Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5018810-44.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

AGRAVADO: MARIE SOEURETTE RAPHAEL

Advogado do(a) AGRAVADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5018810-44.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

 

AGRAVADO: MARIE SOEURETTE RAPHAEL

Advogados do(a) AGRAVADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A, WANDERSON FARIAS MORAIS - SP463647-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de Agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela União Federal, em face da r. decisão proferida pelo MM. Juízo “a quo” que deferiu a medida liminar requerida para afastar a obrigatoriedade da apresentação do atestado de antecedentes criminais legalizado emitido pelo Haiti, bem como das Certidões de Inscrição Consular e de Nascimento haitianas, para o processamento do pedido de naturalização.

Alega a agravante que os atos da Administração Pública foram praticados em perfeita consonância com os dispositivos legais vigentes reguladores da matéria (princípio da legalidade), não cabendo qualquer reparo no seu procedimento e que a Administração Pública tem sua atuação restrita aos exatos termos determinados em lei, não podendo, sob qualquer pretexto, ir além daquilo que o legislador, como representante popular, reputou essencial ao disciplinamento da questão, máxime quando se tratar de matéria como a dos presentes autos. Sustenta a inadequação da via eleita.

O pedido de efeito suspensivo foi indeferido.

Devidamente intimada, a agravada apresentou contraminuta.

O Ministério Público Federal manifesta-se pelo desprovimento do recurso (Id 268733434).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5018810-44.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

 

AGRAVADO: MARIE SOEURETTE RAPHAEL

Advogados do(a) AGRAVADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A, WANDERSON FARIAS MORAIS - SP463647-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

Na origem, trata-se de mandado de segurança por meio do qual a impetrante requer provimento jurisdicional que afaste a exigência de apresentação do atestado de antecedentes criminais atualizado, de certidões de inscrição consular e de nascimento para o processamento do pedido de naturalização.

A controvérsia cinge-se acerca da documentação exigida pela autoridade impetrada para o recebimento e processamento do pedido de naturalização da ora agravada.

De início, deve ser afastada a alegação de inadequação da via eleita por suposta ausência de prova pré-constituída e inexistência de direito líquido e certo, porquanto restou comprovada a inexistência de antecedentes criminais, bem como a correta grafia de seu nome e do nome de seus genitores, uma vez que anexou aos autos atestado criminal emitido pelo país de origem e documentos oficias comprovando a correta grafia dos nomes.

A agravada, natural da República do Haiti, impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, em face do Diretor do Departamento de Migração do Ministério da Justiça e Segurança Pública, requerendo o afastamento da exigência de apresentação do atestado de antecedentes criminais atualizado e das certidões consular e de nascimento para o processamento do pedido de naturalização.

A formulação de tal pedido, contudo, exige a reunião de uma extensa lista de documentos, os quais foram devidamente apresentados perante a autoridade policial, salvo três: certidão consular, de nascimento e de antecedentes criminais atualizada.

No tocante às duas primeiras, consigna que se prestam exclusivamente para comprovar a filiação, informações que podem ser obtidas em outros documentos. E, no que se refere à certidão de antecedentes criminais, esclarece que possui, sim, o documento, com tradução juramentada para o português, mas com data de emissão de 13.5.2021, fora, portanto, do prazo de 90 dias exigido pela Polícia Federal. Afirma, contudo, que tais documentos não podem ser obtidos na República do Haiti, pois o seu deslocamento para o país seria financeiramente impossível.

Aduz que a negativa de concessão documental dificulta o exercício da cidadania e a proteção de seus direitos sociais. Ademais, indica não ser razoável tal exigência, vez que impossível de ser obtida, e que pode ser suprida pela apresentação de outros documentos.

Pois bem. Em regra, a apresentação dos documentos exigidos pela autoridade impetrada são necessários para o processamento do pedido de naturalização, todavia, a exigência contida na norma não pode ser interpretada de modo absoluto.

Da legislação específica dos três documentos que a ora agravada afirma não possuir, dois deles, a certidão de nascimento e a certidão consular, não são de apresentação mandatória para instruir o requerimento de naturalização ordinária, considerando que a Portaria Ministerial 623, de 13 de novembro de 2020, não relaciona a certidão consular e tampouco a de nascimento no rol de documentos obrigatórios para fins de concessão da naturalização. Segundo expressamente disposto no sítio eletrônico da Polícia Federal, a certidão consular somente se faz necessária na hipótese de “divergência de nomes no documento”.

Nos termos do artigo 5º, caput, da Constituição Federal, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, de modo que os estrangeiros residentes no País fazem jus aos direitos e garantias fundamentais.  

Na espécie, a agravada acostou aos autos principais (fls. 52) certidão de antecedentes criminais emitida pelo Governo da República do Haiti e devidamente traduzido para o português por uma tradutora pública, todavia, o supracitado documento datado de 13 de maio de 2021 foi considerado inválido pelo Departamento da Polícia Federal, pois não obedece ao prazo de 90 dias entre sua emissão e apresentação no requerimento de naturalização.

Não se pode olvidar da crise social e humanitária existente no Haiti, seu país de origem, bem como não se mostra razoável o órgão ministerial recusar a certidão de antecedentes criminais, em razão da data de sua emissão extrapolar o prazo de 90 dias, por ofensa ao princípio da proporcionalidade, em sentido estrito.

Ora, a impetrante estruturou completamente sua vida no país e, segundo o documento de fls. 20 dos autos principais, resta comprovado que seu filho nasceu no país aos 9.6.2019.

Importante consignar o contexto de relevante risco humanitário que enfrenta na República do Haiti, tendo em vista a instabilidade política e econômica após o assassinato do presidente do país em julho de 2021 e o terremoto ocorrido no mesmo ano. A impossibilidade de acesso a Embaixada Brasileira em Porto Príncipe é notória, assim como a indisponibilidade dos sistemas e-consular e BVCA/OIM para a obtenção de documentos consulares.

Nessas condições, não se mostra razoável negar à impetrante o pleno exercício de seus direitos fundamentais, sob justificativa de óbice de índole meramente burocrática, que, apesar de endereçada à proteção de relevantes interesses nacionais, referentes à própria segurança pública, não pode se sobrepor a mais efetiva proteção possível dos direitos humanos.

Nesse sentido, colaciono o julgado desta E. Corte:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA. PROCEDIMENTO DE NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA. SOLICITANTE EM CONDIÇÃO DE REFUGIADO. FLEXIBILIZAÇÃO DAS EXIGÊNCIAS DOCUMENTAIS. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

1. Adequação da via mandamental tendo em vista a desnecessidade de dilação probatória e a potencial violação a direito fundamento à nacionalidade e ao exercício da cidadania.

2. A tutela provisória de urgência, em sua modalidade antecipada, objetiva adiantar a satisfação da medida pleiteada, garantindo a efetividade do direito material discutido. Exige-se, cumulativamente, a demonstração da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).

3. Verifica-se o perigo de dano, tendo em vista que, apesar de encontrar-se atualmente em situação regularizada, o documento de identidade de estrangeiro do impetrante possui validade somente até 06.01.2020.

4. Reputa-se igualmente comprovada a verossimilhança das alegações acerca do direito pretendido. Apesar de não se tratar de pedido de refúgio, o solicitante ostenta condição de refugiado, sendo razoável que a ele também se aplique a mencionada flexibilização em relação às exigências documentais.

5. O requerente refugiou-se no Brasil, imigrando em razão de grave crise econômica e humanitária, sendo evidente que a necessidade obtenção de documentação emitida por seu país de origem importa em entrave meramente burocrático que inviabiliza a concretização de direito fundamental.

6. Satisfeitos os requisitos legais, é de ser mantida a decisão concessiva da tutela provisória.

7. Agravo de instrumento desprovido.”

(TRF 3ª Região, 3ª T., AI 5027295-38.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Antonio Carlos Cedenho, j. 06/03/2020, v. u., Intimação via sistema 20/03/2020) “DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REGULARIZAÇÃO MIGRATÓRIA. PEDIDO DE RESIDÊNCIA PERMANENTE. ESTRANGEIRA SOLICITANTE DE REFÚGIO E COM PROLE BRASILEIRA. DISPENSA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DO PAÍS DE ORIGEM E DE PASSAPORTE VÁLIDO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DO CASO CONCRETO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

1. Discute-se no presente recurso sobre a existência ou não de direito líquido e certo à desnecessidade de apresentação de certidão de antecedentes criminais emitida pelo país de origem e do passaporte válido para o processamento de pedido de residência permanente, fundada na reunião familiar ou em acolhida humanitária.

2. Consoante o art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal: "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

3. Dessa forma, o mandado de segurança configura ação constitucional que visa a proteger o titular de direito líquido e certo, lesado ou sob ameaça de lesão, não amparado por "habeas corpus" ou "habeas data", em casos de ilegalidade ou abuso de poder, por conduta comissiva ou omissiva.

4. Anota-se que o mandado de segurança é via processual adequada para a agravada manifestar a irresignação em apreço, tendo em vista a potencial violação ao direito de regularização migratória.

5. Importa frisar que o Estatuto dos Refugiados (Convenção da ONU de 1951) prevê a flexibilização das exigências documentais e regras procedimentais, diante das condições especiais dos refugiados, que se apresentam em situação de urgência ante a fuga do país de origem. O mesmo tratamento foi conferido pelos artigos 43 e 44 da Lei nº 9.474/1997.

6. O art. 20 da Lei de Migração - Lei nº 13.445/2017 prevê a flexibilização documental para a identificação civil do solicitante de refúgio.

7. Na hipótese dos autos, a agravada, solicitante de refúgio com prole brasileira, veio ao país em busca de condições mínimas de sobrevivência, diante da persistente crise social e humanitária no Haiti, seu país de origem. Assim, cabível afastar a exigência de documentos que não possui a agravada condições de obter em decorrência da grave situação política do país de origem.

8. Com efeito, exigir da impetrante, ora agravada, a apresentação de documentação que não possui condições de obter, significa obstar a possibilidade de regularização da sua situação migratória.

9. Negar à impetrante o processe o processamento do pedido de autorização de residência com base em reunião familiar somente por impossibilidade de apresentação de documentos que não podem ser obtidos caracteriza violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

10. Considerando-se as especificidades do caso concreto, não se aplica, à agravada, a exigência trazida no art. 129, inciso V, do Decreto nº 9.199/2017, qual seja, apresentação de "certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos".

11. De outro giro, verifica-se que a função precípua da apresentação do passaporte para regularização migratória é identificar o portador e conferir se, de fato, trata-se da mesma pessoa que teve autorizada a sua permanência no país.

12. Nesse contexto, é de pouca relevância que o documento de viagem esteja fora do prazo de validade previsto pelo Estado emissor, desde que não seja desatualizado, tendo em vista que os dados concernentes à identidade do portador, tais como nome, local e data de nascimento, gênero e nacionalidade, em regra, apenas são repetidos no novo passaporte, cuja diferença será somente o novo número de identificação e a nova data de validade.

13. Agravo de instrumento não provido”.

(AI 5015457-98.2019.4.03.0000, Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, TRF3 - 3ª Turma, Intimação via sistema DATA: 09/10/2019.)

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO. ATESTADO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. RECURSO PROVIDO.

- Trata-se de mandado de segurança objetivando provimento jurisdicional para determinar que a autoridade coatora processe o pedido de naturalização ordinária sem a apresentação da certidão de antecedentes criminais emitida no país de origem.

- É pertinente esclarecer que, de fato, a certidão de antecedentes criminais é uma das exigências constantes na Lei nº 13.445/2017 (lei de migração) para o procedimento de naturalização (art. 65, inc. IV).

- No caso concreto, a apelante, haitiana, ingressou no Brasil em janeiro de 2008. Estruturou sua vida e obteve regularização permanente com base na Lei nº 11.961/2012, e de acordo com os marcos temporais estabelecidos na Lei n.º 13.445/2017, no Decreto nº 9.199/2017 e na Portaria Interministerial n.º 11/2018.

- O pedido de naturalização, nos termos legais, restou indeferido porque a apelante não possui certidão de antecedentes no país de origem.

- Ocorre que, consoante alegado e não contestado pela autoridade coatora, a impetrante possui e apresentou uma certidão datada do ano de 2016, que utilizou para renovar seu passaporte naquele ano. Entretanto, o documento não foi legalizado no consulado brasileiro no Haiti e não há condições financeiras para que a impetrante regularize o documento em seu país de origem.

- Assim, em que pese a ausência de condição de refugiada da impetrante, circunstância que flexibilizaria a exigência, entendo que o caso é de concessão da ordem, tendo em vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Precedente.

- A ordem deve ser concedida para permitir que seja afastada a necessidade de apresentação de certidão de antecedentes criminais atualizada no país de origem, devendo a impetrante cumprir os demais requisitos legais para a análise de seu pedido de naturalização.

- Apelação provida."

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL, 5007059-35.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 17/11/2020, Intimação via sistema DATA: 18/11/2020)

Desse modo, deve ser mantida a decisão agravada.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e a Des. Fed. MARLI FERREIRA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.