APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5003885-22.2021.4.03.6000
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: WEDER NOGUEIRA BORGES
Advogado do(a) APELANTE: SILVIA DE LIMA MOURA - MS10688-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5003885-22.2021.4.03.6000 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: WEDER NOGUEIRA BORGES Advogado do(a) APELANTE: SILVIA DE LIMA MOURA - MS10688-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por WEDER NOGUEIRA BORGES em face da sentença proferida pela 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS) que o condenou à pena de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 334-A, § 1º, I e II, do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em (i) prestação pecuniária, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em favor de entidade a ser especificada pelo juízo da execução, e (ii) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo tempo de duração da pena privativa de liberdade substituída. A denúncia (ID 264674276), recebida em 11 de março de 2022 (ID 264674277), narra: No dia 12 de junho de 2019, WEDER NOGUEIRA BORGES, agindo dolosamente, importou e transportou, em rodovia brasileira, produtos fumígenos de importação proibida (essência de narguilé). Consta no Boletim de Ocorrência PRF n. 1301351190612090001, que gerou o Auto de Infração n. 0147800-89482/2019 e a Representação Fiscal para Fins Penais n. 10109.723003/2019-89, que na data mencionada, por volta das 09h00, na zona rural do município de Nioaque/MS, WEDER foi surpreendido por policiais rodoviários federais enquanto transportava no veículo Ford Ranger, placa QAG-2901, mercadorias de procedência estrangeira desprovidas de documentação comprobatória de sua introdução no território brasileiro. WEDER transportava 4.320 maços de narguilé, quantia que possui capacidade para lesar o bem jurídico tutelado (saúde pública). O fumo/tabaco para narguilé é um produto fumígeno controlado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Nesse sentido, cabe à ANVISA conceder o registro das marcas de produtos fumígenos permitidos no Brasil bem como autorizar a fabricação, distribuição e importação dos produtos fumígenos registrados. [..] O denunciado não possuía documentação que demonstrasse a importação regular dos maços de narguilé, isto é, a autorização da ANVISA para importação e o desembaraço aduaneiro das mercadorias, fato que caracteriza a conduta delitiva de contrabando. [..] Diante do exposto, o Ministério Público Federal denuncia WEDER NOGUEIRA BORGES como incurso na pena do art. 334-A, §1º, I e II, do Código Penal. A sentença (ID 264674331) foi publicada em 24 de agosto de 2022. Em seu recurso (ID 264674443), a defesa pede o afastamento da inabilitação para dirigir veículo automotor (CP, art. 92, III e CTB, art. 278-A), a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita e a isenção das custas do processo. Foram apresentadas contrarrazões (ID 264674446). A Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento do recurso (ID 264925695), a fim de que a inabilitação para dirigir veículo seja limitada ao período de cumprimento da pena privativa de liberdade, por tratar-se de interdição temporária de direitos decorrente da condenação. É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5003885-22.2021.4.03.6000 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: WEDER NOGUEIRA BORGES Advogado do(a) APELANTE: SILVIA DE LIMA MOURA - MS10688-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por WEDER NOGUEIRA BORGES em face da sentença que o condenou pela prática do crime de contrabando. O recurso versa apenas sobre a aplicação da inabilitação para dirigir veículo como efeito da sentença condenatória. Isso porque o pedido de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita não é, no caso, passível de consideração como recurso porque não constitui sucumbência, isto é, não há demonstração de que isso tenha sido requerido ao juízo de primeiro grau e por ele tenha sido negado. Pois bem. A defesa pede seja afastada a inabilitação para dirigir veículo como efeito da condenação, por "afetar de forma muito prejudicial a carreira policial militar do Apelante por ser impedido de exercer sua função de motorista de viatura, além de ser impedido de ser promovido e de frequentar cursos por não estar habilitado, e isso sem contar na interferência direta no dia- a-dia de sua família e comprometimento da renda extra obtida como moto-entregador". Sem razão, contudo. Na sentença (ID 264674331), o juízo assim fundamentou a aplicação desse efeito da sentença condenatória: Da inabilitação para dirigir veículos No que concerne ao pedido de decretação da inabilitação do réu para conduzir veículos, o art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, com a redação dada pela Lei nº 13.804/2019, prevê como efeito automático da condenação quando o condutor se utiliza do veículo para a prática do crime de contrabando/descaminho. Dado que o contrabando/descaminho apurado nestes autos se deu quando já se encontrava vigente a referida alteração legal, é impositiva a aplicação da sanção no presente caso. Como dito pelo juízo, os fatos narrados na denúncia e pelos quais o apelante foi condenado ocorreram em 12 de junho de 2019, quando já estava em vigor o art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que foi introduzido pela Lei nº Lei nº 13.804, de 10.01.2019, e tem a seguinte redação: Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180, 334 e 334-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos. Esse dispositivo derrogou o inciso III do art. 92 do Código Penal ao dispor que, para três crimes (receptação, descaminho e contrabando), o prazo de inabilitação será de cinco anos. Assim, pelo princípio da especialidade, o prazo de inabilitação para dirigir veículo, quando transitada em julgado condenação por um desses três crimes, será de cinco anos, e não o do período da condenação, como se tem aplicado para outros crimes, bem como para esses três, mas antes da entrada em vigor da nova lei. Observo que o art. 278-A do CTB não se destina à autoridade de trânsito, mas ao juiz, visto tratar de efeito de condenação criminal transitada em julgado. Há um aparente conflito de normas entre as disposições do art. 92, III, do Código Penal e as do art. 278-A do CTB. Todavia, esse conflito resolve-se em favor da aplicação desta última norma, em razão da lei posterior derrogar a anterior e do princípio da especialidade. Assim, no caso concreto, foi correta a aplicação do art. 278-A do CTB. Defiro a assistência judiciária gratuita ao apelante observando que essa concessão não impede a condenação ao pagamento de custas, sendo eventual isenção matéria a ser examinada pelo juízo da execução penal (STJ, AgRg no Ag 1.377.544/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 31.05.2011, DJe 14.06.2011), tampouco implica, como dito acima, provimento parcial deste recurso, pois não há demonstração de que isso tenha sido requerido ao juízo de primeiro grau e por ele tenha sido negado. Posto isso, NEGO PROVIMENTO à apelação. É o voto.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Peço vênia para divergir do e. Relator apenas no que tange ao prazo estabelecido para a reprimenda de inabilitação para dirigir veículo imposta ao réu.
O e. Relator aplicou ao apenado a inabilitação para dirigir veículo pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro.
Perfilho do entendimento de que a hipótese em apreço autoriza a aplicação da pena de inabilitação. Contudo, a meu ver, deve ser imposto à inabilitação prazo idêntico ao da reprimenda fixada ao réu.
A inabilitação para conduzir veículo automotor do artigo 92, inciso III, do Código Penal é efeito secundário da condenação, exigindo-se para a sua aplicação apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso.
Tal efeito da condenação se apresenta como uma reprimenda, legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena.
O citado artigo 92 não traz em seu bojo qualquer prazo para a duração desse efeito extrapenal, porém, como o artigo 5º, inciso XLVII, alínea "b", da Constituição Federal proíbe penas de caráter perpétuo, deve ser observada a regra do artigo 15, inciso III, da Carta Magna, limitando-se tal pena à duração dos efeitos da condenação, consoante entendimento adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (Resp: 1535883 PR 2015/0131858-0, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Publicação: DJ 15/05/2017).
Observo que o crime foi cometido já na vigência da Lei n° 13.804/2019, que dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao contrabando, ao descaminho, ao furto, ao roubo e à receptação, alterou o Código de Trânsito Brasileiro, acrescentando a ele o artigo 278-A:
“Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180 , 334 e 334-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) , condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos.
§ 1º O condutor condenado poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma deste Código."
Referido dispositivo, de caráter administrativo, restou inserido no capítulo do Código de Trânsito Brasileiro que trata das medidas administrativas e constitui efeito automático do trânsito em julgado da sentença proferida em ações penais que versem sobre a prática dos crimes de contrabando, descaminho ou receptação. Tal norma tem como destinatária a autoridade de trânsito.
De outro lado, o artigo 92, III do CP é norma vigente, direcionada ao magistrado e contém previsão de sanção para a prática de crimes dolosos de qualquer espécie, praticados mediante uso de veículo automotor, permitindo a aplicação, desde que fundamentada, da sanção de inabilitação.
Portanto, ao Juízo cabe decretar (fundamentadamente) a inabilitação do condenado para dirigir veículo automotor, nos termos do artigo 92, III, do Código Penal, pelo prazo idêntico ao da pena imposta ao condenado.
Também neste sentido, a jurisprudência da 4ª Seção deste e. Tribunal. Confira-se:
“PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. CONTRABANDO. CIGARROS. DIVERGÊNCIA QUANTO AO PRAZO DA PENA DE INABILIDAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 92, INC. III, DO CP. RECURSO PROVIDO.
1. No caso, verifica-se que o dissenso diz respeito ao prazo estabelecido para a inabilitação para condução de veículo automotor.
2. No que se refere à questão suscitada sobre o prazo da pena de inabilitação do direito de dirigir veículo automotor, nota-se que o Magistrado a quo determinou a aplicação da suspensão temporária da habilitação do réu, nos moldes do art. 92, inc. III, do Código Penal, pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro.
3. O artigo 92, do Código Penal dispõe acerca dos efeitos secundários da condenação. Trata-se, conforme determinação de seu parágrafo único, de efeito não automático da condenação, que precisa ser declarado pelo Magistrado na sentença, de forma fundamentada, conforme pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ. É aplicável a qualquer espécie de delito, atendendo-se, cumulativamente seus dois requisitos: seja doloso e tenha sido praticado com a utilização de veículo automotor.
4. Por outro lado, o artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, introduzido pela Lei nº 13.804, de 2019, de 10 de janeiro de 2019, trata-se das medidas administrativas, constitui efeito automático da existência de sentença transitada em julgado que condena o condutor pela prática dos crimes de contrabando, descaminho ou receptação.
5. No primeiro caso, a norma é direcionada ao Magistrado, o qual, diante de crime doloso de qualquer espécie, cometido mediante uso de veículo automotor, concede a possibilidade de, fundamentadamente, aplicar a sanção de inabilitação. Já no segundo caso, a norma tem por destinatária a autoridade de trânsito, a qual, tendo tomado conhecimento de condenação transitada em julgado por crime de contrabando, descaminho ou receptação, deve cassar a habilitação do condenado ou proibi-lo de obtê-la pelo prazo de cinco anos. Assim, ao Juízo, que não se encontra vinculado à norma insculpida no artigo 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, de caráter administrativo, cabe decretar a inabilitação do condenado para dirigir veículo automotor, nos termos do artigo 92, III, do Código Penal, não obstante possa determinar que seja a autoridade de trânsito comunicada a respeito do trânsito em julgado da condenação, para que esta adote as providências que julgar cabíveis.
6. Nesse contexto, o tempo de duração da interdição deve ser limitado ao tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade aplicada, haja vista que o Código Penal não prevê expressamente o tempo de duração de tal efeito da condenação.
7. Recurso provido.”
(TRF3, EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0000779-11.2019.4.03.6000, Relator Desembargador Federal PAULO FONTES, Data de Publicação: 21/07/2023).
Por tais razões, e tendo em vista o comando do artigo 92, inciso III, do Código Penal, mantenho a aplicação da pena de inabilitação para dirigir veículo ao réu, mas reduzo-a ao prazo da pena imposta, ou seja, 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, a partir do trânsito em julgado.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa apenas para reduzir o prazo da pena de inabilitação para dirigir veículo para o mesmo prazo da pena imposta, ou seja, 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, nos termos da fundamentação supra.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE.
1. O art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), introduzido pela Lei nº 13.804, de 10.01.2019, derrogou o inciso III do art. 92 do Código Penal ao dispor que, para três crimes (receptação, descaminho e contrabando), o prazo de inabilitação para dirigir veículo será de cinco anos. Assim, pelo princípio da especialidade, o prazo de inabilitação para dirigir veículo, quando transitada em julgado condenação por um desses três crimes, será de cinco anos, e não o do período da condenação, como se tem aplicado para outros crimes, bem como para esses três, mas antes da entrada em vigor da nova lei.
2. O art. 278-A do CTB não se destina à autoridade de trânsito, mas ao juiz, visto tratar de efeito de condenação criminal transitada em julgado.
3. Há um aparente conflito de normas entre as disposições do art. 92, III, do Código Penal e as do art. 278-A do CTB. Todavia, esse conflito resolve-se em favor da aplicação desta última norma, em razão da lei posterior derrogar a anterior e do princípio da especialidade.
4. No caso concreto, foi correta a aplicação do art. 278-A do CTB.
5. Apelação não provida.