Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002224-76.2015.4.03.6106

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

APELADO: FLAVIANO ALVES DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: BARBARA MENDES MARINI - SP394233-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002224-76.2015.4.03.6106

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

APELADO: FLAVIANO ALVES DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: BARBARA MENDES MARINI - SP394233-A

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R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentença que absolveu Flaviano Alves Souza da prática do delito do art. 29, § 1°, da Lei n. 9.605/98 e do art. 296, § 1°, III, do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal (Id n. 16555003).

O Ministério Público Federal sustenta o quanto segue:

a) restou comprovado nos autos que o réu tinha consciência de que as anilhas eram irregulares;

b) a manutenção irregular dos pássaros e o uso consciente e voluntário das anilhas adulteradas e falsificadas indicam que o réu tinha familiaridade com os procedimentos da criação amadora de aves;

c) o réu não apresentou argumento plausível para o fato de adquirir aves de pessoas desconhecidas(Id n. 165550530). 

Foram apresentadas contrarrazões (Id n. 165550530).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Eduardo Pelella, manifestou-se pelo provimento do recurso (Id n. 165550003).

Em 14.09.20, a 5ª Turma desta Corte, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação para condenar Flaviano Alves de Souza a 6 (seis) meses de detenção, regime inicial aberto, e a 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, pela prática do delito do art. 29, §1°, III, da Lei n. 9.605/98, com substituição da pena privativa de liberdade por 1 (uma) pena restritiva de direito, consistente em multa no valor de 1 (um) salário mínimo, nos termos da seguinte ementa:

 

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. FALSIFICAÇÃO DE SELO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICABILIDADE. ART. 29 DA LEI N. 9.605/98. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO.

1. Em regra, o uso de anilhas do Ibama adulteradas ou falsificadas caracteriza de forma autônoma o crime previsto no art. 296, § 1º, III, do Código Penal. Contudo, revejo meu entendimento para admitir que se o objetivo da conduta é apenas simular a legitimidade da posse irregular de espécimes da fauna silvestre, exaurindo-se o falso como crime-meio para o cometimento do delito ambiental, incide o princípio da consunção (TRF da 3a Região, Ap. n. 2017.61.36.000481-8, Relator Des. Fed. Mauricio Kato, j. 18.03.19).

2. O Relatório Geral SISPASS, do lbama, indica que o réu era registrado como criador amador de passeriformes desde 2011. Nesses termos, não é crível que não tivesse consciência da necessária autorização do Ibama para a manutenção de espécimes da fauna silvestre em cativeiro. Portanto, evidenciado o dolo, deve ser reformada a sentença para condenação do réu pela prática do delito do art. 29, § 1°, III, da Lei n. 9.605/98.

3. Apelação da acusação provida em parte. (Id n. 165550003)

 

O Ministério Público Federal interpôs recurso especial contra o acórdão, para que “seja afastada a consunção do crime do art. 296, inc. III, do Código Penal no delito do art. 29, § l°, inc. III, da Lei 9.605/1998, bem como a absolvição dela decorrente, condenando-se o recorrido pela prática do falso, mediante a aplicação, inclusive, da agravante do art. 61, inc. II, alínea b, do Código Penal, em concurso material com o crime ambiental” (Id n. 165550003).

Foram apresentadas contrarrazões (Id n. 266139502).

O recurso especial foi admitido pela Vice-Presidência desta Corte (Id n. 266482778).

Em 03.05.23, a Eminente Ministra Laurita Vaz deu provimento ao recurso especial, a fim de afastar a aplicação do princípio da consunção entre os crimes dos arts. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98 e do art. 296, §1º, III, do Código Penal e determinar que o Tribunal de origem prossiga no julgamento da apelação ministerial, decidindo como entender de direito (Id n. 275442417).

A defesa do réu requereu à Presidência desta Corte, a concessão de prazo para complementar o recurso de apelação já apresentado, tendo em vista a modificação do julgado (Id n. 275442417), cuja apreciação foi postergada a esta Corte após a devolução dos autos determinada no julgamento do referido recurso especial (Id n. 275442417, fl. 23)

Os autos foram remetidos a esta Turma em 16.06.23.

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

 

 


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V O T O

 

O Ministério Público Federal recorreu da sentença que absolveu Flaviano Alves da prática do delito do art. 29, § 1°, da Lei n. 9.605/98 e do art. 296, § 1°, III, do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

Em 14.09.20, a 5ª Turma desta Corte, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação da acusação para condenar Flaviano a 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, no mínimo valor unitário legal, pela prática do delito do art. 29, § 1°, III, da lei n. 9.605/98, regime inicial aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por 1 (uma) restritiva de direito consistente em multa no valor de 1 (um) salário mínimo.

Consta do acórdão que foi absorvida a conduta prevista no art. 296, § 1º, III, do Código Penal (uso indevido de anilhas), pelo crime ambiental do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, nos termos do seguinte voto:

 

 

Imputação. Flaviano Alves de Souza, nascido em 15.12.46, foi denunciado pela prática do delito do art. 29, § 1 0, III, da Lei n. 9.605/98 e do art. 296, § 1°, III, do Código Penal. Narra a denúncia que, em 15.02.14, Flaviano Alves de Souza manteve em cativeiro, sem permissão dos órgãos competentes, 6 (seis) sicalis flaveola brasiliensis (canários da terra) e 1 (um) sporophila caerulescens (coleirinho papa-capim), pássaros da fauna silvestre nos termos da Instrução Normativa n. 10/11, do Ibama. Houve, ainda, apreensão de 3 (três) anilhas irregulares (fls. 65/66).

Delito ambiental e uso de anilhas falsas. Consunção. Em regra, o uso de anilhas do lbama adulteradas ou falsificadas caracteriza de forma autônoma o crime previsto no art. 296, § 1°, I ou III do Código Penal. Contudo, revejo meu entendimento para admitir que se o objetivo da conduta é apenas simular a legitimidade da posse irregular de espécimes da fauna silvestre, exaurindo-se o falso como crime-meio para o cometimento do delito ambiental, incide o princípio da consunção:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL CRIME CONTRA A FAUNA. PÁSSAROS SILVESTRES. ART. 29, § 1°, III, LEI 9.605/98. USO DE SELO PÚBLICO FALSIFICADO. ART. 296, § 1°, I e III, CP. PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRINCIPIO DA CONSUNÇÃO. PERDÃO JUDICIAL. ART. 29, § 2°, LEI 9.605/98.

1. A pequena quantidade de aves apreendidas não desnatura o disposto no artigo 29, §1°, III, da Lei n. 9.605/98, que pune o ato de quem guarda, mantém em cativeiro ou depósito espécimes da fauna silvestre nativa sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. Inaplicável o princípio da insignificância.

2. O uso de anilha adulterada, quando destinada a dar a aparência de regularidade à atividade consistente em manutenção em cativeiro de espécimes da fauna silvestre, constitui crime-meio e, por isso, fica absorvido pelo crime-fim.

3. Aplica-se o princípio da consunção diante da relação de dependência entre a prática do uso de anilha adulterada e a prática do crime ambiental, já que, o delito previsto no art. art. 296, § 1°, I e III, do Código Penal afigura-se como crime-meio empregado para a consecução do delito 29, § 1°, III, da Lei n. 9.605/98, e se exaure neste último.

4. A aplicação do perdão judicial previsto no § 2° do artigo 29 da Lei n° 9.605/98 pressupõe a existência de circunstâncias especiais como a guarda doméstica, em pequena quantidade, de aves silvestres domesticadas e com apego sentimental. O uso de anilhas adulteradas em parte de plantei que se encontrava misturada com outras aves com registro regular constitui circunstância que desaconselha a aplicação do benefício legal.

5. Condenações anteriores transitadas em julgado, alcançadas pelo prazo de 5 (cinco) anos referido no artigo 64, I, do CP e que já não geram efeitos negativos da reincidência, não podem ensejar o agravamento da pena-base, de acordo com a vedação de pena de caráter perpétuo (artigo 5°, XLVII, "b", da CF) e com os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade.

6. Materialidade, autoria e dolo comprovados.

7. Apelação parcialmente provida. (7'RF da 3° Região, Ap. n. 2017.61.36.000481-8, ReL Des. Fed. Mauricio Kato, j. 18.03.19).

Do caso dos autos. Imputa-se a Flaviano Alves de Souza a prática do delito do art. 296, § 1°, III, do Código Penal, tendo em vista a apreensão de 3 (três) anilhas em sua residência. Laudo pericial apontou que as anilhas, embora com características semelhantes às originais, não estão "em conformidade com as especificações técnicas apresentadas pela empresa que fabrica as anilhas oficiais, ANILHAS CAPRI Ltda. e apresenta indícios de adulteração/falsificação (fl. 39).

Nos termos do entendimento acima mencionado, deve ser aplicado o princípio da consunção, pois o uso de anilhas falsificadas apenas busca simular a legitimidade da posse irregular de espécimes da fauna silvestre, exaurindo-se o falso como crime-meio para o cometimento do delito ambiental.

Portanto, resta absorvida a conduta prevista no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, pelo crime ambiental do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, impondo-se a absolvição do réu quanto à imputação autônoma relacionada ao uso de selo ou sinal público adulterado.

Cumpre analisar a materialidade e autoria em relação ao delito do art. 29, § 1°, III, da Lei n. 9.605/98.

Materialidade. A materialidade delitiva restou comprovada pelos seguintes elementos dos autos: a) Boletim de ocorrência ambiental e termo de apreensão lavrados pela Policia Militar do Estado de São Paulo em 15.02.14 (fls. 4/5v. e 8); b) Auto de infração ambiental lavrado em 15.02.14 (fl. 6); c) Exame de constatação lavrado pela Policia Militar do Estado de São Paulo em 15.02.14, com discriminação das aves da fauna silvestre que foram apreendidas (6 canários da terra e 1 coleirinho papa-capim) (fls. 11/16); d) Relatório Geral SISPASS no qual Flaviano Alves de Souza consta como criador amador de passeriformes (fls. 45/49v.).

Autoria. Está comprovada a autoria delitiva.

Em sede policial, Flaviano Alves Souza afirmou que Policiais Ambientais estiveram em sua residência e apreenderam 6 (sies) canários da terra e 1 (um) coleirinho papa-capim Adquiriu os pássaros de moradores de Onda Verde (SP) dos quais não sabe indicar nomes e endereços. Acreditava que as anilhas eram regulares (fls. 25/25v.).

Em interrogatório judicial, Flaviano Alves Souza declarou que comprou as aves por meio de colegas há cerca de 1 (um) ano. As aves já estavam anilhadas quando as adquiriu por meio de troca (por exemplo, com ferramentas). Não sabe dizer o nome dos vendedores. Acreditava que toda a documentação estava correta. Foi enganado, sequer entendia o que era anilha. Não sabia que as aves não podiam ser mantidas em cativeiro. Morou em São Paulo (SP) por 35 (trinta e cinco) anos, não estava familiarizado com o assunto. Sua profissão é de pintor de automóveis. Atualmente é aposentado, com renda mensal aproximada de R$ 1.000,00 (mil reais) (cf. mídia, fl. 224).

Conforme se verifica, o réu admitiu que mantinha as aves em cativeiro. A afirmação de que adquiriu as aves de terceiros não permite afastar a prática delitiva.

O Relatório Geral SISPASS, encaminhado pelo lbama, indica que Flaviano Alves de Souza era registrado como criador amador de passeriformes desde 2011 (fls. 45/49v.). Nesses termos, não é crivei que não tivesse consciência da necessária autorização do Ibama para a manutenção de espécimes da fauna silvestre em cativeiro.

Portanto, evidenciado o dolo, deve ser reformada a sentença para condenação do réu pela prática do delito do art. 29, § 1°, III, da Lei n. 9.605/98.

Dosimetria da pena. Na primeira fase da dosimetria da pena, registro que o réu não tem antecedentes criminais. Os motivos, circunstâncias e consequências do crime são comuns à espécie delitiva e inexistem elementos nos autos que permitam afirmar a personalidade e conduta social do réu. Nesses termos, fixo a pena-base no mínimo legal de 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa.

Pelo que se infere dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, d) incide sempre que fundamentar a condenação do acusado, pouco relevando se extrajudicial ou parcial, mitigandose ademais a sua espontaneidade (STJ, HC n. 154544, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.03.10; HC n. 151745, Rel. Min. Felix Fischer, j. 16.03.10; HC n. 126108, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 30.06.10; HC n. 146825, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.06.10; HC n. 154617, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 29.04.10; HC n. 164758, Rel. Min Og Fernandes, j. 19.08.10). A oposição de excludente de culpabilidade não obsta o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea (STJ, HC n. 283620, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 20.02.14; AgReg em REsp n. 1376126, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 04.02.14; Resp n. 1163090, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 01.03.11).

No caso dos autos, o réu admitiu manter espécimes da fauna silvestre em cativeiro. No entanto, considerando que a pena-base foi fixada no mínimo legal, deixo de reduzi-la, pois, nos termos da Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça, "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. Pelas mesmas razões, deixo de reduzir a pena por ter o réu mais de 70 (setenta) anos nesta data.

Ausentes circunstâncias agravantes e causas de aumento ou de diminuição de pena, resta definitiva a pena de 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, no mínimo valor unitário legal. Regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2°, c). Nos termos do art. 44, I, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 1 (uma) restritiva de direito consistente em multa no valor de 1 (um) salário mínimo.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal para condenar Flaviano Alves de Souza a 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, no mínimo valor unitário legal, pela prática do delito do art. 29, § 1 0, III, da Lei n. 9.605/98. Regime inicial aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por 1 (uma) restritiva de direito consistente em multa no valor de 1 (um) salário mínimo. (grifos do original, Id n. 27571311)

 

O Ministério Público Federal interpôs o Recurso Especial n. 2042537-SP contra o acórdão, na parte em que reconheceu a incidência do princípio da consunção para absorver o crime de falsificação de anilhas pelo delito ambiental do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, o qual foi provido para afastar a aplicação de tal princípio e determinar o prosseguimento do julgamento da apelação criminal (Id n. 275442417).

Segundo o julgado, “não se coaduna com a jurisprudência desse Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não se aplica o princípio da consunção entre os tipos penais do art. 29, § 1º, III, da Lei n.º 9.605/98, e do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, uma vez que tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas (AgRg no REsp n. 1.990.370/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/8/2022).” (Id n. 275442417).

Indefiro o pleito da defesa para apresentar razões complementares ao apelo ministerial (Id n. 275442417, fls. 18/19) em razão do conteúdo do julgado no recurso especial, à míngua de previsão legal. Cabe observar que o réu não recorreu da sentença condenatória, tendo, por outro lado, apresentado contrarrazões aos recursos de apelação e especial, de modo que sua participação nos autos encontra-se regular, sendo assegurado o direito ao contraditório.

Passo então, à revisão do acórdão, nos termos da decisão supramencionada.

Art. 296, § 1º, III, do Código Penal.

Consta dos autos que o réu mantinha 7 (sete) pássaros em cativeiro, os quais apresentavam anilhas presas nos tarsos.

A materialidade do delito foi comprovada pelo boletim de ocorrência ambiental e termo de apreensão (Id n. 165550358, fls. 10/13, 16); auto de infração ambiental (Id n. 165550358, fl. 14); exame de constatação lavrado em 15.02.14, com a discriminação das aves da fauna silvestre que foram apreendidas (6 canários da terra e 1 coleirinho papa-capim) (Id n. 165550358, fls. 19/24); laudo pericial de 3 (três) anilhas levadas a exame, conclusivo de que não são autênticas (Id n. 165550358, fls. 46/53) e relatório geral SISPASS no qual Flaviano Alves de Souza consta como criador amador de passeriformes (fls. 60/67).

A autoria foi suficiente provada.

Flaviano disse que era criador de passeriformes com cadastro no IBAMA havia cerca de 2 (dois) anos. Mencionou ter adquirido os espécimes de pássaros apreendidos com moradores do Bairro Onda Verde, os quais desconhecia. Acreditava que as anilhas eram “legais” e não adulteradas (Id n. 165550358).

Em Juízo, Flaviano declarou que comprou as aves por meio de colegas há cerca de 1 (um) ano. As aves já estavam anilhadas quando as adquiriu por meio de troca (por exemplo, com ferramentas). Não sabe dizer o nome dos vendedores. Acreditava que toda a documentação estava correta. Foi enganado, sequer entendia o que era anilha. Não sabia que as aves não podiam ser mantidas em cativeiro. Morou em São Paulo (SP) por 35 (trinta e cinco) anos, não estava familiarizado com o assunto. Sua profissão é de pintor de automóveis. Atualmente é aposentado, com renda mensal aproximada de R$ 1.000,00 (mil reais) (Ids ns. 24884993/96).

O Juízo a quo absolveu o acusado da prática delitiva, ao fundamento de que as adulterações das anilhas se relacionavam com os respectivos diâmetros internos e externos, cujo conhecimento necessitava de utilização do equipamento específico, qual seja, o paquímetro digital para aferição e constatação das adulterações, não sendo exigível que o acusado tivesse tal instrumento. Não havia, assim, provas suficientes de que o réu tivesse ciência da utilização de anilhas adulteradas.

Sem embargo do referido entendimento, é possível extrair do laudo das 3 (três) anilhas periciadas, que as irregularidades não se circunscreveram aos respectivos diâmetros, sendo constatadas divergências na forma, tamanho dos caracteres e na qualidade da gravação das superfícies externas:

 

O material apresentado a exame não se encontra em conformidade com as especificações técnicas apresentadas pela empresa que fabrica as anilhas oficiais, ANILHAS CAPRI Ltda. e apresenta indícios de adulteração/falsificação.

Como demonstrado na seção III - EXAMES, os diâmetros interno e externo das anilhas questionadas são maiores que os aferidos paras as anilhas padrão e estipulado nas especificações técnicas. As anilhas questionadas apresentam diâmetros interno e externo fora dos padrões oficiais. Com respeito aos elementos gravados na superfície externa das anilhas, observaram-se divergências na forma, tamanho dos caracteres alfanuméricos e na qualidade de gravação quando comparadas com os caracteres das anilhas padrão fornecidas pelo IBAMA. Pode-se concluir que se tratam de anilhas INAUTÊNTICAS. (grifei, Id n. 165550358)

 

Em que pese a ausência de informação de que tais irregularidades nas superfícies externas das anilhas pudessem ser claramente perceptíveis por simples visualização, tem-se que o acusado se tratava de criador amador de passeriformes, cadastrado no IBAMA, de modo que a ele era possível ter o conhecimento daquelas adulterações, sendo, ademais, exigível que tomasse as cautelas necessárias para a aquisição regular de pássaros, justamente pela particular condição de criador.

Tais fatos, ainda que não possibilitem a conclusão pelo dolo direto, justificam o reconhecimento do dolo eventual na prática delitiva, a exigir a responsabilização criminal do acusado.

Assim, provadas a materialidade e a autoria delitiva, cumpre condenar o acusado pelo crime de uso indevido de anilhas adulteradas.

Dosimetria. Art. 296, § 1º, III, do Código Penal.

Considerados os critérios do art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

As circunstâncias judiciais são favoráveis ao réu.

Ausentes atenuantes e agravantes, causas de diminuição e de aumento, torno a pena definitiva.

Não há elementos de provas suficientes a justificar o reconhecimento da agravante do art. 61, II, b, do Código Penal, à consideração de que, segundo o réu, os pássaros foram adquiridos já anilhados.

Cabe reconhecer, no caso, o concurso formal de crimes (CP, art. 70) em razão das circunstâncias fáticas e aplicar a pena mais grave de 2 (dois) anos e 10 (dez) dias-multa, majorada de 1/6 (um sexto), para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

Fixo o regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2ª, c) e cada dia-multa no valor mínimo legal, com correção monetária a partir da data dos fatos.

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 1 (um) salário mínimo em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões do réu.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal para condenar Flaviano Alves de Souza pelos crimes do art. 29, § 1º, III da Lei n. 9.605/98 e do art. 296, §1º, do Código Penal, em concurso formal, a 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, regime inicial aberto, e a 11 (onze) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, com substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, nos termos supramencionados.

É o voto.



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 29, § 1º, III DA LEI N. 9.605/98 E ART. 296, §1º, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA PROVADAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. AFASTADA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO.O. APELAÇÃO PROVIDA.

1. Materialidade e autoria provadas com base na prova documental e pelas próprias declarações do réu.

2. Afastada a aplicação do princípio da consunção entre os delitos do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98 e do art. 296, § 1º, III, do Código Penal.

3. Comprovado o dolo eventual da prática delitiva.

4. Dado provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar Flaviano Alves de Souza pelos crimes do art. 29, § 1º, III da Lei n. 9.605/98 e do art. 296, §1º, do Código Penal, em concurso formal, a 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, regime inicial aberto, e a 11 (onze) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, com substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por maioria, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal para condenar Flaviano Alves de Souza pelos crimes do art. 29, § 1º, III da Lei n. 9.605/98 e do art. 296, §1º, do Código Penal, em concurso formal, a 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, regime inicial aberto, e a 11 (onze) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, com substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, nos termos do voto do Relator Des. Fed. André Nekatschalow, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes, vencido o Des. Fed. Mauricio Kato que, afastada a consunção pelo stj, mantinha, no mérito, a absolvição do acusado quanto ao art. 296, 1º, CP., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.