APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005891-78.2021.4.03.6104
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS
APELANTE: CLAUDIO LOUREIRO JUNIOR, ALESSANDRA CARRAI LOUREIRO
Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO JORGE RODRIGUES DE MIRANDA - SP101368-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, CAIXA SEGURADORA S/A
Advogado do(a) APELADO: FABIANO FERRARI LENCI - SP192086-A
Advogados do(a) APELADO: ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA - SP344647-S, BRUNA TALITA DE SOUZA BASSAN - SP281753-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005891-78.2021.4.03.6104 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: CLAUDIO LOUREIRO JUNIOR, ALESSANDRA CARRAI LOUREIRO Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO JORGE RODRIGUES DE MIRANDA - SP101368-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, CAIXA SEGURADORA S/A Advogado do(a) APELADO: FABIANO FERRARI LENCI - SP192086-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou extinto o feito sem resolução do mérito com relação ao pedido de revisão contratual nos termos do disposto nos artigos 322, 324, 485, IV do CPC, e julgou improcedente o pedido de quitação do valor do financiamento habitacional referente à parte do coautor Cláudio Loureiro Júnior. Por consequência, julgou extinto o feito em relação a esse pedido com resolução do mérito nos termos do disposto no art. 487, I do CPC. Condenou os autores ao pagamento de honorários sucumbenciais arbitrados em dez por cento do valor atribuído à causa, ficando suspensa a execução em razão da gratuidade concedida. CLÁUDIO LOUREIRO JÚNIOR e ALESSANDRA CARRAI LOUREIRO propuseram ação de conhecimento em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e de CAIXA SEGURADORA S/A, para obter a quitação ou revisão de contrato de financiamento habitacional. Relataram os autores que celebraram contrato de financiamento de imóvel com a ré em 01/08/2012 e que vinham quitando todas as prestações até que sobreveio a aposentadoria por invalidez do coautor CLÁUDIO LOUREIRO JÚNIOR EM 31 de março de 2017. Os autores requereram à corré CAIXA SEGURADORA S/A a quitação parcial do imóvel referente à parte do referido coautor em razão da sua aposentadoria por invalidez. O requerimento, contudo, não foi deferido sob a alegação da ocorrência de prescrição para a comunicação ao seguro, nos termos do disposto no art. 206 do CC. Sustentaram não haver ocorrido a prescrição, tendo em vista que, no caso aplica-se o prazo decenal. Requereram a quitação do porcentual de 58,46% da dívida, que corresponde à proporção que cabia ao coautor referido. Requereram, ainda, a revisão do contrato de financiamento em razão da prestação ter se tornado excessivamente onerosa. Formularam pedido de concessão de tutela de urgência com a exclusão do porcentual de 58,46% das parcelas e, ao final, o provimento da demanda para condenar a ré ao pagamento das prestações pagas desde abril de 2017 na proporção de 58,46%. A CAIXA SEGURADORA S/A apresentou contestação na qual arguiu a sua ilegitimidade para promover a suspensão de parcelas do contrato em razão de não ser sua gestora. Sustentou que sua responsabilidade limita-se aos termos do contrato de seguro. Sustentou, ainda, a ocorrência de prescrição em razão do prazo para o acionamento do seguro ser de um ano nos termos do disposto no art. 206 do Código Civil. A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL apresentou contestação na qual arguiu a sua ilegitimidade para responder pela cobertura do seguro. Quanto ao mérito, alegou a impossibilidade de revisão contratual sem a especificação das cláusulas pretendidas assim como da repetição de indébito. Réplica. Decisão indeferiu o pedido de tutela e instou as partes a especificarem provas. Sem especificação de provas, foi proferida a sentença ora impugnada. Em razões de apelação, a parte Autora sustenta, em síntese, que o sinistro resta devidamente comprovado, não se cogitando de doença pré-existente ou outra razão que justifique a recusa à cobertura pleiteada. Com contrarrazões, subiram os autos. É relatório.
Advogados do(a) APELADO: ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA - SP344647-S, BRUNA TALITA DE SOUZA BASSAN - SP281753-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005891-78.2021.4.03.6104 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: CLAUDIO LOUREIRO JUNIOR, ALESSANDRA CARRAI LOUREIRO Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO JORGE RODRIGUES DE MIRANDA - SP101368-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, CAIXA SEGURADORA S/A Advogado do(a) APELADO: FABIANO FERRARI LENCI - SP192086-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Prescrição: sinistro invalidez no seguro habitacional Nas controvérsias derivadas de contratos de seguro, o prazo prescricional padrão para as ações que envolvem segurador e segurado é de um ano, conforme já era previsto no art. 178, § 6º, II do CC de 1916, atual art. 206, § 1º, II, "b", do CC. A aplicação do dispositivo foi reforçada em Incidente de Assunção de Competência pelo Superior Tribunal de Justiça. Embora exíguo, o prazo ânuo em questão guarda estreita relação com a norma prevista no artigo 1.457 do CC de 1916, atual 771 do CC, segundo a qual o segurado deverá informar o sinistro ao segurador logo que o saiba, além de tomar as providências imediatas para minorar suas consequências, sob pena de perder o direito à indenização. Nos seguros pessoais, o prazo prescricional para requerer cobertura pelo sinistro invalidez tem como termo inicial a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral total e permanente. A concessão da aposentadoria por invalidez ao segurado é um exemplo corriqueiro de ciência inequívoca de tal incapacidade. É de se destacar que a negativa de cobertura pela seguradora não representa o termo inicial para o cálculo da prescrição, antes sim, o pedido de pagamento apenas acarreta a suspensão do prazo prescricional até a resposta da seguradora. Na hipótese de negativa de cobertura pela seguradora, o prazo volta a transcorrer já incluindo em seu cômputo o período compreendido entre a ciência inequívoca da incapacidade e a realização do pedido em questão. O Superior Tribunal de Justiça editou as Súmulas 278 e 229 consagrando os entendimentos em questão: O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral. O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. PRETENSÕES QUE ENVOLVAM SEGURADO E SEGURADOR E QUE DERIVEM DA RELAÇÃO JURÍDICA SECURITÁRIA. PRAZO PRESCRICIONAL ÂNUO. Nos contratos de financiamento imobiliário é obrigatória a contratação de seguro habitacional. Considerando que o contrato principal costuma se estender por anos, quando não décadas, a proteção securitária se renova a cada prestação paga pelo mutuário/segurado, revelando-se verdadeira obrigação de prestação continuada. Desta forma, alterando entendimento anterior, uma vez configurado sinistro com efeitos permanentes, como o óbito ou a invalidez permanente, o transcurso do prazo prescricional não atinge o fundo do direito, mas tão somente as prestações anteriores a um ano do pedido administrativo ou do ajuizamento da ação: DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. MODIFICAÇÃO UNILATERAL DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. REAJUSTE DO PRÊMIO. PRESCRIÇÃO. PRAZO ANUAL. A concessão do benefício previdenciário aposentadoria por invalidez tem entre seus requisitos precisamente a incapacidade total e permanente do segurado, sua constatação pressupõe a existência de processo administrativo ou judicial nos quais a autarquia previdenciária ou o Poder Judiciário tem a oportunidade de avaliar as provas apresentadas, bem como a oportunidade de determinar a produção de prova pericial, levando em consideração fatores socioeconômicos como o grau de instrução do segurado para fundamentar a decisão que reconhece o direito em questão. Deste modo, o ato que concede o benefício previdenciário é documentado e dotado de fé pública, podendo inclusive ser protegido pelos efeitos da coisa julgada quando reconhecido por via judicial. Por esta razão, nestas condições, existindo reconhecimento público da incapacidade total e permanente da parte Autora, é de todo desnecessária a realização de nova prova pericial. Se a hipótese de ocorrência do sinistro tem requisitos coincidentes ao do benefício previdenciário já concedido, sua configuração resta presumida, sendo ônus do interessado, pelas vias adequadas, arguir e provar eventual ilicitude ou nova configuração fática que comine sua validade ou sua eficácia no que diz respeito às hipóteses em questão. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SFH. INTERVENÇÃO DA UNIÃO: DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA: NÃO CARACTERIZADO. COBERTURA SECURITÁRIA. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE RECONHECIDA PELO INSS. JUROS DE MORA: INCIDÊNCIA A PARTIR DA CITAÇÃO. RECURSOS NÃO PROVIDOS. O raciocínio inverso, aquele que pretende condicionar o reconhecimento do sinistro e a cobertura pleiteada à prévia concessão de aposentadoria por invalidez, no entanto, não é verdadeiro. Com efeito são inúmeras as razões para que a autarquia previdenciária possa recusar o benefício pleiteado que não guardam relação com a incapacidade total e permanente do requerente. Mesmo antes disso, não se cogita de prévio exaurimento da via administrativa quando as partes, o objeto e a própria relação jurídica são distintos entre si. A aposentadoria por invalidez representa uma robusta prova em favor da parte Autora, mas não representa requisito necessário para a cobertura securitária em discussão. Em um contexto de relações sociais e jurídicas massificadas, em que inúmeros sujeitos de direito, diante da necessidade de contratar determinado serviço, tem sua autonomia reduzida a aderir ou não a contratos padronizados e que pouco se distinguem entre os poucos ofertantes de um determinado mercado, as controvérsias que se instauram entre os contratantes devem ser dirimidas tendo como parâmetro o princípio da boa fé objetiva. Nos contratos de seguro, a cláusula que exclui a cobertura de sinistros como a incapacidade total e permanente, ou mesmo o óbito, se decorrentes de doença preexistente, reforça a ideia de que o risco assumido pela seguradora abrange somente as situações fáticas posteriores à contratação. A maneira mais rigorosa para avaliar a eventual existência de doenças que poderiam vir a gerar incapacidade ou levar a óbito o contratante, mas que não seriam cobertas pelo seguro, envolveria a realização de perícia médica antes da contratação do seguro. Nesta hipótese, restaria afastada, de um lado, por exemplo, a situação limite de um vínculo constituído com má-fé, no qual o segurado portador de doença grave em estágio terminal contrata seguro estando ciente da configuração certa do sinistro em futuro breve. De outro lado, ao tomar conhecimento de quais hipóteses fáticas ou quais riscos predeterminados não seriam cobertas pelo seguro, de maneira transparente e objetiva, o interessado poderia desistir de assumir a obrigação ou ainda poderia realizar o contrato com a seguradora de sua preferência, já que poderia entender esvaziado o seu interesse legítimo nestas condições, não se justificando a contraprestação. Esse, aliás, é o entendimento consagrado na Súmula 609 do STJ, segundo a qual a recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado. Diante da dificuldade operacional e financeira de realizar tantas perícias quantos são os contratos de seguro assinados diariamente, a cláusula que versa sobre doenças preexistentes é redigida de maneira ampla e genérica. Destarte surge a possibilidade de que a sua interpretação, já se considerando a configuração categórica do sinistro, seja feita de maneira distorcida com vistas a evitar o cumprimento da obrigação. Por esta razão, ainda que os primeiros sintomas da doença tenham se manifestado antes da contratação do seguro, não é possível pressupor categoricamente que, à época da assinatura do contrato, fosse previsível que a sua evolução seria capaz de gerar a incapacidade total e permanente ou o óbito do segurado. De outra forma, doenças de origem genética e predisposição familiar, doenças que tendem a se manifestar ou se agravar com a idade, doenças decorrentes de vícios ou maus hábitos do segurado com sua própria saúde (que não devem ser objeto de julgamentos de ordem estritamente moral), doenças que apresentam evolução peculiar ou inesperada, a depender da interpretação de seus sintomas, poderiam todas restar abrangidas pela cláusula em questão, com potencial de esvaziar completamente o objeto do contrato neste tópico. Assim, nem mesmo a concessão de auxílio doença, como fato isolado, exatamente por somente pressupor a existência de incapacidade temporária, é suficiente para afastar a configuração do sinistro por invalidez ou óbito decorrente de doença preexistente. Nas controvérsias judicializadas, é incumbência do magistrado avaliar de maneira casuística a eventual incidência da cláusula que afasta a cobertura securitária por preexistência da doença que veio a gerar o sinistro. Neste diapasão, o seu reconhecimento deve se restringir notadamente às hipóteses em que era evidente que o quadro clínico do segurado levaria ao sinistro, ou quando houver forte indício ou prova de má-fé do segurado, nos termos dos artigos 762, 765 e 766, caput e parágrafo único, 768 do CC. PROCESSO CIVIL, CIVIL, CONSUMIDOR E SFH. RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO FRENTE AO PRÓPRIO MUTUANTE OU SEGURADORA POR ELE INDICADA. DESNECESSIDADE. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DE COBERTURA POR DOENÇA PREEXISTENTE. PRÉVIO EXAME MÉDICO. NECESSIDADE. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SFH. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. NEGATIVA DE COBERTURA SECURITÁRIA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE TERMO DE RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. CLÁUSULA QUE IMPEDE A INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA POR DOENÇA PREEXISTENTE AO CONTRATO. NOVAÇÃO. VALIDADE DO INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA DA CEF. DANO MORAL INDENIZÁVEL: INEXISTÊNCIA. RECURSO DO AUTOR PREJUDICADO. HONORÁRIOS RECURSAIS: NÃO CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. DIREITO CIVIL. SFH. TERMO DE RENEGOCIAÇÃO E RERRATIFICAÇÃO DA DÍVIDA. NOVAÇÃO. SEGURO POR INVALIDEZ. No caso dos autos, o contrato foi firmado 01/08/2012 (ID 266890269, 28 de 28), enquanto o mutuário obteve a concessão de benefício por invalidez em 31/03/2017 (ID 266890270). Após a formulação do pedido em 29/10/2020, a CEF negou a cobertura requerida em 18/11/2020 (ID 266890395). A ação foi ajuizada em 04/10/2021. Nestas condições, o autor desincumbiu-se no ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I do CPC). Não há indícios ou provas de que a doença fosse pré-existente à assinatura do contrato, não sendo suficiente, para tanto, a alegação de concessão de auxílio doença posterior ao início da avença. Por essa razão, caberia ao réu comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II do CPC), e não ao autor fazer prova negativa neste sentido. Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para reconhecer o direito do autor à cobertura securitária devidas desde a concessão do benefício aposentadoria por invalidez em 31/03/2017, prescritas, no entanto, as prestações anteriores a um do pedido administrativo formulado em 29/10/2020, na forma da fundamentação acima. Honorários advocatícios devidos em 10% da condenação em favor do patrono da parte Autora. É o voto.
Advogados do(a) APELADO: ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA - SP344647-S, BRUNA TALITA DE SOUZA BASSAN - SP281753-A
(Súmula 278 do STJ)
(Súmula 229 do STJ)
1. Nos termos da jurisprudência da Segunda Seção e da Corte Especial, o prazo trienal do artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil de 2002 adstringe-se às pretensões de indenização decorrente de responsabilidade civil extracontratual - inobservância do dever geral de não lesar -, não alcançando as pretensões reparatórias derivadas do inadimplemento de obrigações contratuais (EREsp 1.280.825/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 27.6.2018, DJe 2.8.2018; e EREsp 1.281.594/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, relator para acórdão Ministro Felix Fischer, Corte Especial, julgado em 15.5.2019, DJe 23.5.2019).
2. Em relação ao que se deve entender por "inadimplemento contratual", cumpre salientar, inicialmente, que a visão dinâmica da relação obrigacional - adotada pelo direito moderno - contempla não só os seus elementos constitutivos, como também as finalidades visadas pelo vínculo jurídico, compreendendo-se a obrigação como um processo, ou seja, uma série de atos encadeados conducentes a um adimplemento plenamente satisfatório do interesse do credor, o que não deve implicar a tiranização do devedor, mas sim a imposição de uma conduta leal e cooperativa das partes (COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 5).
3. Nessa perspectiva, o conteúdo da obrigação contratual (direitos e obrigações das partes) transcende as "prestações nucleares" expressamente pactuadas (os chamados deveres principais ou primários), abrangendo, outrossim, deveres secundários (ou acessórios) e fiduciários (ou anexos).
4. Sob essa ótica, a violação dos deveres anexos (ou fiduciários) encartados na avença securitária implica a obrigação de reparar os danos (materiais ou morais) causados, o que traduz responsabilidade civil contratual, e não extracontratual, exegese, que, por sinal, é consagrada por esta Corte nos julgados em que se diferenciam "o dano moral advindo de relação jurídica contratual" e "o dano moral decorrente de responsabilidade extracontratual" para fins de definição do termo inicial de juros de mora (citação ou evento danoso).
5. Diante de tais premissas, é óbvio que as pretensões deduzidas na presente demanda - restabelecimento da apólice que teria sido indevidamente extinta, dano moral pela negativa de renovação e ressarcimento de prêmios supostamente pagos a maior - encontram-se intrinsecamente vinculadas ao conteúdo da relação obrigacional complexa instaurada com o contrato de seguro.
6. Nesse quadro, não sendo hipótese de incidência do prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205 do Código Civil de 2002, por existir regra específica atinente ao exercício das pretensões do segurado em face do segurador (e vice-versa) emanadas da relação jurídica contratual securitária, afigura-se impositiva a observância da prescrição ânua (artigo 206, § 1º, II, "b", do referido Codex) tanto no que diz respeito à pretensão de restabelecimento das condições gerais da apólice extinta quanto em relação ao ressarcimento de prêmios e à indenização por dano moral em virtude de conduta da seguradora amparada em cláusula supostamente abusiva.
7. Inaplicabilidade do prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 27 do CDC, que se circunscreve às pretensões de ressarcimento de dano causado por fato do produto ou do serviço (o chamado "acidente de consumo"), que decorre da violação de um "dever de qualidade-segurança" imputado ao fornecedor como reflexo do princípio da proteção da confiança do consumidor (artigo 12).
8. Tese firmada para efeito do artigo 947 do CPC de 2015: "É ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador - e vice-versa - baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, "b", do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916)".
9. Tal proposição não alcança, por óbvio, os seguros-saúde e os planos de saúde - dada a natureza sui generis desses contratos, em relação aos quais esta Corte assentou a observância dos prazos prescricionais decenal ou trienal, a depender da natureza da pretensão - nem o seguro de responsabilidade civil obrigatório (o seguro DPVAT), cujo prazo trienal decorre de dicção legal específica (artigo 206, § 3º, inciso IX, do Código Civil), já tendo sido reconhecida pela Segunda Seção a inexistência de relação jurídica contratual entre o proprietário do veículo e as seguradoras que compõem o correlato consórcio (REsp 1.091.756/MG, relator Ministro Marco Buzzi, relator para acórdão Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 13.12.2017, DJe 5.2.2018).
10. Caso concreto: (i) no que diz respeito às duas primeiras pretensões - restabelecimento das condições contratuais previstas na apólice de seguro e pagamento de indenização por danos morais em virtude da negativa de renovação da avença -, revela-se inequívoca a consumação da prescrição, uma vez transcorrido o prazo ânuo entre o fato gerador de ambas (extinção da apólice primitiva, ocorrida em 31.3.2002) e a data da propositura da demanda (6.2.2004); e (ii) quanto ao ressarcimento de valores pagos a maior, não cabe ao STJ adentrar na análise da pretensão que, apesar de não ter sido alcançada pela prescrição, não foi objeto de insurgência da parte vencida no ponto.
11. Em razão do reconhecimento da prescrição das pretensões autorais voltadas ao restabelecimento da apólice extinta e à obtenção de indenização por danos morais, encontra-se prejudicado o exame da insurgência remanescente da seguradora sobre a validade da cláusula contratual que autorizava a negativa de renovação, bem como da discussão sobre ofensa a direito de personalidade trazida no recurso especial dos segurados.
12. Recurso especial da seguradora parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para pronunciar a prescrição parcial das pretensões deduzidas na inicial. Reclamo dos autores julgado prejudicado, devendo ser invertido o ônus sucumbencial arbitrado na sentença, que passa a ser de integral improcedência.
(STJ, REsp n. 1.303.374/ES, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 30/11/2021, DJe de 16/12/2021.)
1. Cuida-se, na origem, de ação declaratória c/c pedido de repetição do indébito, fundada em contrato de seguro de vida em grupo.
2. Prescreve em 1 (um) ano a pretensão de declaração de nulidade de cláusula de seguro de vida em grupo que prevê o reajuste dos prêmios em razão da faixa etária do segurado. Todavia, não há que se falar prescrição do fundo de direito, mas apenas das quantias indevidamente desembolsadas pelo segurado no período anterior aos 12 (doze) meses que precederam à propositura da demanda. Precedentes.
3. "É ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador - e vice-versa - baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, "b", do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916)" (IAC nº 2/STJ).
4. Agravo interno não provido.
(STJ, AgInt no REsp n. 1.727.367/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/2/2022, DJe de 24/2/2022.)
1. É desnecessária a intervenção da União em feitos nos quais se discute cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS. Precedente obrigatório.
2. Em observância ao artigo 130 do Código de Processo Civil de 1973, deve prevalecer a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de prova em audiência, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Precedentes.
3. No caso, as provas documentais carreadas aos autos são suficientes para a formação da convicção do magistrado quanto à incapacidade da autora, sendo desnecessária a realização de perícia médica para o mesmo fim.
4. É requisito legal para a concessão do referido benefício que o segurado seja acometido por incapacidade total e permanente, o que foi reconhecido pelo INSS após perícia médica, no caso da autora, ou não lhe teria sido concedida a aposentadoria por invalidez ainda na esfera administrativa.
5. Eventual perícia realizada pela seguradora não teria o condão de afastar o resultado daquela realizada pelo INSS. Ao alegar que a invalidez que acomete a autora seria apenas parcial, pretende a apelante apenas eximir-se da cobertura contratada obrigatoriamente pela mutuária. Precedente.
6. No caso dos autos, verifica-se que estiveram à disposição da seguradora pareceres médicos de conclusões conflitantes, tendo a apelante embasado a negativa de cobertura naquele que mais lhe convinha.
7. Quanto aos juros de mora incidentes sobre o total a ser restituído à autora, a obrigação de indenizar retroage à data da ciência inequívoca da invalidez permanente da mutuária, o mesmo ocorrendo com a obrigação de restituir-lhe as parcelas do financiamento, pagas quando sua quota no mútuo já deveria ter sido quitada. Uma obrigação refletindo na outra, mostra-se incabível o acolhimento da tese segundo a qual a CEF só estaria em mora se a sentença fosse descumprida pela seguradora.
8. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
9. Preliminares afastadas. Apelações não providas.
(TRF3, AC 00000889120114036124, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1982538, PRIMEIRA TURMA, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/11/2016)
- É inadmissível o recurso especial deficientemente fundamentado. Incidência da Súmula 284/STF.
- A despeito da aquisição do seguro ser fator determinante para o financiamento habitacional, a lei não determina que a apólice deva ser necessariamente contratada frente ao próprio mutuante ou seguradora por ele indicada. Precedentes.
- Nos contratos de seguro, o dever de boa-fé e transparência torna insuficiente a inserção de uma cláusula geral de exclusão de cobertura; deve-se dar ao contratante ciência discriminada dos eventos efetivamente não abrangidos por aquele contrato.
- O fato do seguro ser compulsório não ilide a obrigatoriedade de uma negociação transparente, corolário da boa-fé objetiva inerente a qualquer relação contratual, em especial aquelas que caracterizam uma relação de consumo.
- No seguro habitacional, é crucial que a seguradora, desejando fazer valer cláusula de exclusão de cobertura por doença preexistente, dê amplo conhecimento ao segurado, via exame médico prévio, sobre eventuais moléstias que o acometam no ato de conclusão do negócio e que, por tal motivo, ficariam excluídas do objeto do contrato. Essa informação é imprescindível para que o segurado saiba, de antemão, o alcance exato do seguro contratado, inclusive para que, no extremo, possa desistir do próprio financiamento, acaso descubra estar acometido de doença que, não abrangida pelo seguro, possa a qualquer momento impedi-lo de dar continuidade ao pagamento do mútuo, aumentando sobremaneira os riscos do negócio. Assim, não se coaduna com o espírito da norma a exclusão desse benefício nos casos de doença preexistente, porém não diagnosticada ao tempo da contratação. Em tais hipóteses, ausente a má-fé do mutuário-segurado, a indenização securitária deve ser paga. Recurso especial não conhecido.
(STJ, RESP 200801560912, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1074546, MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, DJE DATA:04/12/2009)
1. A ação foi ajuizada com o escopo de obter a declaração de nulidade do termo de renegociação de contrato de mútuo habitacional vinculado ao SFH, no qual figura como credora a Caixa Econômica Federal. O fato de a cláusula declarada nula pela r. sentença versar sobre cobertura securitária não retira a CEF da relação jurídica de direito material, nem tampouco da relação jurídica de direito processual instrumentalizadora da primeira.
2. O Superior Tribunal de Justiça e a Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal da Terceira Região já se posicionaram no sentido de que a Seguradora não pode alegar doença preexistente a fim de negar cobertura securitária, nos casos em que recebeu pagamento de prêmios e concretizou o seguro sem exigir exames prévios. Precedentes.
3. Somente a demonstração inequívoca da má-fé do segurado, no sentido de que teria contratado o financiamento ciente da moléstia incapacitante com o fito de obter precocemente a quitação do contrato, poderia afastar o entendimento jurisprudencial consagrado.
4. O termo de renegociação da dívida originária constitui inequívoca novação.
5. A novação se perfectibiliza se atendidos três requisitos, quais sejam: 1) deve haver uma obrigação originária e válida; 2) a nova obrigação deverá possuir conteúdo essencialmente distinto da primeira; e 3) deve haver o ânimo, ou seja, a vontade de novação ("animus novandi").
6. No caso em exame, não houve demonstração de qualquer vício que pudesse macular o novo contrato estabelecido entre as partes, de forma que restaram preenchidos os requisitos da novação pactuada.
7. A narrativa do autor leva à conclusão de que não estão presentes os elementos necessários à responsabilização da CEF no caso concreto, quais sejam: conduta ilícita, resultado danoso e nexo de causalidade.
8. O termo de renegociação da dívida é plenamente válido, como visto, mesmo porque o autor não logrou comprovar a alegada falta de discernimento quando da novação. A aplicação da Cláusual Décima Segunda e parágrafos não pode ser tomada como ato ilícito praticado pela seguradora. Menos ainda pode ser classificado como ato ilícito praticado pela CEF a inserção de referida cláusula no termo de renegociação da dívida. A abusividade não decorre da cláusula em si, mas da conduta de negar a cobertura securitária ao argumento da preexistência da doença sem a realização de exames prévios.
9. Também não há ilicitude da apelante no fato de ter dado início ao procedimento de execução extrajudicial do imóvel anteriormente à comunicação do sinistro pelo autor, que se encontrava inadimplente desde outubro de 1999.
10. Ausente a ilicitude da conduta da CEF, não há que se falar, consequentemente, em nexo de causalidade nem em dano moral.
11. A presença da Caixa Seguradora S/A no polo passivo do presente feito deu-se unicamente em razão do requerimento da CEF, já que a demanda não foi ajuizada contra a seguradora. Assim, entendo que o feito deve ser extinto sem resolução de mérito em relação à Caixa Seguradora S/A, sendo-lhe devidos honorários advocatícios, pela CEF, em razão do princípio da causalidade.
12. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
13. Preliminar afastada. Apelação da CEF provida. Apelação do autor prejudicada.(TRF3, AC 00078235020024036106, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1516641, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2016)
1. Ação proposta por mutuária do SFH onde pleiteia cobertura do seguro por invalidez.
2. Negativa de cobertura pelo agente financeiro sob a alegação de que a doença incapacitante é pré-existente ao termo de renegociação da dívida, considerado novo contrato de financiamento.
3. Ausente o animus novandi, o termo de renegociação da dívida não se consubstancia em novo contrato, mas em confirmação do contrato de financiamento original.
4. Reconhecido o direito à cobertura do seguro por invalidez, uma vez que a autora foi acometida de câncer após a assinatura do contrato de financiamento.
5. Apelação improvida.
(TRF5, AC 200280000080745, AC - Apelação Civel - 330439, Relator Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, Segunda Turma, DJ - Data::24/03/2004)
O Desembargador Federal Wilson Zauhy. Compulsando melhor os autos, peço vênia ao E. Relator para divergir em parte de seu voto.
A matéria devolvida a este Tribunal diz respeito com a cobertura securitária pelo sinistro de invalidez permanente do autor, para quitação do contrato de financiamento habitacional.
O Eminente Relator deu parcial provimento parcial provimento à apelação para reconhecer o direito do autor à cobertura securitária devidas desde a concessão do benefício aposentadoria por invalidez em 31/03/2017, considerando prescritas, no entanto, as prestações anteriores a um do pedido administrativo formulado em 29/10/2020, na forma da fundamentação acima.
Consigno, inicialmente que acompanho o Relator quanto à procedência do pedido de cobertura securitária, uma vez comprovado o sinistro de invalidez total e permanente, reconhecida pelo Instituto Nacional de Previdência Social, ao lhe conceder o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez, em momento posterior à celebração do contrato de financiamento com a CAIXA.
No entanto, compulsando melhor os autos, entendo que assiste razão aos Apelantes, que diz respeito ao prazo prescricional aplicável à espécie.
Da análise dos precedentes emanados dos nossos Tribunais é possível se verificar que não há um consenso acerca do prazo de prescrição aplicável à espécie.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de ser anual o prazo de prescrição (art. 178, § 6º, II, CC/1916 ou art. 206, §1º, II, CC/2002) e também pela aplicação da prescrição geral prevista no diploma civil: vintenária (art. 177, CC/1916) ou decenal (art. 205, CC/2002).
Há, ainda, acórdãos do TRF da 1ª Região fixando o prazo de 3 anos previsto no § 3º, do art. 206, do CC /2002.
Como se vê, a questão não está pacificada pela nossa jurisprudência.
O tema enfrentado nos autos versa sobre contrato de seguro adjeto ao contrato de mútuo, firmado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, entre a estipulante e o agente financeiro financiador, não contando com a participação direta do mutuário (beneficiário), a não ser pelo pagamento das parcelas do seguro.
Não se trata, destarte, de um típico contrato de seguro em que segurador e segurado firmam voluntariamente o contrato; no seguro habitacional a autonomia de vontade das partes, sobretudo do mutuário, é significativamente reduzida, de modo que a celebração do contrato se dá de forma compulsória, atrelada ao contrato de mútuo, sendo suas cláusulas previamente estabelecidas por normas da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, tudo com o objetivo de atender às exigências próprias do Sistema Financeiro da Habitação.
Nesse sentir, como a ação vem lastreada em contrato atípico, com regras próprias, firmado entre a entidade seguradora e o agente financeiro e vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, seria inaplicável a regra da prescrição ânua, prevista no art. 178, § 6º, II, CC/1916 e depois no art. 206, §1º, II, CC/2002.
E assim, afastada a prescrição ânua, aplica-se a regra geral da prescrição prevista no artigo 177, do Código Civil de 1916 (vintenária), ou no art. 205, do Código Civil de 2002 (decenal).
Deve-se ter em vista, ainda, que o caso é afeito aos enunciados n° 229 e nº 278 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça:
O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão.
O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.
No caso dos autos, restou demonstrado a vigência da aposentadoria por invalidez requerido em 31/03/2017 e o início de vigência a partir de 31/03/2017. (Num. 266890270 - Pág. 1).
Considerando que a presente ação foi ajuizada em 06 de outubro de 2021, tendo sido determinada a citação da CEF em 18 de outubro de 2021, não há em que falar em prescrição.
Uma vez reconhecido o direito à cobertura securitária, procede o pedido de quitação parcial do contrato, no percentual de 58,46%, que corresponde à composição de rende do Autor Claudio Loureiro Junior, conforme se extrai do contrato de financiamento (Num. 266890269 - Pág. 3).
Ante o exposto, divirjo em parte do E. Relator, voto por dar provimento ao recurso de apelação em maior extensão, a fim de reformar a sentença e julgar totalmente procedentes o pedido para:
a) condenar a ré Caixa Seguradora S/A a cobrir o sinistro e pagar à estipulante beneficiária a indenização do seguro, dando quitação parcial correspondente a 58,23% do saldo devedor do contrato de financiamento imobiliário n.º 1.4444.0076083-8;
b) condenar a ré Caixa Econômica Federal a pagar em restituição o valor correspondente a 58,46% de cada uma das parcelas pagas desde o sinistro (31/03/2017), atualizadas desde a data do desembolso, segundo o Provimento em vigor da Corregedoria-geral da Justiça Federal da 3 Região na data da execução do julgado, acrescida de juros de mora de 1,0% ao mês a partir da citação (artigo 406, da Lei 10.406/2002).
c) condenar a ré Caixa Econômica Federal a proceder o recálculo da dívida e emissão dos boletos nos valores atualizados, considerando a quitação parcial do financiamento. Autorizo desde já a compensação e amortização de eventuais valores pagos a maior pelos mutuários, a contar da data do sinistro, junto ao saldo devedor.
Honorários advocatícios devidos em 10% da condenação em favor do patrono da parte Autora.
E M E N T A
APELAÇÃO. CIVIL. SEGURO HABITACIONAL OBRIGATÓRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PRESCRIÇÃO ÂNUA. OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. DOENÇA PRÉ-EXISTENTE. ÔNUS DA PROVA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
I - Nas controvérsias derivadas de contratos de seguro, o prazo prescricional padrão para as ações que envolvem segurador e segurado é de um ano, conforme já era previsto no art. 178, § 6º, II do CC de 1916, atual art. 206, § 1º, II, "b", do CC. A aplicação do dispositivo foi reforçada em Incidente de Assunção de Competência pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.303.374/ES).
II - Embora exíguo, o prazo ânuo em questão guarda estreita relação com a norma prevista no artigo 1.457 do CC de 1916, atual 771 do CC, segundo a qual o segurado deverá informar o sinistro ao segurador logo que o saiba, além de tomar as providências imediatas para minorar suas consequências, sob pena de perder o direito à indenização.
III - Nos seguros pessoais, o prazo prescricional para requerer cobertura pelo sinistro invalidez tem como termo inicial a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral total e permanente. A concessão da aposentadoria por invalidez ao segurado é um exemplo corriqueiro de ciência inequívoca de tal incapacidade.
IV - A negativa de cobertura pela seguradora não representa o termo inicial para o cálculo da prescrição, antes sim, o pedido de pagamento apenas acarreta a suspensão do prazo prescricional até a resposta da seguradora. Na hipótese de negativa de cobertura pela seguradora, o prazo volta a transcorrer já incluindo em seu cômputo o período compreendido entre a ciência inequívoca da incapacidade e a realização do pedido em questão. O Superior Tribunal de Justiça editou as Súmulas 278 e 229 consagrando os entendimentos em questão.
V - Nos contratos de financiamento imobiliário é obrigatória a contratação de seguro habitacional. Considerando que o contrato principal costuma se estender por anos, quando não décadas, a proteção securitária se renova a cada prestação paga pelo mutuário/segurado, revelando-se verdadeira obrigação de prestação continuada. Desta forma, alterando entendimento anterior, uma vez configurado sinistro com efeitos permanentes, como o óbito ou a invalidez permanente, o transcurso do prazo prescricional não atinge o fundo do direito, mas tão somente as prestações anteriores a um ano do pedido administrativo ou do ajuizamento da ação. (STJ, AgInt no REsp n. 1.727.367/RS)
VI - A concessão do benefício previdenciário aposentadoria por invalidez tem entre seus requisitos precisamente a incapacidade total e permanente do segurado, sua constatação pressupõe a existência de processo administrativo ou judicial nos quais a autarquia previdenciária ou o Poder Judiciário tem a oportunidade de avaliar as provas apresentadas, bem como a oportunidade de determinar a produção de prova pericial, levando em consideração fatores socioeconômicos como o grau de instrução do segurado para fundamentar a decisão que reconhece o direito em questão. Deste modo, o ato que concede o benefício previdenciário é documentado e dotado de fé pública, podendo inclusive ser protegido pelos efeitos da coisa julgada quando reconhecido por via judicial.
VII - Existindo reconhecimento público da incapacidade total e permanente da parte Autora, é de todo desnecessária a realização de nova prova pericial. Se a hipótese de ocorrência do sinistro tem requisitos coincidentes ao do benefício previdenciário já concedido, sua configuração resta presumida, sendo ônus do interessado, pelas vias adequadas, arguir e provar eventual ilicitude ou nova configuração fática que comine sua validade ou sua eficácia no que diz respeito às hipóteses em questão.
VIII - O raciocínio inverso, aquele que pretende condicionar o reconhecimento do sinistro e a cobertura pleiteada à prévia concessão de aposentadoria por invalidez, no entanto, não é verdadeiro. Com efeito são inúmeras as razões para que a autarquia previdenciária possa recusar o benefício pleiteado que não guardam relação com a incapacidade total e permanente do requerente. Mesmo antes disso, não se cogita de prévio exaurimento da via administrativa quando as partes, o objeto e a própria relação jurídica são distintos entre si. A aposentadoria por invalidez representa uma robusta prova em favor da parte Autora, mas não representa requisito necessário para a cobertura securitária em discussão.
IX - Em um contexto de relações sociais e jurídicas massificadas, em que inúmeros sujeitos de direito, diante da necessidade de contratar determinado serviço, tem sua autonomia reduzida a aderir ou não a contratos padronizados e que pouco se distinguem entre os poucos ofertantes de um determinado mercado, as controvérsias que se instauram entre os contratantes devem ser dirimidas tendo como parâmetro o princípio da boa fé objetiva.
X - Nos contratos de seguro, a cláusula que exclui a cobertura de sinistros como a incapacidade total e permanente, ou mesmo o óbito, se decorrentes de doença preexistente, reforça a ideia de que o risco assumido pela seguradora abrange somente as situações fáticas posteriores à contratação. A maneira mais rigorosa para avaliar a eventual existência de doenças que poderiam vir a gerar incapacidade ou levar a óbito o contratante, mas que não seriam cobertas pelo seguro, envolveria a realização de perícia médica antes da contratação do seguro. Esse, aliás, é o entendimento consagrado na Súmula 609 do STJ, segundo a qual a recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.
XI - Diante da dificuldade operacional e financeira de realizar tantas perícias quantos são os contratos de seguro assinados diariamente, a cláusula que versa sobre doenças preexistentes é redigida de maneira ampla e genérica. Destarte surge a possibilidade de que a sua interpretação, já se considerando a configuração categórica do sinistro, seja feita de maneira distorcida com vistas a evitar o cumprimento da obrigação. Por esta razão, ainda que os primeiros sintomas da doença tenham se manifestado antes da contratação do seguro, não é possível pressupor categoricamente que, à época da assinatura do contrato, fosse previsível que a sua evolução seria capaz de gerar a incapacidade total e permanente ou o óbito do segurado.
XII - De outra forma, doenças de origem genética e predisposição familiar, doenças que tendem a se manifestar ou se agravar com a idade, doenças decorrentes de vícios ou maus hábitos do segurado com sua própria saúde (que não devem ser objeto de julgamentos de ordem estritamente moral), doenças que apresentam evolução peculiar ou inesperada, a depender da interpretação de seus sintomas, poderiam todas restar abrangidas pela cláusula em questão, com potencial de esvaziar completamente o objeto do contrato neste tópico.
XIII - Assim, nem mesmo a concessão de auxílio doença, como fato isolado, exatamente por somente pressupor a existência de incapacidade temporária, é suficiente para afastar a configuração do sinistro por invalidez ou óbito decorrente de doença preexistente.
XIV - Nas controvérsias judicializadas, é incumbência do magistrado avaliar de maneira casuística a eventual incidência da cláusula que afasta a cobertura securitária por preexistência da doença que veio a gerar o sinistro. Neste diapasão, o seu reconhecimento deve se restringir notadamente às hipóteses em que era evidente que o quadro clínico do segurado levaria ao sinistro, ou quando houver forte indício ou prova de má-fé do segurado, nos termos dos artigos 762, 765 e 766, caput e parágrafo único, 768 do CC.
XV - Caso em que o contrato foi firmado 01/08/2012, enquanto o mutuário obteve a concessão de benefício por invalidez em 31/03/2017. Após a formulação do pedido em 29/10/2020, a CEF negou a cobertura requerida em 18/11/2020. A ação foi ajuizada em 04/10/2021.
XVI - Nestas condições, o autor desincumbiu-se no ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I do CPC). Não há indícios ou provas de que a doença fosse pré-existente à assinatura do contrato, não sendo suficiente, para tanto, a alegação de concessão de auxílio doença posterior ao início da avença. Por essa razão, caberia ao réu comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II do CPC), e não ao autor fazer prova negativa neste sentido.
XVII - Apelação parcialmente provida para reconhecer o direito do autor à cobertura securitária devidas desde a concessão do benefício aposentadoria por invalidez em 31/03/2017, prescritas, no entanto, as prestações anteriores a um do pedido administrativo formulado em 29/10/2020. Honorários advocatícios devidos em 10% da condenação em favor do patrono da parte Autora.