Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5023500-19.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

AGRAVADO: BERTHOLDO FIGUEIRO FILHO, ADRIANA CARDOSO, THOMAZ DE AQUINO SILVA JUNIOR, THOMAZ CONSULTORIA E ASSESSORIA EMPRESARIAL EIRELI - EPP

Advogados do(a) AGRAVADO: JOSE ROBERTO DE MENDONCA JUNIOR - MG72060, PEDRO MENDONCA CASTANON CONDE - MG163922
Advogado do(a) AGRAVADO: EDSON KOHL JUNIOR - MS15200-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5023500-19.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

AGRAVADO: BERTHOLDO FIGUEIRO FILHO, ADRIANA CARDOSO, THOMAZ DE AQUINO SILVA JUNIOR, THOMAZ CONSULTORIA E ASSESSORIA EMPRESARIAL EIRELI - EPP

Advogados do(a) AGRAVADO: JOSE ROBERTO DE MENDONCA JUNIOR - MG72060, PEDRO MENDONCA CASTANON CONDE - MG163922
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R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da tutela, interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, contra a decisão proferida pelo r. Juízo da 1ª Vara Federal de Campo Grande, que, nos autos da Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa nº 5000683-76.2017.4.03.6000, reconheceu a prescrição intercorrente da pretensão de aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92 (LIA).

Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa ajuizada pelo MPF em face de BERTHOLDO FIGUEIRÓ FILHO, ADRIANA CARDOSO, THOMAZ DE AQUINO SILVA JUNIOR e THOMAZ CONSULTORIA E ASSESSORIA EMPRESARIAL EIRELI – EPP, imputando-lhes a prática de atos de improbidade administrativa que causaram lesão ao erário federal (art. 10, VII, da Lei nº 8.429/92), no montante histórico de R$ 301.110,77 (trezentos e um mil, cento e dez reais e setenta e sete centavos). E, subsidiariamente, pleiteou-se a condenação pela prática de atos de improbidade que atentaram contra os princípios da administração pública (art. 11, caput, e incisos II e III, da Lei nº 8.429/92).

Alega o autor que, entre os meses de fevereiro de 2010 e maio de 2011, na Prefeitura de Campo Grande/MS, BERTHOLDO FIGUEIRÓ FILHO, ADRIANA CARDOSO e THOMAZ DE AQUINO SILVA JÚNIOR, agindo em unidade de desígnios, com vontade livre e consciente, fraudaram e frustraram o caráter competitivo de procedimento licitatório, com intuito de obter a contratação reiterada da empresa THOMAZ DE AQUINO SILVA JÚNIOR – ME para a prestação de serviços ao município, mediante a realização de diversas licitações de forma fracionada.

Além disso, os mesmos corréus, entre os meses de fevereiro de 2010 e maio de 2011, agiram em unidade de desígnios, com vontade livre e consciente, para dispensar licitação fora das hipóteses previstas em lei.

Após descrever as supostas irregularidades encontradas em cada processo licitatório, formulou os seguintes pedidos (ID Num. 262987884 - Pág. 50):

a) A condenação dos réus pela prática de atos de improbidade administrativa lesivos ao erário, com a aplicação das sanções jurídicas cominadas em lei, em conformidade com o disposto nos arts. 10, inciso VIII, e 12, inciso II, da Lei n. 8.429/92;

b) Subsidiariamente, a condenação dos réus pela prática de atos de improbidade administrativa violadores de princípios da Administração Pública, com a aplicação das sanções jurídicas cominadas em lei, em conformidade com o disposto nos arts. 11, caput e incisos II e III, e 12, inciso III, da Lei n. 8.429/92;

c) A condenação dos réus ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, com a reversão dos respectivos valores ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, previsto nos arts. 13 e 20 da Lei n. 7.347/85 e regulamentado pelo Decreto n. 1.306/94.

Na decisão agravada, o r. Juízo a quo aplicou retroatividade as alterações promovidas na Lei de Improbidade Administrativa pela Lei nº 14.230/21, reconhecendo a prescrição intercorrente das eventuais penalidades cabíveis aos corréus, salvo o ressarcimento ao erário (ID Num. 262995138).

Inconformado, o agravante interpõe o presente recurso, com pedido de tutela antecipada, alegando, em síntese, que: a) o E. Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo n. 843989, decidiu que "o novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei" [caixa alta no original]; b) ante o princípio da segurança jurídica, um dos pilares do Estado de Direito, que requer previsibilidade, as leis aplicam-se para os fatos ocorridos durante sua vigência, de modo irretroativo.

Requer a reformar a decisão da decisão agravada para afastar a prescrição intercorrente quanto à pretensão de aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92.

Em decisão ID Num. 263215592, foi deferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal.

Regularmente intimada, a parte agravada alegou, em preliminar, a intempestividade do recurso e a incompetência absoluta do r. Juízo Singular, uma vez que a União expressamente afirmou que não possui interesse na causa.

No mérito, sustenta que: a) não há nenhum fato narrado na petição inicial que seja atribuível ao Sr. Thomaz de Aquino Silva Júnior e/ou à sua empresa; b) a ausência de individualização da conduta destes réus e de indicação de elementos probatórios mínimos, capazes de demonstrar que estes praticaram qualquer ato doloso de improbidade administrativa ensejam a rejeição liminar da petição inicial; c) a ação de improbidade está extinta pela prescrição intercorrente, uma vez que já decorridos mais de 5 (cinco) anos entre a distribuição e o presente momento processual.

Em parecer, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República, manifestou-se pelo provimento do recurso (ID Num. 267150253).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


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V O T O

 

 

 

Da alegação de intempestividade

Em contraminuta, a parte agravada sustenta que o recurso do MPF deve ser inadmitido, em razão de sua manifesta intempestividade. Nas suas palavras (ID Num. 266477948 - Págs. 1-2):

Veja-se que, nas próprias razões recursais, o agravante indica ter sido intimado da decisão agravada no dia 18/07/2022, de modo que seu prazo de 30 (trinta) dias úteis teve início em 19/07/2022 (terça-feira), encerrando-se no dia 29/08/2022 (segunda-feira).

(...)

Todavia, o recurso só foi protocolado no dia 30/08/2022, motivo pelo qual intempestiva a insurgência, devendo ser inadmitido o agravo.

De fato, nas razões ministeriais, consta que o Parquet afirma que a ciência da decisão agravada ocorreu em 18/07/2022 (ID Num. 262986895 - Pág. 4). Na visão do agravante, ao justificar a tempestividade, assevera que “o prazo de 30 (trinta) dias para a apresentação de agravo de instrumento por este Órgão Ministerial iniciou-se em 19/07/2022 e encerra-se em 31/08/2022 (arts. 180, caput[4], 219, caput[5], 224, caput[6], e 1.003, §5º[7], todos do CPC)”.

A Portaria CATRF3R nº 16, de 24/08/2021, editada pelo C. Conselho de Administração desta E. Corte, prevê que não haverá expediente forense no dia 11/08/2022, decorrente de “feriado legal”.

O mencionado feriado está previsto na Lei nº 5.010/66, que organizou a Justiça Federal de primeira instância, precisamente em seu art. 62:

Art. 62. Além dos fixados em lei, serão feriados na Justiça Federal, inclusive nos Tribunais Superiores:

(...)

IV - os dias 11 de agosto, 1º e 2 de novembro e 8 de dezembro

Como o dia 11/08 é considerado feriado legal (CPC, art. 216), não pode ser considerado para fins de contagem do prazo recursal (CPC, 219).

Assim, o presente recurso é tempestivo, uma vez que protocolado em 30/08/2022 (ID Num. 262986895), último dia para sua interposição.

Da competência da Justiça Federal

O agravo de instrumento, na forma positivada pelo ordenamento jurídico, é dotado de estreito limite cognitivo, não lhe sendo permitido transcender as matérias efetivamente analisadas pelo juízo singular, sob pena de supressão de instância.

A limitação do efeito devolutivo deste recurso se fundamenta, precipuamente, nos princípios do juízo natural e do duplo grau de jurisdição, de modo que o órgão ad quem somente aprecia aquilo que já foi discutido pelo órgão a quo, ainda que a questão envolva matéria de ordem pública.

Com idêntico raciocínio, esta E. Corte assim já decidiu: AI 5004175-29.2020.4.03.0000, 4ª Turma, Rel. Desembargador Federal Marli Marques Ferreira, julgado em 19/05/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/06/2020; AI 5013803-42.2020.4.03.0000, 6ª Turma, Rel. Desembargador Federal Luis Antonio Johonsom Di Salvo, julgado em 04/12/2020, Intimação via sistema DATA: 09/12/2020; AI 5013854-87.2019.4.03.0000, 2ª Turma, Rel. Desembargador Federal Otavio Peixoto Junior, julgado em 24/09/2020, Intimação via sistema DATA: 27/09/2020; AI 5000881-66.2020.4.03.0000, 1ª Turma, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy Filho, julgado em 10/12/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 21/12/2020; AI 5023302-21.2018.4.03.0000, 3ª Turma, Rel. Desembargador Federal Denise Aparecida Avelar, julgado em 21/08/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 26/08/2020).

A despeito desta restrição ao efeito devolutivo, é certo que, na decisão agravada, ao apreciar a questão da retroatividade da Lei nº 14.230/2021, o r. Juízo Singular, implicitamente, reconheceu a sua competência.

Assim, em tese, não haveria óbice para apreciar a questão neste momento.

Em princípio, sendo o Ministério Público Federal órgão integrante da União, qualquer ação por ele ajuizada deverá ser proposta na Justiça Federal, por incidência direta do art. 109, I, da CF/1988.

Contudo, a simples presença do Parquet Federal no polo ativo não é suficiente para assegurar que o processo permaneça na Justiça Federal, uma vez que, caso não exista interesse jurídico federal, faltar-lhe-á legitimidade processual, devendo a demanda ser deslocada para a Justiça Estadual, oportunidade em que o representante do Ministério Público Estadual ali prosseguirá, em obediência ao princípio constitucional da unidade do Ministério Público (CF, art. 127, § 1º).

Nesse sentido é a orientação pacífica do E. Supremo Tribunal Federal:

Embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário. Efeitos infringentes. Processual. Malversação de verbas federais recebidas mediante convênio com a FUNASA. Artigo 109, inciso I, da CF. Presença do MPF em um dos polos. Competência da Justiça Federal. Recurso aclaratório acolhido com efeitos infringentes.

1. A circunstância de figurar o Ministério Público Federal como parte na lide não é suficiente para determinar a perpetuação da competência da Justiça Federal para o julgamento da ação.

2. O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que a mera alegação de existência de interesse de um dos entes enumerados no art. 109, inciso I, da Constituição Federal não enseja o deslocamento da competência para a Justiça Federal.

3. A existência de competência da Justiça Federal será aferida por ela própria com base no caso concreto e supedâneo no rol ratione personae do art. 109, inciso I, da Constituição.

(..)

(RE 669952 AgR-ED, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2016, acórdão eletrônico DJe-251 divulg 24-11-2016 Public 25-11-2016)

Em seu voto, de forma didática, o eminente Ministro Relator assim pontuou:

A lição que se tira, portanto, subdivide-se em duas: (i) no momento da propositura, a competência para processar e julgar ação proposta pelo MPF é da Justiça Federal – aqui se está, ainda, a observar unicamente a parte processual; (ii) a presença do MPF no polo ativo, entretanto, não é suficiente para determinar a perpetuação da competência da Justiça Federal; uma vez que essa última, no exercício de sua atribuição de verificar a ocorrência ou não das hipóteses do art. 109, inciso I, da Carta Política, entenda pela inexistência de interesse da União, fica afastada a legitimidade do Ministério Público Federal, com o consequente deslocamento da competência para outro ramo do Judiciário.

Vale lembrar que esta Suprema Corte consolidou o entendimento deque a mera alegação de existência de interesse de um dos entes enumerados no art. 109, inciso I, da Constituição Federal não enseja o deslocamento da competência para a Justiça Federal.

Em idêntico sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça também já decidiu:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO DECLINATÓRIA DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MALVERSAÇÃO DE RECURSOS FEDERAIS REPASSADOS A ENTES MUNICIPAIS. INTERESSE DO ENTE FEDERAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO POLO ATIVO DA DEMANDA. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Na origem, o Ministério Público Federal que propôs Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa contra os ora recorridos alegando indevida inexigibilidade de licitação para a contratação de shows de artistas e banda musicais, sem apresentação da documentação comprobatória de exclusividade de comercialização dos artistas por parte da empresa contratada, sendo utilizados para o pagamento do contrato recursos federais oriundos de convênio firmado entre o Ministério do Turismo e o Município de Santa Albertina/SP.

(...)

5. Via de regra, o simples fato de a ação ter sido ajuizada pelo Ministério Público Federal implica, por si só, a competência da Justiça Federal, por aplicação do art. 109, I, da Constituição, já que o MPF é parte da União. Contudo, a questão de uma ação ter sido ajuizada pelo MPF não garante que ela terá sentença de mérito na Justiça Federal, pois é possível que se conclua pela ilegitimidade ativa do Parquet Federal, diante de eventual falta de atribuição para atuar no feito.

6. Haverá a atribuição do Ministério Público Federal, em síntese, quando existir interesse federal envolvido, considerando-se como tal um daqueles previstos pelo art. 109 da Constituição, que estabelece a competência da Justiça Federal. Assim, tendo sido fixado nas instâncias ordinárias que a origem da Ação Civil Pública é a malversação de recursos públicos repassados por ente federal, justifica-se plenamente a atribuição do Ministério Público Federal. Nesse sentido, confira-se precedente do Pleno do Supremo Tribunal Federal: ACO 1463 AgR. Relator Min. Dias Toffolli, Tribunal Pleno, julgado em 1/12/2011. Acórdão eletrônico DJe-22 Divulg. 31-01-2012 Public. 1-2-2012 RT v. 101, a 919.2011 p. 635-650.

7. Nessa linha de entendimento, precedente desta Segunda Turma sob a relatoria da eminente Min. Eliana Calmon: "... tratando-se de malversação de verbas federais, repassadas pela União ao Município de Canoas/RS, para aporte financeiro ao Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE FNDE, cujo objetivo é atender as necessidades nutricionais de alunos matriculados em escolas públicas, razão pela qual é inquestionável a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do MPF". (AgRg no AREsp 30.160,RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 2011/2013).

8. Tratando-se da fiscalização de recursos que inclui aqueles provenientes da União, sujeitos à fiscalização de entes federais, indubitável a atribuição do Ministério Público Federal para atuar no feito. Consequentemente, enquadra-se o MPF na relação de agentes elencadas no art. 109, I, da Constituição, que estabelece a competência da Justiça Federal. Nesse sentido: REsp 1.513.925/BA, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 13/9/2017; AgRg no AREsp 30.160/RS, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJ 20/11/2013; REsp 1.283.737/DF, Rel. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 25/3/2014.

9. Assim, o aresto hostilizado destoa da jurisprudência do STJ, que se firmou no sentido de que, em se tratando de malversação de verbas federais repassadas pela União, é inquestionável a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do Ministério Público Federal.

10. Há, portanto, inquestionável supremacia do interesse nacional da União nessas ações, uma vez que, entre o volume de recursos que municípios e estados administram, há expressivo montante de recursos federais, em consequência das características do nosso federalismo.

(...)

(RMS 56.135/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/09/2019, DJe 11/10/2019)

Percebe-se, desta forma, que a perpetuação da competência da Justiça Federal demanda a ocorrência de uma das hipóteses previstas no inciso I, do art. 109, da Carta Magna:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Infere-se do mencionado dispositivo que a competência cível da Justiça Federal é definida ratione personae, exigindo-se a presença da União, de entidade autárquica ou de empresa pública federal na condição de autora, ré, assistente ou oponente.

Em consulta aos autos principais, verifica-se que a União, em petição ID Num. 3295053 dos autos principais (ID Num. 262995138 - Pág. 12 deste agravo), assim afirmou (grifei):

UNIÃO, pessoa jurídica de Direito Público Interno, representada pela Advogada que ao termo assina, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, considerando o princípio constitucional da eficiência; a necessária tramitação célere do processo; a ausência de perspectiva, no caso dos autos, de contribuição efetiva e útil ao autor para o deslinde processual, manifestar seu desinteresse, no momento, no acompanhamento do Feito, reservando-se o direito de, futuramente, solicitar intervenção, caso se faça necessário.

Analisando a manifestação do ente federal, o r. Juízo Singular, em despacho ID 30859830 dos autos principais (ID Num. 262995138 - Pág. 66 deste agravo), assim determinou (grifei):

Considerando o desinteresse manifestado pela União Federal à presente ação (ID 3295053), à Secretaria para sua exclusão do polo ativo.

Já na decisão agravada, assim pontuou (ID Num. 262995138 - Pág. 168, grifei):

A União manifestou-se no ID 3295053, no sentido de que, por ora, não tem interesse no acompanhamento do Feito.

A ação civil pública subjacente foi proposta pelo MPF tão somente em face de BERTHOLDO FIGUEIRÓ FILHO, ADRIANA CARDOSO, THOMAZ DE AQUINO SILVA JUNIOR e THOMAZ CONSULTORIA E ASSESSORIA EMPRESARIAL EIRELI – EPP.

Assim, existe razoabilidade na alegação da parte agravada no que tange à preliminar arguida, uma vez que, não havendo qualquer dos entes públicos arrolados no art. 109, I, da CF, a competência para processar e julgar o feito originário é da Justiça Estadual.

Ocorre que, no caso em tela, existe uma particularidade.

Ao ser instada a se manifestar acerca do interesse em ingressar na lide, a União reservou-seo direito de, futuramente, solicitar intervenção, caso se faça necessário”.

A frase acima transcrita, nos exatos termos em que consta da manifestação ID Num. 262995138 - Pág. 66, outorga à União uma prerrogativa que não encontra respaldo na legislação processual.

Como anteriormente disposto, a competência do art. 109, I, da CF, é definida ratione personae, exigindo-se a presença da União, de entidade autárquica ou de empresa pública federal na condição de autora, ré, assistente ou oponente.

Ora, se esta reserva de ingressar na lide “caso se faça necessário” pudesse ser admitida, haveria nítida violação ao princípio da segurança jurídica e do juízo natural, uma vez que, enquanto o ente federal não integrar a lide, o feito deveria tramitar na Justiça Estadual, e não na Justiça Federal, como está ocorrendo.

É certo, no entanto, que o r. Juízo Singular, ao não afastar esta “reserva” de interesse de agir, implicitamente aceitou a inusitada argumentação.

Ou seja, aos olhos da União, ela ostenta a “prerrogativa” de integrar o polo ativo futuramente.

Daí porque o reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Federal no presente momento, sem que a União sequer integre este agravo de instrumento, a meu ver, acabaria por desrespeitar o princípio da não surpresa (CPC, art. 10), da confiança e da boa-fé processual.

Assim, mostra-se mais consentâneo com o ordenamento jurídico a determinação ex officio para que o r. Juízo Singular abra nova vista dos autos para que a União se manifeste conclusivamente acerca do interesse em integrar a lide originária.

Dada a precariedade acerca da definição da competência para processar e julgar o feito originário, entendo que não há como subsistir a decisão agravada nos termos em que fora lançada.

Em suma, o procedimento da ação principal deve retroagir para aguardar a manifestação da União acerca de seu interesse de ingressar o feito, com a subsequente decisão do r. Juízo Singular acerca de sua competência.

Somente depois que estabelecido o Juízo competente para julgar processar e julgar a ação civil de improbidade administrativa originária é que as demais questões, processuais e/ou de mérito, poderão ser validamente analisadas.

E, diante da anulação da r. decisão agravada, resta prejudicado este recurso.

Ante o exposto, anulo, de ofício, a r. decisão agravada, e determino que o r. Juízo a quo abra nova vista dos autos para que a União se manifeste conclusivamente acerca do interesse em integrar a lide originária, restando prejudicado o agravo de instrumento.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TEMPESTIVIDADE. COMPETÊNCIA. DESINTERESSE DA UNIÃO EM INGRESSAR NA LIDE. RESERVA DE MANIFESTAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. DECISÃO AGRAVADA ANULADA DE OFÍCIO. RECURSO PREJUDICADO.

1. A Portaria CATRF3R nº 16, de 24/08/2021, editada pelo C. Conselho de Administração desta E. Corte, prevê que não haverá expediente forense no dia 11/08/2022, decorrente de “feriado legal”. O mencionado feriado está previsto na Lei nº 5.010/66, que organizou a Justiça Federal de primeira instância, precisamente em seu art. 62.

2. O presente recurso é tempestivo, uma vez que protocolado em 30/08/2022, último dia para sua interposição.

3. O agravo de instrumento, na forma positivada pelo ordenamento jurídico, é dotado de estreito limite cognitivo, não lhe sendo permitido transcender as matérias efetivamente analisadas pelo juízo singular, sob pena de supressão de instância.

4. A limitação do efeito devolutivo deste recurso se fundamenta, precipuamente, nos princípios do juízo natural e do duplo grau de jurisdição, de modo que o órgão ad quem somente aprecia aquilo que já foi discutido pelo órgão a quo, ainda que a questão envolva matéria de ordem pública.

5. Em princípio, sendo o Ministério Público Federal órgão integrante da União, qualquer ação por ele ajuizada deverá ser proposta na Justiça Federal, por incidência direta do art. 109, I, da CF/1988.

6. Existe razoabilidade na alegação da parte agravada no que tange à preliminar arguida, uma vez que, não havendo qualquer dos entes públicos arrolados no art. 109, I, da CF, a competência para processar e julgar o feito originário é da Justiça Estadual.

7. Ocorre que, ao ser instada a se manifestar acerca do interesse em ingressar na lide, a União reservou-se “o direito de, futuramente, solicitar intervenção, caso se faça necessário”.

8. A frase acima transcrita outorga à União uma prerrogativa que não encontra respaldo na legislação processual. Se esta reserva de ingressar na lide “caso se faça necessário” pudesse ser admitida, haveria nítida violação ao princípio da segurança jurídica e do juízo natural, uma vez que, enquanto o ente federal não integrar a lide, o feito deveria tramitar na Justiça Estadual, e não na Justiça Federal, como está ocorrendo.

9. É certo, no entanto, que o r. Juízo Singular, ao não afastar esta “reserva” de interesse de agir, implicitamente aceitou a inusitada argumentação. Ou seja, aos olhos da União, ela ostenta a “prerrogativa” de integrar o polo ativo futuramente.

10. Daí porque o reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Federal no presente momento, sem que a União sequer integre este agravo de instrumento, a meu ver, acabaria por desrespeitar o princípio da não surpresa (CPC, art. 10), da confiança e da boa-fé processual.

11. Assim, mostra-se mais consentâneo com o ordenamento jurídico a determinação ex officio para que o r. Juízo Singular abra nova vista dos autos para que a União se manifeste conclusivamente acerca do interesse em integrar a lide originária.

12. Dada a precariedade acerca da definição da competência para processar e julgar o feito originário, não há como subsistir a decisão agravada nos termos em que fora lançada.

13. Anulação, de ofício, da decisão agravada. Recurso prejudicado.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu anular, de ofício, a r. decisão agravada, e determinar que o r. Juízo a quo abra nova vista dos autos para que a União se manifeste conclusivamente acerca do interesse em integrar a lide originária, restando prejudicado o agravo de instrumento, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e a Des. Fed. MARLI FERREIRA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.