APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000333-43.2018.4.03.6133
RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
APELANTE: ASIYA SHALOVA
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE NORIO HIRATSUKA - SP231205-A
APELADO: ELIANE FERNANDES GASPAR MENDONÇA, UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000333-43.2018.4.03.6133 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: ASIYA SHALOVA Advogado do(a) APELANTE: ANDRE NORIO HIRATSUKA - SP231205-A APELADO: ELIANE FERNANDES GASPAR MENDONÇA, UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de mandado de segurança impetrado por ASIYA SHALOVA em face de ELIANE FERNANDES GASPAR MENDONÇA, Coordenadora do ProUni da Universidade de Mogi das Cruzes Campus Cento Cívico, e do MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA - MEC, objetivando o reconhecimento da ilicitude do ato praticado pela autoridade impetrada, determinando que seja efetuada a matrícula curso de Medicina, vez que aprovada no processo seletivo do PROUNI de 2018. Alega que foi impossibilitada de fazer sua matrícula no curso de Medicina, na Universidade de Mogi das Cruzes, sob o argumento de que se declarou como brasileira, e que deixou de apresentar certidão de nascimento ou de naturalização, documentação esta que seria essencial para a efetivação da matrícula no curso de graduação. Sustenta que reside no país há quase 10 (dez) anos, com sua mãe e seus irmãos, concluiu parte do ensino fundamental e todo o ensino médio em território nacional e possui visto permanente para residir no país, assim, tem o direito de concorrer às vagas em pé de igualdade com qualquer brasileiro, independentemente de ser estrangeira, nos termos dos artigos 5º, caput e 3º, IV, da Constituição Federal. Argumenta, ainda, que a Lei nº 11.096/05, ao delimitar o acesso à educação por meio de bolsas somente aos brasileiros natos ou naturalizados, afronta a Constituição Federal. a Universidade deu causa ao equívoco eis que se a sua página fosse dotada de tecnologia, não dependeria de seu genitor para efetivar a sua inscrição. A r. sentença de origem, JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO e, com resolução do mérito, DENEGOU A SEGURANÇA, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Sem honorários (Súmulas 512 do STF e 105 do STJ). Custas ex lege (Id 108307604). Irresignada, a impetrante apela. No mérito, pleiteia a reforma da sentença. (Id 108307610) Com contrarrazões, subiram os autos a esse E. Tribunal Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso de apelação (Id 127262916). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000333-43.2018.4.03.6133 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: ASIYA SHALOVA Advogado do(a) APELANTE: ANDRE NORIO HIRATSUKA - SP231205-A APELADO: ELIANE FERNANDES GASPAR MENDONÇA, UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Cinge-se a controvérsia sobre a negativa de matrícula em instituição de ensino superior, em razão de ter a autora se declarado brasileira, quando na verdade é natural da República da Bielorrússia, conforme RNE Permanente G129002-Q, expedido em 12/04/2015. O PROUNI sustenta que a candidata não possui certidão de naturalização de nacionalidade brasileira, conforme prevê o art. 1º, da Lei nº 11096, de 13 de janeiro de 2005. A questão a ser dirimida nos presentes autos centra-se em saber se a impetrante, de nacionalidade bielorrussa, faz jus à bolsa de estudo oferecida pelo PROUNI. A Lei nº 11.096/2007, que instituiu o PROUNI, dentre outras condições, exige que o bolsista integral seja brasileiro. Confira-se: Art. 1º Fica instituído, sob a gestão do Ministério da Educação, o Programa Universidade para Todos - PROUNI, destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais de 50% (cinqüenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) para estudantes de cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos. § 1º A bolsa de estudo integral será concedida a brasileiros não portadores de diploma de curso superior, cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até 1 (um) salário-mínimo e 1/2 (meio). § 2º As bolsas de estudo parciais de 50% (cinqüenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento), cujos critérios de distribuição serão definidos em regulamento pelo Ministério da Educação, serão concedidas a brasileiros não-portadores de diploma de curso superior, cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até 3 (três) salários-mínimos, mediante critérios definidos pelo Ministério da Educação. § 3º Para os efeitos desta Lei, bolsa de estudo refere-se às semestralidades ou anuidades escolares fixadas com base na Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999. § 4º Para os efeitos desta Lei, as bolsas de estudo parciais de 50% (cinqüenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) deverão ser concedidas, considerando-se todos os descontos regulares e de caráter coletivo oferecidos pela instituição, inclusive aqueles dados em virtude do pagamento pontual das mensalidades. Art. 2º A bolsa será destinada: I - a estudante que tenha cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral; II - a estudante portador de deficiência, nos termos da lei; III - a professor da rede pública de ensino, para os cursos de licenciatura, normal superior e pedagogia, destinados à formação do magistério da educação básica, independentemente da renda a que se referem os §§ 1º e 2º do art. 1º desta Lei. Parágrafo único. A manutenção da bolsa pelo beneficiário, observado o prazo máximo para a conclusão do curso de graduação ou seqüencial de formação específica, dependerá do cumprimento de requisitos de desempenho acadêmico, estabelecidos em normas expedidas pelo Ministério da Educação. Art. 3º O estudante a ser beneficiado pelo Prouni será pré-selecionado pelos resultados e pelo perfil socioeconômico do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM ou outros critérios a serem definidos pelo Ministério da Educação, e, na etapa final, selecionado pela instituição de ensino superior, segundo seus próprios critérios, à qual competirá, também, aferir as informações prestadas pelo candidato. Parágrafo único. O beneficiário do Prouni responde legalmente pela veracidade e autenticidade das informações socioeconômicas por ele prestadas. (ressaltes nossos) Não obstante, de acordo com o princípio constitucional da isonomia, insculpido no art. 5°, caput, da Constituição Federal, é assegurado aos brasileiros e estrangeiros todas as garantias fundamentais, sem qualquer distinção: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) Por sua vez, o art. 6º da Constituição da República, ainda dentro do título destinado aos direitos fundamentais, enumera a educação como direito social, nos seguintes termos: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (ressaltes nossos) No sentido dos dispositivos constitucionais transcritos, a Lei nº 13.445/2017, que dispõe sobre direitos e deveres do migrante e do visitante, em seu art. 3º, inciso XI, prevê o seguinte: Art. 3º A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes: (…) XI - acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social; (...) No caso dos autos, a impetrante cursou o ensino médio em instituição privada, na condição de bolsista integral, e, no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, obteve nota suficiente para ingressar no curso de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes, pelo PROUNI, sendo certo que a renda per capita de sua família lhe permite receber bolsa integral do programa. Verifica-se, pois, que o único empecilho para a obtenção da bolsa é a nacionalidade da impetrante, o que contraria o texto constitucional e o novo microssistema jurídico do migrante, porquanto a discriminante não se justifica, nem sob o ponto de vista do escopo do próprio programa educacional. Nesse sentido, trago à colação entendimento da E. 6a Turma do E.TRF 3a : E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. ARTIGO 1.021 DO CPC/2015. PROUNI. ARGUMENTOS QUE NÃO ABALAM A FUNDAMENTAÇÃO E A CONCLUSÃO EXARADAS NA DECISÃO VERGASTADA. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Trata-se de AGRAVO INTERNO interposto pela UNIÃO, nos termos do artigo 1.021 do CPC/2015, contra decisão monocrática que negou provimento à apelação interposta pelo referido ente federado, mantendo a sentença proferida em 15/5/2020 que julgou procedente o pedido “para determinar que as rés se abstenham de exigir a nacionalidade brasileira para a participação do autor no Programa Universidade para Todos (PROUNI) e, uma vez preenchidas as demais condições legais, ao autor seja concedida, em caráter definitivo, respectiva bolsa de estudos”. 2. Legitimidade passiva da UNIÃO para integrar o polo passivo da demanda, nos termos da jurisprudência desta Egrégia Corte: QUARTA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0005342-29.2011.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 02/02/2021, e - DJF3 02/03/2021; PRIMEIRA TURMA, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL - 0000764-60.2016.4.03.6319, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 21/5/2019, e-DJF3 3/6/2019; TERCEIRA TURMA, AP – APELAÇÃO CÍVEL - 0000922-43.2015.4.03.6128, Rel. Juiz Convocado LEONEL FERREIRA, julgado em 19/5/2016, e-DJF3 31/5/2016. 3. A decisão impugnada esclareceu devidamente que “o autor/apelado cursou 10, dos 11 anos de sua vida escolar em escola pública; apenas o último ano do ensino médio foi cursado através de supletivo em instituição particular de ensino à distância. Trata-se de circunstância irrelevante diante de todo histórico-pedagógico de LEONEL, conforma reconhecido por esta Egrégia Corte em caso idêntico, que pautou-se pelo princípio da razoabilidade”. Nesse sentido: PRIMEIRA TURMA, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5015717-15.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 26/4/2019, e-DJF3 14/5/2019. 4. Agravo interno improvido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. (APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5019752-17.2019.4.03.6100 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO) Com efeito, o PROUNI está inserido no âmbito das políticas públicas afirmativas, sendo certo que, no seu caso, objetiva incluir no ambiente acadêmico superior estudantes de baixa renda e que tenham concluído o ensino médio em escolas públicas ou mediante a concessão de bolsa integral por instituições privadas. Consiste, portanto, em um programa destinado a garantir o acesso à educação superior para um grupo de pessoas excluídas em razão da condição social de sua família, a qual não dispõe de recursos para lhe oferecer uma formação escolar suficiente a permitir o seu ingresso em uma concorrida universidade pública e nem para custear o curso em uma instituição privada. Dessa forma, em que pese a literalidade do texto legal, o operador do Direito deve observar todo o arcabouço normativo acerca da matéria, em especial as garantias fundamentais contidas na Constituição Federal, dentre as quais a que veda o tratamento desigual entre brasileiros e estrangeiros, salvo as discriminantes trazidas pelo próprio texto constitucional. Ressalte-se que a impetrante não é uma estrangeira de passagem pelo país somente para fins de estudo, o que, se fosse o caso, obviamente justificaria a proibição de ser beneficiada pelo PROUNI. Pelo contrário, reside no Brasil, com visto permanente válido até 2024, na companhia da mãe, também estrangeira mas com filhos brasileiros natos, e aqui estuda desde o 4º ano do ensino fundamental. Nessas condições, diante do quadro fático apresentado nos autos, há de se privilegiar a evolução legislativa que assegura a eficácia da garantia constitucional de tratamento isonômico entre brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, para estendê-la ao programa educacional inclusivo de acesso ao ensino superior para estudantes de baixa renda. Assim sendo, a impetrante possui direito líquido e certo para se matricular no curso de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes, com bolsa integral do PROUNI. Assim sendo, meu voto é no sentido de dar provimento à apelação.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. PROUNI. ESTRANGEIRO. LEI DA MIGRAÇÃO Nº 13.445, DE 2017. DIREITO À EDUCAÇÃO EM CONDIÇÕES DE IGUALDADE COM OS NACIONAIS.
- Não se desconhece que a bolsa do Prouni visava atender apenas a brasileiros ou naturalizados, tudo conforme a Lei nº 11.096/2005.
- No entanto, a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017 - Lei da Migração, que teceu uma vasta gama de princípios e diretrizes que devem nortear a política migratória (art. 3º), expressamente previu em seu artigo 4º, inciso X, o direito à educação pública, vedando a discriminação em razão de nacionalidade e da condição migratória.
- Assim, dever ser garantido o direito à educação, ao migrante, em condições de igualdade com os nacionais, sendo vedado tratamento diferenciado em razão de sua nacionalidade, pelo que correta a concessão da segurança.
- Apelação provida.