AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5007959-43.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
AGRAVANTE: ANA LAURA GOMES DA SILVA
Advogado do(a) AGRAVANTE: MARCO AURELIO BARBOSA DE SOUSA - GO60526-A
AGRAVADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5007959-43.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA AGRAVANTE: ANA LAURA GOMES DA SILVA Advogado do(a) AGRAVANTE: MARCO AURELIO BARBOSA DE SOUSA - GO60526 AGRAVADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, interposto por ANA LAURA GOMES DA SILVA, em face da r. decisão proferida pelo MM. Juízo “a quo”, que em sede mandamental, indeferiu a liminar que objetiva a suspensão de ato lesivo e o cumprimento das determinações legais, nos moldes do artigo 9º da Lei nº 12.016/09, assegurado o direito de se matricular no curso de Medicina, em vaga reservada a candidatos negros e pardos, sob pena de multa diária. Alega a agravante, em síntese, que foi aprovada no processo seletivo da UFMS 2022 para uma das vagas reservadas para candidatos negros e pardos do curso de Medicina, sendo que após o envio de todos os documentos necessários para a efetivação da matrícula, foi realizado o procedimento de heteroidentificação, o qual foi conduzido pela banca de verificação da veracidade de autodeclaração. Aduz que, apesar de ser pessoa reconhecida socialmente como parda, com fenótipos característicos, a IES indeferiu sua matrícula não obstante as respostas confusas, pois na primeira oportunidade, a banca disse que a agravante tem nariz fino e lábios intermediários e, na segunda, aduz que possui lábios finos e nariz intermediário, contradição que não pode prejudicá-la, notadamente porque suas fotos e as de seus ascendentes demonstram as características da miscigenação racial. Deferida a antecipação da tutela recursal, para determinar a efetiva matrícula da agravante no curso para o qual foi aprovada na UFMS, sob pena de multa diária no patamar de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia (ID 258396170). Devidamente intimada, a agravada apresentou contraminuta e interpôs agravo interno (ID 255776767/258723626). A agravante ofereceu resposta ao agravo interno (ID 260127692). O Ministério Público Federal, em seu parecer nesta instância, manifestou-se pelo desprovimento do agravo de instrumento (ID 260162829). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5007959-43.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA AGRAVANTE: ANA LAURA GOMES DA SILVA Advogado do(a) AGRAVANTE: MARCO AURELIO BARBOSA DE SOUSA - GO60526 AGRAVADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Trata-se de agravo de instrumento interposto por ANA LAURA GOMES DA SILVA, objetivando o reconhecimento de sua condição de parda, para fins de ingresso no curso de Medicina, pelo sistema de cotas destinado aos candidatos autodeclarados pretos ou pardos, nos termos da Lei nº 12.711/2012 e disposições contidas no Edital de Seleção Nº 262/2021-VESTIBULAR UFMS 2022. No caso concreto, é bem de ver que impedir o acesso da agravante aos seus estudos, nesse momento, obsta a proteção ao bem maior que é o direito à educação. Nesse sentido, acerca de situação análoga a versada nos presentes autos, o c. STJ já se manifestou, senão vejamos: EMEN: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECUSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O INGRESSO EM ENSINO SUPERIOR. APROVAÇÃO PELO SISTEMA DE COTAS. NORMAS QUE ESTABELECEM OS REQUISITOS PARA O INGRESSO EM UNIVERSIDADE. INDEFERIMENTO DA MATRÍCULA. OBTENÇÃO, PELA ALUNA, DE LIMINAR QUE LHE ASSEGUROU O INÍCIO NO CURSO EM 2011. TUTELA CONFIRMADA PELA SENTENÇA E PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. GRADUAÇÃO CONCLUÍDA. NÃO SE MOSTRA RAZOÁVEL FAZER A DISCENTE, QUE SOB A ÉGIDE DA TUTELA PROVISÓRIA CURSOU A TOTALIDADE DA GRADUAÇÃO, RETORNAR À SITUAÇÃO ANTERIOR, SOBRETUDO QUANDO SE VERIFICA QUE INEXISTIRÁ PREJUÍZO À INSTITUIÇÃO DE ENSINO, QUE NÃO SUPRIRÁ A REFERIDA VAGA. AGRAVO INTERNO DA UFPA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte Superior possui firme entendimento que, em determinadas situações, como ocorre no presente caso, os postulados da boa-fé, da segurança jurídica, da confiança, da razoabilidade, da proporcionalidade e da justiça recomendam a manutenção da situação fática que não gera prejuízo à parte contrária, a pretexto de se evitar um mal maior à que está sendo beneficiada. Precedentes: AgRg no REsp. 1.467.032/RJ, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 11.11.2014; AgRg no AREsp. 460.157/PI, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 26.3.2014; REsp. 1.394.719/DF, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 18.11.2013; REsp. 1.289.424/SE, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 19.6.2013; AgRg no REsp. 1.267.594/RS, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 21.5.2012; e REsp. 1.262.673/SE, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 30.8.2011. 2. Por não se tratar de hipótese de concurso público para provimento de cargo efetivo, mas sim de mero ingresso em Curso Superior, não se aplica à presente hipótese o julgado do STF com repercussão geral (RE 608.482/RN, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe 30.10.2014). 3. Agravo Interno da UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ-UFPA a que se nega provimento. ..EMEN: (c. STJ, AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 949007, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Turma, DJE DATA:10/04/2019 ..DTPB). Ademais, a matéria em comento não deve ser apartada de seu contexto social, em vista dos termos do artigo 206, inciso I, da Constituição Federal, que assegura a todos a igualdade de acesso e permanência na escola, independentemente do critério adotado para alcançar esta situação. Por outro aspecto, não me parece que a reforma da r. decisão combatida interfira de alguma forma na autonomia acadêmica da agravada, pois, nenhuma decisão administrativa, uma vez suscitada eventual ilegalidade, pode ser suprimida da apreciação do Poder Judiciário. Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para determinar a agravada a realização da matrícula da agravante na condição de pessoa parda, no curso de Medicina, desde que apresente os demais documentos exigidos para a realização da matrícula e julgo prejudicado o agravo interno, nos termos da fundamentação. É como voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5007959-43.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
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Advogado do(a) AGRAVANTE: MARCO AURELIO BARBOSA DE SOUSA - GO60526-A
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V O T O - V I S T A
Inicialmente, constato que na ação originária o magistrado proferiu sentença de procedência do pedido formulado na exordial, o que implicaria em prejudicialidade desse agravo de instrumento.
Passo a apreciar o mérito.
Peço vênia ao e. Relator para divergir.
De acordo com o art. 294 do CPC, a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
O art. 300 do CPC estabelece como requisitos para a tutela de urgência: a) a probabilidade ou plausibilidade do direito; e b) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Esse artigo assim dispõe:
"Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão."
Depreende-se da leitura do artigo acima que se revela indispensável à entrega de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, sendo que esses requisitos devem ser satisfeitos cumulativamente.
Nesse contexto, permite-se inferir que o novo Código de Processo Civil, neste aspecto, não alterou as condições para deferimento de tutela antecipatória fundada em urgência (anterior art. 273, I, do CPC/73).
No caso concreto, não se encontram presentes os requisitos necessários ao deferimento da pretendida tutela.
Destaco que os critérios de matrícula, avaliação e promoção configuram atos discricionários das universidades, que podem ser escolhidos com liberdade, seguindo disposições previamente estabelecidas no Regimento Geral da Instituição e respeitada a legislação de regência e a Constituição Federal.
A Lei nº 12.711/2012 garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos, sendo que os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência.
Aplicável à espécie o artigo 1º da referida Lei cuja redação ora transcrevo:
“Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.
Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016)
Referida Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 7.824/2012 e a Portaria Normativa nº 18/2012 do Ministério da Educação, que são anteriores à abertura do edital.
Como se vê o requisito para que a agravante participasse do ingresso por reserva de vaga (cotas) era que fosse negro, pardo ou indígena, o que não restou comprovado na entrevista em questão.
A agravante declarou que era parda e que autorizava a verificação dos dados, sabendo que a omissão ou falsidade de informações resultaria nas punições cabíveis, inclusive a desclassificação do candidato.
Assim, vê-se que a recorrente já tinha ciência de que a Universidade poderia, a qualquer momento, verificar as informações declaradas e cancelar sua matrícula, haja vista que esta se candidatou a vaga de cotista, sem que tivesse as características, o que fere o princípio da legalidade.
É certo que cabe a Administração rever seus atos para corrigir vícios cometidos, conforme Súmula 473 do STF:
“Súmula 473: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
Como bem asseverado pelo magistrado, o Edital que rege a convocação em questão, tem expressa previsão de que “o candidato convocado para matrícula nas vagas reservadas (cotas) deve comprovar sua condição de acordo com os itens 5, 6 e 7 deste Edital, de acordo com a cota escolhida”, traçando as seguintes regras (ID 244573612):
“3.5. O candidato convocado para matrícula nas vagas reservadas às pessoas pretas ou pardas ou às pessoas com deficiência será avaliado por uma Banca de Avaliação da Veracidade da Autodeclaração, instituída pela UFMS, por meio dos arquivos digitais anexados, antes de ter sua matrícula efetivada pelas Secretarias Acadêmicas.
3.6. Todos os critérios de avaliação de Ingresso por Reserva de Vagas para Ações Afirmavas nos cursos de graduação seguirão a Resolução COUN/UFMS nº 150, de 30 de agosto de 2019. (...)
6.1. O candidato convocado para matrícula nas vagas reservadas às pessoas pretas ou pardas, nas modalidades (Cotas) de concorrência L3, L7, L11, L15, deverá anexar, no ato da matrícula, os seguintes documentos: a) Autodeclaração de pessoa preta e/ou parda, devidamente preenchida, conforme Anexo III; e b) Uma fotografia e um vídeo, ambos recentes e individuais do candidato, de acordo com o Anexo VI.
6.2. A fotografia ou o vídeo que não estiver nítido ou em desacordo com este Edital será desconsiderada, devendo o candidato encaminhar novo arquivo (fotografia ou vídeo) durante o prazo de recurso administrativo.
6.3. A Banca de Verificação da Veracidade da Autodeclaração verificará, por meio de fotografia e vídeo, as seguintes características fenotípicas consideradas próprias das pessoas pretas ou pardas: a cor da pele parda ou preta, cabelo crespo ou enrolado, o nariz largo e os lábios grossos e amarronzados.”
Como se vê, nos casos da espécie, não são considerados os aspectos genéticos, mas sim os aspectos físicos, na forma determinada pelo edital.
Como é sabido, o edital é lei entre as partes e os concorrentes tiveram conhecimento das regras nele esculpidas, inclusive o fato de que teria que comprovar os requisitos legais junto a uma comissão verificadora específica da UFMS.
Dessa forma, a princípio, tenho que a UFGD apenas fez cumprir as regras contidas no edital do processo seletivo, sem estabelecer critérios e exigências não previstos no instrumento convocatório.
Por outro ângulo, observo que não cabe ao Poder Judiciário substituir-se à banca avaliadora na análise fenotípica de sua correspondente classificação racial, devendo limitar-se a verificar a ocorrência de ilegalidade ou teratologia no estabelecimento de tal avaliação e na sua realização.
Destarte, não merece acolhida a pretensão deduzida neste recurso.
Ante o exposto, julgo prejudicado o agravo interno e nego provimento ao presente agravo de instrumento.
É como voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUFMS. MATRÍCULA. CURSO DE MEDICINA. SISTEMA DE COTAS. DIREITO DE ACESSO À EDUCAÇÃO.
1. In casu, é bem de ver que impedir o acesso da agravante aos seus estudos, nesse momento, obsta a proteção ao bem maior que é o direito à educação.
2. A matéria em comento não deve ser apartada de seu contexto social, em vista dos termos do artigo 206, inciso I, da Constituição Federal, que assegura a todos a igualdade de acesso e permanência na escola, independentemente do critério adotado para alcançar estas almejadas situações.
3. Ademais, a reforma da r. decisão combatida não interfere de alguma forma na autonomia acadêmica da agravada, pois, nenhuma decisão administrativa, uma vez suscitada eventual ilegalidade, pode ser suprimida da apreciação do Poder Judiciário.
4. Agravo de instrumento provido. Agravo interno prejudicado.