Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5022406-06.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, CAMILA KITAZAWA CORTEZ - SP247402-A, CARLOS MAGNO DOS REIS MICHAELIS JUNIOR - SP271636-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A

APELADO: ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO SUFREDINI ROSSI - SP255958-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5022406-06.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, CAMILA KITAZAWA CORTEZ - SP247402-A, CARLOS MAGNO DOS REIS MICHAELIS JUNIOR - SP271636-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A

APELADO: ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO SUFREDINI ROSSI - SP255958-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação pelo rito comum proposta pelo CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em face de ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI, objetivando provimento jurisdicional para determinar ao réu que se abstenha de divulgar em redes sociais ou em qualquer outro meio de comunicação a Ozonioterapia como tratamento e prevenção no combate ao surto de coronavírus, bem como requer que cesse a realização de cursos de Ozonioterapia e modulação hormonal.

A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos para determinar ao réu que deixe de publicizar a Ozonioterapia para o tratamento da COVID-19 e para o tratamento de problemas não afetos à Odontologia (incólume permanece, portanto, o seu direito à realização de cursos e palestras acerca da terapia). Sucumbência recíproca. Condenou autor e réu ao pagamento proporcional das custas, e de honorários advocatícios, no montante de 10% sobre o valor atualizado da causa.

Apela o CREMESP sustenta, em síntese, que a técnica denominada "Modulação Hormonal", divulgada pelo ora Apelado em seus cursos, e não afastada na sentença, não pode ser realizada por dentista, somente por profissional da medicina. Requer a reforma da sentença neste aspecto.

Com contrarrazões subiram os autos a esta E.Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5022406-06.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, CAMILA KITAZAWA CORTEZ - SP247402-A, CARLOS MAGNO DOS REIS MICHAELIS JUNIOR - SP271636-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A, TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A

APELADO: ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO SUFREDINI ROSSI - SP255958-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade conheço do recurso de apelação.

De acordo com o artigo 5º, XIII, da CF, "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

O artigo 1º da Resolução CFO n. 166/2015, do Conselho Federal de Odontologia, reconhece a prática da Ozonioterapia pelo cirurgião-dentista e, no seu anexo, regulamenta o exercício pelo cirurgião-dentista da prática de ozonioterapia, in verbis:

“Art. 1º. Reconhecer a prática da Ozonioterapia pelo cirurgião-dentista. 

Já o artigo 3º do anexo do regulamento em questão prevê os requisitos para a habilitação em Ozonioterapia:

“Art. 3º. Poderá requerer ao Conselho Federal de Odontologia habilitação em Ozonioterapia, o profissional graduado em Odontologia e registrado no Conselho Regional de Odontologia de sua jurisdição e que tenha concluído formação com o mínimo de 32 horas/aulas em curso de Ozonioterapia para cirurgião-dentista, promovido por instituição de ensino superior devidamente inscrita no Ministério da Educação e reconhecido pelo CFO, comprovado por certificado expedido ou reconhecido pela Instituição mantenedora.”

Por sua vez, a Lei n. 5.081/66, que regula o exercício da odontologia, estabelece em seu art.7º as seguintes vedações:

Art. 7º. É vedado ao cirurgião-dentista:

a) expor em público trabalhos odontológicos e usar de artifícios de propaganda para granjear clientela;

b) anunciar cura de determinadas doenças, para as quais não haja tratamento eficaz;

c) exercício de mais de duas especialidades;

d) consultas mediante correspondência, rádio, televisão ou meios semelhantes;

e) prestação de serviço gratuito em consultórios particulares;

f) divulgar benefícios recebidos de clientes;

g) anunciar preços de serviços, modalidades de pagamento e outras formas de comercialização da clínica que signifiquem competição desleal.

De outro turno, as atividades privativas dos médicos encontram-se disciplinadas no artigo 4º da Lei 12.842/2013: 

Art. 4º São atividades privativas do médico:

(...)

X - determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;

§ 1º Diagnóstico nosológico é a determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes critérios:

I - agente etiológico reconhecido;

II - grupo identificável de sinais ou sintomas;

III - alterações anatômicas ou psicopatológicas.

(...)

§ 6º O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.

Ainda, nos termos do artigo 5º, III, da legislação supracitada, o ensino de disciplinas médicas constitui matéria privativa de médico:

Art. 5º São privativos de médico:

(...)

III - ensino de disciplinas especificamente médicas;

A Resolução CFO nº 199/2019, em seu art.3º veda a técnica de "Modulação Hormonal", tendo em vista tal especialidade estar fora da área de atuação do dentista:

"Art. 3º Fica expressamente proibido ao cirurgião-dentista ministrar, promover e/ou divulgar cursos de terapias denominadas de modulação e/ou reposição e/ou suplementação e/ou fisiologia hormonal ou outra denominação não reconhecida cientificamente e fora do âmbito da odontologia."

Tal vedação se justifica, pois conforme exposto pelo CREMESP: “Os hormônios sintéticos ou os produzidos por engenharia genética prescritos por médicos de especialidades diversas (ginecologistas, urologistas, reumatologistas, clínicos gerais etc.), somente são prescritos quando é detectada a hipofunção glandular, isto é, quando é feito o diagnóstico clínico e laboratorial da deficiente produção hormonal; e a doença advinda da falta do hormônio endógeno que é tratada com a administração do hormônio exógeno. É um tratamento substitutivo em que se procura utilizar a menor dose possível para minimizar os efeitos da carência hormonal, tentando-se imitar a fisiologia.”

O Conselho Federal de Medicina já se posicionou acerca desse tema, conforme descrito pelo CREMESP:

''Não há indicação para o uso de um hormônio como terapia para uma presumível, mas não comprovada deficiência glandular. Termos como 'fadiga adrenal', 'tireopausa' e outros são desconhecidos pelos médicos endocrinologistas. Tais suposições aventadas pelos que advogam a 'Medicina anti-aging’ não são doenças comprovadas. O uso de hormônios sem que o organismo esteja a precisar deles, ao contrário do que é proposto pela 'Medicina anti-aging’ pode sim causar inúmeros e graves efeitos colaterais, inclusive o desencadeamento de certos tipos de câncer. O apelo usado pela Manipulação dos hormônios bioidênticos e o de classificá-los como produtos naturais que não são cópias de hormônios, mas são idênticos e por isso não teriam efeitos colaterais. A Modulação hormonal bioidêntica, portanto, vem a ser nada mais que o uso de hormônio fabricado em laboratório, manipulado em farmácia magistral e prescrito com finalidade terapêutica não sustentável cientificamente e, desse modo, não aprovada pelas sociedades médicas acreditadas. Por sinal, e bom que seja lembrado que a prescrição de hormônio tireoideano para manipulação magistral é vedada pela ANV/SA." (grifei).

No caso concreto.

O conjunto probatório demonstra que o apelado está inscrito no Conselho Regional de Odontologia do Estado de São Paulo sob nº 88479, e concluiu o curso em “Habilitação em Ozonioterapia Aplicada à Odontologia”, com carga horária de 32 horas, na FACOP – Faculdade do Centro Oeste Paulista.

A se considerar, por ora, que, de fato, não há qualquer comprovação médico-científica acerca da eficácia da ministração de ozonioterapia em pacientes afetados pelo coronavírus. Tal é, inclusive, fato notório, de modo que o apelado deve, realmente, se abster de promover qualquer tratamento cientificamente não demonstrado e comprovado, em benefício da saúde pública.

No entanto, é autorizada a ozonioterapia para uma diversidade de outras hipóteses clínicas - tudo nos termos da legislação e normas técnicas atualmente em vigor. E tal prática é permitida aos profissionais da Odontologia devidamente capacitados para tanto, nos moldes das Resoluções do respectivo Conselho Federal, notadamente a 166/2015.

Tem-se, assim, que o apelado está habilitado para a prática da denominada Ozonioterapia, nos estritos limites da sua formação superior, observando-se a vedação expressa em promover a “Modulação Hormonal”, por considerá-la como estranha a atividade odontológica, conforme previsto na Resolução CFO nº199/2019.

Assim, merece reparos em parte a sentença, apenas para constar  expressamente a vedação à prática e publicidade da ozonioterapia para “Modulação Hormonal”, nos termos da Resolução CFO n. 199/2019, mantendo-a em seus demais aspectos.

Isto posto, dou provimento ao apelo da parte autora, para constar expressamente a vedação à ozonioterapia para “Modulação Hormonal”, nos termos da fundamentação.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. OZONIOTERAPIA. CIRURGIÃO DENTISTA. CORONAVÍRUS. MODULAÇÃO HORMONAL. RESOLUÇÃO CFO N. 166/2015 e 199/2019. IMPOSSIBILIDADE.

- O conjunto probatório demonstra que o apelado está inscrito no Conselho Regional de Odontologia do Estado de São Paulo sob nº 88479, e concluiu o curso em “Habilitação em Ozonioterapia Aplicada à Odontologia”, com carga horária de 32 horas, na FACOP – Faculdade do Centro Oeste Paulista.

- A se considerar, por ora, que, de fato, não há qualquer comprovação médico-científica acerca da eficácia da ministração de ozonioterapia em pacientes afetados pelo coronavírus. Tal é, inclusive, fato notório, de modo que o apelado deve, realmente, se abster de promover qualquer tratamento cientificamente não demonstrado e comprovado, em benefício da saúde pública.

- É autorizada a ozonioterapia para uma diversidade de outras hipóteses clínicas - tudo nos termos da legislação e normas técnicas atualmente em vigor. E tal prática é permitida aos profissionais da Odontologia devidamente capacitados para tanto, nos moldes das Resoluções do respectivo Conselho Federal, notadamente a 166/2015.

- O apelado está habilitado para a prática da denominada Ozonioterapia, nos estritos limites da sua formação superior, observando-se a vedação expressa em promover a “Modulação Hormonal”, por considerá-la como estranha a atividade odontológica, conforme previsto na Resolução CFO nº199/2019.

- Apelo do CREMESP provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, deu provimento ao apelo da parte autora, para constar expressamente a vedação à ozonioterapia para Modulação Hormonal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.