APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005541-37.2019.4.03.6112
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, MARCOS LIMA DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: RONALDO CAMILO - PR26216-A
APELADO: MARCOS LIMA DE SOUZA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
Advogado do(a) APELADO: RONALDO CAMILO - PR26216-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005541-37.2019.4.03.6112 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, MARCOS LIMA DE SOUZA Advogado do(a) APELANTE: RONALDO CAMILO - PR26216-A APELADO: MARCOS LIMA DE SOUZA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: RONALDO CAMILO - PR26216-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por MARCOS LIMA DE SOUZA em face da sentença proferida pela 3ª Vara Federal de Presidente Prudente (SP) que o condenou à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 334-A, § 1º, I, II e V do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em: i) prestação pecuniária, no valor de 5 (cinco) salários mínimos, a ser revertida para entidade filantrópica definida pelo juízo das execuções penais; ii) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo período da pena substituída. A denúncia (ID 206701862), recebida em 5 de novembro de 2019 (ID 206701872), narra: 1. No dia 4 de outubro de 2019, na rodovia SP 425 – Assis Chateaubriand, altura do km 436, no Município de Indiana/SP, nesta Subseção Judiciária de Presidente Prudente/SP, constatou-se que o imputado MARCOS LIMA DE SOUZA, agindo com consciência e vontade, recebeu e transportou, dentro do território nacional, com finalidade comercial e sem qualquer documentação legal, 100.000 (cem mil) maços de cigarros de origem estrangeira, todos de procedência paraguaia e importação proibida, da marca Eight, dependentes para ingresso no país de registro, análise e autorização do órgão público competente – Anvisa e Receita Federal, introduzidos ilicitamente em território nacional, em desconformidade com os artigos 45 a 54 da Lei nº 9.532/97, conforme pormenorizada descrição feita no laudo merceológico da Polícia Federal (id 23994214). 2. Em patrulhamento de rotina realizado na rodovia SP 425, policiais militares deram ordem de parada ao veículo caminhão VW/24.280, CRM 6x2, placas ALZ-7008, conduzido pelo acusado MARCOS LIMA DE SOUZA, sendo que, ao fiscalizar o veículo, foram encontradas, 200 (duzentas) caixas de cigarros de origem paraguaia, desacompanhados da documentação legal de importação e escondidos sob sacos de ração. 3. O imputado, inicialmente, afirmou estar transportando ração para peixes, vindo de Marechal Cândido Rondon/PR e tendo como destino Brotas/SP, apresentando, na ocasião, as notas fiscais 352986, 352987 e 352988, emitidas pela Agrícola Horizonte Ltda. 4. Realizada conferência das mercadorias pelos policiais, foi constatada, todavia, a existência de 200 (duzentas) caixas de cigarros de origem paraguaia, escondidos sob os sacos de ração transportados, oportunidade na qual o acusado MARCOS LIMA DE SOUZA confessou ter sido contratado para que procedesse ao recebimento e transporte da carga de cigarros paraguaios, o que foi feito com total conhecimento do ingresso clandestino e ilícito da mercadoria em território nacional, informando, inclusive, que fazia uso de telefone celular para comunicação com um “batedor”, visando evitar fiscalização. 5. Os cigarros adquiridos, recebidos e transportados, sem documentação e com finalidade comercial, pelo denunciado MARCOS LIMA DE SOUZA, são produtos de importação proibida, já que não possuem o necessário registro na ANVISA, imposto pela Resolução RDC nº 90/2007 e também não possuem os selos obrigatórios para importação, exigidos pelo artigo 284 do Decreto nº 7.212/10 e pela Instrução Normativa RFB nº 770/2007, alterada pela IN nº 783/07 e 1203/11, o que evidencia a entrada ilícita e proibida dos cigarros em território nacional, o que era de conhecimento do imputado. 6. Ao receber e transportar mercadorias estrangeiras sem documentação comprobatória de sua regular importação, o denunciado MARCOS LIMA DE SOUZA causou dano ao Erário, por força dos artigos 2º e 3º e § 1º, do Decreto Lei nº 399/68, regulamentado pelo artigo 393 c/c 689, inciso X do Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto nº 6.759/09; artigos 94, 95, 96, inciso II, 111, 113 do Decreto Lei nº 37/66 e artigo 23, inciso IV, § 1º, 25 e 27 do Decreto-Lei nº 1455/76, regulamentado pelos artigos 673, 674, 675, inciso II, 686, 687, 701 e 774 do Decreto nº 6.756/09. 7. O artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68 complementa o disposto no artigo 334-A do Código Penal, ao considerar contrabando o transporte de cigarros estrangeiros dentro do território nacional, o que foi feito pelo imputado. 8. Os cigarros contrabandeados recebidos e transportados pelo denunciado são produtos altamente danosos e nocivos à saúde pública, não possuindo qualquer controle quanto ao modo de fabricação e insumos utilizados e, normalmente, são consumidos pela parcela mais carente da população brasileira, em decorrência de seu baixo custo, atingindo inclusive crianças e adolescentes, frente ao comércio clandestino, o que revela a gravidade da conduta praticada. 9. O veículo VW/24.280 foi utilizado como meio para a prática do crime de contrabando. 10. O denunciado MARCOS LIMA DE SOUZA praticou o crime mediante paga e promessa de recompensa, para realizar o recebimento e o transporte dos cigarros apreendidos, sem documentação, com finalidade comercial, sendo oferecido a ele a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), tendo, inclusive, sido preso em flagrante portando R$ 640,00 (seiscentos e quarenta reais), que se constitui proveito da infração penal. 11. Verificou-se, ainda, que o denunciado MARCOS LIMA DE SOUZA possui registro criminal anterior relacionado à prática do delito previsto no artigo 334-A do Código Penal, conforme informação obtida junto ao Infoseg (id 22866645) e extrato de movimentação processual dos autos nº 0000312-79.2018.403.6125 – 1ª Vara Federal de Ourinhos/SP (id 22879255), o que revela personalidade voltada para o crime. Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia a esse Juízo MARCOS LIMA DE SOUZA como incurso no artigo 334-A, §1º, incisos I, II e V, c/c o artigo 62, IV, ambos do Código Penal, aplicando-se, por ocasião da sentença, o disposto no artigo 92, inciso III, do Estatuto Repressivo. A sentença (ID 206702031) foi publicada em 14 de julho de 2021. Em suas razões de apelação (ID 206702039) o MPF requer: i) a majoração da pena-base em patamar não inferior a três anos; ii) o reconhecimento da circunstância agravante de paga ou promessa de pagamento (CP, art. 62, IV), afastando-se a aplicação da atenuante de confissão espontânea (CP, art. 65, III, “d”), para que prevaleça a circunstância agravante; iii) o aumento do valor da prestação pecuniária para 10 (dez) salários mínimos; iv) a aplicação ao réu da inabilitação para dirigir veículo como consequência da condenação. A defesa, por sua vez, requer a reforma parcial da sentença, para que a pena restritiva de direitos de prestação de serviços seja substituída por outra pena de prestação pecuniária, alegando que o apelante é motorista e não consegue cumprir a pena de prestação de serviços fixada na sentença (ID 206702057). Foram apresentadas contrarrazões pela defesa (ID 206702050) e pelo MPF (ID 206702059). A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso da defesa e pelo parcial provimento do recurso da acusação para: i) elevar-se a pena-base ao patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão; ii) reconhecer-se a circunstância agravante do art. 62, IV, do Código Penal, procedendo-se a devida compensação com a circunstância atenuante de confissão espontânea; iii) aplicar-se o efeito condenatório previsto no art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro. Também manifestou-se pelo afastamento, de ofício, do incremento da pena-base fundado nos maus antecedentes do acusado (ID 214247066). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005541-37.2019.4.03.6112 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, MARCOS LIMA DE SOUZA Advogado do(a) APELANTE: RONALDO CAMILO - PR26216-A APELADO: MARCOS LIMA DE SOUZA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: RONALDO CAMILO - PR26216-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por MARCOS LIMA DE SOUZA em face da sentença que condenou o réu pela prática do crime de contrabando. Não houve insurgência das partes quanto ao mérito da imputação, mas apenas quanto à dosimetria da pena. Nada obstante, registro que a materialidade, a autoria e o dolo foram devidamente comprovados pelo auto de prisão em flagrante (ID 206701814, p. 1), pelo auto de apresentação e apreensão (idem, p. 6), pelos laudos periciais (ID 206701857, pp. 4/7 e pp. 8/12), auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal (ID 206701924, pp. 4/8) e pela prova produzida em contraditório judicial, inclusive a confissão do acusado. Foram apreendidos 100.000 maços de cigarros de origem estrangeira. Passo ao reexame da dosimetria da pena, que foi o único objeto dos recursos. Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, acima do mínimo legal, em razão dos antecedentes do acusado e da quantidade de cigarros apreendidos. O MPF pede aumento da pena-base em patamar não inferior a 3 (três) anos, considerando a quantidade de cigarros, os danos à saúde pública que esse tipo de comportamento ocasiona e a estrutura organizada para o cometimento do crime. Assiste-lhe parcial razão. No entanto, afasto de ofício a valoração negativa dos antecedentes porque a existência de inquéritos policiais ou de ações penais em curso pela prática de delitos da mesma natureza ou por fatos posteriores ao delito objeto da ação penal não pode ser considerada como circunstância apta a exasperar a pena-base, nem a título de conduta social inadequada e personalidade voltada para crime, nem a título de maus antecedentes, nos termos da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No caso, as circunstâncias do crime relativas ao modus operandi utilizado pelo acusado na prática do crime (grau de preparação e planejamento sofisticado para a guarda dos cigarros) é inerente ao tipo penal, não devendo ser valoradas negativamente. As consequências do crime relacionadas aos malefícios que o cigarro pode causar à saúde pública também são inerentes ao tipo penal e não justificam maior exasperação da pena-base. A quantidade de cigarros contrabandeados, no entanto, constitui vetor apto a aumentar a pena-base, conforme entendimento sedimentado pelo STJ, como se verifica, a título exemplificativo, na seguinte ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. QUANTIDADE DE CIGARROS APREENDIDOS. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. PROPORCIONAL. EXECUÇÃO IMEDIATA DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. Não viola o princípio da colegialidade a decisão monocrática que, amparada em permissivo legal, deriva de exaustivo e qualificado debate sobre a questão jurídica objeto da impugnação especial, em sentido coincidente com a pretensão recursal. 2. As instâncias ordinárias destacaram que se trata de alto valor de mercadoria apreendida (R$ 158.760,00, em 2008) e excessiva quantidade de cigarros confiscados - 189.000 maços -, elementos que, a toda evidência, justificam maior reprimenda penal na primeira fase da dosimetria. 3. No julgamento dos EREsp n. 1.619.087/SC, a Terceira Seção do STJ assentou não ser possível a execução provisória de pena privativa de liberdade convertida em restritiva de direitos. 4. Agravo regimental conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido para reconsiderar a decisão de fls. 602-606 e determinar a suspensão da execução das penas restritivas de direitos até o trânsito em julgado final da condenação. (AGARESP 1076159, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 12.09.2019, DJe-033 Publicação 20.09.2017) Por isso, acolho parcialmente o recurso da acusação neste ponto para aumentar a pena-base para 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão. Na segunda fase, o juízo não reconheceu circunstâncias agravantes e reconheceu a circunstância atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d"), reduzindo a pena em seis meses. O MPF pede seja reconhecida circunstância agravante de paga ou promessa de pagamento (CP, art. 62, IV), no que tem razão. Com efeito, ao ser interrogado em juízo, o réu admitiu que receberia R$ 2.000,00 (dois mil reais) pelo transporte da mercadoria. O STJ tem admitido que a circunstância agravante da prática do crime mediante paga ou promessa não constitui elementar dos delitos de contrabando e descaminho, sendo permitida o seu reconhecimento em casos como o dos autos. Nesse sentido: AgInt no REsp 1457834/PR, Sexta Turma, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, j. 17.05.2016, DJe 25.05.2016; REsp 1317004/PR, Sexta Turma, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, j. 23.09.2014, DJe 09.10.2014. Por isso, acolho o recurso da acusação e reconheço a circunstância agravante do art. 62, IV, do Código Penal, na fração de 1/6 (um sexto). O MPF também pede seja afastado o reconhecimento da circunstância atenuante da confissão espontânea para que prevaleça a circunstância agravante. Nesse ponto, sem razão. O juízo admitiu expressamente a confissão do acusado na fundamentação da sentença condenatória e isso, por si só, é suficiente para o reconhecimento dessa circunstância atenuante, que não foi infirmada pelos argumentos da acusação. De outro lado, o STJ tem decidido que tanto a confissão espontânea, que diz respeito à personalidade do agente, como a agravante mediante paga, relativa aos motivos determinantes, são circunstâncias igualmente preponderantes (HC nº 318594/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 16.02.2016, DJe 24.02.2016. Por isso, confirmo o reconhecimento da circunstância atenuante da confissão espontânea, que se compensa com a circunstância agravante de paga ou promessa de pagamento ora reconhecida, de modo que a pena intermediária fica em 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão. Na terceira fase, não foi aplicada nenhuma causa de aumento ou de diminuição da pena, o o que confirmo, ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão. Mantenho o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, bem como a substituição dessa pena por duas restritivas de direitos. Quanto a estas, o MPF pede o aumento do valor da pena de prestação pecuniária para 10 (dez) salários mínimos. Sem razão. Com efeito, o valor da prestação pecuniária deve ser suficiente para a prevenção e reprovação do ilícito, atentando-se para a extensão dos danos decorrentes do ilícito e para a situação econômica do apenado, a fim de que se possa viabilizar seu cumprimento, uma vez que não tem relação com o montante fixado na pena privativa de liberdade. Assim, no caso, a fixação do valor da prestação pecuniária em 5 (cinco) salários mínimos é adequada à gravidade do fato, necessária e suficiente para a repressão e prevenção do delito, razão pela qual a mantenho, não acolhendo o pedido da acusação. Por fim, o MPF pede a aplicação da inabilitação para dirigir veículo automotor como efeito da condenação (CP, art. 92, III), tendo razão nesse ponto porque esse efeito da condenação aplica-se ao caso, uma vez que foi utilizado veículo na prática do contrabando, que é crime doloso. Ademais, a inabilitação para dirigir veículo é perfeitamente cabível, até como forma de dissuadir a reiteração desse tipo de conduta. Nesse sentido: HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA PERSECUÇÃO PENAL. PRESCINDIBILIDADE. PENA ACESSÓRIA. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. INEXISTÊNCIA DE AMEAÇA OU CONSTRANGIMENTO ILEGAL À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. 1. Os crimes de descaminho, cuja consumação pressupõe a transposição das barreiras alfandegárias sem o recolhimento dos tributos devidos pelo produto, prescindem da constituição definitiva do crédito tributário. Vulnerados, a partir dessa conduta, os interesses econômicos do Estado, o produto nacional e a economia do País, o processamento dos autos na esfera penal independe da apuração do valor destinado à arrecadação tributária. Precedentes. 2. Nos termos do art. 654 do Código de Processo Penal, a petição inicial de habeas corpus conterá a declaração da espécie de constrangimento ilegal ao direito de locomoção, ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que se funda o seu temor. 3. A pena acessória de inabilitação para dirigir está devidamente justificada pela decisão impetrada. 4. Ordem denegada. (STF HC 129.302/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 23.08.2016, DJe-246 Publicação 21.11.2016) CONDENAÇÃO - EFEITOS - INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. Ante quadro a revelar a utilização de veículo para a prática de crime doloso, tem-se a incidência do inciso III do artigo 92 do Código Penal. (STF HC 131.218/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 19.06.2018, DJe-033 Publicação 19.02.2019). Por isso, acolho o recurso da acusação nesse ponto para aplicar ao apenado a inabilitação para dirigir veículo, como efeito da condenação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro. A defesa, por sua vez, requer a reforma parcial da sentença para que haja a substituição da pena restritiva de direitos de prestação de serviços por outra pena de prestação pecuniária, alegando que o apelante é motorista e não consegue cumprir a pena de prestação de serviços fixada na sentença. Sem razão. O pedido não tem como ser acolhido porque já foi fixada uma pena de prestação pecuniária e o sistema legal não autoriza a imposição de duas penas restritivas de direitos da mesma natureza, pois isso representaria, em última análise, a sanção por uma só pena, mas duplicada. Nesse sentido: PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME PREVISTO NO ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES. EMISSORA DE RÁDIO. ERRO DE PROIBIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. DUAS PENAS PECUNIÁRIAS. VEDAÇÃO. APLICAÇÃO DE PENAS RETRITIVAS DE NATUREZA DISTINTA. JUSTIÇA GRATUITA. APLICAÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. [...] 2. O Código Penal Brasileiro adotou a teoria mista das penas, que tem o duplo objetivo de fazer o condenado refletir sobre seus atos, mas também se engajar em sua ressocialização. Assim, os artigos 43 e 44, §2º, segunda parte, do Código Penal, vedam a substituição da pena privativa de liberdade superior a um ano por duas restritivas de direitos semelhantes (de natureza pecuniária), sob pena de aplicação ao condenado de uma única reprimenda restritiva de direito, o que não atenderia às finalidades preventiva e retributiva da pena [...] 4. Recurso da defesa parcialmente provido. (TRF3, ACR 0001221-35.2015.4.03.6123/SP, Quinta Turma, Rel. Juíza Convocada Raquel Silveira, j. 15.10.2018, e-DJFe Judicial 22.10.2018) Além disso, foi-lhe aplicada a inabilitação para dirigir veículo como efeito da condenação, de modo que essa pretensão é contraditória aos termos da sua condenação, o que também inviabiliza o acolhimento do seu pedido. Posto isso, NEGO PROVIMENTO à apelação da defesa, DE OFÍCIO afasto a valoração negativa dos antecedentes e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação, para aumentar a pena-base, reconhecer a circunstância agravante de paga ou promessa de pagamento e aplicar o efeito da condenação relativo à inabilitação para dirigir veículo, ficando a pena definitiva estabelecida em 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial aberto, nos termos da fundamentação supra. É o voto.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Peço vênia para divergir do e. Relator apenas no que tange ao prazo estabelecido para a reprimenda de inabilitação para dirigir veículo imposta ao réu.
O e. Relator aplicou ao apenado a inabilitação para dirigir veículo pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro.
Perfilho do entendimento de que a hipótese em apreço autoriza a aplicação da pena de inabilitação. Contudo, a meu ver, deve ser imposto à inabilitação prazo idêntico ao da reprimenda fixada ao réu.
A inabilitação para conduzir veículo automotor do artigo 92, inciso III, do Código Penal é efeito secundário da condenação, exigindo-se para a sua aplicação apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso.
Tal efeito da condenação se apresenta como uma reprimenda, legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena.
O citado artigo 92 não traz em seu bojo qualquer prazo para a duração desse efeito extrapenal, porém, como o artigo 5º, inciso XLVII, alínea "b", da Constituição Federal proíbe penas de caráter perpétuo, deve ser observada a regra do artigo 15, inciso III, da Carta Magna, limitando-se tal pena à duração dos efeitos da condenação, consoante entendimento adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (Resp: 1535883 PR 2015/0131858-0, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Publicação: DJ 15/05/2017).
Observo que o crime foi cometido já na vigência da Lei n° 13.804/2019, que dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao contrabando, ao descaminho, ao furto, ao roubo e à receptação, alterou o Código de Trânsito Brasileiro, acrescentando a ele o artigo 278-A:
“Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180 , 334 e 334-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) , condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos.
§ 1º O condutor condenado poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma deste Código."
Referido dispositivo, de caráter administrativo, restou inserido no capítulo do Código de Trânsito Brasileiro que trata das medidas administrativas e constitui efeito automático do trânsito em julgado da sentença proferida em ações penais que versem sobre a prática dos crimes de contrabando, descaminho ou receptação. Tal norma tem como destinatária a autoridade de trânsito.
De outro lado, o artigo 92, III do CP é norma vigente, direcionada ao magistrado e contém previsão de sanção para a prática de crimes dolosos de qualquer espécie, praticados mediante uso de veículo automotor, permitindo a aplicação, desde que fundamentada, da sanção de inabilitação.
Portanto, ao Juízo cabe decretar (fundamentadamente) a inabilitação do condenado para dirigir veículo automotor, nos termos do artigo 92, III, do Código Penal, pelo prazo idêntico ao da pena imposta ao condenado.
Também neste sentido, a jurisprudência da 4ª Seção deste e. Tribunal. Confira-se:
“PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. CONTRABANDO. CIGARROS. DIVERGÊNCIA QUANTO AO PRAZO DA PENA DE INABILIDAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 92, INC. III, DO CP. RECURSO PROVIDO.
1. No caso, verifica-se que o dissenso diz respeito ao prazo estabelecido para a inabilitação para condução de veículo automotor.
2. No que se refere à questão suscitada sobre o prazo da pena de inabilitação do direito de dirigir veículo automotor, nota-se que o Magistrado a quo determinou a aplicação da suspensão temporária da habilitação do réu, nos moldes do art. 92, inc. III, do Código Penal, pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro.
3. O artigo 92, do Código Penal dispõe acerca dos efeitos secundários da condenação. Trata-se, conforme determinação de seu parágrafo único, de efeito não automático da condenação, que precisa ser declarado pelo Magistrado na sentença, de forma fundamentada, conforme pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ. É aplicável a qualquer espécie de delito, atendendo-se, cumulativamente seus dois requisitos: seja doloso e tenha sido praticado com a utilização de veículo automotor.
4. Por outro lado, o artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, introduzido pela Lei nº 13.804, de 2019, de 10 de janeiro de 2019, trata-se das medidas administrativas, constitui efeito automático da existência de sentença transitada em julgado que condena o condutor pela prática dos crimes de contrabando, descaminho ou receptação.
5. No primeiro caso, a norma é direcionada ao Magistrado, o qual, diante de crime doloso de qualquer espécie, cometido mediante uso de veículo automotor, concede a possibilidade de, fundamentadamente, aplicar a sanção de inabilitação. Já no segundo caso, a norma tem por destinatária a autoridade de trânsito, a qual, tendo tomado conhecimento de condenação transitada em julgado por crime de contrabando, descaminho ou receptação, deve cassar a habilitação do condenado ou proibi-lo de obtê-la pelo prazo de cinco anos. Assim, ao Juízo, que não se encontra vinculado à norma insculpida no artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, de caráter administrativo, cabe decretar a inabilitação do condenado para dirigir veículo automotor, nos termos do artigo 92, III, do Código Penal, não obstante possa determinar que seja a autoridade de trânsito comunicada a respeito do trânsito em julgado da condenação, para que esta adote as providências que julgar cabíveis.
6. Nesse contexto, o tempo de duração da interdição deve ser limitado ao tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade aplicada, haja vista que o Código Penal não prevê expressamente o tempo de duração de tal efeito da condenação.
7. Recurso provido.”
(TRF3, EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0000779-11.2019.4.03.6000, Relator Desembargador Federal PAULO FONTES, Data de Publicação: 21/07/2023).
Por tais razões, e tendo em vista o comando do artigo 92, inciso III, do Código Penal, mantenho a aplicação da pena de inabilitação para dirigir veículo ao réu, mas reduzo-a pelo prazo da pena imposta, ou seja, 02 (dois) anos e 10 (dez) meses, a partir do trânsito em julgado.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da defesa, DE OFÍCIO afasto a valoração negativa dos antecedentes e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação, em menor extensão, para aumentar a pena-base, reconhecer a circunstância agravante de paga ou promessa de pagamento e aplicar o efeito da condenação relativo à inabilitação para dirigir veículo, reduzindo, contudo, o prazo da pena de inabilitação para dirigir veículo para o mesmo prazo da pena imposta, ficando a pena definitiva estabelecida em 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial aberto, nos termos da fundamentação supra.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. DOSIMETRIA DA PENA. SÚMULA 444 DO STJ. CRIME COMETIDO MEDIANTE PAGA OU PROMESSA DE PAGAMENTO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO. VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. ALTERAÇÃO DA PENA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE POR DUAS PENAS PECUNIÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO.
1. A Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça veda a utilização de inquéritos e ações penais em curso para caracterizar qualquer das circunstâncias judiciais aptas a agravar a pena-base.
2. A quantidade de cigarros contrabandeados constitui fator apto a elevar a pena-base, o que justifica a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
3. O Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a circunstância agravante da prática do crime mediante paga ou promessa não constitui elementar dos delitos de contrabando e descaminho, sendo permitida sua incidência em casos como o dos autos. De outro lado, tem decidido que tanto a confissão espontânea, que diz respeito à personalidade do agente, como a agravante mediante paga, relativa aos motivos determinantes, são circunstâncias igualmente preponderantes. Confirmado o reconhecimento da circunstância atenuante da confissão espontânea, que se compensa com a circunstância agravante do art. 62, IV, do Código Penal (ora reconhecida).
4. Valor da pena de prestação pecuniária mantido, por ser adequado à gravidade do fato.
5. A inabilitação para dirigir veículo é efeito extrapenal da condenação (CP, art. 92, III) e deve ser aplicada no presente caso porque o réu praticou o delito utilizando veículo automotor para a prática de crime doloso.
6. O sistema legal não autoriza a imposição de duas penas restritivas de direitos da mesma natureza, pois isso representaria, em última análise, a sanção por uma só pena, mas duplicada. Precedente.
7. Apelação da defesa não provida. Apelação da acusação parcialmente provida.