APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000462-03.2016.4.03.6102
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: JOSE ANTONIO FURLAN
Advogados do(a) APELADO: GIOVANA PATRICIA PAULINO DE FARIA - SP389195-A, JOANA CRISTINA PAULINO BERNARDES - SP141065-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000462-03.2016.4.03.6102 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: JOSE ANTONIO FURLAN Advogados do(a) APELADO: GIOVANA PATRICIA PAULINO DE FARIA - SP389195-A, JOANA CRISTINA PAULINO BERNARDES - SP141065-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta pela União contra sentença que julgou procedente o pedido inicial, desconstituindo a decisão final do processo administrativo nº 00407.005897/2014-04, que ratificou a conclusão do PAD nº 00407.002959/2008-72 e, consequentemente, determinou a reintegração do autor ao cargo de Procurador Federal. Foi a União condenada a pagar ao autor a remuneração a que teria direito desde 20/12/2012, corrigida nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, bem como ao pagamento de honorários advocatícios nos termos do art. 85, §4º, II, do CPC. As razões da apelação são: impossibilidade de antecipação de tutela; o processo administrativo baseou suas conclusões em provas autônomas, em seu bojo produzidas, sendo, portanto hígidas e não maculadas pela anulação das provas anteriormente emprestadas dos processos criminais; presunção de legalidade e veracidade dos atos administrativos. Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte. Após a vinda dos autos, foram juntadas novas petições pela parte-autora (id 126940114, 157249891, 221810932) e pela União (id 142044383, 163308423). Já conclusos neste Tribunal, constatou-se a ausência nos autos dos arquivos contendo as gravações da audiência realizada em 07/02/2018, sendo determinado o retorno à 1ª instância para retificação, o que foi feito sob id 268605310 e seguintes. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000462-03.2016.4.03.6102 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: JOSE ANTONIO FURLAN Advogados do(a) APELADO: GIOVANA PATRICIA PAULINO DE FARIA - SP389195-A, JOANA CRISTINA PAULINO BERNARDES - SP141065-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, observe-se que não há qualquer vício com relação à intimação das patronas do autor, haja vista a certidão de id 270066878 e intimação de id 270942675, na qual constam as duas advogadas indicadas. Indo adiante, versa o presente feito sobre a anulação de penalidade de demissão imposta a servidor público federal em razão de alegados vícios no Processo Administrativo Disciplinar. Consta dos autos que o autor foi demitido do cargo de Procurador Federal após o Processo Administrativo nº 00407.002959/2008-72. Com a invalidação das provas usadas no PAD advindas de inquérito da operação da Polícia Federal denominada “Perseu”, foi instaurado o processo de revisão nº 00407.5987/2014-07, que manteve a demissão, por valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem em detrimento da dignidade da função pública e participar de gerência ou administração de sociedade privada. A sentença julgou procedente o pedido e concedeu tutela provisória determinando a imediata reintegração do autor ao cargo. Contudo, o próprio juiz de piso revogou a tutela antes da vinda dos autos a esta Corte, com esteio no art. 1º da Lei nº 9.494/1997. Importante anotar, também, que após a decisão do primeiro PAD, o autor impetrou mandado de segurança contra ato do Advogado Geral da União no qual houve sentença transitada em julgado que não reconheceu ter havido cerceamento de defesa em âmbito administrativo. Confira-se a ementa do julgado: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS FORMAIS. DESPROPORCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A prova produzida em ação penal pode ser usada como prova emprestada em processo disciplinar, inclusive interceptações telefônicas válidas. 2. Em processo disciplinar, estando o servidor representado por advogado, é dispensável a sua intimação pessoal do ato de demissão, sendo bastante a intimação pelo DO (precedente desta Corte - MS 8.213/DF - DJe 19/12/2008). 3. O excesso de prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar só pode ser causa de nulidade se demonstrado prejuízo à defesa. Precedentes. 4. A sentença proferida no âmbito criminal somente repercute na esfera administrativa quando reconhecida a inexistência material do fato ou a negativa de sua autoria. 5. Os pedidos de indeferimento de provas ou providências pelo presidente da comissão processante devem ser fundamentados. Aplicação do disposto no § 1º do art. 156 da Lei 8.112/90. 6. Autoria e materialidade da conduta comprovadas, em perfeita subsunção dos fatos às normas proibitivas (art. 117, IX e X, e 132, XIII, da Lei 8.112/90), aplicando-se a pena indicada no dispositivo legal, sem chance de discricionariedade. 7. Em mandado de segurança sendo a prova pré-constituída, não se admite dilação probatória. 8. Segurança denegada. (MS n. 19.823/DF, relatora Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 14/8/2013, DJe de 23/8/2013.) O autor ajuizou também a ação de procedimento ordinário nº 0002841-82.2014.403.6182, cuja sentença julgou procedente o pedido de declaração de nulidade de todas as provas produzidas nos inquéritos policiais nº 0319/2002-SR/DPF/MS e nº 14.0306/2006-DELEPREV e que foram usadas contra o autor no processo administrativo. Assim, com esteio nessa decisão judicial, foi instaurado o processo administrativo revisional nº 00407.005897/2014-07, que manteve a decisão do PAD revisado, sob o entendimento de que, a despeito da anulação das provas advindas do inquérito policial, havia prova autônoma produzida nos autos do próprio PAD que sustentavam a decisão de demissão. O autor procura, na presente ação, desconstituir essa decisão final do PAD revisor e, em consequência, a decisão final do PAD original, sob a argumentação de que não haveria outras provas, além daquelas anuladas, a fundamentar sua demissão. Contra a sentença que julgou procedente o pedido do autor a União interpôs apelação alegando, em suma: a) impossibilidade de antecipação de tutela; b) o processo administrativo baseou suas conclusões em provas autônomas, em seu bojo produzidas, sendo, portanto, hígidas e não maculadas pela anulação das provas anteriormente emprestadas dos processos criminais; c) presunção de legalidade e veracidade dos atos administrativos. Anota-se que foi alegado, ainda, em petições supervenientes, a questão da transposição dos efeitos da sentença criminal para a esfera administrativa e implicações da superveniência da Lei nº 14.230/2021, o que será também devidamente analisado. Passa-se a analisar cada um dos tópicos pertinentes para deslinde do presente recurso. a) Efeitos da sentença penal em âmbito administrativo e superveniência da Lei nº 14.230/2021 Preliminarmente, quanto à existência de sentença criminal impedindo o reconhecimento da existência de infrações administrativas, esta é hipótese que só encontra lugar no caso de a sentença absolutória negar a existência do fato ou sua autoria, quando então os efeitos do pronunciamento judicial em âmbito penal podem interferir na responsabilidade administrativa, na esteira da determinação trazida no art. 126 da Lei nº 8.112/1990. É o que se depreende da mansa jurisprudência pátria (grifei): PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CONFIGURADA. ABSOLVIÇÃO DO RÉU NA ESFERA CRIMINAL. PROVA INSUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS CÍVEL, PENAL E ADMINISTRATIVA. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015. 2. O Colegiado local consignou que "a independência das instâncias apenas é afastada quando, na esfera penal, taxativamente, afirmar-se que não houve fato ou, caso existente o fato, houver demonstração inequívoca de que o agente não foi o seu causador (art. 386, incisos I e IV do CPP), o que não é o caso dos autos". 3. A jurisprudência sedimentada no STJ dispõe que "as esferas criminal e administrativa são independentes, estando a Administração vinculada apenas à decisão do juízo criminal que negar a existência do fato ou a autoria do crime", exceto se houver falta disciplinar residual não englobada pela sentença penal (Súmula 18/STF). 4. O STJ tem entendimento pacificado de que o prazo para a propositura da Ação de Reintegração em cargo público é de cinco anos, a contar do ato que excluiu o servidor público, ainda que o ato seja nulo. 5. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.028.493/TO, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 4/4/2023.) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. INFRAÇÃO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL POR FALTA DE PROVAS. NÃO VINCULAÇÃO DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual as instâncias penal, civil e administrativa são independentes e autônomas entre si. Em razão disso, a repercussão da absolvição criminal nas instâncias civil e administrativa somente ocorre quando a sentença, proferida no Juízo criminal, nega a existência do fato ou afasta a sua autoria, o que não ocorreu na espécie. III - O recurso especial, interposto pela alínea a e/ou pela alínea c, do inciso III, do art. 105, da Constituição da República, não merece prosperar quando o acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência dessa Corte, a teor da Súmula n. 83/STJ. IV - O Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão agravada. V - Agravo Interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.375.858/SC, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 16/5/2017, DJe de 2/6/2017.) Analisando especificamente o caso de sentença criminal que reconheceu a inépcia da denúncia, assim se tem do voto do Ministro Benedito Gonçalves no julgamento do REsp 1581445 / PR (grifei): “Todavia, como é cediço, as instâncias administrativa e criminal guardam relativa independência entre si, sendo que esta última (criminal) somente vincula a esfera administrativa nas hipóteses em que for reconhecida a inexistência do fato ou ficar demonstrado que o demandado não foi seu autor. Isso é o que estabelece o art. 126 da Lei n. 8.112/1990: A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria. Nesses termos, Hely Lopes Meirelles leciona que: "A absolvição criminal só afasta a responsabilidade administrativa e civil quando ficar decidida a inexistência do fato ou não autoria imputada ao servidor, dada independência das três jurisdições. A absolvição na ação penal, por falta de provas ou ausência de dolo, não excluiu a culpa administrativa e civil do servidor público, que pode, assim, ser punido administrativamente e responsabilizado civilmente" (Direito Administrativo Brasileiro, 40ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2014, p. 579, grifei). Enfrentando referida questão, esta colenda Primeira Turma tem reiteradamente decidido no sentido de que: "A absolvição na ação penal não produz efeito no processo administrativo disciplinar, salvo se a decisão criminal proclamar a negativa de autoria ou a inexistência do fato" (AgRg no RMS 35.686/SC, Rel. p/ Acórdão Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 3/8/2017, grifei). No mesmo sentido: "[...] as instâncias penal, civil e administrativa são independentes e autônomas entre si. Em razão disso, a repercussão da absolvição criminal nas instâncias civil e administrativa somente ocorre quando a sentença, proferida no Juízo criminal, nega a existência do fato ou afasta a sua autoria, o que não ocorreu na espécie" (AgInt no REsp 1.375.858/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 2/6/2017, grifei) Na espécie, às fls. 66-109, o juízo sentenciante criminal julgou improcedente o pedido formulado pelo MPF, absolvendo CLAUDIO BELLON em relação a um dos fatos que lhe foi imputado por inépcia da peça acusatória (art. 41 do CPP). Sendo certo que tal absolvição não vincula a esfera administrativa, porque referida decisão somente repercutiria obrigatoriamente se fosse o caso de absolvição criminal fundada na negativa do fato”. (REsp n. 1.581.445/PR, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator para acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 21/11/2019, DJe de 16/12/2019.) No caso dos autos, na sentença proferida nos autos da ação penal nº 0003566-38.2008.4.03.6181 (antigo 2008.61.81.003566-2), houve rejeição da denúncia quanto ao ora autor da presente ação, com esteio no art. 395, I, do CPP (id 126940103 - Pág. 26). Ou seja, não houve absolvição apta a irradiar seus efeitos para outras esferas de responsabilização pelos fatos, que seria aquela prolatada com fundamento no art. 386, incisos I ou IV, do Código de Processo Penal. Dessa forma, não há que se falar em impedimento para o reconhecimento de infração administrativa praticada pelo autor. Também não prosperam argumentos no sentido de que a superveniência da Lei nº 14.230/2021 (que alterou substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa) teria algum efeito no presente julgamento. Ainda que se considere que as infrações disciplinares imputadas ao autor possam ser classificadas também como atos de improbidade, o PAD sequer considerou esse aspecto em sua instrução e julgamento, sendo conduzido nos termos da correição disciplinar trazida na Lei nº 8.112/1990. É dizer, as condutas não foram apuradas segundo o viés da improbidade administrativa e nem foram aplicadas ao autor quaisquer das penalidades previstas para punição de atos de improbidade (mesmo que se alegue que a pena de demissão da Lei nº 8.112/1990 tenha o mesmo efeito prático da pena de perda do cargo, prevista na Lei nº 8.429/1992), hipóteses em que possíveis implicações poderiam advir para o caso dos autos. Afastadas tais questões preliminares, passo a analisar as questões de mérito. b) Impossibilidade de antecipação de tutela A questão está superada, pois já foi analisada pelo magistrado de 1º grau antes da remessa dos autos a esta Corte, e decidida nestes termos (id 126940113 - Pág. 12): “Vistos, Chamo o feito à ordem. Considerando: - que o autor exerceu o cargo de Procurador Federal até dezembro de 2012, enquadrando-se na categoria de servidor público; - a impossibilidade de concessão de medida liminar ou tutela antecipada em face da Fazenda Pública quando tiver por fito a extensão de vantagens ou pagamentos de qualquer natureza a servidores públicos, ex vi do art. 7º, 2º e 5º da Lei nº 12.016/2009 c/c art. 1º da Lei nº 9.494/97; - que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 04, não vislumbrou qualquer vício de inconstitucionalidade no art. 1º da Lei nº 9.494/97, que estende à tutela antecipada as vedações relativas a cautelares e liminares; - que a sentença final somente poderá ser executada após o trânsito em julgado (art. 3º da Lei nº 8.437/92), em face do reexame necessário (art. 496 do CPC) e da observância à sistemática do precatório (art. 100 da CF); revogo a tutela provisória concedida por ocasião da prolação da sentença de fls. 773/796. Dê-se vista à parte autora para oferecimento de contrarrazões, no prazo legal. Após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região para o devido reexame necessário. Prejudicado, no mais, o pedido formulado pelo autor às fls. 824/842. Intimem-se.” Não há, portanto, interesse recursal com relação a este tópico. c) Provas usadas no processo administrativo Com relação a este tópico, é necessário, inicialmente, pontuar que, após a apresentação de apelação e contrarrazões, houve petição do autor noticiando decisão superveniente nos autos do inquérito nº 0007425-33.2006.403.6181, bem como a União noticiou alteração no julgado nos autos do processo nº 0002841-82.2014.403.6102. A decisão noticiada pelo autor não se configura exatamente como fato novo a influenciar na apreciação da apelação, pois se trata apenas de determinação de que os investigados no inquérito manifestassem interesse na restituição dos bens apreendidos depositados junto à Polícia Federal. O autor alega que essa decisão demonstra que o próprio Ministério Público requereu o arquivamento do inquérito, o que demonstraria a imprestabilidade das provas lá produzidas e a inexistência de qualquer irregularidade por ele cometida. Contudo, o arquivamento desse inquérito foi requerido e deferido em 2011, não havendo, portanto, se falar em fato novo. Já com relação à alegação da União, com efeito, verifica-se que a sentença que havia anulado as provas produzidas no inquérito policial foi reformada em julgamento de apelação, no qual se reconheceu a incompetência do Juízo Cível para análise de nulidade de prova produzida perante o Juízo Criminal e afastando qualquer nulidade na interceptação telefônica, julgando improcedentes os pedidos iniciais. Atualmente, os autos foram remetidos ao Superior Tribunal de Justiça para apreciação do agravo em recurso especial interposto pelo autor. Ainda que constitua alteração relevante quanto aos fatos que ensejaram a propositura da presente ação (haja vista que foi a partir da sentença que declarara a nulidade das interceptações telefônicas que foi instaurado o PAD revisional, que aqui se busca anular), em verdade não alteram a substância do que deve ser analisado neste segundo grau de jurisdição por três motivos: 1) a decisão final do PAD revisional concluiu que haveria provas autônomas suficientes para aplicação da penalidade, não se fundamentando nas provas emprestadas do inquérito policial; 2) as referidas interceptações também não foram consideradas na sentença ora apelada, conforme se confere do seguinte excerto (id 126940112 - Pág. 6): “Não se discute nestes autos, e isso também há que ficar estabelecido como premissa, a legitimidade das provas produzidas nos inquéritos policiais e que foram anuladas para fins do processo administrativo disciplinar instaurado contra o autor. Com efeito, por força da ação nº 0002841-41.2014.403.6102 (sic), que tramitou perante a 7ª Vara local, todas as provas produzidas no âmbito penal devem ser desconsideradas e aqui não se fará qualquer análise quanto ao mérito desta questão”; e, finalmente, 3) não foi objeto da apelação qualquer argumento relativo à consideração das interceptações telefônicas – ao contrário, a União baseia sua tese de provimento no sentido de que tais provas foram consideradas não necessárias no PAD. Sendo assim, realizar qualquer juízo acerca desses elementos neste momento processual configuraria desbordamento do efeito devolutivo a que está submetida essa apelação. Pois bem. Isso posto, passo a analisar a alegação da União de que o processo administrativo baseou suas conclusões em provas autônomas, em seu bojo produzidas. Tais provas consistem, basicamente, na confissão do autor sobre os fatos. Embora o acesso à prestação jurisdicional tenha conteúdo de garantia fundamental (art. 5º, XXXV, da Constituição), permitindo a judicialização de controvérsias envolvendo atos da administração pública, a separação de poderes e as legítimas competências conferidas às autoridades administrativas impõem limites à apreciação judicial. O Poder Judiciário deve analisar a validade jurídica de aspectos formais (notadamente as garantias do devido processo legal) de feitos administrativos, mas o mérito de decisões administrativas somente pode ser controlado se houver violação ao postulado da proporcionalidade (ou da razoabilidade), ou se o julgamento administrativo transgredir os parâmetros da legalidade de modo claro, objetivo ou manifesto. Se a decisão administrativa for compatível com o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, e congruente com as provas dos autos, o magistrado deve respeitar as interpretações e as avaliações feitas pela autoridade administrativa competente. Como exemplo, trago à colação os seguintes julgados do E.STJ: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REITOR DE UNIVERSIDADE FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). PENA DE DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. IMPARCIALIDADE DOS MEMBROS DA COMISSÃO DE PAD QUE PARTICIPARAM DE OUTRAS COMISSÕES. CONTROLE JURISDICIONAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. EXAME DA REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO E DA LEGALIDADE DO ATO. IMPOSSIBILIDADE DE INCURSÃO DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. FUNDAMENTAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. 1. Processo administrativo disciplinar (PAD) que aplicou penalidade de demissão ao impetrante, professor e ex-Reitor de Universidade Federal, por concluir que o impetrante valeu-se do cargo que ocupava junto à Universidade para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, ao assinar contrato com o Governo do Distrito Federal e subcontratos com Fundações ligadas à Universidade, utilizadas em desvio de finalidade, para que recursos do Distrito Federal fossem destinados a particulares, sem a realização de licitação. 2. O impetrante respondeu a quatro PADs por irregularidades constatadas ao tempo em que foi Reitor, sendo cada qual decorrente de um Relatório de Demandas Especiais (RDE) elaborado pela CGU (Controladoria-Geral da União). Embora os fatos sejam conexos e pudessem ser apurados em um único PAD, foram agrupados em 4 PADs por uma questão de eficiência, operando-se a interrupção da prescrição relativa a cada grupo de fatos com a abertura do respectivo PAD. Art. 142, parágrafo 3º, da Lei 8.112/90. 3. Não há parcialidade de membro da Comissão Processante apenas por compor outra Comissão Processante, que apura outros fatos pelos quais é investigado o mesmo servidor público. Precedente: MS 21859. 4. O exame da prova produzida no PAD foi feito de forma fundamentada pela autoridade impetrada, que concluiu pela participação dolosa do impetrante nos atos a ele imputados a partir dos elementos de prova indicados e sopesados no Relatório Final da Comissão processante, adotado pela autoridade impetrada. 5. O servidor acusado no processo administrativo disciplinar defende-se dos fatos a ele imputados e não da tipificação legal relacionada. O valimento do cargo (art. 117, IX) ou a improbidade administrativa já levariam por si só à imposição da penalidade de demissão (art. 132, IV e XIII, da Lei 8.112/90), não havendo que se falar em nulidade se não houve prejuízo à ampla defesa do impetrante. 6. A avaliação da gravidade da infração efetuada em sede de Processo Administrativo Disciplinar, se não ultrapassa a esfera do proporcional e do razoável, como nos presentes autos, não se sujeita à revisão judicial. 7. Ordem denegada. (MS 21.773/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2019, DJe 28/10/2019) ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. INCURSÃO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. PENA APLICADA. PROPORCIONALIDADE. PARÂMETROS. MAGISTRADO. CONDUTA INCOMPATÍVEL COM A DIGNIDADE, HONRA E DECORO DAS FUNÇÕES. SANÇÃO. ADEQUAÇÃO. 1. No controle jurisdicional do processo administrativo, a atuação do Poder Judiciário limita-se ao campo da regularidade do procedimento, bem como à legalidade do ato, não sendo possível nenhuma incursão no mérito administrativo a fim de aferir o grau de conveniência e oportunidade. 2. É firme o entendimento de que é possível o exame da penalidade imposta, acerca da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação da pena, já que estaria relacionada com a própria legalidade do ato administrativo. 3. Nos termos do art. 2º da Lei n. 9.784/1999, a Administração obedecerá, entre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa e contraditório, devendo os referidos postulados ser observados inclusive na aplicação dos atos sancionatórios. 4. Especificamente em relação à proporcionalidade, alguns parâmetros devem ser adotados, sendo três as balizas a serem observadas: i) adequação - verificando-se se a medida adotada é eficaz para alcançar o resultado pretendido; ii) necessidade - devendo ser observado se o fim almejado pode ser atingido por meio menos gravoso ou oneroso; iii) proporcionalidade em sentido estrito - consubstanciada na relação custo-benefício, ponderando-se se a providência acatada não irá sacrificar bem de categoria jurídica mais elevada do que aquele que se pretende resguardar. 5. Do magistrado exige-se comportamento ético, moral, ilibado e probo tanto na vida pública como na particular, devendo agir sempre de forma compatível com a relevante função que exerce, conforme inteligência do Código de Ética da Magistratura, aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça em agosto de 2008, que estabeleceu preceitos complementares aos deveres funcionais dos juízes que emanam da Constituição Federal, do Estatuto da Magistratura e das demais disposições legais. 6. Hipótese em que mostra-se correta a aplicação da pena de aposentadoria compulsória com proventos proporcionais à magistrada ante a prática de conduta gravísssima, incompatível com a dignidade, honra e decoro de suas funções, qual seja, a determinação de busca e apreensão de armas que estariam em poder, supostamente, de um morador do condomínio no qual ela residia, sem provocação do Ministério Público ou de autoridade policial, diligência que ela conduziu pessoalmente, e, ainda, o confisco de câmera fotográfica e a voz de prisão dada à empregada doméstica da residência. Aplicação do art. 56, II, da LC 73/1979. 7. Recurso desprovido. (RMS 33.671/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, Rel. p/ Acórdão Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 14/03/2019) Portanto, a análise da aplicação de penalidades em PADs pelo Poder Judiciário deve sempre partir dessa premissa, e apreciados segundo o respeito pela Administração aos princípios constitucionalmente garantidos. Assim, ainda que seja correto dizer que o Poder Judiciário não pode reanalisar provas já apreciadas no âmbito administrativo, o juiz deve avaliar a congruência entre o que é demonstrado pelo acervo probatório e o que efetivamente se conclui nos pareceres e decisões. A construção desse raciocínio busca investigar e averiguar a conduta supostamente infratora, de modo a não serem aplicadas penalidades inadequadas do ponto de vista jurídico. Vale dizer, o juiz não está adstrito a analisar as provas segundo um olhar meramente legalista, de modo a verificar apenas se prazos e formalidades foram cumpridos, pois tem atribuição para julgar se a instrução do processo administrativo conduz a uma conclusão lógica, sobretudo se está alicerçada em provas robustas (sobremaneira quando o que se tem ao fim é aplicação de penalidade grave e demissão). Sob essa perspectiva, analisando o relatório final do PAD revisional, bem como o Parecer nº 131/2015/DAD/DEPCONSU/AGU (id 126940101 - Pág. 78), proferido no PAD revisional e que embasou o despacho que manteve a demissão, verifica-se que estes consideraram que manifestações do servidor investigado, por meio de petições e de seu interrogatório, no PAD original, configuraram verdadeira admissão de condutas irregulares a ele imputadas. Dessa maneira, tais manifestações, à parte das interceptações então anuladas, seriam bastantes e contundentes para manter a penalidade de demissão. Com relação à imputação de divulgar segredo a que teve acesso em razão do exercício das funções, tal acusação se baseia no fato, admitido pelo autor em depoimento, de ter enviado a particulares com interesses contrários aos da administração pública (a saber, Wagner Balera e Walter Chede, ex-procuradores federais e então advogados de empresas devedoras do Fisco) informações relativas a discussões dos termos de um projeto de lei sobre dação em pagamento de créditos tributários e não tributários. A Lei nº 8.112/1990 dispõe em seu art. 132: Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: (...) IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo; Dos estritos termos da Lei nº 8.112/1990, poder-se-ia afirmar que, para a configuração da tipicidade do que dispõe o art. 132, IX, seria necessário que recaísse sigilo formal sobre determinada informação e a expressa vedação a sua divulgação pelo servidor público. Todavia, não deve ser essa a melhor interpretação, na medida em que se infere, dentre os deveres do servidor público, o descrito no art. 116, VIII, da mesma Lei nº 8.112/1990, a saber, guardar sigilo sobre assunto da repartição. O “segredo” a que se refere o art. 132, IX, do Estatuto do Servidor Público Federal, pode ser configurado como dados ou informações internos da administração federal que não estejam sujeitos a escrutínio público. De outro lado, não podem ser elementos desprovidos da mínima sigilosidade inerente aos assuntos internos da Administração, sob o risco de se punir o servidor pela mera referência ou comentário sobre qualquer fato ou dado relativo ao seu ambiente de trabalho. Dito isso, observa-se que o autor afirmou, em depoimento, que apenas falou sobre assunto que já era de conhecimento de pessoas de fora da Administração e que inclusive haveria orientação de que se buscassem opiniões e orientações de juristas fora dos quadros do serviço público (id 126940109 - Pág. 95). Contudo, não é o que se depreende dos autos, pois não se tratava de projeto de lei exposto a consulta pública ou sobre o qual haveria tal determinação quanto a se colher opiniões ou sugestões de conhecedores do assunto, como o autor dá a entender também em seu depoimento em audiência judicial nestes autos (id 26805394). Segundo a própria administração pública, tratava-se de projeto estatal estratégico, discutido em âmbito interna corporis e cuja revelação prematura a pessoas de fora do serviço público – e, sobretudo, com interesse na captação de clientes que poderiam vir a se beneficiar com tal modalidade de extinção de créditos junto à Fazenda Pública – poderia trazer vantagem indevida a terceiros estranhos ao Poder Público, bem como potencial dano ao erário. Contando, portanto, com a sigilosidade mínima requerida para a configuração do tipo do art. 132, IX, da Lei nº 8.112/1990, caracterizada estão tais informações como matéria que deveria ser mantida apenas no âmbito interno da Administração, mas foram reveladas pelo autor a Wagner Balera e Walter Chede, fato este admitido no depoimento prestado no Processo Administrativo, nestes termos (id 126940105 - Pág. 42) (grifei): “PERGUNTANDO ao depoente acerca do áudio de fls. 122/123, do apenso ‘interceptações’, em que tem fone alvo o nº 16-9993-8216, em que conversam o depoente e Chede, por que teria encaminhado um projeto de dação em pagamento de terras públicas para o escritório de um particular RESPONDEU que isso era um projeto que o depoente começou antes de 2004, provavelmente em fevereiro de 2004, que foi chamado a Brasília para participar de um grupo que estudava a dação de terras em pagamento, no momento em que o INCRA soubesse que houvesse terra de seu interesse, buscaria débitos entre as Autarquias, e a ideia era ao invés de pagar a empresa, emitiriam um título e esses ficariam penhorados, para quitar dívidas do proprietário da terra. Que era um projeto de lei como outro qualquer, que consultou o maior número de juristas possíveis. Que esse grupo reuniu-se somente uma vez, traçando linhas gerais, que esse projeto era da Consultoria Jurídica do Ministério da Reforma Agrária. Que uma Auditora Fiscal do Ministério da Previdência que conhecia o depoente sugeriu o seu nome para participar desse grupo. Que saíram a campo para trocar ideias, que tinham orientações para procurar juristas, e que a maior parte de consultores não era de carreira, que se lembra de um procurador, que as outras pessoas não sabe se eram do serviço público, e que não se lembra de encaminhar esse projeto. Que não tinha um projeto, mas uma ideia, e que conversou com Balera e Chede sobre a ideia, ou seja, legislação em tese. Que dentro do Ministério da Previdência, o Wagner Balera e o Sr. Wladimir Novaes Martines Peres sempre foram chamados para participar da elaboração de novos projetos de lei. Que a conversa foi para consultar um jurista renomado”. Ainda que o autor tente conferir à tal “conversa” um caráter de consulta que seria até requerida pela administração federal, e que se tratava de um projeto de lei como outro qualquer, não há qualquer demonstração nesse sentido, além do que os desdobramentos dos fatos mostram o grau de reprovação de sua conduta por parte do próprio poder público. E pela estatura do cargo exercido pelo Procurador Federal, não se trata de engano ou má compreensão do conteúdo e do valor das informações repassadas. De outro lado, resta inequívoca a admissão do autor de que a revelação desses dados, de fato, existiu. Já com relação à imputação de deixar de manter conduta compatível com a moralidade administrativa, verifica-se que vem disposta na conjugação do art. 117, inciso IX, com art. 132, inciso XIII, da Lei nº 8.112/990: Art. 117. Ao servidor é proibido: (...) IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública; (...) Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: (...) XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117. A União alega a confissão dos fatos, consubstanciada na admissão de relacionamento político e administrativo com Wagner Balera e Walter Chede e a solicitação a eles de uma convocação para trabalhar na Procuradoria Federal em São Paulo. Segundo a União, o atendimento de tal solicitação comprovaria que esses advogados teriam influência indevida junto ao alto escalão do INSS, apesar de em sua prática profissional administrarem interesses contrários aos da Administração. A sentença recorrida considerou que tal fato seria irrelevante para configuração de qualquer infração administrativa, pois não haveria como um servidor solicitar a particular sua convocação para qualquer tipo de função dentro da estrutura da administração federal. Mas reside exatamente nesse fato, aparentemente contraditório, a violação à moralidade administrativa, pois pessoas estranhas aos quadros da Procuradoria Federal, ainda que egressos dela, não podem ter ingerência nessas esferas, em vista dos primados do republicanismo e do estado de direito. Fosse um procedimento público, impessoal e transparente, no qual referências externas de boa conduta seriam bem vindas, outra seria a conclusão quanto à reprovação da conduta do servidor, mas não quando essas indicações tomam contornos de contrapartida por informações sigilosas e com potencial valor econômico e estratégico para o setor privado. Verifica-se ainda mais um elemento que agravaria a conduta: o fato, igualmente admitido pelo autor, de que com o pedido de convocação procurava “testar” se os referidos advogados realmente tinham a influência que alegavam ter junto aos dirigentes do órgão, o que demonstra que tinha ciência da potencial irregularidade do procedimento sugerido. Dos excertos abaixo fica clara a confissão do autor quanto a estes fatos (id 126940105 - Pág. 32/33) (grifei): “PERGUNTADO ao depoente se conversou com Jeferson sobre a nomeação de Antonio Carlos RESPONDEU que com Jeferson não, mas com Chede sim. Que disse que o Dr. Antonio Carlos é uma pessoa que, administrativamente, pelo que fez em Jaú e Barretos, é uma pessoa acima da média. Pede para fazer constar que em relação a sua convocação para trabalhar em São Paulo que apesar de considerar que foi uma grande ‘burrice minha’ o pedido de convocação foi justamente para tentar saber se as pessoas estavam falando em nome da Previdência e se tinha fundamento o que essas pessoas diziam. Pois se tinha fundamento, essa convocação viria e foi devidamente paga. Que não sabe de onde veio essa convocação, mas sabe que ela veio, e como não tinha falado nada, nem com a Previdência nem com a Procuradoria, supõe que esta convocação veio através de pedido de Wagner Balera, e que confirma que ele tem meios de conseguir isso. (...) PERGUNTADO ao depoente se sabia do vínculo de Chede com o Presidente do INSS, RESPONDEU eles afirmavam, mas não sabia se de fato isso ocorria. Assim, o único modo de saber se de fato existia esse vínculo seria vindo a São Paulo para saber, e pois (sic) isso pediu a convocação a São Paulo, conforme resposta apresentada em indagação anterior. PERGUNTADO ao depoente se, como foi ele quem indicou o nome do Dr. Aloizo Lucena, a quem foi feita a indicação RESPONDEU que fez a indicação a Wagner Balera. Que a princípio tinha a intenção de manter Marcelo, mas como viu que a intenção do Dr. Marcelo seria de não mais permanecer no cargo, solicitou outro nome a Dra. Simone, como afirmado no depoimento dela, quando então foi indicado o nome do Dr. Aloizio Lucena”. Não bastasse a confissão, há cópia do e-mail enviado pelo autor a Wagner Balera, sedimentando a comprovação dos atos confessados. No termo de indiciação do autor (id 126940105 - Pág. 60) ficam bem claros os motivos de tal conduta ser apenada pela Lei nº 8.112/1990: “Ressalte-se que é inadmissível a um Procurador Federal solicitar um ato administrativo a pessoa não integrante da Administração Pública, mesmo que fosse para ‘testa’ a força de quem quer que seja. Se o acusado tivesse vislumbrado alguma irregularidade no sistema de convocações ou na forma com que os atos da Procuradoria Federal estavam sendo perpetrados, não lhe cabe ‘testar’ o poder, senão encaminhar os fatos para autoridade competente, o que não fez em nenhum momento, mesmo após sua convocação para trabalhar em São Paulo, demonstrando a ingerência dos advogados dentro da Administração Pública”. O autor, em seu depoimento, dá a entender que manteve contato pontual com Wagner Balera e Walter Chede, e que estes atuavam como pessoas de confiança do então nomeado presidente da autarquia, Jefferson Carlos Carus Guedes, que procurava compor equipe de transição e implementar planos de trabalho, tudo no atendimento do interesse público. Contudo, essa narrativa se mostra frágil, haja vista que os referidos advogados atuavam no ramo de consultoria a empresas com dívidas previdenciárias (conforme se verifica do contrato de prestação de serviços referenciado sob id 126940105 - Pág. 62), buscando diminuição e extinção de créditos junto à Fazenda Pública. Não se mostra crível que esses profissionais buscariam – de fora dos quadros funcionais, frise-se – trabalhar para “dar um gás na Procuradoria, que precisavam de nome, porque a ideia da Presidência era aumentar as arrecadações e contribuições dentro do INSS, e a justificativa era que o INSS não conseguia recuperar o que ele tinha de crédito”. Assim, ainda que afirme não ter confessado qualquer ato ilegal, observa-se que o autor admitiu os fatos indicados, embora tenha tentado dar a eles roupagem de conduta regular, o que não se confirma diante do conjunto de elementos trazidos nos autos. Por fim, quanto à conduta de participar de gerência ou administração de sociedade privada e exercer atividades incompatíveis com o exercício do cargo ou função (vedada ao servidor no art. 117, X, e penalizada com demissão, nos termos do art. 132, XIII, todos da Lei nº 8112/1990), a comissão processante considerou que os atos admitidos pelo autor com relação às empresas Millafer Transportes e Furlan & Farias, das quais sua esposa é sócia-administradora, configuram sua indevida atuação como gerente. A conduta em tela deve ser caracterizada pela prática habitual e reiterada de atos de gestão, típicas de administrador de entidade privada e voltada ao lucro, não podendo servir à configuração da irregularidade feitos esporádicos ou isolados junto à empresa ou aos sócios. A comissão processante concluiu que, da oitiva do autor, ficou configurada a habitualidade da atuação do servidor na condição de gerente de fato das referidas empresas. Em seu depoimento o autor afirma que todos os fatos apontados ela comissão seriam atos isolados, não comprovando habitualidade; entretanto, o que se observa é que há uma cadeia de “atos isolados” que não pode ser ignorada, constituindo verdadeira atividade permanente de gestão das empresas. A comissão observou, ainda, confusão patrimonial e de gestão entre as empresas Millafer Consultoria (empresa do irmão do autor, Luiz Furlan, que prestava consultoria contábil, atuando inclusive juntamente com os advogados Wagner Balera e Walter Chede) e Millafer Transportes, em que a esposa do autor consta como sócia-administradora, mas na qual se constatou a ocorrência de diversos atos de gestão por parte do autor. O autor busca justificar parte dessa confusão alegando que haveria apenas um endereço de e-mail para toda a família, que era usado também para a empresa (id 126940105 - Pág. 48), bem como compartilhariam de apenas uma conta-corrente conjunta (id 126940105 - Pág. 50), o que contraria a afirmação, feita na sequência, de que a doação de R$ 54.000,00 feita por ele à esposa se referia a dinheiro que já era anteriormente dela e também uma “forma contábil para individualização novamente da declaração do imposto de renda e da independência financeira de cada um”. A comissão processante analisou todos esses fatos relatados, questionando o autor sobre diversos atos por ele praticados junto às empresas Millafer e também na empresa Furlan e Farias (posto de gasolina em que sua esposa era sócia majoritária) e concluiu que a atuação do servidor era a de gerente de fato das empresas. Mais uma vez, acrescente-se que, em depoimento, o argumento de o autor negar o caráter ilícito dos atos não ilide o fato de que ele admitiu tê-los realizado, o que caracteriza verdadeira confissão das imputações a ele feitas. O objetivo da análise aqui feita não é reapreciar as provas produzidas no PAD, realizando novo julgamento do mérito administrativo, mas averiguar se as conclusões a que chegou a comissão processante, a partir da análise dessas provas, é congruente e proporcional, o que diz respeito à legalidade do procedimento. Tendo sido usado como fundamento a tese de que o autor teria confessado os fatos que configurariam as condutas infracionais, é de se verificar se dessas provas constam tais elementos. E o que se observa é que, ainda que nos depoimentos o autor tenha procurado minimizar a gravidade ou ilidir o caráter infracional dos atos apontados, ele admitiu ter praticado as condutas indicadas no PAD como irregulares para sua função pública. d) Presunção de legalidade e veracidade dos atos administrativos É certo que a Administração Pública goza do princípio da presunção da legitimidade ou da veracidade, o qual abrange dois aspectos: de um lado, a presunção da certeza dos fatos (verdade) e de outro lado, a presunção da legalidade, no sentido de que, até prova em contrário, todos os seus atos são verdadeiros e praticados com observância das normas legais. Como se trata de presunção relativa (juris tantum), seu efeito é inverter o ônus da prova, de tal modo que cabe à parte-autora demonstrar que os fatos narrados não aconteceram tal como afirmado por autoridade pública. Portanto, não basta ter sido instaurada uma dúvida razoável sobre fatos indicados em autuação lavrada pelo Poder Público, porque, na seara administrativa (ainda que pertinente ao direito administrativo sancionador), a controvérsia é dirimida pela presunção de veracidade e de validade dos atos administrativos e não pela presunção de não culpabilidade (ou presunção de inocência) do acusado. No caso dos autos, a União alega que o PAD não é eivado de vícios, que já foi assentado pelo STJ, no caso concreto, que não haveria cerceamento de defesa do autor, e que a penalidade aplicada respeitou a legalidade e a proporcionalidade, razão pela qual presumem-se legítimos os atos praticados. Sendo a presunção de legitimidade, legalidade e veracidade dos atos administrativos relativa, cabe prova em contrário, sendo ônus do servidor investigado desconstitui-la. E, no caso em comento, não ficou demonstrado que as provas em que se baseou a Administração não se sustentam por si só, pois não logrou o servidor investigado demonstrar que os fatos admitidos em depoimento não constituiriam confissão das condutas a ele imputadas. Conclusão De todo analisado, não se verificam presentes elementos que justifiquem a anulação do Processo Administrativo Disciplinar. Em conclusão, por tudo o que consta dos autos, verifico que, na espécie, houve respeito ao devido processo legal – não apenas no sentido de não ter havido cerceamento de defesa, matéria já acobertada pela coisa julgada no MS n. 19.823/DF, mas também no sentido de não faltarem elementos probatórios aptos a caracterizar o cometimento de infrações disciplinares, nos moldes em que imputadas ao autor. A Administração fundamentou sua decisão na confissão do autor pois, de seu depoimento, resta caracterizada a admissão de diversos fatos que são inequivocamente enquadrados como ilícitos funcionais. Outrossim, as considerações da Comissão Processante no sentido de que ex-servidor praticou gerência ou administração de sociedade privada, o que importou a aplicação da penalidade de demissão, são considerações que observaram os limites da legalidade, o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal e o dever de motivação. Por conseguinte, resta evidente o respeito, pela Administração Pública, ao princípio da legalidade, não havendo qualquer nulidade a ser verificada, razão pela qual impõe-se a reforma da sentença recorrida. Por fim, anoto que eventuais outros argumentos trazidos nos autos ficam superados e não são suficientes para modificar a conclusão baseada nos fundamentos ora expostos. Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação para julgar improcedente o pedido inicial. Nos termos do art. 85, §3º do CPC, condeno a parte-autora ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros. É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCURADOR FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REVISÃO. DEMISSÃO. CONFISSÃO. PROVAS AUTÔNOMAS. FAVORECIMENTO DE ADVOGADOS PRIVADOS. INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS. CONTRAPARTIDA. MOVIMENTAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO. GESTÃO EM EMPREENDIMENTO PRIVADO. ELEMENTOS SUFICIENTES. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE E VERACIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO.
- Embora o acesso à prestação jurisdicional tenha conteúdo de garantia fundamental (art. 5º, XXXV, da Constituição), permitindo a judicialização de controvérsias envolvendo atos da administração pública, a separação de poderes e as legítimas competências conferidas às autoridades administrativas impõem limites à apreciação judicial. O Poder Judiciário deve analisar a validade jurídica de aspectos formais (notadamente as garantias do devido processo legal) de feitos administrativos, mas o mérito de decisões administrativas somente pode ser controlado se houver violação ao postulado da proporcionalidade (ou da razoabilidade), ou se o julgamento administrativo transgredir os parâmetros da legalidade de modo claro, objetivo ou manifesto. Se a decisão administrativa for compatível com o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, e congruente com as provas dos autos, o magistrado deve respeitar as interpretações e as avaliações feitas pela autoridade administrativa competente.
- O juiz não está adstrito a analisar as provas segundo um olhar meramente legalista, de modo a verificar apenas se prazos e formalidades foram cumpridos, pois tem atribuição para julgar se a instrução do processo administrativo conduz a uma conclusão lógica, sobretudo se está alicerçada em provas robustas (sobremaneira quando o que se tem ao fim é aplicação de penalidade grave e demissão).
- Pelo que consta dos autos, a sentença proferida em ação penal foi pela rejeição da denúncia por inépcia quanto ao ora autor da presente ação (art. 395, I, do CPP), de modo que não houve absolvição (art. 386, I ou IV, do mesmo CPP) apta a irradiar seus efeitos para outras esferas de responsabilização, sendo inaplicável ao presente a Lei nº 14.230/2021 porque as condutas não foram apuradas pelo viés da improbidade administrativa.
- Não utilizando interceptações anuladas, a pena de demissão aplicada na via administrativa está amparada em provas consistentes contidas no PAD revisional, mostrando que o Procurador Federal demitido: a) divulgou informações estratégicas (em favor de advogados privados) a que teve acesso em razão do exercício das funções; b) teve conduta incompatível com a moralidade administrativa por ter solicitado que advogados privados influenciassem sua movimentação funcional na administração federal; c) participou de gerência ou administração de sociedade privada e exercer atividades incompatíveis com o exercício do cargo ou função, havendo confusão patrimonial e de gestão entre as empresas (inclusive uma que prestava consultoria contábil, atuando inclusive juntamente com os mesmos advogados privados).
- Houve respeito ao devido processo legal, não apenas no sentido de não ter havido cerceamento de defesa, matéria já acobertada pela coisa julgada no MS n. 19.823/DF, mas também no sentido de não faltarem elementos probatórios aptos a caracterizar o cometimento de infrações disciplinares, nos moldes em que imputadas ao autor. A Administração fundamentou sua decisão na confissão do autor pois, de seu depoimento, resta caracterizada a admissão de diversos fatos que são inequivocamente enquadrados como ilícitos funcionais.
- A decisão administrativa pela demissão está baseada em provas autônomas, em nada interferindo as invalidadas, sobretudo na confissão do autor sobre os fatos que, a despeito de suas argumentações, revelam ilícitos suficientes para a penalidade aplicada.
- Apelação provida.