APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016411-51.2017.4.03.6100
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: FUNDACAO LICEU PASTEUR, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
Advogados do(a) APELANTE: IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - SP11178-A, ROBERTA DE AMORIM DUTRA - SP235169-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, FUNDACAO LICEU PASTEUR
Advogados do(a) APELADO: IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - SP11178-A, ROBERTA DE AMORIM DUTRA - SP235169-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016411-51.2017.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: FUNDACAO LICEU PASTEUR, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL Advogados do(a) APELANTE: IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - SP11178-A, ROBERTA DE AMORIM DUTRA - SP235169-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, FUNDACAO LICEU PASTEUR Advogado do(a) APELADO: IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - SP11178-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): Trata-se de remessa necessária e apelações interposta por Fundação Liceu Pasteur e pela União Federal, em ação de procedimento comum, em face da face da sentença que julgou procedente o pedido para declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes que obrigue a autora ao recolhimento de contribuições sociais, relativas à cota patronal e contribuições de terceiros, incluídas no parcelamento previsto pela Lei nº 11.941/2009 em razão de sua imunidade (CF, art. 195, §7º), débitos esses relativos ao período de 2002 a 2007, bem como para condenar a parte ré à restituição dos valores indevidamente recolhidos, considerando os últimos cinco anos anteriores à propositura da ação, corrigidos pela SELIC até a data do efetivo pagamento. A União também foi condenada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais) nos termos do art. 85, §8º do CPC, considerando a baixa complexidade da demanda, por envolver apenas questões de direito, em contrapartida ao elevado valor da verba sucumbencial caso fossem aplicadas as regras previstas no § 3º do artigo 85, do CPC. A sentença foi submetida ao reexame necessário. A parte autora (Fundação Liceu Pasteur), em suas razões de apelação, insurge-se em face do valor arbitrado a título de honorários sucumbências, pleiteando, em síntese, a aplicação ao caso do disposto no art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, argumentando que, no caso, não há que se falar em causa com valor inestimável ou irrisório a atrair a aplicação da norma do art. 85, § 8º, do mesmo diploma legal. Pede, portanto que a condenação seja estabelecida entre 5 e 8% do valor da causa, estimado à época da propositura da ação em cerca de quinze milhões de reais. A União Federal, por sua vez, alega, preliminarmente, a necessidade de constarem as terceiras entidades destinatárias das respectivas contribuições do polo passivo da demanda, tratando-se de litisconsortes passivos necessários. Portanto, pede a extinção do feito sem resolução do mérito. Prosseguindo, alega a constitucionalidade do disposto no art. 55 da Lei nº 8.212/91, com as alterações da Lei nº 9.732/1998, no tocante aos requisitos para o reconhecimento da isenção de que trata o art. 195, § 7º, da Constituição Federal, acrescentando que o E. STF, ao julgar as ADIs 2028, 2036, 2228 e 2621 firmou entendimento de que “aspectos meramente procedimentais referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo continuam passíveis de definição em lei ordinária...”, sendo exigível a edição de lei complementar no tocante à definição do modo beneficente de atuação das entidades, especialmente quanto às contrapartidas a serem observadas. Com isso, afirma que não foi afastada a exigência do CEBAS, dentre outros requisitos. Nesse contexto, conclui que as condições previstas no art. 14 do CTN não seriam suficientes para demonstrar que as entidades são, efetivamente, “entidades beneficentes de assistência social”, argumentando ainda que a parte autora teve cancelado o CEAS, conforme certidão do Conselho Nacional de Assistência Social, de 29/08/2008, com fundamento no Parecer CJ nº 3.462/2005, de 31/12/2004, após o conhecimento de recurso do INSS contra a Resolução nº 150/2003, que o havia concedido anteriormente, acrescentando que, embora requerida a renovação em 01/11/2006, ainda se encontrava em análise o pedido à época da interposição da apelação (dezembro de 2018). Além disso, sustenta que a parte autora não comprovou a concessão de bolsas de estudo, sejam integrais ou parciais, conforme exigido nos termos da Lei nº 12.101/2009, não tendo demonstrado nos autos que não distribui qualquer parcela de seu patrimônio ou renda, ou que os seus recursos seriam aplicados integralmente no país, na manutenção de seus objetivos. Tampouco haveria prova da manutenção de sua escrituração em livros revestidos das formalidades necessárias. Por fim, pede a provimento de sua apelação, julgando-se improcedente o pedido formulado pela parte autora. Foram apresentadas contrarrazões por ambas as partes. Na sequência, foi proferida decisão pelo e. Desembargador Federal Souza Ribeiro para deferir, parcialmente, tutela provisória de urgência requerida, para suspender a execução fiscal nº 5022952-14.2018.403.6182, relativamente às contribuições sociais patronais, e para que estas não sirvam de fundamento para indeferimento de certidões de regularidade fiscal, até ulterior deliberação. Em face dessa decisão, a União Federal interpôs agravo interno, em relação ao qual a parte autora apresentou contrarrazões. Posteriormente, foi indeferido um novo pedido de tutela de urgência, em relação à CDA nº 37.099.795-4, visando impedir que a União aplique sanções administrativas à parte autora. Pleiteada a reconsideração, foi deferido o pedido de expedição de ofício o Procurador-Chefe da Fazenda Nacional em São Paulo, para que procedesse ao desmembramento do valor em discussão (contribuições devidas a terceiras entidades), de modo a viabilizar o depósito do montante integral, a fim de suspender a exigibilidade do crédito tributário. Em face dessa decisão, a União Federal interpôs agravo interno, tendo a parte autora argumentado que o mencionado recurso teria perdido o seu objeto pelo fato de a certidão de regularidade fiscal ter sido expedida. A União, no entanto, reafirma o pedido de julgamento do recurso. Mediante intimação, a parte autora complementou o recolhimento de custas judiciais. É o relatório
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016411-51.2017.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: FUNDACAO LICEU PASTEUR, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL Advogados do(a) APELANTE: IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - SP11178-A, ROBERTA DE AMORIM DUTRA - SP235169-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, FUNDACAO LICEU PASTEUR Advogado do(a) APELADO: IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - SP11178-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): Inicialmente, ressalto que os agravos internos interpostos nos autos pela União Federal encontram-se prejudicados em face do presente julgamento das apelações. A controvérsia posta nos autos diz respeito à imunidade da parte autora nos termos do art. 195, § 7º, da Constituição Federal. Antes da análise de mérito, é necessário julgar a alegação da União de litisconsórcio passivo necessário com as entidades terceiras destinatárias de parcela das contribuições objeto desta ação, considerando que a parte autora pleiteia a declaração de inexistência de relação jurídica que autorize a ré a exigir as contribuições previdenciárias patronais e também as contribuições do "Sistema S", que foram incluídas no parcelamento previsto na Lei 11941/2009, quer em face de sua imunidade do art. 195, §7º da CF, quer em face da isenção, além da restituição do montante já pago. Tratando de condição da ação, a apreciação da legitimidade passiva independe de alegação da parte contrária, de modo que afasto o argumento da parte autora de que seria vedada a solução dessa questão pelo fato de a União somente tê-la trazida a discussão em sede recursal. Quanto ao legitimado passivo para lides tributárias, particularmente acredito que as ações judiciais sempre devem ser intentadas em face da pessoa jurídica de Direito Público que tem capacidade tributária ativa (assim entendida a atribuição para fiscalizar e para arrecadar a exação), independentemente da competência para legislar e da destinação legal ou constitucional do produto da arrecadação. É da seara do Direito Financeiro analisar se a arrecadação tributária será dividida ou se ficará exclusivamente com um ente estatal, preocupação que não se projeta para a legitimidade processual no que concerne a aspectos de incidência tributária (sujeita aos domínios do Direito Tributário e afetos à capacidade tributária para fiscalizar e arrecadar tributos). Porque compete à União Federal a capacidade tributária ativa de tributos como os ora combatidos, por força do art. 2º, do art. 16 e do art. 23 da Lei 11.457/2007, os entes estatais que recebem parte do produto arrecadado (integrantes do denominado “Sistema S”, na proporção equivalente às contribuições para “terceiros”) não têm legitimação processual, dado que seu interesse é apenas econômico. Houve importante controvérsia judicial a esse respeito, com acórdãos concomitantes e divergentes sobre a legitimação passiva de feitos como o presente (p. ex., no E.STJ: AgInt no AREsp 1153575/RS AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2017/0204450-8, Rel. Min MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, j. 21/11/2017, DJe 27/11/2017, e REsp 1698012/PR RECURSO ESPECIAL 2017/0227329-8, Rel. Min. Ministro OG FERNANDES, também da SEGUNDA TURMA, j. 07/12/2017, DJe 18/12/2017). Posteriormente, a jurisprudência se consolidou para, em ações como a presente, excluir a legitimidade passiva de entidades que não ostentam condição de sujeito ativo da obrigação tributária (ainda que recebam o produto da arrecadação). Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado da Primeira Seção do E.STJ: PROCESSUAL CIVIL, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS A TERCEIROS. SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS. DESTINAÇÃO DO PRODUTO. SUBVENÇÃO ECONÔMICA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. LITISCONSÓRCIO. INEXISTÊNCIA. 1. O ente federado detentor da competência tributária e aquele a quem é atribuído o produto da arrecadação de tributo, bem como as autarquias e entidades às quais foram delegadas a capacidade tributária ativa, têm, em princípio, legitimidade passiva ad causam para as ações declaratórias e/ou condenatórias referentes à relação jurídico-tributária. 2. Na capacidade tributária ativa, há arrecadação do próprio tributo, o qual ingressa, nessa qualidade, no caixa da pessoa jurídica. 3. Arrecadado o tributo e, posteriormente, destinado seu produto a um terceiro, há espécie de subvenção. 4. A constatação efetiva da legitimidade passiva deve ser aferida caso a caso, conforme a causa de pedir e o contexto normativo em que se apoia a relação de direito material invocada na ação pela parte autora. 5. Hipótese em que não se verifica a legitimidade dos serviços sociais autônomos para constarem no polo passivo de ações judiciais em que são partes o contribuinte e o/a INSS/União Federal e nas quais se discutem a relação jurídico-tributária e a repetição de indébito, porquanto aqueles (os serviços sociais) são meros destinatários de subvenção econômica. 6. Embargos de divergência providos para declarar a ilegitimidade passiva ad causam do SEBRAE e da APEX e, por decorrência do efeito expansivo, da ABDI. (EREsp 1619954/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2019, DJe 16/04/2019) É verdade que, no que concerne à incidência a título de salário-educação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE tem capacidade tributária ativa, nos termos da Lei 5.537/1968, do Decreto-Lei 1.422/1975 (art. 2º), dos Decretos 76.923/1975 (arts. 5º e 6º) e 87.043/1982 (art. 5º), e das Leis 9.424/1996 (art. 15) e 9.766/1998 (art. 1º, 4º e 5º). Ocorre que, mesmo em relação ao FNDE, a legitimação processual foi unificada na União Federal, tal como consolidado pelo E.STJ, orientação ao qual me filio em favor da pacificação dos litígios (com ressalva de meu entendimento): PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA 284/STF. CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS A TERCEIROS. LEGITIMIDADE PASSIVA. LEI 11.457/2007. ENTENDIMENTO FIRMADO PELA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ NOS ERESP 1.619.954/SC. 1. A parte sustenta que o art. 1.022 do CPC foi violado, mas deixa de apontar, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Assevera apenas ter oposto Embargos de Declaração no Tribunal a quo, sem indicar as matérias sobre as quais deveria pronunciar-se a instância ordinária, nem demonstrar a relevância delas para o julgamento do feito (Súmula 284/STF). 2. Em recente análise da matéria, nos EREsp 1.619.954/SC, a Primeira Seção do STJ firmou a seguinte compreensão: "(...) não se verifica a legitimidade dos serviços sociais autônomos para constarem no polo passivo de ações judiciais em que são partes o contribuinte e o/a INSS/União Federal e nas quais se discutem a relação jurídico-tributária e a repetição de indébito, porquanto aqueles (os serviços sociais) são meros destinatários de subvenção econômica" (Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 16.4.2019). 3. Na ocasião, a Min. Assusete Magalhães proferiu voto-vista esclarecendo que esse entendimento é também aplicável às contribuições ao salário-educação: "(...) Conquanto os acórdãos embargados citem dois precedentes de minha relatoria, de 2015, que admitem a legitimidade passiva do FNDE, ao lado da União, em ação de repetição de contribuição para o salário-educação, reexaminando detidamente o assunto, à luz da Lei 11.457, de 16/03/2007, e de toda a legislação que rege a matéria, especialmente as Instruções Normativas RFB 900/2008 e 1.300/2012, já revogadas, e a vigente Instrução Normativa RFB 1.717/2017 - que dispõem no sentido de que 'compete à RFB efetuar a restituição dos valores recolhidos para outras entidades ou fundos, exceto nos casos de arrecadação direta, realizada mediante convênio -, reconsidero minha posição, aliás, hoje já superada pela mais recente jurisprudência da própria Segunda Turma, sobre a matéria". 4. O acórdão recorrido está em dissonância do entendimento do STJ de que ao FNDE deixou de ter legitimidade passiva ad causam para ações que visem à cobrança de contribuições tributárias ou à sua restituição, após a entrada em vigor da Lei 11.457/2007. Contraria a jurisprudência do STJ também quando afasta a legitimidade passiva da Fazenda Nacional. 5. O recorrente Jonas Noriyashu Kakimoto pugna pelo reconhecimento do litisconsórcio passivo necessário da União e do FNDE para figurar no polo passivo da demanda. 6. A análise do apelo se encontra prejudicada, pois se confunde totalmente com a matéria trazida pela Fazenda Nacional em seu apelo, razão pela qual o conhecimento do apelo se encontra prejudicado. 7. Recurso Especial da Fazenda Nacional parcialmente conhecido, e, nessa extensão, provido para reconhecer sua legitimidade passiva ad causam e afastar a legitimidade do FNDE. Recurso Especial de Jonas Noriyashu Kakimoto prejudicado. (REsp 1841564/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2019, DJe 19/12/2019) Afastada a alegação preliminar, passo ao exame do mérito. A solução desta lide deve se pautar pelo art. 195, §7º da Constituição e pelo art. 14 do CTN, sendo inaplicáveis as disposições da Lei Complementar nº 187/2021 em vista de sua expressa eficácia jurídica (art. 40 e art. 48) e da garantia do art. 5º, XXXVI, da Constituição. Em vista do previsto no art. 145 e seguintes da Constituição, bem como no Livro Primeiro do Código Tributário Nacional (CTN), tributo é gênero possui as seguintes espécies (quando classificadas pelo fato gerador e pela perspectiva normativa que justifica sua imposição): a) impostos; b) taxas; c) empréstimos compulsórios; d) contribuições, essas últimas integradas por subconjunto de modalidades (contribuições de melhoria, contribuições de intervenção no domínio econômico, contribuições no interesse de categoria profissional ou econômica, contribuição para iluminação pública e contribuições sociais). Essas espécies possuem subespécies e múltiplas classificações, mas para o que importa a este julgamento, anoto que as contribuições sociais são subdivididas em contribuições para a seguridade social (atreladas ao financiamento da saúde, da previdência e da assistência social) e em contribuições sociais gerais (destinadas a múltiplas finalidades sociais, com exceção da seguridade). A imunidade decorre de regra jurídica constitucional que limita a competência tributária conferida ao ente estatal, representando exclusão de pessoas, bens, atividades e outras bases do campo de incidência do tributo. Cuidando de contribuições destinadas à seguridade social, o art. 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988, confere imunidade pessoal e condicionada às entidades beneficentes de assistência social que colaboram com o Estado, afirmando o primado da solidariedade. As condições formais e materiais, necessárias ao reconhecimento da imunidade, vão ao encontro da postura cooperativa da entidade de assistência social com as necessidades da população carente, e estão descritas no ordenamento constitucional e infraconstitucional. Nas ADIs 2.028, 2.036, 2.228 e 2.621 (julgadas em 02/03/2017 como ADPFs), no RE 566.622 e no RE 636.941, o E.STF firmou a Tese no Tema 32, a partir da qual “A lei complementar é a forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por ela observadas”, concluindo também que leis ordinárias podem prescrever aspectos procedimentais relativos à certificação, fiscalização e controle administrativo das entidades beneficentes que queiram desfrutar da desoneração tributária. Nesses julgados, o E.STF afirmou que a Constituição Federal não reúne elementos discursivos suficientes para dar concretização segura ao que se possa entender por modo beneficente de prestar assistência social visando à desoneração tributária, razão pela qual se faz necessária lei complementar para definir esse modo beneficente de atuação, especialmente quanto às contrapartidas solidárias. Penso que a referência à “lei”, feita no art. 195, § 7º, da Constituição, é previsão específica que tem preferência à exigência de lei complementar para dispor sobre limitação ao poder de tributar contida no art. 146, II e III, do mesmo ordenamento, daí porque leis ordinárias poderiam estabelecer critérios para as contrapartidas solidárias de entidades de assistência social, mas curvo-me ao decidido pelo E.STF no Tema 32. E enquanto não editada essa lei complementar, servirão as disposições do art. 14 do Código Tributário Nacional, recepcionado pelo art. 146, II e III, pelo art. 150, VI, “c” e pelo art. 195, § 7º, todos da Constituição de 1988. Quanto às contrapartidas materiais para a imunidade extraídas do sistema constitucional, a meu ver, instituições de “assistência social” e “entidade beneficente de assistência social”, respectivamente referidas no art. 150, VI, “c”, e no art. 195, § 7º, ambos da ordem de 1988, têm em comum tarefas em favor de necessitados (notadamente a população economicamente hipossuficiente), colaborando com o poder público em múltiplas áreas ao ponto de legitimar a renúncia tributária pela concessão de imunidade. Por esse motivo, a desoneração tributária tem alcance mais amplo que o significado restrito de “assistência social” na dicção do art. 203 da Constituição, abrangendo atividades beneficentes de saúde, de previdência e de educação (nesse sentido, o RE 636941 RG/RS, julgado pelo E.STF com repercussão geral, Pleno, v.u., Rel. Min. Luiz Fux, j. em 13/02/2014), desde que atuem de modo solidário em favor de necessitados e carentes. Assim, imunidade está restrita às instituições filantrópicas, porque a noção de beneficência impõe gratuidade nas atividades da entidade voltadas a carentes, e não propósitos empresariais lucrativos. Na Súmula 730 do E.STF restou pacificado que, mesmo para a imunidade dos impostos, a atenção à população carente é relevante (E.STF, Súmula 730: “A imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos pelo art. 150, VI, c, da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada se não houver contribuição dos beneficiários.”), de modo que, com maior razão em temas de seguridade social regidos pela solidariedade social, o empenho no auxílio aos pobres e miseráveis não pode ser superficial ou irrisória quando a entidade pretende deixar de recolher contribuições sociais. Essas instituições de assistência social podem eventualmente cobrar por suas atividades, mas apenas daqueles que têm meios de pagar suas prestações sem prejuízo de suas condições básicas de vida, e desde que os recursos auferidos com essa cobrança sejam revertidos no atendimento de suas finalidades institucionais, tal como afirmado pelo E.STF na Súmula 724 (“Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.”). Assim, a entidade de assistência social pode operar de modo misto (gratuitamente quando se trata de pessoa carente, e cobrando por suas atividades em outros casos), sem descaracterizar sua condição de beneficente. A proporção da atividade gratuita praticada pela entidade de assistência social deve ser relevante, não podendo se restringir a ínfimos recursos humanos e materiais. Salvo circunstâncias especiais verificados em casos concretos, particularmente acredito que a gratuidade deve envolver, no mínimo, 20% das atividades das instituições de assistência social (medida em face de suas receitas ou de suas prestações), porque essa proporção acaba por vincular parcela importante do patrimônio e de recursos com as finalidades assistenciais que justificam a desoneração tributária. Os restantes 80% das operações devem gerar recursos para custear os 20% das atividades gratuitas (no mínimo), de modo que todas as operações da instituição ficam direta ou indiretamente comprometidas com a beneficência. Note-se, ainda, que a jurisprudência do E.STF (por exemplo, no RE 70.834/RS) afastou a necessidade de as instituições de assistência social executarem suas atividades com a irrestrita universalidade de destinatários, bastando que estejam abertas para os que integram ou venham integrar o círculo de sua atuação. Essas condições da imunidade pessoal, extraídas da Constituição, estão refletidas no recepcionado art. 14 do Código Tributário Nacional. O comprometimento patrimonial está positivado expressamente no art. 14, I e II, do Código Tributário Nacional, razão pela qual as entidades de assistência social não podem distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas (a qualquer título), e devem aplicar integralmente (no Brasil) os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais. O inciso III desse mesmo art. 14 do Código Tributário Nacional impõe requisito formal para viabilizar o controle da atuação solidária das entidades assistenciais, ao exigir escrituração regular de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. O art. 14, §§ 1º e 2º do CTN, autoriza que a autoridade administrativa competente suspenda a aplicação do benefício em caso de irregularidade, e estabelece que a atuação da entidade assistencial deve estar atrelada, exclusivamente, aos serviços diretamente relacionados com seus objetivos institucionais previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos. Havendo judicialização, controvérsias sobre a comprovação do atendimento aos requisitos do art. 14 do CTN geralmente depende de prova pericial, não bastando afirmações genéricas baseadas em cláusulas abstratas de estatutos sociais para o reconhecimento da imunidade, ou referências a balanços sintéticos e certidões de utilidade pública desvinculadas das condições para a desoneração tributária. Por ausência de previsão em lei complementar, certificados expedidos por entidades públicas (p. ex. CEBAS) não são imprescindíveis ao reconhecimento judicial da imunidade tributária, embora avalizem (com presunção relativa de veracidade e de validade) a adequação da atuação da entidade beneficente de assistência social aos propósitos constitucionais e legais. Note-se que a imunidade pessoal e condicionada do art. 195, §7º da Constituição, exige cumprimento contínuo dos requisitos cumulativos do art. 14 do Código Tributário Nacional. Mesmo provimentos judiciais declaratórios da imunidade de entidade beneficente de assistência social não impedem que as autoridades fiscais exerçam seu dever de, periodicamente, confirmarem o cumprimento contínuo dos requisitos cumulativos do art. 14 do CTN. No mesmo sentido, a Súmula 352, do E.STJ, prevê que “A obtenção ou a renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) não exime a entidade do cumprimento dos requisitos legais supervenientes”, mesmo porque as obrigações de trato sucessivo da imunidade condicionada estão sistematicamente subordinadas à verificação do cumprimento dos requisitos que justificam a desoneração. Mas também é certo que a Súmula 612 do E.STJ estabelece que “O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade.”. E a certificação indicada nesse documento pode ser revista como toda e qualquer outra medida do poder público em caso de vício formal ou material, nos moldes da Súmula 336 e da Súmula 473, ambas do E.STF, e do decidido com repercussão geral no RE 594.296 pelo mesmo Pretório Excelso, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 21/09/2011, DJE de 13/02/2012 (Tema 138 com a seguinte Tese: “Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo.”). Logo, é imperativo que o poder público faça análise contínua desses aspectos de fato que, por óbvio, não pode ficar restrito apenas ao momento da expedição de certificados de beneficência. Em suma, para usufruir da imunidade pessoal e condicionada do art. 195, § 7º, do texto de 1988, a entidade deve cumprir continuamente os requisitos cumulativos do art. 14 do CTN, e o reconhecimento judicial depende da comprovação dos seguintes aspectos: 1) execução de assistência social beneficente em proporções substanciais da atividade e dos recursos da entidade, sem fins lucrativos e voltada à população miserável ou economicamente pobre; 2) a entidade não pode remunerar ou conceder vantagens e benefícios (a qualquer título) a seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores; 3) a instituição deve aplicar, integralmente, seus recursos no atendimento das finalidades assistenciais (de modo direto ou indireto); 4) a escrituração da entidade beneficente deve ser regular. Por outro lado, tendo em vista que imunidade tributária é restrição constitucional a campo de incidência por ela mesmo estabelecida, não são possíveis interpretações extensivas dos preceitos que a conferem, motivo pelo qual modalidades diversas de contribuições sociais para a seguridade não são desoneradas pela imunidade pessoal e condicionada prevista no art. 195, § 7º, da Constituição. As contribuições devidas a terceiros (“Sistema S”), incidentes sobre a folha de pagamentos, não têm natureza jurídica de contribuições para a seguridade social, motivo pelo qual não estão compreendidas pela imunidade prevista no art. 195, §7º da Constituição. Todavia, em atenção ao art. 150, § 6º da ordem de 1988 e ao art. 111 do CTN, atos legislativos concederam isenção pessoal e condicionada para entidades beneficentes de assistência social, de saúde e de educação), cujos requisitos são os mesmos aplicáveis às contribuições para a seguridade social. Sobre contribuições devidas ao Salário-Educação, o art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.766/1999 concede isenção pessoal e condicionada ao cumprimento de requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/1991, depois da Lei nº 12.101/2009 e agora da Lei Complementar nº 187/2021: Art. 1o A contribuição social do Salário-Educação, a que se refere o art. 15 da Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, obedecerá aos mesmos prazos e condições, e sujeitar-se-á às mesmas sanções administrativas ou penais e outras normas relativas às contribuições sociais e demais importâncias devidas à Seguridade Social, ressalvada a competência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, sobre a matéria. § 1o Estão isentas do recolhimento da contribuição social do Salário-Educação: I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como suas respectivas autarquias e fundações; II - as instituições públicas de ensino de qualquer grau; III - as escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, devidamente registradas e reconhecidas pelo competente órgão de educação, e que atendam ao disposto no inciso II do art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; IV - as organizações de fins culturais que, para este fim, vierem a ser definidas em regulamento; V - as organizações hospitalares e de assistência social, desde que atendam, cumulativamente, aos requisitos estabelecidos nos incisos I a V do art. 55 da Lei no 8.212, de 1991. (...) Já o art. 3º, §§ 2º, 5º e 6º da Lei nº 11.457/2007, também se referindo às exigências do art. 55 da Lei nº 8.212/1991 (tema depois tratado na Lei nº 12.101/2009 e agora na Lei Complementar nº 187/2021), concede isenção pessoal e condicionada a demais contribuições devidas a terceiros: Art. 3o As atribuições de que trata o art. 2o desta Lei se estendem às contribuiçõs devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, na forma da legislação em vigor, aplicando-se em relação a essas contribuições, no que couber, as disposições desta Lei. (...) § 2o O disposto no caput deste artigo abrangerá exclusivamente contribuições cuja base de cálculo seja a mesma das que incidem sobre a remuneração paga, devida ou creditada a segurados do Regime Geral de Previdência Social ou instituídas sobre outrasbases a título de substituição. § 5o Durante a vigência da isenção pelo atendimento cumulativo aos requisitos constantes dos incisos I a V do caput do art. 55 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, deferida pela Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, pela Secretaria da Receita Previdenciária ou pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, não são devidas pela entidade beneficente de assistência social as contribuições sociais previstas em lei a outras entidades ou fundos. § 6o Equiparam-se a contribuições de terceiros, para fins desta Lei, as destinadas ao Fundo Aeroviário – FA, à Diretoria de Portos e Costas do Comando da Marinha – DPC e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA a do salário-educação. Interpretando o alcance da Lei nº 11.457/2007 (inclusive para fins da isenção concedida pelo art. 3º, §§ 2º, 5º e 6º), a redação originária do art. 109 da IN RFB nº 971/2009 não era clara quanto ao alcance da isenção, mas a IN RFB nº 1.071/2010 deu nova redação a esse art. 109 e, especialmente, incluiu o art. 109-A nesse ato normativo fazendário, reconhecendo a concessão de isenção pessoal e condicionada em se tratando de contribuições para terceiros: Art. 109. Compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), nos termos do art. 3º da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, as atividades relativas a tributação, fiscalização, arrecadação e cobrança da contribuição devida por lei a terceiros, ressalvado o disposto no § 1º do art. 111. § 1º Consideram-se terceiros, para os fins deste artigo: I - as entidades privadas de serviço social e de formação profissional a que se refere o art. 240 da Constituição Federal de 1988, criadas por lei federal e vinculadas ao sistema sindical; II - o Fundo Aeroviário, instituído pelo Decreto-Lei nº 270, de 28 de fevereiro de 1967; III - o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo, instituído pelo Decreto-Lei nº 828, de 5 de setembro de 1969; IV - o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), criado pelo Decreto-Lei nº 1.110, de 9 de julho de 1970; V - o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), gestor da contribuição social do salário-educação, instituída pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. § 2º A contribuição de que trata este artigo sujeita-se aos mesmos prazos, condições, sanções e privilégios das contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social, inclusive no que diz respeito à cobrança judicial. § 3º O disposto no caput aplica-se, exclusivamente, à contribuição cuja base de cálculo seja a mesma das que incidem sobre a remuneração paga, devida ou creditada a segurados do RGPS ou instituídas sobre outras bases a título de substituição. § 4º A retribuição pelos serviços referidos no caput será de 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) do montante arrecadado, salvo percentual diverso estabelecido em lei específica, e será creditada ao Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (FUNDAF), instituído pelo Decreto-Lei nº 1.437, de 17 de dezembro de 1975. § 5º A contribuição de que trata este artigo é calculada sobre o total da remuneração paga, devida ou creditada a empregados e trabalhadores avulsos, e é devida: I - pela empresa ou equiparada, de acordo com o código FPAS da atividade, atribuído na forma deste Capítulo; II - pelo transportador autônomo de veículo rodoviário, na forma do art. 111-I; e III - pelo segurado especial, pelo produtor rural pessoa física e jurídica, em relação à comercialização da sua produção rural, e pela agroindústria, em relação à comercialização da sua produção, de acordo com as alíquotas constantes do Anexo IV. Seção II Da Não-Incidência da Contribuição Art. 109-A. Não estão sujeitos à contribuição de que trata o art. 109: I - órgãos e entidades do Poder Público, inclusive agências reguladoras de atividade econômica; II - organismos internacionais, missões diplomáticas, repartições consulares e entidades congêneres; III - Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Seccionais da OAB; IV - Conselhos de profissões regulamentadas; V - instituições públicas de ensino de qualquer grau; VI - serventias notariais e de registro, exceto quanto à contribuição social do salário-educação; VII - as entidades a que se refere o inciso I do § 1º do art. 109, constituídas sob a forma de serviço social autônomo, exceto quanto à contribuição social do salário-educação e à contribuição devida ao Incra. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1238, de 11 de janeiro de 2012) VIII - entidades beneficentes de assistência social certificadas na forma da Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009, e que cumpram os requisitos legais. (...) No mesmo sentido, antes havia a remissão prevista no art. 4º da Lei nº 9.429/1996 (também condicionada ao cumprimento dos requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/1991, sujeitando-se depois à Lei nº 12.101/2009 e agora à Lei Complementar nº 187/2021), que já alinhava a isenção dessas contribuições às exigências da imunidade das contribuições previdenciárias (art. 195, §7º, da Constituição): Art. 4º São extintos os créditos decorrentes de contribuições sociais devidas, a partir de 25 de julho de 1981, pelas entidades beneficentes de assistência social que, nesse período, tenham cumprido o disposto no art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Ainda que as isenções pessoais e condicionadas, pertinentes às contribuições devidas a terceiros (“Sistema S”), sejam plenamente subordináveis a requisitos legítimos fixados em lei ordinária (a rigor, não havendo a imposição de lei complementar indicada pelo E.STF no Tema 32), por todo histórico normativo acima descrito, nota-se que essas desonerações sempre estiveram (e ainda estão) substancialmente atreladas ao cumprimento de requisitos formais e materiais equivalentes aos exigidos para a imunidade do art. 195, §7º, da Constituição (primeiro pelo art. 14 do CTN e agora pela Lei Complementar nº 187/2021), em favor dos mesmos compromissos solidários de atendimento beneficente à população carente. No caso dos autos, a parte autora juntou aos autos seu Estatuto Social (id nº 26309939), constando de seu art. 3º, § 1º, que deverá “...incentivar o aperfeiçoamento dos métodos de ensino e pesquisas referentes à Ciência Pedagógica, mediante a concessão de bolsas de estudos, prêmios em dinheiro, ou outros meios adequados, conforme a possibilidade do orçamento financeiro, previamente aprovado pelo Ministério Público”. Além disso, prevê o art. 4º, § 1º, que “os recursos, receitas, rendas e eventuais resultados operacionais da Fundação Liceu Pasteur são integralmente aplicados no território nacional, para manutenção e desenvolvimento de seus objetivos estatutários, cujas atividades são permanentes e sem qualquer discriminação de clientela, incluindo a finalidade filantrópica em favor de alunos que necessitem desse apoio, ao qual se destina relevante dotação orçamentária, como ocorre desde o início da vida institucional”. Já no § 2º do mencionado artigo consta que “não existem de parte da Fundação Liceu Pasteur pagamentos de dividendos ou bonificações, nem quaisquer outras modalidades de distribuição de seu patrimônio, ou de participação em seus resultados” e que os integrantes de sua Diretoria “...não recebem, direta ou indiretamente, remunerações, vantagens ou qualquer outra forma de retribuição em razão de seus cargos, funções e competências ou de atividades que lhes sejam atribuídas...”. O art. 40 prevê que a “...Fundação porá à disposição do Governo do Estado lugares gratuitos em número correspondente a 5% (cinco por cento) sobre o total de alunos, a serem preenchidos por alunos pobres, por indicação da Secretaria da Educação ou da Universidade de São Paulo e na forma estabelecida no regulamento a ser baixado em decreto executivo”. A recorrente também apresenta cópia do Diário Oficial do Estado de São Paulo, que veicula a Lei nº 8.446, de 02/12/1964, declarando-a entidade de Utilidade Pública (id nº 26309943), de Decreto do Município de São Paulo, também a reconhecendo como de Utilidade Pública (id nº 26309946), e da Portaria do Ministério da Justiça, de dezembro de 2002 no mesmo sentido (id nº 26309949), além de Atestados de Regularidade firmados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo dos anos de 2012 e seguintes (id. nº 26309962 e seguintes). Contudo, a referida documentação, por si, não é suficiente para a atribuição da condição de beneficente à instituição autora, porque as previsões estatutárias são compromissos abstratos cujas correspondentes concretizações devem ser efetivamente comprovadas por documentação idônea. Em outras palavras, a atividade beneficente de assistência social (motivo para a desoneração tributária, seja imunidade, seja isenção) depende da execução concreta dos compromissos abstratos indicados no estatuto da entidade (tal como categoricamente exigido pela legislação de regência, notadamente pelo art. 14, II, do CTN ao impor a aplicação integral dos recursos no atendimento das finalidades da entidade). Contudo, a referida documentação, por si, não é suficiente para a atribuição da condição de beneficente à instituição autora, porque as previsões estatutárias são compromissos abstratos cujas correspondentes concretizações devem ser efetivamente comprovadas por documentação idônea. Em outras palavras, a atividade beneficente de assistência social (motivo para a desoneração tributária, seja imunidade, seja isenção) depende da execução concreta dos compromissos abstratos indicados no estatuto da entidade (tal como categoricamente exigido pela legislação de regência, notadamente pelo art. 14, II, do CTN ao impor a aplicação integral dos recursos no atendimento das finalidades da entidade). Por outro lado, a Fundação traz cópia da Resolução nº 150, de 15/10/2003, que lhe defere o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEAS – id nº 26309952) – período de 17/10/2003 a 16/10/2006 (id nº 26309959). Embora conste dos autos que teria sido posteriormente cancelado (id nº 26309959), não há cópia do processo administrativo correspondente, e nem tampouco a parte contrária esclarece o porquê desse cancelamento, embora isso lhe coubesse, tratando-se de fato modificativo ou extintivo do direito reclamado pela parte autora (CPC, art. 373, II). Nesse contexto, não pode ser desprezada a concessão do certificado no período mencionado, o que deve ser apreciado em conjunto com as demais provas constantes dos autos, valendo ressaltar que, posteriormente, conforme adiante será exposto, foi novamente concedida a certificação à parte autora, o que revela a continuidade na forma de atuação, inexistindo nos autos prova em contrário. Prosseguindo, a apelante comprova que lhe foi deferida a Certificação como Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS), concedida pelo Ministério da Educação, pelo prazo de três anos a contar da publicação da Portaria nº 266, no Diário Oficial de 26/04/2011 (id nº 26309955), nos autos do processo administrativo 71010.003394/2006-81, o qual foi formalizado em 01/11/2006, conforme se pode conferir a partir da leitura da certidão id nº 26309959, a qual faz expressa menção a esse processo. Ademais, a mencionada certificação teve por regência o disposto no Decreto nº 2.536/1998 (id nº 26309955), o qual, em seu art. 3º, I, com a redação do Decreto nº 4.499/2002, previa que a entidade deveria demonstrar que estava legalmente constituída e em efetivo funcionamento nos três anos anteriores à solicitação do certificado, dentre outros requisitos. Portanto, com base na certificação comprovada nos autos, a imunidade deve ser reconhecida à parte autora a partir da data do protocolo do pedido de certificação, considerando que a demora no processamento e na apreciação do pedido pela autoridade administrativa não pode prejudicar ou mesmo inviabilizar o direito do administrado. E o prazo final de validade da certificação, sendo de 3 (três) anos estende-se até 26/04/2014. Com isso, é possível inferir que a parte autora faz jus à imunidade, considerando a prova constante dos autos, apreciada em conjunto, devendo ser mantida nesse ponto a sentença. Nesse contexto, conclui-se pela inexigibilidade das contribuições previdenciárias e a terceiras entidades no período mencionado, e pelo direito da parte autora à restituição dos valores indevidamente recolhidos, observada a prescrição quinquenal (CTN, art. 168). Acerca da questão da devolução de indébitos tributários em dinheiro, vejo necessário fazer alguns esclarecimentos preliminares. A meu ver, a coisa julgada não pode ordenar que o poder público pague, na via administrativa, em dinheiro e sem precatório, indébitos tributários reconhecidos na via judicial (anteriores ou posteriores ao ajuizamento da ação), por dois motivos básicos: 1º) regime jurídico de precatórios e de RPVs; 2º) critérios de atualização e de juros aplicados ao indébito. O regime jurídico de precatórios atende a diversas finalidades, dentre elas a organização do orçamento público para pagamento de condenações judiciais pecuniárias por ordem cronológica a seus legítimos titulares. Permitir que coisas julgadas sejam utilizadas para pedidos administrativos de restituição de indébitos viola a isonomia que é ínsita a ordem cronológica do regime jurídico de precatórios e de RPVs. Outro impeditivo para que a coisa julgada seja utilizada para pedidos de restituição na via administrativa é a distinção de critérios de atualização e de juros aplicados ao indébito. No âmbito administrativo, as restituições são geralmente acrescidas de remuneração pela SELIC (calculada entre o pagamento indevido e a efetiva devolução, conforme art. 39, § 4º, da Lei 9.250/1995), ao passo em que a expedição de precatórios é regida pela legislação processual e por entendimentos firmados pelo sistema de precedentes (p. ex., no E.STJ, REsp 1.495.146/MG/Tema 905, e no E.STF, RE 870.947/Tema 810, RE 1.169.289/ Tema 1037 e Súmula Vinculante 7). Creio claro que a devolução de indébitos da mesma natureza não pode ser submetida a critérios distintos quando os pagamentos são feitos em dinheiro. Reconheço julgados do E.STJ afirmando a possibilidade de a coisa julgada mandamental servir para pedidos de restituição na via administrativa, sem a expedição de precatórios no writ (p. ex., AgInt no REsp 1895331/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/05/2021, DJe 11/06/2021, e AgInt no AgInt nos EDcl no REsp 1616074/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/04/2021, DJe 15/04/2021). Contudo, não vejo possível harmonizar o entendimento do E.STJ com a orientação firmada pelo E.STF sobre o assunto. De todo modo, a despeito de meu entendimento sobre a matéria, curvo-me às hipóteses nas quais a própria administração tributária reconhece a legitimidade desse requerimento administrativo sem a exigência de precatório, para o que inexiste interesse recursal justificando pronunciamento de mérito neste recurso. O E.STJ, na Súmula 461 do E.STJ, afirmou que “O contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado”, entendimento extensível para coisas julgadas derivadas de ações condenatórias. Assim, autorizo a devolução de indébito, mediante restituição, devendo ser utilizado o procedimento de precatório. Considerando a data da sentença e a pretensão posta nos autos, os honorários advocatícios devem ser calculados sobre o valor atribuído à causa (que estima o benefício econômico auferido), aplicando-se os percentuais mínimos das faixas previstas no art. 85, §3º, do CPC/2015, em vista do Tema 1076/STJ. Ante o exposto, julgo prejudicados os agravos internos interpostos, afasto as alegações preliminares e, no mérito, nego provimento à remessa necessária e à apelação da União Federal, e dou provimento à apelação da parte autora para fixar honorários de sucumbência nos termos do 85, § 3º, do CPC/2015 sobre o valor da causa. Em vista trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS A TERCEIROS. LEGITIMAÇÃO PASSIVA. UNIÃO FEDERAL. ART. 195, §7º, DA CONSTITUIÇÃO. ENTIDADE BENEFICENTE. IMUNIDADE PESSOAL E CONDICIONADA. ART. 14 DO CTN. ISENÇÃO DE EXIGÊNCIAS DO SISTEMA "S". LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. COMPROVAÇÃO. CEAS E CEBAS. REQUISITOS CUMULATIVOS. CUMPRIMENTO CONTÍNUO. DEMONSTRAÇÃO. DEVOLUÇÃO DO INDÉBITO. DEFERIMENTO.
- Porque compete à União Federal a capacidade tributária ativa de tributos como os ora combatidos, por força do art. 2º, do art. 16 e do art. 23 da Lei 11.457/2007, os entes estatais que recebem parte do produto arrecadado (integrantes do denominado “Sistema S”, na proporção equivalente às contribuições para “terceiros”) não têm legitimação processual, dado que seu interesse é apenas econômico. Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência, ou seja, para, em ações como a presente, excluir a legitimidade passiva de entidades que não ostentam condição de sujeito ativo da obrigação tributária (ainda que recebam o produto da arrecadação).
- Em atenção ao decidido pelo E.STF em várias ADIs e REs e Tema 32, a compreensão dos requisitos formais e materiais para a imunidade tributária de entidades beneficentes (na condição de contribuintes) há muito tempo é feita segundo as disposições do art. 14 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966), recepcionado como lei complementar pelo art. 146, II e III, pelo art. 150, VI, “c” e pelo art. 195, § 7º, todos da Constituição de 1988.
- A interpretação do art. 14, I, II e §2º, do CTN não considera suficiente a mera comprovação formal da imunidade com base em previsão abstrata de estatuto, em decretos de utilidade pública e em declarações sem aferição de gastos periódicos com beneficência, pouco servindo também balanços e outras peças contábeis pelas quais não é possível constatar o percentual destinado a benefícios em favor de pessoas carentes. Entidades beneficentes devem destinar o percentual mínimo de 20% de suas atividades e operações com gratuidade para a população carente, porque essa proporção vincula parcela importante do patrimônio e de recursos com as finalidades que justificam a desoneração tributária por parte do Estado.
- Havendo judicialização, a comprovação dos requisitos materiais para a caracterização da atividade beneficente geralmente depende de prova pericial, de modo que o CEBAS não é imprescindível para o reconhecimento judicial da imunidade, apesar de a certificação estatal avalizar (com presunção relativa) a adequação da atuação da entidade aos propósitos constitucionais e legais (Súmula 612 do E.STJ).
- A imunidade pessoal e condicionada exige cumprimento contínuo dos requisitos cumulativos para que a desoneração alcance a extensão integral dos períodos de apuração das obrigações tributárias de trato sucessivo (Súmula 352 do E.STJ). Por essa mesma razão, a autoridade fiscal competente tem o dever de fiscalizar (art. 14, §1º do CTN e art. 38 da Lei Complementar nº 187/2021), mesmo havendo provimento judicial declaratório de imunidade, inclusive revendo certificação administrativa (E.STF, Súmulas 336 e 473, e RE 594.296-Tema 138).
- As contribuições devidas a terceiros (“Sistema S”), incidentes sobre a folha de pagamentos, não têm natureza jurídica de contribuições para a seguridade social, motivo pelo qual não estão compreendidas pela imunidade prevista no art. 195, §7º da Constituição. Todavia, em atenção ao art. 150, § 6º da ordem de 1988 e ao art. 111 do CTN, atos legislativos concederam isenção pessoal e condicionada para entidades de beneficentes de assistência social, de saúde e de educação, cujos requisitos são os mesmos aplicáveis às contribuições para a seguridade social. É o caso das contribuições ao Salário-Educação (art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.766/1999) e das demais contribuições devidas a terceiros (art. 3º, §§ 2º, 5º e 6º da Lei nº 11.457/2007), com referência ao art. 55 da Lei nº 8.212/1991 (substituído pela Lei nº 12.101/2009 e agora pela Lei Complementar nº 187/2021), cujo alcance foi afirmado pelo art. 109 e pelo art. 109-A, ambos da IN RFB nº 971/2009 (com alterações da IN RFB nº 1.071/2010 e seguintes). Antes havia a remissão do art. 4º da Lei nº 9.429/1996, que já alinhava a isenção dessas contribuições às exigências da imunidade das contribuições previdenciárias (art. 195, §7º, da Constituição).
- Ainda que as isenções pessoais e condicionadas, pertinentes às contribuições devidas a terceiros (“Sistema S”), sejam subordináveis a requisitos legítimos fixados em lei ordinária (a rigor, não havendo a imposição de lei complementar indicada pelo E.STF no Tema 32), essas desonerações sempre estiveram (e ainda estão) substancialmente atreladas ao cumprimento de requisitos formais e materiais equivalentes aos exigidos para a imunidade do art. 195, §7º, da Constituição (primeiro pelo art. 14 do CTN e agora pela Lei Complementar nº 187/2021), em favor dos mesmos compromissos solidários de atendimento beneficente à população carente.
- No caso dos autos, a Fundação CEAS e CEBAS que, apreciados em conjunto com os demais documentos acostados aos autos, permitem concluir que o direito à imunidade e à isenção reclamados, com consequente devolução dos indébitos.
- Agravos internos prejudicados. Afastadas as preliminares arguidas. Remessa necessária e apelação da União Federal desprovidas. Apelação da parte autora provida.