Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5007161-48.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

AGRAVANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

AGRAVADO: ALLAN VINICIUS SILVA DE ARAUJO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5007161-48.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

AGRAVANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

AGRAVADO: ALLAN VINICIUS SILVA DE ARAUJO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A EXMA. SRA. DRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA (Relatora):

 

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL contra decisão proferida pelo MM. Juízo “a quo” que deferiu parcialmente a tutela de urgência, determinando que a ré se abstivesse de realizar o desligamento do autor do corpo discente da UFGD, curso de medicina.

 

A agravante narra que foi proposta ação ajuizada em seu desfavor onde buscava o autor sua matrícula no curso de Graduação, para o qual foi chamado para uma das vagas reservadas aos candidatos egressos do Sistema Público de Ensino Médio autodeclarados preto, pardo ou indígena; – Lei nº 12.711/2012.

 

Destaca que o candidato foi convocado a realizar sua matrícula, todavia, ao apresentar a documentação exigida, não logrou comprovar a condição ético racial declarada quando de sua inscrição no certame, não tendo sido a declaração homologada pela Comissão de verificação da Universidade.

 

Explica que deferir a matrícula do agravado desde já implica em determinação de participação precária do recorrido no curso – ou seja, com amparo em decisão judicial passível de reforma, não definitiva.

 

Adverte que há risco de ter decisão futura favorável que será afigurada como providência judicial inútil, em razão da grande probabilidade de perda de objeto, pela adoção da teoria do fato consolidado.

 

Ressalta que o Superior Tribunal de Justiça –STJ decidiu que a avaliação do fenótipo do candidato é o mérito da atuação da Comissão Examinadora, sendo vedado ao Poder Judiciário analisar o mérito das conclusões da Comissão, cabendo-lhe tão-somente o controle de legalidade dos atos da Administração.

 

Salienta que o que deve ser analisado na heteroidentificação é o fenótipo, e não a ascendência.

 

Registra que a discricionariedade é um poder delimitado previamente pelo legislador, que, ao definir um determinado ato, intencionalmente deixa um espaço para livre decisão da Administração, legitimando previamente a sua opção.

 

Conclui que não pode o Judiciário invadir esse espaço reservado pela lei ao administrador, pois, caso contrário, estaria substituindo por seus próprios critérios de escolha, a opção legítima realizada pela autoridade competente, com base em razões de conveniência e oportunidade, especialmente em se tratando de matéria técnica, como é o caso concreto: análise do fenótipo do candidato.

 

Foi deferida a tutela recursal.

 

Com contraminuta.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5007161-48.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

AGRAVANTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

AGRAVADO: ALLAN VINICIUS SILVA DE ARAUJO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

EXMA. SRA. DRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA (Relatora):

 

De acordo com o art. 294 do CPC, a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

 

O art. 300 do CPC estabelece como requisitos para a tutela de urgência: a) a probabilidade ou plausibilidade do direito; e b) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

 

Esse artigo assim dispõe:

 

"Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão."

 

Depreende-se da leitura do artigo acima que se revela indispensável à entrega de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, sendo que esses requisitos devem ser satisfeitos cumulativamente.

 

Nesse contexto, permite-se inferir que o novo Código de Processo Civil, neste aspecto, não alterou as condições para deferimento de tutela antecipatória fundada em urgência (anterior art. 273, I, do CPC/73).

 

No caso concreto, se encontram presentes os requisitos necessários ao deferimento da pretendida tutela.

 

Destaco que os critérios de matrícula, avaliação e promoção configuram atos discricionários das universidades, que podem ser escolhidos com liberdade, seguindo disposições previamente estabelecidas no Regimento Geral da Instituição e respeitada a legislação de regência e a Constituição Federal.

 

A Lei nº 12.711/2012 garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos, sendo que os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência.

 

Aplicável à espécie o artigo 1º da referida Lei cuja redação ora transcrevo:

 

“Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016)

 

Referida Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 7.824/2012 e a Portaria Normativa nº 18/2012 do Ministério da Educação, que são anteriores à abertura do edital.

 

Como se vê o requisito para que o agravado participasse do ingresso por reserva de vaga (cotas) era que fosse negro, pardo ou indígena, o que não restou comprovado na entrevista em questão.

 

O agravado declarou que era pardo e que autorizava a verificação dos dados, sabendo que a omissão ou falsidade de informações resultaria nas punições cabíveis, inclusive a desclassificação do candidato.

 

Assim, vê-se que o recorrido já tinha ciência de que a Universidade poderia, a qualquer momento, verificar as informações declaradas e cancelar sua matrícula, haja vista que esta se candidatou a vaga de cotista, sem que tivesse as características, o que fere o princípio da legalidade.

 

É certo que cabe a Administração rever seus atos para corrigir vícios cometidos, conforme Súmula 473 do STF:

 

“Súmula 473: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

 

Dessa forma, a princípio, tenho que a Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul apenas fez cumprir as regras contidas no edital do processo seletivo, sem estabelecer critérios e exigências não previstos no instrumento convocatório.

 

Por outro ângulo, observo que não cabe ao Poder Judiciário substituir-se à banca avaliadora na análise fenotípica da autora e de sua correspondente classificação racial, devendo limitar-se a verificar a ocorrência de ilegalidade ou teratologia no estabelecimento de tal avaliação e na sua realização.

 

Assim, merece reforma a decisão atacada.

 

Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI Nº 12.711/2012. COTISTA. NÃO FIGURADA AS CARACTERÍSTICAS. ADMINISTRAÇÃO. REVER SEUS ATOS PARA CORRIGIR VÍCIOS COMETIDOS. SÚMULA 473 DO STF

Os critérios de matrícula, avaliação e promoção configuram atos discricionários das universidades, que podem ser escolhidos com liberdade, seguindo disposições previamente estabelecidas no Regimento Geral da Instituição e respeitada a legislação de regência e a Constituição Federal.

A Lei nº 12.711/2012 garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos, sendo que os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência.

O requisito para que o agravante participasse do ingresso por reserva de vaga (cotas) era que fosse negro, pardo ou indígena, o que não restou comprovado na entrevista em questão.

O agravado declarou que era parda e que autorizava a verificação dos dados, sabendo que a omissão ou falsidade de informações resultaria nas punições cabíveis, inclusive a desclassificação do candidato.

O recorrido já tinha ciência de que a Universidade poderia, a qualquer momento, verificar as informações declaradas e cancelar sua matrícula, haja vista que esta se candidatou a vaga de cotista, sem que tivesse as características, o que fere o princípio da legalidade.

Cabe a Administração rever seus atos para corrigir vícios cometidos, conforme Súmula 473 do STF.

Agravo de instrumento a que se dá provimento.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto da Des. Fed. MARLI FERREIRA (Relatora), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.