AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5020708-68.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
ESPOLIO: ILCA CORRAL MENDES DOMINGOS
Advogados do(a) ESPOLIO: DANIEL POMPERMAIER BARRETO - MS12817-A, ROGERIO LUIZ POMPERMAIER - MS8613-A
AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5020708-68.2017.4.03.0000 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA AGRAVANTE: ILCA CORRAL MENDES DOMINGOS Advogados do(a) AGRAVANTE: JOAO FRANCISCO SUZIN - MS15972-A, DANIEL POMPERMAIER BARRETO - MS12817, ROGERIO LUIZ POMPERMAIER - MS8613 AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento interposto por ILCA CORRAL MENDES DOMINGOS, em face de decisão proferida pelo r. Juízo da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campo Grande/MS, que, nos autos da Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa nº 0008950-59.2016.403.6000, recebeu a petição inicial em seu desfavor. Cuida-se, na origem, de Ação Civil de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da recorrente e de outros corréus, tendo em vista a suposta prática de condutas tipificadas no art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/92 (LIA). Alega o Parquet que, em 05/11/2015, a agravante, na condição de Prefeita do Município de Nioaque/MS, contratou diretamente o Instituto de Apoio à Saúde, Educação, Gestão e Interesse Público – INTERGESP para prestação de serviço de saúde ao Município, em virtude da declaração de inexigibilidade de licitação com fundamento no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93, isto é, “para a contratação de serviços técnicos enumerados no artigo 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização”. Narra o MPF que, para efetuar a contratação da INTERGESP, foi celebrado o Termo de Parceria, sendo consignado que a entidade contratada era uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). O valor inicialmente ajustado foi de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais), e que, por conta dos aditivos celebrados, fizeram com que a INTERGESP recebesse até fevereiro/2012 o montante de R$ 2.484.853,91 (dois milhões, quatrocentos e oitenta e quatro mil, oitocentos e cinquenta e três reais e noventa e um centavos). Sustenta o autor que a declaração de inexigibilidade de licitação que culminou na contratação direta da INTERGESP foi realizada em desconformidade com as hipóteses previstas na legislação, bem como não teriam sido observadas as regras atinentes à sua formalização, uma vez que a INTERGESP nunca possuiu a qualificação de OSCIP, sendo certo que a sua solicitação para obter esse status somente foi apreciada (e negada) em 08/02/2011, ou seja, quando o Termo de Parceria celebrado encontrava-se vigente há quase um ano e assim prosseguiu até o mês de fevereiro do ano seguinte. Defende o Parquet que as investigações deflagradas resultaram na comprovação de que existia prévio conluio entre a agravante e os gestores da INTERGESP para promover a ilegal declaração de inexigibilidade do certame e a conseguinte contratação daquela entidade mediante a utilização de recursos federais. Notificada, a agravante argumentou juridicamente a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, a incompetência da Justiça Federal para conhecer do caso e, em seguida, demonstrou que a ação não merecia ser recebida, ao argumento que a empresa contratada sem licitação (INTERGESP) se apresentou como OSCIP e, não fosse isso o suficiente, a agravante somente tomou a atitude de assinar o Termo de Parceria depois da apresentação do Parecer Jurídico emitido pelo Procurador Jurídico do Município que sinalizou pela possibilidade da contratação questionada, de forma que não se verifica qualquer fato que possa sugerir ânimo de desonestidade ou enriquecimento próprio no seu ato. Ao analisar os argumentos, o r. Juízo a quo entendeu que estariam presentes “os pressupostos de admissibilidade, as condições e a justa causa da ação, além do que, não vislumbro materializadas quaisquer das hipóteses do artigo 17, 8º, da Lei nº 8.429/92”. Constatando que a citada decisão foi omissa com relação às preliminares, opôs embargos de declaração, os quais foram parcialmente acolhidos. Inconformada, a agravante interpôs o presente recurso, aduzindo que “o Digníssimo Juízo de primeiro grau, ao se esquivar de analisar efetivamente as omissões relativas aos argumentos lançados no mérito da defesa preliminar, acabou negando vigência ao disposto no artigo 1022, II e § único, II, e no artigo 489, § 1º, IV, ambos do Novo Código de Processo Civil” (ID Num. 1299286 - Pág. 10). Assim, requer o provimento do recurso “para, reconhecendo a vulneração das regras esculpidas nos artigos 1022, II e § único, II, e 489, § 1º, IV, ambos do Novo Código de Processo Civil, cassar a régia decisão proferida quando do julgamento dos Embargos de Declaração, determinando que o mesmo seja novamente analisado e que seja emitido juízo de valor sobre as questões discutidas nos Embargos de Declaração” (ID Num. 1299286 - Pág. 11). Subsidiariamente, defende que não existem fundamentos jurídicos para o recebimento da petição inicial da Ação de Improbidade Administrativa, já que antes de contratar diretamente a empresa INTERGESP, buscou consultar o Procurador Jurídico do Município para saber se poderia contratar sem licitação. Defende que somente firmou o Termo de Parceria com a empresa INTERGESP posteriormente ao Parecer Jurídico favorável do Procurador Jurídico do Município que, depois de analisar os documentos apresentados pela empresa INTERGESP, sinalizou positivamente pela possibilidade de contratação direta, sem licitação. Afirma que, se alguém deveria responder por improbidade administrativa, esse alguém seria o Procurador Jurídico do Município à época, que deu o parecer favorável à contratação sem licitação. Narra que a própria INTERGESP sempre se apresentou como OSCIP, que a Secretária Municipal de Saúde igualmente tratava a INTERGESP como OSCIP e, não bastasse isso, o Procurador Jurídico do Município igualmente tratou a INTERGESP como OSCIP. Sustenta que, não existindo provas que a agravante praticou os atos de improbidade, incorreta está a decisão que recebeu a ação em face dela pois, no caso, claramente falta justa causa, de maneira que a régia decisão acabou violando a regra esculpida no § 6º, do artigo 17, da Lei nº 8.429/92. Formulou, ao final, os seguintes pedidos (ID Num. 1299286 - Pág. 27): e) por derradeiro, depois dos termos de estilo, dar provimento ao recurso para: e.1) cassar a régia decisão proferida quando do julgamento dos Embargos de Declaração, por vulneração das regras esculpidas nos artigos 1022, II e § único, II, e 489, § 1º, IV, ambos do Novo Código de Processo Civil, determinando que o mesmo seja novamente analisado e que seja emitido juízo de valor sobre as questões discutidas nos Embargos de Declaração; e.2) reformar a régia decisão proferida em primeiro grau, por violação ao disposto no § 6º do artigo 17 da Lei nº 8.429/92, por falta de justa causa, por falta de provas que contenham indícios da existência da prática de atos de improbidade administrativa em face da agravante, determinado sua exclusão do pólo passivo da ação, para que não responda aos seus termos, nem se sujeite às suas consequências; Não havendo pedido de efeito suspensivo/antecipação dos efeitos da tutela recursal, determinei a intimação da parte agravada nos termos do art. 1.019, II, do CPC. Regularmente intimado, o Ministério Público Federal apresentou contraminuta, aduzindo a inadmissibilidade parcial do recurso, uma vez que a pretensão primária da agravante se direciona contra o julgamento dos embargos declaratórios. No mais, pugna pela manutenção da decisão agravada (ID Num. 5146768). Em parecer, o representante da Procuradoria Regional da República da 3ª Região opinou pela inadmissibilidade parcial do presente agravo de instrumento, pois incabível a cassação da decisão de embargos declaratórios, ao passo em que, no mérito, opina pelo seu improvimento (ID Num. 129660933). Em despacho ID Num. 254350939, determinei a manifestação das partes em razão das alterações substanciais da Lei nº 8.429/92, promovidas pela Lei nº 14.230/21. Em petição ID Num. 255384199, os patronos constituídos informam o falecimento da agravante e requererem a regularização processual para substituição pelo ESPÓLIO DE ILCA CORRAL MENDES DOMINGO. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5020708-68.2017.4.03.0000 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA AGRAVANTE: ILCA CORRAL MENDES DOMINGOS Advogados do(a) AGRAVANTE: JOAO FRANCISCO SUZIN - MS15972-A, DANIEL POMPERMAIER BARRETO - MS12817, ROGERIO LUIZ POMPERMAIER - MS8613 AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Da sucessão processual Diante da notícia de falecimento da agravante, com a nomeação de Olavo Corral Mendes Domingos como inventariante nos autos da Ação de Inventário nº 0811954-65.2021.8.12.0001, em trâmite perante a 5ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Campo Grande (ID Num. 255384211), defiro a sucessão processual conforme requerido. Das preliminares de ilegitimidade e de incompetência da Justiça Federal Tanto o pedido principal formulado pela agravante quanto a preliminar suscitada pelo Parquet versam sobre a decisão dos embargos declaratórios, sendo que ambos devem ser rejeitados. No pedido principal, a agravante requer a cassação da decisão dos embargos “por vulneração das regras esculpidas nos artigos 1022, II e § único, II, e 489, § 1º, IV, ambos do Novo Código de Processo Civil, determinando que o mesmo seja novamente analisado e que seja emitido juízo de valor sobre as questões discutidas nos Embargos de Declaração”. Inicialmente, cumpre asseverar que não há como se determinar a "cassação" da decisão dos embargos, uma vez que o significado jurídico da expressão está relacionado a uma punição pela conduta ilegal praticada pelo seu agente. Além disso, também não se vislumbra que o Poder Judiciário faça "juízo de valor", uma vez que a análise da questão posta em julgamento demanda do Magistrado a apreciação sob a ótica técnica-normativa. De todo modo, diante dos novos paradigmas trazidos pelo CPC/2015, precipuamente o seu art. 4º, que cuida do princípio da primazia no julgamento de mérito, denota-se que a agravante busca a reforma da decisão proferida nos embargos de declaração. Nos embargos de declaração, a recorrente aduziu a omissão de análise com relação às preliminares arguidas quando da apresentação de sua defesa prévia: a ilegitimidade do MPF para propor a ação, a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito e a ilegitimidade passiva ad causam. Em decisão ID Num. 1299112 - Págs. 54-60, o r. Julgador Singular acolheu parcialmente os embargos de declaração, reconhecendo a legitimidade ativa do Parquet para propor a presente demanda, bem como a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. Por outro lado, rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, asseverando que a pretensão possuiria natureza infringente e demandaria instrução probatória. Ao reconhecer a legitimidade ativa do Parquet, o r. Julgador assim afirmou (ID Num. 1299112 - Pág. 55): De acordo com o relatório apresentado pela Coordenadoria Estadual de Controle, Avaliação e Auditoria, Ilca Corral Mendes Domingos transferiu os recursos federais disponibilizados pela União na conta vinculada ao Programa de Atenção Básica (PAB) para a conta do Município de Nioaque/MS, utilizando-se de parcela para pagamento da empresa INTERGESP. Desta feita, considerando se tratar de recursos públicos vinculados ao PNAB - Programa Nacional de Atenção Básica (com a alegação de desvios ou ilegal aplicação destes recursos), ainda que em ações de saúde executados pelo Estado ou pelo Município de Nioaque/MS, resta evidente o interesse federal a acionar o Ministério Público Federal, nos termos da lei, em especial, ao art. 27, caput, e art. 39, 5º, ambos da Lei Complementar n. 141/12. A Lei Complementar nº 141, de 13/01/2012, regulamenta o § 3º, do art. 198, da CF, dispondo sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pelos entes federados em ações e serviços públicos de saúde. Com vistas a garantir a efetividade de suas disposições, o art. 27 do mencionado Diploma estabelece a legitimidade do Ministério Público competente para fiscalizar a adequada utilização dos recursos públicos (grifei): Art. 27. Quando os órgãos de controle interno do ente beneficiário, do ente transferidor ou o Ministério da Saúde detectarem que os recursos previstos no inciso II do § 3º do art. 198 da Constituição Federal estão sendo utilizados em ações e serviços diversos dos previstos no art. 3º desta Lei Complementar, ou em objeto de saúde diverso do originalmente pactuado, darão ciência ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público competentes, de acordo com a origem do recurso, com vistas: I - à adoção das providências legais, no sentido de determinar a imediata devolução dos referidos recursos ao Fundo de Saúde do ente da Federação beneficiário, devidamente atualizados por índice oficial adotado pelo ente transferidor, visando ao cumprimento do objetivo do repasse; II - à responsabilização nas esferas competentes. Segundo consta da petição inicial, “os recursos utilizados para o pagamento do valor contratado entre a Prefeitura de Nioaque/MS e o INTERGESP eram de origem federal, oriundos do Bloco de Financiamento de Atenção Básica (fls. 374/377 do Volume II e fl. 31 do Anexo I da NF), relacionados à Política Nacional de Atenção Básica” (ID Num. 1299026 - Pág. 19, grifei). Assim, por se tratar de suposta utilização indevida de verbas públicas federais, resta configurada a legitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal, conforme autoriza o art. 29 da Lei Complementar nº 141/12. Quanto à competência da Justiça Federal, o r. Julgador aduziu que a União se manifestou pela sua inclusão no feito, na qualidade de assistente litisconsorcial do Ministério Público Federal, o que foi por ele deferido em decisão de fls. 1588-v. Compulsando os autos, a mencionada decisão de fls. 1588-v não foi localizada. No entanto, verificando o andamento processual eletrônico da ação originária, constatei que a União está qualificada como assistente. Como no caso em estudo se questiona a suposta utilização indevida de verbas públicas federais, o que denota matéria de interesse da União, justifica-se a competência da Justiça Federal. Verifica-se, desta forma, que sobre as citadas preliminares houve análise exauriente, não havendo qualquer vício que justifique sua modificação, ao menos com os documentos que instruíram o presente recurso. Já quanto à preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, percebe-se que ela ostenta, no caso específico, natureza de mérito, precipuamente pelo argumento da recorrente de que ela firmou o contrato com a empresa INTERGESP após parecer jurídico favorável do Procurador Jurídico do Município. Com efeito, somente após a regular instauração da fase probatória é que se poderá analisar, com profundidade, a veracidade de suas afirmações. Daí porque, com acerto, o r. Magistrado Singular entendeu que tal questão teria natureza infringente. Com relação à preliminar suscitada pelo Parquet, alega que a “AGRAVANTE pleiteia a cassação do decisum que julgou os embargos declaratórios exclusivamente em face de eventuais vícios intrínsecos que acometem tão somente essa decisão, ou seja, impugna-a enquanto provimento autônomo, sendo que, nessa específica qualidade, trata-se de provimento jurisdicional que não comporta impugnação através do recurso de agravo de instrumento, haja vista não estar prevista no rol taxativo do art. 1.015 do Código de Processo Civil” (ID Num. 5146768 - Pág. 2). Como já asseverado, a decisão dos embargos declaratórios reconheceu a existência de parcial omissão quando da prolação da decisão que recebeu a petição inicial. Ora, como houve o acolhimento dos embargos, tais questões passaram a integrar a decisão que recebeu a petição inicial, o que, portanto, legitima que o agravo de instrumento também se direcione aos embargos. Em verdade, defender o não cabimento do agravo de instrumento no caso em exame, significaria deixar que os entendimentos firmados nos embargos de declaração vigorassem até o momento da impugnação em sede de apelação por omissão jurídica do r. Juízo Singular, e não por ausência de previsão normativa, o que não se mostra justo ou razoável à parte prejudicada. Ademais, não se pode olvidar que, a par das disposições do CPC, o art. 19, § 1º, da Lei nº 4.717/1965 prevê o cabimento do agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias proferidas em ação popular. Assim, considerando que a Lei da Ação Popular e a Lei da Ação Civil Pública fazem parte do microssistema processual coletivo, o art. 19, § 1º, da Lei nº 4.717/1965 aplica-se à ação civil pública, sendo cabível o agravo de instrumento contra qualquer decisão interlocutória em tais processos. Do ARE nº 843.989 No dia 25/10/2021, foi promulgada a Lei nº 14.230/21 promovendo alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). Dentre as modificações trazidas pelo novo Diploma, algumas possuem natureza extremamente benéfica para os acusados da prática de atos ímprobos (por exemplo, a extinção da improbidade culposa; a revogação dos incisos I, II, IX e X do art. 11; a exigência de dolo específico; a prescrição intercorrente, etc.), o que, invariavelmente, acarreta a discussão acerca de sua possível incidência retroativa. O E. Supremo Tribunal Federal, em sessão de julgamento do dia 24/02/22, reconheceu a repercussão geral quanto à incidência das modificações trazidas pela Lei nº 14.230/2021 nas ações de improbidade administrativa, especialmente quanto ao dolo e a prescrição (Tema nº 1.119). Na ocasião, a ementa ficou assim redigida: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO RETROATIVA DAS DISPOSIÇÕES SOBRE O DOLO E A PRESCRIÇÃO NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. 1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, § 3º, da Constituição, a definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente. 2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art. 1.035 do CPC. (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2022, Processo Eletrônico DJe-041 DIVULG 03-03-2022 PUBLIC 04-03-2022) Posteriormente, em sessão de julgamento realizada no dia 18/08/2022, a E. Corte Suprema, ao finalizar a análise do ARE 843.989 RG, fixou as seguintes teses de repercussão geral: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente. 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Analisando detidamente as teses fixadas, verifica-se que não há menção expressa acerca da retroatividade da Lei nº 14.230/2021 como um todo, salvo nos atos ímprobos culposos sem condenação transitada em julgado (há retroatividade – item 3) e no regime prescricional (não há retroatividade - item 4). É certo que, em seu voto, o Ministro Relator Alexandre de Moraes defendeu que “o princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (...) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador” (grifei). Contudo, o que chama a atenção é que o entendimento do eminente Ministro Relator não consta dentre as teses fixadas no Tema nº 1.119. Como se sabe, o regime da repercussão geral foi introduzido no § 3º, do art. 102, da CF/88, pela Emenda Constitucional nº 45/04, tendo por objetivo delimitar as matérias que seriam apreciadas pela E. Corte Suprema. O dispositivo apresenta a seguinte redação: § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. No CPC, a repercussão geral está prevista no art. 1.035, admitindo-se o recurso extraordinário quando a matéria nele discutida apresentar “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo” (§ 1º). Paralelamente a este instituto, o Diploma Processual Civil, nos arts. 1.036 até 1.041, regulamentou o julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos, sempre que houver a multiplicidade de recursos “com fundamento em idêntica questão de direito”. No sítio eletrônico do E. Supremo Tribunal Federal, não consta do andamento processual eletrônico que o ARE 843.989 foi submetido à sistemática dos recursos repetitivos. A meu ver, trata-se de questão meramente formal, uma vez que, ao redigir as teses resultantes do julgamento do ARE 843.989, a E. Corte Suprema adotou na prática o rito do recurso extraordinário repetitivo. Ao dispor sobre o rito dos recursos repetitivos, o § 3º, do art. 1.038, do CPC, prevê que o “conteúdo do acórdão abrangerá a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida”. E, com a conclusão dos julgamentos dos recursos afetados, incidem as disposições dos arts. 1.039 e 1.040 do CPC: Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada. Parágrafo único. Negada a existência de repercussão geral no recurso extraordinário afetado, serão considerados automaticamente inadmitidos os recursos extraordinários cujo processamento tenha sido sobrestado. Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma: I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior; III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior; IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada. Segundo os artigos acima descritos, os tribunais de origem devem seguir as teses firmadas nos recursos repetitivos. Deste modo, entendo que a vinculação dos efeitos do Tema de Repercussão Geral nº 1.119 estão limitadas às quatro teses descritas, e não aos votos proferidos pelos eminentes Ministros da E. Corte Suprema. Cuida-se, em verdade, de aplicação analógica da vedação à teoria da transcendência do s motivos determinantes. Em sede de controle abstrato de constitucionalidade, o § 2º, do art. 102, da CF/88, estabelece os efeitos jurídicos da decisão proferida pelo E. Supremo Tribunal Federal: Art. 102, § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Em termos doutrinários, discute-se qual(is) capítulo(s) da decisão de mérito que ostenta(m) o efeito vinculante e a abrangência erga omnes. Uma primeira corrente defende uma interpretação mais restrita, de modo que somente o dispositivo da decisão seria vinculante. Outra corrente, contudo, postula uma maior extensão dos efeitos jurídicos, de modo que o efeito vinculante alcança não apenas o dispositivo, mas a própria fundamentação utilizada. Os defensores desta corrente interpretativa a denominaram “teoria da transcendência dos motivos determinantes”. Instado a se manifestar, há tempos a E. Corte Suprema rejeita a aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes: EMENTA: I. Reclamação. Ausência de pertinência temática entre o caso e o objeto da decisão paradigma. Seguimento negado. II. Agravo regimental. Desprovimento. Em recente julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou a tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes das decisões de ações de controle abstrato de constitucionalidade (RCL 2475-AgR, j. 2.8.07). (Rcl 2990 AgR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 16/08/2007, DJe-101 DIVULG 13-09-2007 PUBLIC 14-09-2007 DJ 14-09-2007 PP-00030 EMENT VOL-02289-01 PP-00087) Trata-se de posicionamento presente até os dias atuais: AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. ADI 2.689/RN. ADI 1.350/RO. ADI 3.609/AC. AUSÊNCIA DE ADERÊNCIA ESTRITA. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. INAPLICABILIDADE. RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. INVIABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I –É imprescindível a demonstração da estrita aderência entre a decisão reclamada e os acórdãos apontados como paradigma. II – Esta Corte tem entendimento contrário à chamada transcendência ou efeitos irradiantes dos motivos determinantes das decisões proferidas em controle abstrato de normas. III - A reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo recursal. IV - Agravo regimental a que se nega provimento. (Rcl 48910 AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 04/10/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-210 DIVULG 21-10-2021 PUBLIC 22-10-2021) É certo que o ARE 843.989 não versa sobre decisão proferida em controle abstrato de constitucionalidade. Contudo, ao prever quais são as decisões que possuem efeitos vinculantes, o CPC adotou idêntico regime jurídico para aquelas proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade com aquelas proferidas em julgamento de recursos repetitivos: Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (...) III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; Assim, dada a semelhança entre os efeitos vinculantes da decisão prolatada em sede de controle abstrato de constitucionalidade com as decisões proferidas em recurso extraordinário repetitivo, tenho como possível, para esta última, invocar a impossibilidade da adoção da teoria da transcendência dos motivos determinantes. Trazendo tais premissas ao caso em tela, como a vedação da retroatividade da Lei nº 14.230/2021 foi apenas reconhecida pelo eminente Ministro Relator Alexandre de Moraes de modo obiter dictum (“coisa dita de passagem”), tenho que, à exceção dos itens 2, 3 e 4 do Tema nº 1.119, todas as demais modificações trazidas pelo novo regramento podem ser aplicadas nas ações civis públicas por ato de improbidade administrativa. Do recebimento da petição inicial Quanto ao pedido subsidiário da recorrente para reformar a decisão agravada que recebeu a petição inicial, também não há como ser acolhido, ao menos na presente fase procedimental. Na redação anterior, a Lei nº 8.429/92 estabelecia que a ação de improbidade administrativa somente poderia ser rejeitada de plano se juiz se convencesse da “inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita” (§ 8º do art. 17). Interpretando o mencionado dispositivo, o E. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, havendo indícios de cometimento de atos qualificados como improbidade administrativa, a petição inicial deve ser recebida pelo juiz, pois, na fase inaugural prevista no art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei nº 8.429/92, vigora o princípio do in dubio pro societate: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. INEXISTÊNCIA. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. PRESENÇA DE INDÍCIOS. REVISÃO. ÓBICE DA SÚMULA N. 7 STJ. DEMAIS ALEGAÇÕES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. (...) 3. Relativamente ao recebimento da inicial, o Superior Tribunal de Justiça possui firme entendimento de que é suficiente a demonstração de indícios razoáveis de prática de atos de improbidade e autoria para que se determine o processamento da ação, nos termos do art. 17, §§ 6º e 8º, da Lei n. 8.429/1992, a fim de possibilitar mais resguardo do interesse público. 4. Existindo indícios de atos de improbidade nos termos dos dispositivos da Lei n. 8.429/1992, sendo adequada a via eleita, cabe ao juiz receber a inicial e dar prosseguimento ao feito. 5. É pacífico nesta Corte que, no momento do recebimento da ação de improbidade administrativa, o magistrado apenas verifica se há a presença de indícios suficientes da prática de atos ímprobos, deixando para analisar o mérito, se ocorreu ou não improbidade, dano ao erário, enriquecimento ilícito ou violação de princípios, condenando ou absolvendo os denunciados, após regular instrução probatória. (...) (AgInt no AREsp n. 1.823.133/MG, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 10/12/2021.) Sob a égide da Lei nº 14.230/2021, as hipóteses de rejeição da petição inicial agora estão previstas no art. 17, § 6º-B: Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei. § 6º-B A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado. O art. 330 do CPC trata do indeferimento da petição inicial: Art. 330. A petição inicial será indeferida quando: I - for inepta; II - a parte for manifestamente ilegítima; III - o autor carecer de interesse processual; IV - não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321 . Já os incisos I e II, do § 6º, do art. 17, da LIA, acrescentam outros requisitos da petição inicial nas ações de improbidade administrativa: § 6º A petição inicial observará o seguinte: I - deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada; II - será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) Percebe-se, deste modo, que, além da individualização da conduta de cada réu para a consumação do ato ímprobo, corroborada por “elementos probatórios mínimos” de autoria, a nova Lei consigna a necessidade de demonstrar “indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado”. Sob tal enfoque, não vislumbro alteração do entendimento pacificado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, uma vez que para aferir a presença de indícios de autoria e materialidade dos fatos, invariavelmente se analisam as provas trazidas nos autos. Na petição inicial, o Parquet justifica as condutas ímprobas da agravante nos seguintes termos (ID Num. 1299026 - Págs. 24-25): As condutas dos réus configuram atos de improbidade administrativa causadores de prejuízo ao erário (art. 10, VIII, da Lei n. 8.429/92), uma vez que a ré ILCA CORRAL MENDES DOMINGOS dispensou e os réus ANA PAULA DOS SANTOS DIAS, JOSÉ LISSONI DIAS e DENIS CARLOS DE SOUZA MEDEIROS concorreram para a dispensa de licitação fora das hipóteses previstas em lei, resultando na contratação da empresa INTERGESP. (...) Como exposto acima e amplamente demonstrado nos documentos que instruem a presente petição inicial, a empresa INTERGESP nunca obteve a qualificação de OSCIP, sendo essa circunstância, por óbvio, de pleno conhecimento de seus gestores, os réus ANA PAULA DOS SANTOS DIAS, JOSÉ LISSONI DIAS e DENIS CARLOS DE SOUZA MEDEIROS, os quais, agindo com deliberada má-fé, celebraram TERMO DE PARCERIA com a Prefeitura Municipal de Nioaque/MS, administrada pela ré ILCA CORRAL MENDES DOMINGOS, sendo referida espécie de instrumento contratual exclusiva das entidades enquadradas na Lei n. 9.790/99. (...) Outrossim, a ré ILCA CORRAL MENDES DOMINGOS tinha plena ciência de que a empresa INTERGESP não se tratava de uma OSCIP e, portanto, não poderia dispensar prévio procedimento licitatório para com ela celebrar TERMO DE PARCERIA. Ao receber a petição inicial, o r. Julgador assim apontou (ID Num. 1299112 - Págs. 23 e 25): A justa causa da presente ação reside na razoável possibilidade (fortemente corroborada pelo conjunto probatório já constituído pelo Ministério Público Federal) de ter havido a prática de ato de improbidade, consistente na lesão ao Erário por parte dos requeridos, justificando o prosseguimento da presente ação civil pública, de forma a garantir o seu ressarcimento, em caso de eventual condenação. No presente momento processual, constato suficientes os indícios de autoria e de materialidade demonstrados no feito pela parte autora, que recomendam a prevalência do princípio do in dubio pro societate, o qual deve ser por ora resguardado. (...) Ademais, os argumentos das defesas, relacionados à inexistência de dolo nas condutas indicadas na inicial, são questões que demandam instrução probatória, não sendo verificável de plano pelos parcos documentos vindos com a defesa, de modo que o prosseguimento da presente ação é medida que se impõe. No caso em análise, a agravante, então Prefeita do Município de Nioaque/MS, reconhece que contratou diretamente a INTERGESP para prestação de serviço de saúde ao Município, em virtude da declaração de inexigibilidade de licitação com fundamento no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93. Em sua defesa, contudo, alega que a sua conduta estaria baseada em parecer jurídico municipal favorável à contratação. Daí porque, a seu ver, não haveria ânimo de desonestidade ou enriquecimento próprio no seu ato, “por mais que teoricamente a contratação possa ter ocorrido de maneira irregular” (ID Num. 1299286 - Pág. 5). Ocorre que, como bem apontado na r. decisão agravada, a discussão do elemento subjetivo deve ser averiguada na fase probatória, momento processual adequado para que a recorrente demonstre a atuação desprovida de ânimo desonesto. Reitere-se que o já citado § 6º-B, do art. 17, da LIA, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, é categórico ao estabelecer as hipóteses de rejeição da petição inicial: (a) art. 330 do CPC; (b) ausência dos requisitos dos incisos I e II do art. 6º desta Lei; e (c) manifesta inexistência o ato de improbidade imputado. In casu, não estão presentes quaisquer das mencionadas circunstâncias impeditivas, afigurando-se prematura uma análise conclusiva neste momento, antes da fase procedimental probatória. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. Retifique-se a autuação para que conste o ESPÓLIO DE ILCA CORRAL MENDES DOMINGO como agravante. É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 14.230/2021. INCIDÊNCIA RETROATIVA. TEMA Nº 1.119. RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. VINCULAÇÃO ÀS TESES FIRMADAS. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. JUSTA CAUSA. RECURSO IMPROVIDO.
1. No dia 25/10/2021, foi promulgada a Lei nº 14.230/21 promovendo alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).
2. A discussão jurídica que agora se coloca é saber se as modificações trazidas pelo novo Diploma, algumas possuem natureza extremamente benéfica para os acusados da prática de atos ímprobos (por exemplo, a extinção da improbidade culposa; a revogação dos incisos I, II, IX e X do art. 11; a exigência de dolo específico; a prescrição intercorrente, etc.), possuem incidência retroativa.
3. O E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema nº 1.119, fixou quatro teses de repercussão geral.
4. Analisando detidamente as teses fixadas, verifica-se que não há menção expressa acerca da retroatividade da Lei nº 14.230/2021 como um todo, salvo nos atos ímprobos culposos sem condenação transitada em julgado (há retroatividade – item 3) e no regime prescricional (não há retroatividade - item 4).
5. Ao redigir as teses resultantes do julgamento do ARE 843.989, a E. Corte Suprema adotou na prática o rito do recurso extraordinário repetitivo.
6. Ao dispor sobre o rito dos recursos repetitivos, o § 3º, do art. 1.038, do CPC, prevê que o “conteúdo do acórdão abrangerá a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida”. E, com a conclusão dos julgamentos dos recursos afetados, incidem as disposições dos arts. 1.039 e 1.040 do CPC.
7. Segundo os artigos, os tribunais de origem devem seguir as teses firmadas nos recursos repetitivos. Deste modo, a vinculação dos efeitos do Tema de Repercussão Geral nº 1.119 estão limitadas às quatro teses descritas, e não aos votos proferidos pelos eminentes Ministros da E. Corte Suprema.
8. Cuida-se, em verdade, de aplicação analógica da vedação à teoria da transcendência do s motivos determinantes.
9. É certo que o ARE 843.989 não versa sobre decisão proferida em controle abstrato de constitucionalidade. Contudo, ao prever quais são as decisões que possuem efeitos vinculantes, o CPC adotou idêntico regime jurídico para aquelas proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade com aquelas proferidas em julgamento de recursos repetitivos.
10. Na redação anterior, a Lei nº 8.429/92 estabelecia que a ação de improbidade administrativa somente poderia ser rejeitada de plano se juiz se convencesse da “inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita” (§ 8º do art. 17). Interpretando o mencionado dispositivo, o E. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, havendo indícios de cometimento de atos qualificados como improbidade administrativa, a petição inicial deve ser recebida pelo juiz, pois, na fase inaugural prevista no art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei nº 8.429/92, vigora o princípio do in dubio pro societate.
11. Sob a égide da Lei nº 14.230/2021, as hipóteses de rejeição da petição inicial agora estão previstas no art. 17, § 6º-B. Deste modo, que, além da individualização da conduta de cada réu para a consumação do ato ímprobo, corroborada por “elementos probatórios mínimos” de autoria, a nova Lei consigna a necessidade de demonstrar “indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado”.
12. Não se vislumbra alteração do entendimento pacificado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, uma vez que para aferir a presença de indícios de autoria e materialidade dos fatos, invariavelmente se analisam as provas trazidas nos autos.
13. No caso em análise, a agravante, então Prefeita do Município de Nioaque/MS, reconhece que contratou diretamente a INTERGESP para prestação de serviço de saúde ao Município, em virtude da declaração de inexigibilidade de licitação com fundamento no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93. Em sua defesa, alega que a sua conduta estaria baseada em parecer jurídico municipal favorável à contratação.
14. A discussão do elemento subjetivo, por outro lado, será averiguada na fase probatória, momento processual adequado para que a agravante demonstre a sua atuação desprovida de ânimo desonesto.
15. Agravo de instrumento improvido.