contrafeitos, ostentando reproduções de marcas famosas diversas, revela-se descabida a redução de pena prevista para a tentativa na proporção máxima de 2/3 (dois terços).

9. Recurso de apelação defensivo desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação do acusado Gerson Damasceno dos Santos, mantendo-se integralmente a sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.