Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000806-48.2020.4.03.6104

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: HELENA MARIA CASTRO GOMES, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: CARLOS GUILHERME MAYMONE DE AZEVEDO - SP206010-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, HELENA MARIA CASTRO GOMES

Advogado do(a) APELADO: CARLOS GUILHERME MAYMONE DE AZEVEDO - SP206010-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000806-48.2020.4.03.6104

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: HELENA MARIA CASTRO GOMES, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: CARLOS GUILHERME MAYMONE DE AZEVEDO - SP206010-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, HELENA MARIA CASTRO GOMES

Advogado do(a) APELADO: CARLOS GUILHERME MAYMONE DE AZEVEDO - SP206010-A

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelações à sentença de parcial procedência em ação de indenização por danos materiais e morais em razão de extravio de joias dadas em penhor por empréstimo contratado junto à CEF, em que se declarou a nulidade da cláusula 12.1 dos contratos nº 0366.213.00045723-5, 0366.213.00045724-3, 0366.213,00045725-1, 0366.213.00045726-0, 0366.213.00045727-8, 0366.213.00045728-6 e 0366.213.00045729-4 (id. 28084576 ao id. 28086538), condenando a ré ao pagamento de indenização por danos materiais no importe de 3 (três) vezes o valor da(s) garantia(s) objeto da referida avença, ressalvando-lhe o direito de descontar o montante líquido pago à autora a título de indenização na via administrativa ou por força de tutela de evidência deferida nestes autos. O montante arbitrado a título de dano material deverá ser atualizado nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à época da liquidação, tendo como termo inicial a data da subtração (17/12/2017). A partir da citação, incidem exclusivamente juros moratórios correspondentes à Taxa SELIC (art. 406 - CC/2002). Pelo princípio da sucumbência (CPC, art. 86), cada parte arcará com o pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (proveito econômico almejado), nos moldes do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil”.

Apelou a autora, alegando que contratou mútuo no valor de R$ 119.034,00, dando em penhor joias avaliadas em R$ 140.040,00, que constituem herança com valor sentimental; houve roubo e perda de tais joias, cuja avaliação sabidamente corresponde a apenas 10% do valor de mercado, informando a ré que a indenização seria de 1,5 vezes o valor da avaliação; houve confissão dos fatos (artigo 401, CPC), pois não foram contestados a inicial e os documentos juntados. Aduziu que, além dos danos materiais, sofreu danos morais pela perda de bens de valor sentimental, pois em função de tais aborrecimentos passou por “distúrbios psicológicos e partiu para um quadro clínico que levou a desnutrição e por tais fatos foi necessária a implantação de uma sonda enteral para que a autora pudesse se alimentar e se hidratar, conforme demonstram os laudos médicos e as intervenções clínicas realizadas na autora acostadas com a peça vestibular”, o que enseja indenização nos termos dos artigos 186 e 927, CC, além do artigo 14, CDC, não procedendo, assim, a sentença, ao afirmar que não são certos os danos morais, contrariando jurisprudência que, inclusive, admite dano in re ipsa (Temas 1.096 e 1.156/STJ), além de indenização extrapatrimonial para os mais variados casos, destacando que não cabe instrução probatória, por não ser aferível o dano psíquico ou moral e, especificamente, no caso de danos morais por perda de joias em penhor, a Corte Superior pacificou ser abusiva a cláusula de limitação da indenização (REsp’s 1.478.275, 1.365.853, 1.133.111, 1.155.395 e 1.227.909). Apontou, ainda, que “o tempo, em sua perspectiva estática, passou a ser valorado como um bem jurídico merecedor de indiscutível tutela. Trata-se da teoria do tempo útil perdido. Assim sendo, aquele que se apropria do tempo de outrem na prestação do serviço contratado, de forma injusta e intolerável, ultrapassa as raias da razoabilidade, lhe subtrai o tempo de vida e causa-lhe transtornos que, vale dizer, extrapolam o simples aborrecimento”. Requereu, assim, “seja a ré condenada ao pagamento de indenização por danos morais, em valor sugerido de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ou em valor a ser arbitrado por esta D. Turma, devendo ser levado em consideração à posição financeira da instituição financeira requerida e os danos morais sofridos pela autora, para que sirva de desestimulo para que tal conduta não se repita e bem como ainda que no caso em tela seja adotada a taxa de juros de 1% ao mês desde a citação da ré, conforme previsto no artigo 406 do Código Civil c/c com o artigo 161 do Código Tributário Nacional”.

Também apelou a CEF, alegando julgamento extra petita, pois rejeitou indenização por danos materiais ao preço de mercado das joias, porém adotou o critério do valor da garantia para arbitramento, o que não foi requerido. No mérito, alegou caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro como excludentes da causalidade de responsabilidade, dispondo o artigo 1.432, I, CC, que somente por culpa responde o credor pignoratício pela perda ou deterioração da coisa dada em penhor, afastada tal responsabilidade em caso fortuito ou força maior, na forma do artigo 393, CC, tendo sido inevitável o evento até porque burlou todo o sistema de segurança existente e aprovado segundo a legislação. Aduziu que não houve subavaliação das joias e, portanto, deve prevalecer o critério pactuado no mútuo garantido por penhor, pois se não concordasse a autora não teria aceito a avaliação nem a cláusula de indenização de uma vez e meia o valor da avaliação devidamente atualizado; a avaliação considera tipos de adornos como descritos no laudo que integra o contrato de penhor, e outras variáveis como pontos de solda, pontos de oxidação, marca ou grife, características que sugerem imitação, acabamento, presença de metal não precioso, inclusive como enchimento, adornos, defeitos, estado de conservação, entre outros; envolve, ainda, cotações do mercado como a variação do grama/ouro BM&F e outras bolsas, variação cambial, cotação de diamantes, boletins do DNPM e IBGM, e resultados de vendas de lotes em licitação de penhor, sendo a CEF referência nacional em avaliação de joias; se mantida a condenação, o valor deve ser o expresso no contrato e deve, ainda, ser descontado o valor da dívida garantida pelo penhor.

Houve contrarrazões.

É o relatório.

 

 


O DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:

Peço vênia para divergir do E. Relator, acolhendo a preliminar de nulidade da sentença arguida pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.

Trata-se de ação de procedimento comum pela qual HELENA MARIA CASTRO GOMES pretende a declaração da nulidade da cláusula 12.1 dos contratos de penhor celebrados com a ré e a sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais e materiais advindos da subtração das joias dadas em garantia de agência da CEF. Postula que seja afastado o parâmetro contratual para ressarcimento dos danos materiais nesses casos (um inteiro e cinco décimos do valor da avaliação) e que estes sejam calculados sobre o valor de mercado dos bens.

Conforme se depreende do ID 269852217, o pedido inicial foi julgado parcialmente procedente, reconhecendo a nulidade da cláusula contratual limitativa da indenização e “condenando a ré ao pagamento de indenização por danos materiais no importe de 3 (três) vezes o valor da(s) garantia(s) objeto da referida avença, ressalvando-lhe o direito de descontar o montante líquido pago à autora a título de indenização na via administrativa ou por força de tutela de evidência deferida nestes autos.”

Não obstante o entendimento pelo qual é dado ao magistrado a fixação de parâmetro diverso de indenização, a menor do que o requerido, à luz do princípio da congruência ou adstrição, tenho que, no presente caso, não há como afirmar se o valor fixado na sentença é superior ou inferior ao valor de mercado nas joias. Sendo este desconhecido, é impossível ter certeza de que a condenação da ré de fato é inferior à pretensão inicial ou se ela foi condenada em quantidade superior à que lhe foi demandada, o que é vedado pelo art. 492 do CPC, invocado pela instituição financeira apelante.

Soma-se a isso, ainda, que, embora tenha fixado a indenização em quantia certa em razão da “inviabilidade da apuração do real preço de mercado das peças perdidas”, o juízo a quo não apresentou as circunstâncias fáticas e critérios objetivos que o levaram a adotar o montante de três vezes o valor da avaliação contratual, aduzindo tão somente que o fez “em observância aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, da efetividade e da economia processual”.

A ausência de fundamentação suficiente não só, prejudica a análise, nesta instância, acerca da adequação do quantum arbitrado à extensão dos danos materiais sofridos, como também induz a nulidade do julgamento, nos termos do art. 489, § 1º, III, do CPC.

Portanto, é de se acolher a preliminar arguida pela CEF para anular a sentença recorrida. Tenho, porém, que o processo não está em condições de julgamento imediato, a autorizar a aplicação do art. 1.013, § 3º, II e IV, do CPC.

Isso porque, embora fixado pelo juízo o valor de mercado das joias como ponto controvertido (ID 269852186) e devidamente requerida pela autora a prova pericial (ID 269852185), esta foi indeferida pelo juízo pelos seguintes argumentos:

Considerando a alegação da parte autora de que o valor de avaliação das jóias (e até mesmo o valor previsto a título de indenização) é substancialmente menor que o valor de mercado, a rigor, deveria lhe ser oportunizada a demonstração do fato.

Todavia, a análise criteriosa da documentação acostada aos autos revelou não existirem elementos iniciais razoáveis que permitam vislumbrar a efetividade da perícia já na fase de conhecimento, cujo escopo é apurar o real valor de mercado das jóias “mediante o emprego de critérios específicos e parâmetros técnicos que considerem as particularidades dos bens empenhados e o estado em que se encontravam ao tempo da celebração do contrato”.

Significa dizer que a prova documental até aqui produzida não traz a descrição adequada de cada uma das peças empenhadas, tampouco mostra-se apta para aferição da correlação entre elas e eventuais reproduções fotográficas que pudessem viabilizar a identificação.

Por esses motivos, indefiro a produção da prova pericial requerida.

Não obstante, esta Primeira Turma já decidiu, em diversos casos semelhantes a este, que a prova pericial é imprescindível para a apuração do real valor das joias e pode ser realizada de forma indireta, nos casos de perda, roubo ou extravio. Veja-se:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR ROUBO DE JOIAS EMPENHADAS. CONTRATO DE PENHOR. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. QUESTÃO FÁTICA CONTROVERTIDA. AVALIAÇÃO INDIRETA. SENTENÇA ANULADA. 1. Ação de Indenização por Danos Materiais ajuizada por Lia Silvia Nogueira Amoycontra a Caixa Econômica Federal – CEF, objetivando o ressarcimento dos danos morais e materiais sofridos, em virtude do roubo de joias oferecidas à Parte Ré como garantia pignoratícia dos contratos de mútuo, ID 148772672. 2. Na hipótese, o magistrado de primeira instância durante a instrução processual indeferiu o pedido de produção de prova pericial indireta para aferir o real valor das joias feito pela Parte Autora, ID 14877359. 3. Contudo, na hipótese presente, discute-se a validade da cláusula que estipula o valor da indenização, no caso de perda dos bens dados em garantia pignoratícia ao contrato de mútuo, em uma vez e meia o valor da avaliação; a responsabilidade da instituição financeira frente ao furto de bens que estavam em sua posse em razão de contrato de penhor; se avaliação das jóias empenhadas efetuada pela CEF unilateralmente deve ser revista em razão da alegada discrepância com os valores de mercado e, por fim, se a indenização deve de fato adequar-se aos valores correntes no mercado. 4. A solução da controvérsia não se restringe às questões de direito. Submetida a lide a esta Corte Regional, não há como transpor a ausência de produção de prova pericial. Possibilidade de avaliação indireta. Precedentes. 5. Provido o apelo com vistas a anular a sentença para que, após produção de prova pericial, outra seja proferida. (TRF3 – ApCiv n. 5005944-15.2019.4.03.6109, Rel. Des. Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, 1ª Turma, j. 30/04/2021, DJEN 04/05/2021)

DIREITO DO CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JOIAS. PENHOR. ROUBO. INDENIZAÇÃO. VALOR DE MERCADO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. PROVA PERICIAL INDIRETA. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Pretende a parte autora a condenação da ré ao pagamento de indenização suplementar por danos materiais e de indenização por danos morais decorrentes do roubo de joias dadas por ela em penhor. 2. Não impugnada a sentença quanto à condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais, a matéria devolvida a este Tribunal limita-se ao valor indenizatório devido pela requerida a título de dano material. 3. Cuidando-se de questão que demanda conhecimentos específicos, não pode o juiz realizar cálculos "de próprio punho", sem dar a oportunidade de as partes participarem da formação da prova. Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. 4. Considerando que não há dúvidas de que o valor de mercado das joias é superior ao valor da avaliação realizada pela CEF, como decidido em sentença e não impugnado pela parte interessada, possível relegar a fixação do valor indenizatório para a fase de liquidação de sentença, inclusive com produção de prova pericial indireta, com fundamento no artigo 509, inciso I, c.c. art. 510, ambos do Código de Processo Civil de 2015. 5. Apelação parcialmente provida. Sentença reformada para se determinar que a indenização por dano material pleiteada pela autora se dará pelo valor de mercado das joias, a ser definido em liquidação de sentença. (TRF3 – ApCiv n. 5004536-86.2019.4.03.6109, Rel. Des. Federal WILSON ZAUHY FILHO, 1ª Turma, j. 26/05/2021, DJEN 28/05/2021)

DIREITO DO CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ROUBO DE JOIAS DADAS EM GARANTIA PIGNORATÍCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CLÁUSULA CONTRATUAL DE LIMITAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. NULIDADE DE PLENO DIREITO. INDENIZAÇÃO QUE SE MEDE PELA EXTENSÃO DO DANO. PROVA PERICIAL ESSENCIAL AO JULGAMENTO DO MÉRITO. DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO. APELAÇÃO PREJUDICADA. 1. "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Súmula n° 479 do C. Superior Tribunal de Justiça. 2. A indenização se mede pela extensão do dano (art. 944 do Código Civil), de tal sorte que, em havendo disparidade entre o valor das joias apurado pelo credor pignoratício e o efetivo valor de mercado dos bens, este deve prevalecer, sob pena de enriquecimento indevido da instituição financeira. 3. Não há que se falar na validade da cláusula contratual que limita a responsabilidade da casa bancária ao pagamento de indenização em uma vez e meia o valor de avaliação obtido pelo próprio banco, uma vez que se trata de imposição unilateralmente feita pela instituição financeira, em contrato de adesão e que restringe o valor indenizatório a percentual calculado sobre avaliação feita pelo próprio banco. 4. É possível a realização de perícia, ainda que de modo indireto, para que o perito chegue a uma conclusão suficientemente segura quanto ao valor de mercado dos bens subtraídos com base nos elementos fornecidos pelas partes. 5. No caso concreto, o Juízo de Origem fundamentou seu julgamento de improcedência do pedido autoral numa suposta ausência de prova do fato constitutivo do direito da parte, por entender que a requerente "não provou outro valor de mercado" diverso daquele tomado como base pela CEF, esclarecendo que a cautela das joias menciona a presença de ouro, ouro branco e ouro baixo, sem a especificação do peso de cada um dos metais, e que autora trouxe aos autos tão somente o valor do ouro no dia 26/03/2004, sem comprovar o valor dos outros metais. 6. Ocorre que somente a CEF poderia demonstrar qual o percentual de cada material de que eram compostas as joias dadas em penhor pela autora, sendo certo que foram os seus avaliadores que, examinando as peças e, não se sabe se por displicência ou pelo interesse da requerida em subavaliar os bens, deixaram de fazer constar a relevante informação na cautela de penhor. Pelo mesmo motivo, não se há de falar em ausência de prova, pela parte autora, do valor dos demais metais que compunham as joias, dado este que se tornaria inócuo ante a inexistência de informação nos autos quanto ao percentual destes metais verificado nas peças. 7. Perfeitamente possível a determinação da realização de prova pericial de ofício, a teor do art. 130 do Código de Processo Civil de 1973, vigente ao tempo da instrução processual do presente feito, correspondente, com pequenas alterações, ao art. 370, caput, do Código de Processo Civil de 2015, atualmente vigente, prova esta que se faz necessária à instrução do feito e ao julgamento do mérito em razão do caráter técnico de que se reveste a avaliação de joias. 8. Não é possível a análise do mérito diretamente por esta Corte, ante a ausência de prova essencial ao deslinde da causa. 9. Por tais razões, é imperiosa a anulação da sentença e o retorno dos autos ao Juízo de Origem para regular instrução do feito, devendo ser produzida prova pericial destinada a revelar o valor de mercado das joias mesmo que de forma indireta, com o fim de se apurar o valor indenizatório porventura devido pela parte requerida. 10. Sentença anulada de ofício. 11. Apelação prejudicada. (TRF3 – ApCiv n. 0003811-25.2004.4.03.6105, Rel. Des. Federal WILSON ZAUHY, 1ª Turma, j. 26/03/2019, e-DJF3 04/04/2019)

Registro que, caso entenda pela insuficiência dos documentos apresentados, nada obsta que o perito nomeado pelo juízo requeira a apresentação de prova complementar ou o fornecimento de outros elementos materiais pelas partes a fim de subsidiar a perícia, como lhe autoriza o art. 473, § 3º, do CPC.

Ante o exposto, divirjo do E. Relator para dar provimento à apelação da CEF e anular a sentença recorrida, determinando o retorno dos autos à origem para realização da prova pericial indireta e prolação de novo julgamento, nos termos da fundamentação supra.

Outrossim, julgo prejudicada a apelação da autora.

É como voto.

 


Autos n. 5000806-48.2020.4.03.6104

 

 

 

Egrégia Turma, 

 

Embora não concorde com a ré-apelante na parte em que considera "extra petita" a r. sentença de primeiro grau, penso que efetivamente o caso é de dar-se por sua nulidade.

Com efeito, não se trata de sentença que extrapole ou desconsidere o princípio da congruência, como bem demonstrou o e. relator. Por outro lado, há claro vício de fundamentação, na medida em que os danos materiais foram "arbitrados" em três vezes o valor da avaliação, sem qualquer referência a critérios objetivos que deem suporte ao "quantum" fixado.

Deveras, do mesmo modo como foram arbitrados em três vezes o valor da avaliação por razões de razoabilidade, poderiam tê-lo sido em cinco, dez ou vinte vezes, qualquer fator de multiplicação mostrando-se aleatório e subjetivo. 

Assim, é imperioso que se tenha, nos autos, trabalho técnico pericial, ainda que elaborado indiretamente, valendo destacar a possibilidade de realizar-se uma aferição média de desequilíbrio entre valor de mercado e avaliações feitas, isso à vista de outras joias que tenham sido objeto de contratos de penhor com a ré, preferencialmente na mesma agência. 

Com essas observações, acompanho o voto proferido pelo e. Desembargador Federal Wilson Zauhy, pela anulação da r. sentença, a fim de que seja realizada a prova pericial, vênia devida ao e. relator.

É como voto.

 

Nelton dos Santos

Desembargador Federal

É como voto. 

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000806-48.2020.4.03.6104

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: HELENA MARIA CASTRO GOMES, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: CARLOS GUILHERME MAYMONE DE AZEVEDO - SP206010-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, HELENA MARIA CASTRO GOMES

Advogado do(a) APELADO: CARLOS GUILHERME MAYMONE DE AZEVEDO - SP206010-A

 

 

 

 

 V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, cumpre rejeitar, de plano, a preliminar de nulidade, por julgamento extra petita, suscitada pela CEF, pois, ainda que não acolhidos os danos materiais pelo critério do valor de mercado, a fixação de parâmetro diverso, a menor do que o requerido, insere-se no campo de julgamento possível à luz do princípio da congruência ou adstrição. Conforme já decidiu a Corte Superior, “A ofensa ao princípio da congruência ou da adstrição somente ocorre quando a decisão desconsidera o limite e/ou a extensão dos pedidos formulados, o que não se observa na hipótese vertente” (AgRg no AREsp 713.782). Observados os limites do valor de mercado (autora) e do valor contratual (ré), a sentença pode adotar critério, como três vezes o valor contratualmente pactuado, de forma intermediária entre o máximo e mínimo em discussão nos autos, sem incorrer em julgamento extra, ultra ou citra petita.

No mérito, inexistente confissão da matéria fática, pois a contestação impugnou os principais pontos da pretensão deduzida, inclusive os laudos juntados pela autora para subsidiar a alegação de subavaliação, informando, ainda, não que foi paga indenização, mas ao contrário, que a autora não compareceu à agência para ser indenizada pela perda das joias dadas em garantia de mútuo, a demonstrar, portanto, a improcedência da defesa assim articulada.

Prosseguindo, no exame da espécie, verifica-se que a sentença condenou a ré a indenizar danos materiais no equivalente a três vezes o valor estipulado em cláusula contratual, afastando as objeções à causalidade e responsabilidade patrimonial, nos seguintes termos:

 

“O contrato de penhor celebrado entre as partes tem a sua previsão disposta no artigo 1.431 do Código Civil, constituindo-se pela transferência da posse de uma coisa móvel passível de alienação, oferecida ao credor em garantia de dívida pelo devedor. Nesse contexto, revela-se como obrigação do credor, dentre outras, a custódia da coisa, como depositário, e a ressarcir ao dono a perda ou deterioração de que for culpado, podendo ser compensada na dívida, até a concorrente quantia, a importância da responsabilidade” (artigo 1.435, I, do Código Civil).

De outro lado, tratando-se de relação de consumo, a responsabilidade do prestador de serviço bancário é objetiva, ou seja, independe da apreciação de culpa (artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor e Súmula 297 do STJ). Cumpre lembrar que o sentido teleológico da norma é imputar responsabilidade, independentemente da aferição da conduta perpetrada, àqueles que, em razão da exploração de uma determinada atividade, criam riscos a terceiros.

Essa responsabilidade, porém, cessa se caracterizada uma das hipóteses excludentes previstas no § 3º do referido artigo 14.

As disposições legais comentadas seguem no seguinte sentido:

 

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

 

Não se questiona nos autos a ocorrência da ação criminosa, tampouco as circunstâncias em que ocorreu o roubo das joias empenhadas. Nesse sentido, confirma a ré em sua contestação (id. 35723307 – Pág. 4/5):

 

“(...) a parte autora possui contrato de penhor firmado com cláusulas específicas e gerais. De fato, em 17/12/2017 ocorreu um assalto na Agência Santos, localizada à Rua General Câmara, 15 – Centro – Santos – SP, onde as joias empenhadas estavam guardadas (3 Contrato de Penhor.pdf). 3. A ocorrência está registrada na Polícia Federal através do Inquérito Policial nº 839/2017 DPF/STS/SP, ainda em tramitação. 4. As garantias referentes ao contrato da parte autora foram roubadas durante o mencionado assalto.”.

 

Contudo, tratando-se a regra de responsabilidade objetiva, pretender, de pronto, a exclusão de responsabilidade do fornecedor do serviço atribuindo culpa exclusivamente a terceiro, seria, in casu, amesquinhar a letra da lei que institui os deveres de o depositário custodiar a coisa e também fragilizar as condições do ressarcimento.

Além disso, a legislação consumerista (CDC, artigo 14, § 1º) diz que o fornecedor de serviços responderá, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos seus consumidores, quando o serviço prestado não proporcionar a segurança que dele deve o consumidor esperar.

Logo, se as joias dadas em garantia a contrato de penhor estavam (sob todos os riscos possíveis, previsíveis e exigíveis do depositário) custodiadas em peculiar agência da ré e foram subtraídas em circunstâncias não exatamente esclarecidas, remanescendo discutível a adoção das cautelas de segurança, a sua extensão ou mesmo da sua efetividade frente a ação criminosa, a culpa não pode ser atribuída exclusivamente a terceiros. À vista disso, afasta-se a hipótese de exclusão de responsabilidade do fornecedor do serviço.

Para que haja a reparação do dano, basta assim a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta (ação ou omissão) e o dano.

Nesta medida, no caso de perecimento do bem penhorado, o montante a ser ressarcido deve corresponder ao prejuízo sofrido ou ao valor mais ajustado possível à perda, sendo cabível ainda cogitar-se de dano moral, caso comprovado.

Resta, então, avaliar a extensão da indenização.

A propósito, sobre o direito da autora à indenização, dispõe o item 12.1 das Cláusulas Gerais do Contrato de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única que: “O(s) objeto)s) que for(em) roubado)s), furtado(s) ou extraviado(s) sob custódia da CAIXA, será(ã) indenizado(s) em 1,5 (um inteiro e cinco décimos) vezes o valor de sua avaliação devidamente atualizada com base na variação do índice de atualização da correção monetária das contas de poupança, apurado no período entre a data de concessão do empréstimo e a data do pagamento da indenização”.

A questão jurídica correlata prende-se à abusividade dessa estipulação contratual.

Cabe argumentar que por motivos alheios à causa de pedir, a avaliação depreciativa feita por prepostos da instituição credora, segundo critérios e metodologia próprios, embora objeto de concordância por parte do devedor como condição para a celebração do contrato, prestou-se apenas à quantificação para fins específicos de garantia e seus efeitos, e, neste particular, válida.

Mas, diante de verdadeiro contrato de adesão e que a cláusula discutida acarreta, inexoravelmente, limitação do direito do consumidor, bem como um desequilíbrio da relação contratual, a abusividade apta a ensejar o controle judicial se manifesta na face da avaliação unilateral realizada pela ré, que prestigia a cotação do metal e despreza outros elementos que agregariam valor às joias, em geral descritas de modo precário e inadequado à respectiva individualização e identificação.

Consagra-se, dessa maneira, a impossibilidade, exoneração ou atenuação da responsabilidade do prestador dos serviços bancários, implicando em renúncia ou disposição de direitos, em desacordo com o sistema de proteção do consumidor (art. 51, incisos I e XV, do CDC).

Fica assim demonstrado o arcabouço para legitimar a indenização integral, cuja limitação está apoiada em cláusula exorbitante que deve ser rechaçada para assegurar o direito à reparação plena pelos prejuízos suportados.

Sobre o tema, a jurisprudência é consolidada:

 

RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PENHOR. JOIAS. ROUBO. CLÁUSULA CONTRATUAL. LIMITAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. ABUSIVIDADE. RECONHECIMENTO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO.

1. A orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça reconhece a submissão das instituições financeiras aos princípios e às regras do Código de Defesa do Consumidor.

2. Tendo ocorrido o roubo das joias empenhadas, a Caixa Econômica Federal deve indenizar a recorrente por danos materiais.

3. A cláusula contratual que restringiu a responsabilidade da CEF a 1,5 (um inteiro e cinco décimos) vez o valor de avaliação das joias empenhadas deve ser considerada abusiva, por força do artigo 51, I, da Lei nº 8.078/1990. Precedentes do STJ.

4. Não há como conhecer da insurgência quanto à indenização por danos morais, haja vista a ausência de demonstração do dissídio jurisprudencial nos moldes legais.

5. Recurso especial parcialmente provido.

(RESP 1.227.909, Rel. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª Turma, DJE 23/09/2015). 

 

DIREITO DO CONSUMIDOR. LIMITAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO EM CONTRATO DE PENHOR.

Em contrato de penhor firmado por consumidor com instituição financeira, é nula a cláusula que limite o valor da indenização na hipótese de eventual furto, roubo ou extravio do bem empenhado. De fato, nos termos do inciso I do art. 51 do CDC, serão consideradas abusivas e nulas de pleno direito as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Cumpre ressaltar que, na situação em análise, é notória a hipossuficiência do consumidor, pois esse, necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendo-se, inclusive, à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Nessa avença, a avaliação, além de unilateral, é focada precipuamente nos interesses do banco, sendo que o valor da avaliação é sempre inferior ao preço cobrado do consumidor no mercado varejista. Note-se que, ao submeter-se ao contrato de penhor perante a instituição financeira, que detém o monopólio de empréstimo sob penhor de bens pessoais, o consumidor demonstra não estar interessado em vender os bens empenhados, preferindo transferir apenas a posse temporária deles ao agente financeiro, em garantia do empréstimo. Pago o empréstimo, tem plena expectativa de retorno dos bens. Ademais, deve-se levar em consideração a natureza da atividade exercida pela instituição financeira, devendo-se entender o furto ocorrido como fortuito interno. Precedente citado: REsp 1.133.111-PR, Terceira Turma, DJe 5/11/2009; e REsp 273.089-SP, Quarta Turma, DJ de 24/10/2005. (STJ – 3ª Turma – REsp 1.155.395-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 1º/10/2013).(grifo nosso)

 

Não por outro motivo, a decisão saneadora, estabilizada a teor do disposto no artigo 357, § 1º, do CPC, repousou a matéria fática sobre dois pontos: a) a apuração do real valor de mercado da(s) joia(s) mediante o emprego de critérios específicos e parâmetros técnicos em que deverão ser consideradas as particularidades dos bens empenhados e o estado em que se encontravam; b) a existência de abalo moral em razão do evento e sua quantificação

Indeferida a inversão da prova, fixou-se que o ônus seria da autora, uma vez que referentes a fatos constitutivos do direito à indenização tal como pleiteada (CPC, artigo 373, I).

De outro lado, os documentos existentes nos autos, a precária descrição de cada uma das peças empenhadas e a inexata avaliação, obstaram o juízo aferir, com a precisão necessária, a correlação entre as peças descritas na inicial e a garantia contratual, prejudicando, portanto, a realização de perícia que não se vislumbrou efetiva para definir o valor de mercado das joias já na fase de conhecimento.

Verifico, pois, nesse cenário, ser impraticável a avaliação técnica indireta, o que autoriza antever o impasse também em fase de liquidação, apesar da prestigiada e respeitosa orientação pretoriana que se forma em torno do arbitramento (CPC, artigo 510) - (v.g. ApCiv 5002358-19.2018.4.03.6104 - 2ª Turma – Relator Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR - e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/03/2021).

No entanto, essa conjuntura peculiar e típica de casos como o dos autos, não pode constituir obstáculo ao ressarcimento, o qual deve se dar o quanto mais próximo do inegável prejuízo sofrido.

Com efeito, quando não há possibilidade prática de definição do valor de mercado das peças para fins de ressarcimento (obrigação específica objeto da ação), o sistema processual, interpretado à luz da efetividade da tutela jurisdicional, oferece a oportunidade de converter em perdas e danos o cumprimento de obrigação específica, independentemente de pedido explícito (CPC, artigo 499). A permissão já vinha expressa no artigo 461, § 1º e 461-A do Código de Processo Civil de 1973.

A efetividade do processo encontra respaldo constitucional no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, e está expressamente preconizada no Código de Processo de Civil de 2015, artigos 4º, 6º e 139, inciso II.

A noção de efetividade do processo tem como premissa básica a concepção de que a missão precípua do Poder Judiciário é proporcionar aos litigantes, em tempo razoável, uma adequada, oportuna e eficiente solução da controvérsia (incluindo aí a atividade satisfativa), realizando assim devidamente o direito material tutelado.

A experiência vivenciada por este juízo a partir dos multifacetados litígios da mesma natureza tramitando na 4ª Subseção Judiciária, conta serem expressivos os casos nos quais o penhor se apresenta como a alternativa mais fácil e expedita para pessoas de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade econômica, que, confiando na segurança do serviço monopolizado pela CEF, desprendem-se de bens afetivos para obter crédito e suprir gastos com despesas de subsistência.

Invariavelmente, penso não haver utilidade postergar a fixação desse montante para a fase de cumprimento do julgado, criando-se, data máxima vênia, expectativas em alongada liquidação por arbitramento (CPC, artigo 510), que poderá tornar-se dispendiosa e inócua ao seu final.

Dessa forma, em observância aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, da efetividade e da economia processual, o montante da indenização pelos danos materiais, convertidos em perdas e danos, deve corresponder a três vezes o valor da avaliação das garantias objeto dos contratos, importância que além de prestigiar a relação contratual, porque dela retira sua base de cálculo, preenche a lacuna decorrente da inviabilidade da apuração do real preço de mercado das peças perdidas."

 

 A sentença, como visto, é autoexplicativa e tem respaldo em correta interpretação da legislação e aplicação da jurisprudência, demonstrando que a responsabilidade da ré, no caso, é objetiva perante o consumidor, tanto que no próprio contrato de mútuo garantido por penhor existe cláusula de indenização, cuja abusividade foi reconhecida em precedentes da Corte Superior, a demonstrar que não procedem as alegações da CEF sobre inexistência de causalidade, responsabilidade e validade do limite fixado para indenização por sinistro com base no princípio do pacta sunt servanda.

O reconhecimento da abusividade da cláusula reflete a percepção de que o consumidor não possui força negocial para alcançar além daquilo prefixado unilateralmente pelo prestador do serviço, intervindo o Judiciário para, analisando o caso concreto, fixar parâmetro para equilibrar a relação jurídica, de modo a propiciar que a indenização por danos materiais não seja irrisória nem exorbitante, pois, ainda que a ré afirme ser referência nacional na avaliação de joias, disto não deriva que inexista padrão próprio adotado para efeito de penhor em garantia de mútuo, atividade-fim da empresa pública federal.

Importa considerar, pois, que a atividade-fim da ré não é a de comercialização de joias, mas atividade financeira e bancária, que se desenvolve pela margem de lucratividade entre o custo da aquisição e o da comercialização do dinheiro com os tomadores de empréstimos nas variadas modalidades de negociação contratual, dentre as quais o mútuo com penhor.

A garantia é representada não apenas pelo bem em si como pela margem decorrente da avaliação, servindo para respaldar a operação bancária e a lucratividade do negócio jurídico. Logo, sem comprovação de que o valor da avaliação corresponde, efetivamente, ao valor de mercado, não é possível adotar a tese da ré de que a indenização deve ser vinculada, estritamente, à cláusula contratual, daí porque ter sido assentada a abusividade da previsão pela jurisprudência.

Por outro lado, a indenização por danos materiais, adotando o equivalente ao dobro do estipulado contratualmente apenas poderia ser afastada se provada a exorbitância do valor comparado ao parâmetro de mercado, o que não existe nos autos. A autora não impugnou o critério adotado na sentença, ainda que o pedido tivesse sido o de indenização pelo valor real de mercado, o que ensejaria perícia indireta, dado que extraviadas as joias, o que faz ver que a sentença, neste ponto, deve ser confirmada, por solucionar a lide sem demonstração de que incorreu em desproporcionalidade ou exorbitância no arbitramento do valor da indenização por danos materiais.  

Quanto ao pedido de que seja descontado da indenização por danos materiais o valor correspondente ao mútuo não adimplido, configura pedido contraposto, que deveria ser objeto de reconvenção, exigindo, ademais, comprovação específica, dado que se refere a fato distinto do alegado na ação, consubstanciado na suposta inadimplência da autora no contrato de mútuo, sobre o qual não se discute na inicial.

Embora a ré possa pleitear indenização a menor do que a postulada em contestação, a formulação de pedido contra a autora, que envolva fatos distintos dos discutidos na inicial, como a inadimplência no contrato de mútuo pela autora, exige formulação de pretensão autônoma seja através de reconvenção, seja por ação de cobrança, monitória ou execução de título extrajudicial.

Segundo a jurisprudência, “o pedido contraposto somente é admitido quando houver norma consagrando a possibilidade de o réu formular pedido contra o autor em sua contestação. Não sendo hipótese de pedido contraposto ou se o réu de ação dúplice pretender algo além da tutela decorrente do simples exame do pedido do autor deverá apresentar reconvenção” (REsp 2.006.088).

A apelação da ré deve ser integralmente desprovida, em conformidade com o acima exposto.

No tocante à apelação da autora, que pleiteou indenização por danos morais, tampouco pode ser acolhida, assentando a sentença, a propósito, que:

 

“A mesma sorte, todavia, não socorre a parte autora no que tange aos alegados danos morais, os quais não podem ser presumidos, pois a dor e o abalo decorrentes da subtração de uma joia são prováveis, mas não absolutamente certos.

Na hipótese vertente, em que pese todo o articulado pela demandante, verifico que não houve comprovação de abalo insuportável.

Nesse passo, não logrou a parte autora demonstrar o dano moral passível de ressarcimento. Para fins de acolhimento da pretensão, seria imprescindível a prova inequívoca de dor ou sofrimento, que tenha interferido no comportamento psicológico do sujeito, de tal intensidade que não possa ser suportada em condições normais. Não há nos autos qualquer prova de que a autora tenha, em razão da perda das peças empenhadas, sido abatida em sua saúde. Aliás, o “laudo médico” inserido no id. 28086545 demonstra que a saúde da autora se encontrava abalada em data anterior aos fatos que deram origem à perda das peças. Não há, outrossim, qualquer prova dos vínculos sentimentais alegados na inicial, além dos relatos genéricos registrados na peça inicial.

Mostra-se relevante ressaltar que o dano moral, como lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, não visa simplesmente a refazer o patrimônio, mas sim a compensar o que a pessoa sofreu emocional e socialmente em razão de fato lesivo. A ele não se igualam os aborrecimentos, dissabores, mágoas ou irritabilidades, os quais estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do cotidiano, especialmente numa sociedade de massas, não são situações intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.

Nessa medida, o reconhecimento do dano moral realiza a possibilidade de reparação de prejuízos impossíveis de se mensurar, tais como a dor, a humilhação, a vergonha, a perda de um ente querido e assim deve ser concedida nos casos em que a dor ou o sofrimento estejam devidamente comprovados nos autos.

Confira-se o precedente do Eg. TRF 3ª Região:

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ROUBO A JÓIAS DADAS EM GARANTIA A CONTRATO DE MÚTUO DE DINHEIRO. DANO MORAL PELA PERDA DOS BENS. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE SUA OCORRÊNCIA.

- A Caixa Econômica Federal (CEF) está sujeita à responsabilidade civil objetiva por força do contido no art. 3º, §2º, combinado com o art. 14, ambos da Lei nº 8.078/1990, e entendimento consolidado na Súmula 297 do E.STJ. Compreendida como inerente ao risco do empreendimento e alcançando não só os serviços executados, mas também a estrutura operacional criada para sua implementação, é irrelevante discutir a má-fé ou culpa subjetiva da CEF no evento danoso para fins de responsabilidade civil objetiva, assim como de prestadores de serviço por ela contratados para compor a execução de suas operações.

- Para caracterizar a responsabilidade civil objetiva e extracontratual, devem ser comprovados, cumulativamente: a) evento danoso a bem ou direito (material ou moral) do interessado, por ato ou fato ou por seus desdobramentos; b) ação ou omissão da CEF (ou de terceiro que lhe auxilia na execução de serviço); c) nexo causal entre o evento danoso e a ação ou omissão imputada à instituição financeira. Inexistindo lesão (ainda que configure desconforto), ou em caso ato ou fato decorrente de exclusiva responsabilidade do consumidor ou de terceiro (por óbvio, desvinculado da CEF), inexistirá a responsabilidade civil objetiva.

- A questão posta a deslinde cinge-se ao cabimento ou não de indenização por dano moral, alegadamente sofrido em virtude do roubo de joias dadas como garantia a contrato de mútuo de dinheiro, celebrado pela autora pela instituição financeira.

- O dano moral não está irremediavelmente atrelado ao dano material sofrido pela perda dos bens. Os prejuízos decorrem da violação de bens jurídicos distintos: o dano moral decorre da violação dos direitos da personalidade - privacidade, intimidade, honra e imagem - e o dano material, da violação do patrimônio. Cada um dos danos alegados - moral e material - demanda comprovação autônoma.

- Embora a autora alegue que “os objetos roubados possuíam inestimável valor moral”, posto serem “joias de família, presenteadas por entes queridos há muito falecidos, as quais foram utilizadas em momentos únicos”, perde força a assertiva na medida em que ofereceu tais bens como garantia de contrato, deixando-os à disposição da instituição financeira, a revelar que a separação de tais objetos é inábil a abalar valores íntimos.

- A prova produzida nos autos é insuficiente para comprovar que o roubo das joias trouxe abalo emocional, violador do estado psíquico da apelante. Precedentes deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região pela necessidade de demonstração do dano moral a fim de se perseguir a reparação respectiva.

- Apelação improvida.

(TRF-3 - 2ª Turma – ApCiv 5004420-32.2018.4.03.6104 – Relator Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO - e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/04/2021).

 

Reputo, por tais motivos, inviável o acolhimento da pretensão indenizatória por dano moral.”

 

Na contestação a ré já havia apontado que: “Impugna-se expressamente que os alegados “distúrbios psicológicos” ou demais questões de saúde mencionados na Inicial/documentos tenham sido desencadeados ou tenham tido qualquer relação com o fato ora discutido. Vê-se que inclusive em um dos documentos juntados há menção que a autora se encontrava sob tratamento médico antes do incidente e, desde antes, apresentava o quadro clínico”.

A sentença, ao adotar a mesma linha de interpretação sobre a prova dos autos, não foi sequer impugnada, especificamente, pela autora, cujas razões recursais foram genéricas, neste ponto, ao aludir que sofrimentos psicológicos não exigem dilação probatória, embora a instrução tenha sido realizada pela própria autora, dela sendo extraída a percepção cognitiva de que o abalo no estado de saúde, que se invocou como tendo sido causado pelo evento, era preexistente e desconexo, em termos de causalidade, daquilo que a própria parte qualificou como tendo sido aborrecimentos pela perda das joias.

As hipóteses de danos morais in re ipsa, invocadas pela autora (Temas 1.096 e 1.156/STJ), não envolvem situações como a dos autos, de modo a dispensar a produção de prova sobre o fato constitutivo do direito alegado e, como destacado pela sentença, inexistindo comprovação de fato lesivo, mas apenas de aborrecimento sem repercussão sequer na saúde física da autora não resta espaço para cogitação de danos extrapatrimoniais em acréscimo à reparação dos danos materiais.

Enfatize-se que a própria autora apontou danos morais em razão de aborrecimentos gerados pelo evento, que causaram distúrbios psicológicos, quadro clínico de desnutrição e implantação de sonda enteral, sobre os quais bem decidiu a sentença pela falta de prova da materialidade respectiva.

Senão vejamos:

 

“Vale ainda destacar que por tais aborrecimentos, a autora sofreu de distúrbios psicológicos e partiu para um quadro clínico que levou a desnutrição e por tais fatos foi necessária a implantação de uma sonda enteral para que a autora pudesse se alimentar e se hidratar, conforme demonstram os laudos médicos e as intervenções clínicas realizadas na autora acostadas com a peça vestibular.

No mais, caso não seja este o entendimento deste D. Juízo á cerca do dano moral vale destacar que no caso em testilha, a doutrina moderna vem entendendo que a perda do tempo livre por culpa do fornecedor é passível de gerar dano ao consumidor e, consequentemente, a sua devida reparação”

 

Quanto à perda do tempo livre, também denominada de desvio produtivo do consumidor, não gera indenização civil por danos morais mero decurso de tempo, genericamente alegado, sem que seja especificado qual o tempo útil consumido, qual a lesão sofrida, em que consistiu a restrição imposta e se esta foi injusta, intolerável e além do razoável e corriqueiro na realidade da vida econômica e social.

Não é, pois, qualquer desperdício de tempo, em si, genericamente alegado que gera reparação civil a título de danos morais, sem sequer especificar o conteúdo da conduta e seus efeitos sobre a esfera extrapatrimonial da realidade da vítima e, principalmente, da relação de causalidade entre evento e dano supostamente sofrido.

Os precedentes, que reconhecem danos morais, abordaram circunstâncias fáticas do caso concreto, não dispensando comprovação de que o extravio das joias produziu lesão imaterial à autora pelo vínculo afetivo efetivamente existente, em se tratando de herança de família. Não se pode presumir que vínculo de tal natureza exista em toda e qualquer situação e sobre todo e qualquer bem, nem que sempre a lesão patrimonial provoque inexorável e desproporcional sofrimento ou dor psíquica, para além da perda material, sem demonstração do impacto concreto causado pela conduta causal da ré sobre o bem jurídico tutelado.

O quadro fático-probatório não permite delinear a contento que existam danos morais a serem ressarcidos, em complemento aos danos materiais cuja indenização se reconhece e se confirma, na forma da fundamentação adotada. Sendo da autora o ônus probatório do fato constitutivo do direito - sobretudo quanto à demonstração de que o evento gerou não apenas perda patrimonial ou aborrecimento, mas dor psíquica e imaterial com impacto efetivo no bem-estar espiritual da autora, para efeito de autorizar reparação de danos autônomos, de teor extrapatrimoniais -, a carência de substrato probatório para elucidar o ponto controvertido da causa não autoriza o acolhimento da pretensão.

Pela sucumbência recursal, ambas as apelantes devem suportar condenação adicional, nos termos do artigo 85, § 11, CPC, no equivalente a 1% do proveito econômico almejado, a ser acrescida à sucumbência fixada pela sentença pelo decaimento na instância de origem.

Ante o exposto, nego provimento às apelações.

É como voto.

 


E M E N T A

 

APELAÇÃO CÍVEL. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. SUBMISSÃO AO ART. 942 DO CPC/15. CONTRATO DE PENHOR. ROUBO DE JOIAS EM AGÊNCIA DA CEF. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA A INDENIZAÇÃO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO MATERIAL EM TRÊS VEZES O VALOR DA GARANTIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. NULIDADE DA SENTENÇA. CAUSA QUE NÃO ESTÁ EM CONDIÇÕES DE JULGAMENTO IMEDIATO. INDEFERIMENTO DA PROVA PERICIAL. POSSIBILIDADE DE PERÍCIA INDIRETA PARA VERIFICAR O VALOR DE MERCADO DAS JOIAS. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. RECURSO DA CEF PROVIDO. APELAÇÃO DA AUTORA PREJUDICADA.

1. Diante do resultado não unânime, o julgamento teve prosseguimento conforme o disposto no art. 942 do CPC/15.

2. Ação de procedimento comum pela qual a autora pretende a declaração da nulidade da cláusula 12.1 dos contratos de penhor celebrados com a ré e a sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais e materiais advindos da subtração das joias dadas em garantia de agência da CEF, estes calculados pelo valor de mercado dos bens.

3. O pedido inicial foi julgado parcialmente procedente, reconhecendo a nulidade da cláusula limitativa da indenização e condenando a ré ao pagamento de indenização por danos materiais no importe de 3 (três) vezes o valor da(s) garantia(s) objeto da avença.

4. Não obstante o entendimento pelo qual é dado ao magistrado a fixação de parâmetro diverso de indenização, a menor do que o requerido, à luz do princípio da congruência ou adstrição, no presente caso, não há como afirmar se o valor fixado na sentença é superior ou inferior ao valor de mercado nas joias. Sendo este desconhecido, é impossível ter certeza de que a condenação da ré de fato é inferior à pretensão inicial ou se ela foi condenada em quantidade superior à que lhe foi demandada, o que é vedado pelo art. 492 do CPC.

5. Outrossim, o juízo a quo não apresentou as circunstâncias fáticas e critérios objetivos que o levaram a adotar o montante de três vezes o valor da avaliação contratual, aduzindo apenas que o fez “em observância aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, da efetividade e da economia processual”. A ausência de fundamentação suficiente não só prejudica a análise, nesta instância, da adequação do quantum arbitrado à extensão dos danos materiais sofridos, como também induz a nulidade do julgamento, nos termos do art. 489, § 1º, III, do CPC.

6. Considerando o indeferimento da prova pericial para apurar o valor de mercado das joias, o processo não está em condições de julgamento imediato, a autorizar a aplicação do art. 1.013, § 3º, II e IV, do CPC.

7. Esta Primeira Turma já decidiu, em diversos casos semelhantes a este, que a prova pericial é imprescindível para a apuração do real valor das joias e pode ser realizada de forma indireta, nos casos de perda, roubo ou extravio.

8. Caso entenda pela insuficiência dos documentos apresentados nos autos, nada obsta que o perito nomeado pelo juízo requeira a apresentação de prova complementar ou o fornecimento de outros elementos materiais pelas partes a fim de subsidiar a perícia, como lhe autoriza o art. 473, § 3º, do CPC.

9. Recurso da CEF provido para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para a realização de prova pericial indireta e prolação de novo julgamento. Apelação da autora prejudicada.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do Código de Processo Civil, a Primeira Turma, por maioria, deu provimento à apelação da CEF e anulou a sentença recorrida, determinando o retorno dos autos à origem para realização da prova pericial indireta e prolação de novo julgamento e julgou prejudicada a apelação da autora, nos termos do voto do senhor Desembargador Federal Wilson Zauhy, acompanhado pelos senhores Desembargadores Federais Nelton dos Santos, Herbert de Bruyn e Giselle França, vencido o senhor Desembargador Federal Carlos Muta (relator), que negava provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.