APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005337-65.2015.4.03.6000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: ROBERTO ARCANGELO, MARIA AUXILIADORA DE CASTRO
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO CARLOS MONREAL - MS5709-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA MOURA GAMA - BA834-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005337-65.2015.4.03.6000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: ROBERTO ARCANGELO, MARIA AUXILIADORA DE CASTRO Advogado do(a) APELANTE: IVO ZILOTTI ALENCAR - MS14002-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA MOURA GAMA - BA834-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta por ROBERTO ARCANGELO e por MARIA AUXILIADORA DE CASTRO em face de sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Campo Grande/MS que, em sede de ação de reintegração de posse proposta pela Caixa Econômica Federal (CEF), assim decidiu: Diante do exposto, julgo parcialmente procedente o pedido material da presente ação, para determinar, em definitivo, a reintegração da autora na posse do imóvel situado na Rua Ceará, nº 1309, Bairro Vila Paraíso, nesta Capital, objeto da matrícula nº 119.470, do Cartório de Registro de Imóveis do 1º Ofício da Comarca de Campo Grande/MS, e para condenar os réus ao pagamento da taxa de ocupação, no período compreendido entre 22/03/2010 até 12/08/2015, fixada em 1% (um por cento) do valor do imóvel, indicado no contrato, para efeito de venda em público leilão (R$ 1.100.000,00 - fl. 21), bem como ao reembolso do IPTU pago no período de 2012 a 2014, conforme documentos de fls. 66-69. Sobre esses valores incidirão juros de mora e correção monetária na forma prescrita pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal. Dou por resolvido o mérito da lide, nos termos do art. 487, I, do CPC. Diante da sucumbência mínima da parte autora, condeno os réus, pro rata, ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios que fixo 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos dos artigos 85,2º e 86, parágrafo único, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se os autos. Sustentam os apelantes, preliminarmente, a nulidade da sentença por se caracterizar como sendo “ultra petita” em relação à taxa de ocupação, bem como pela ausência de fundamentação, acarretando cerceamento do direito de defesa. No mérito, aduzem que houve o descumprimento dos requisitos previstos no art. 927 do CPC e que não foi dada à segunda apelante a oportunidade de purgar a mora, o que geraria a nulidade dos atos subsequentes do procedimento. Pugnam pela anulação da sentença ou, quando não, por sua reforma. Com as respectivas contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte. É o breve relatório. Passo a decidir.
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO CARLOS MONREAL - MS5709-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005337-65.2015.4.03.6000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: ROBERTO ARCANGELO, MARIA AUXILIADORA DE CASTRO Advogado do(a) APELANTE: IVO ZILOTTI ALENCAR - MS14002-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA MOURA GAMA - BA834-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Aprecio, inicialmente, as questões preliminares levantadas em apelação, começando pela alegação de julgamento “ultra petita” quanto à condenação dos réus no pagamento da taxa de ocupação. Acerca dos limites ao poder de decidir, correspondentes ao princípio da adstrição ao pedido, assim estabelece o Código de Processo Civil: Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional. Da leitura dos dispositivos legais acima transcritos, percebe-se que ao juiz é vedado conhecer de questões não suscitadas pelas partes, bem como condenar a parte em quantidade superior ou mesmo em objeto diverso daquele que lhe foi demandado. Em suma, o julgamento “ultra petita” restará configurado pelo fato de o juiz ir além do pedido do autor, dando-lhe mais do que foi pedido na inicial. No caso dos autos, contudo, não há que se falar em julgamento “ultra petita”, na medida em que a CEF, em sua petição inicial, formulou pedido expresso de condenação dos réus, ocupantes irregulares, ao pagamento de taxa de ocupação do imóvel, nos termos do art. 37-A da Lei nº 9.514/1997. O MM Juízo “a quo”, por sua vez, apreciou o pleito com base no referido dispositivo da legislação material, não se podendo dizer que tenha ido além do que lhe fora pleiteado. Passo ao exame da segunda preliminar arguida pelos apelantes, de nulidade da sentença por ausência de fundamentação adequada e cerceamento de defesa, a qual também deve ser afastada. De fato, entendem os recorrentes que o MM Juízo “a quo”, mesmo tendo sido provocado por meio da interposição de embargos declaratórios, não teria se pronunciado acerca das questões envolvendo a posse ou a continuidade da posse da segunda apelante sobre o imóvel, nem sobre a data em que este foi vendido pela CEF. Defendem que a apelada não teria demonstrado, em sua exordial, sua posse sobre o bem, de modo que não se justificaria a distribuição da presente ação de reintegração de posse. Argumentam, ademais, que pugnaram pela produção de provas para o deslinde dessas matérias, o que foi indeferido pelo MM Juiz de 1º Grau. Entretanto, tais alegações não procedem. Com efeito, consta da sentença apelada que “(...) a Caixa Econômica Federal trouxe aos autos comprovante de notificação extrajudicial dos réus (fls. 29-31) e editalícia, publicada no Diário da Justiça (fl.55-56). Portanto, em princípio, entendo regular consolidação da propriedade em nome da autora (fl. 34), a subsidiar o pedido de reintegração de posse (art. 30 c/c art. 26 da Lei nº 9.514/97)”. Nessa linha, o simples fato de ter sido efetuada a notificação extrajudicial de ambos os réus, com vistas a eventual purgação da mora, é o quanto basta para evidenciar que estavam na posse no bem alienado fiduciariamente, na medida em que exteriorizados poderes inerentes às faculdades do proprietário, em especial o poder de usar a coisa. Ademais, em razão da própria alienação fiduciária, deu-se o desdobramento da posse, de modo que o credor fiduciário tornou-se possuidor indireto do bem imóvel, ao passo que os devedores fiduciantes quedaram-se como possuidores diretos do mesmo. Já a alegação de que não teria havido manifestação da sentença sobre a data em que o imóvel foi vendido pela CEF é descabida, haja vista que um dos fundamentos do pedido inicial é justamente o fato de que a ocupação do imóvel pelos réus estaria dificultando a venda através de público leilão, ou seja, o imóvel sequer foi vendido, justamente por conta da ocupação irregular praticada pelos ora apelantes. Mais à frente, acrescentou a sentença ora impugnada que “De fato, os documentos de fls. 29-31 comprovam que a autora fez a notificação extrajudicial dos réus, conforme determinação legal (art. 26, 1º e 7º, da Lei nº 9.514/97), de forma que, a não purgação da mora, pelos mesmos, após regular notificação (fl. 32), deu ensejo à consolidação da propriedade em nome da credora fiduciária (fl. 34); com o que restou caracterizada a posse injusta, de parte dos réus, a justificar a reintegração pretendida pela parte autora”. Resta suficientemente enfrentada, dessarte, a questão envolvendo a posse, seja a direta (pelos fiduciantes), seja a indireta (pela fiduciária), autorizando a propositura da ação de reintegração de posse com base no art. 927 do CPC. A reprodução dos trechos da sentença, por sua vez, afasta a alegação de ausência de fundamentação, não se vislumbrando violação ao art. 489 do CPC. Concluo observando que os documentos mencionados pela sentença recorrida se mostram mais do que suficientes para a solução da lide, não havendo necessidade alguma da produção de prova testemunhal ou da juntada de novos documentos, Desse modo, o indeferimento do requerimento de produção de novas provas não se revela ilegítimo, não restando configurado cerceamento do direito de defesa. Ressalta-se, aliás, que o juiz poderá dispensar a produção de outras provas quando já existirem nos autos elementos suficientes para a formação de sua convicção, valendo acrescentar que ao julgador cabe velar pela razoável duração do processo (art. 139, II, do CPC), indeferindo diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 370 do CPC). Esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. EM MATERIA DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, PREDOMINA A PRUDENTE DISCRIÇÃO DO MAGISTRADO, NO EXAME DA NECESSIDADE OU NÃO DA REALIZAÇÃO DE PROVA EM AUDIENCIA, ANTE AS CIRCUNSTANCIAS DE CADA CASO CONCRETO E A NECESSIDADE DE NÃO OFENDER O PRINCIPIO BASILAR DO PLENO CONTRADITORIO. AÇÃO POSSESSORIA. LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. QUESTÕES DE FATO QUE NECESSITAM E COMPORTAM PROVA. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 3.047/ES, Rel. Ministro ATHOS CARNEIRO, QUARTA TURMA, v.u., julgado em 21/08/1990, DJ 17/09/1990, p. 9514) (...) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - LOCAÇÃO COMERCIAL - USUFRUTO - FALECIMENTO DO USUFRUTUARIO NA VIGENCIA DO CONTRATO - PERMANENCIA DO AJUSTE ATE O TERMO FINAL PACTUADO - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - APELAÇÃO IMPROVIDA - RECURSO ESPECIAL - CERCEAMENTO DE DEFESA E EXTINÇÃO DA LOCAÇÃO - DISSIDIO JURISPRUDENCIAL E OFENSA AOS ARTS. 402, I, E 330, I, DO CPC, 6. E 7., DA LEI 6.649/1979 E 739, I, E 1.202, DO CC. 1. TENDO O MAGISTRADO, ELEMENTOS SUFICIENTES PARA O ESCLARECIMENTO DA QUESTÃO, FICA O MESMO AUTORIZADO A DISPENSAR A PRODUÇÃO DE QUAISQUER OUTRAS PROVAS, AINDA QUE JA TENHA SANEADO O PROCESSO, PODENDO JULGAR ANTECIPADAMENTE A LIDE, SEM QUE ISSO CONFIGURE CERCEAMENTO DE DEFESA . 2. O CONTRATO DE LOCAÇÃO PACTUADO PELO USUFRUTUARIO DO IMOVEL LOCADO PERMANECE VALIDO ATE O SEU TERMO FINAL, MESMO EM CASO DE MORTE DO USUFRUTUARIO. OS NUS-PROPRIETARIOS, AGORA NO DOMINIO PLENO DO IMOVEL, SOMENTE PODEM INTENTAR A SUA RETOMADA APOS O TERMO FINAL DO CONTRATO. 3. PRECEDENTES DO TRIBUNAL. 4. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 57.861/GO, Rel. Ministro ANSELMO SANTIAGO, SEXTA TURMA, v.u., julgado em 17/02/1998, DJ 23/03/1998, p. 178) PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO - AGRAVO - CONTRATO - ARRENDAMENTO MERCANTIL - LEASING - OFENSA AO ART. 330 DO CPC - INOCORRÊNCIA - MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - SÚMULA 07/STJ - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA AO CONSUMIDOR - DECISÃO MANTIDA. 1 - Na linha da jurisprudência desta Corte, o julgador não está obrigado a decidir de acordo com as alegações das partes, mas sim, mediante a apreciação dos aspectos pertinentes ao julgamento, conforme seu livre convencimento. A necessidade de produção de determinas provas encontra-se submetida ao princípio do livre convencimento do juiz, em face das circunstâncias de cada caso. A propósito, confiram-se, entre outros, o AgRg no Ag nº 80.445/SP, DJU de 05.02.1996 e AgRg no Ag n.º 462.264/PB, DJU de 10.03.2003. 2 - O juiz pode indeferir diligencias inúteis e protelatórias. Além disso, o laudo pericial não condiciona o seu convencimento, que poderá ser formado à luz dos demais elementos constantes dos autos. 3 - Não caracterizada a existência de ofensa ao art. 330, do CPC, se o Tribunal a quo assinalou ser dispensada a realização de perícia contábil, com base no fundamento de que os diversos documentos juntados aos autos eram suficientes para a formação do livre convencimento do julgador. (...) (AgRg no Ag 504.542/PR, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 279) Dessa forma, não há que se falar em cerceamento de defesa, sendo plenamente cabível o julgamento antecipado da lide (art. 355, I, do CPC). Na sequência, passo ao exame do mérito da causa. De início, lembro que contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida. Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado. Contratos que envolvam operações de crédito (em regra mútuos) relacionadas a imóveis residenciais têm sido delimitados por atos legislativos, notadamente em favor da proteção à moradia (descrita como direito fundamental social no art. 6º da CF/1988). Nesse contexto emergem contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia, nos termos da Lei nº 9.514/1997. A figura da alienação fiduciária é tradicional no direito brasileiro, sendo aceita amplamente como modalidade contratual, muito embora algumas de suas características tenham sido abrandadas pela interpretação constitucional (dentre elas, a impossibilidade de prisão civil, tal como assentado pelo E. STF na Súmula Vinculante 31, em razão da interação entre o Pacto de San José da Costa Rica e o sistema jurídico brasileiro). Conforme o art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997, o contrato de mútuo firmado com cláusula de alienação fiduciária em garantia é negócio jurídico pelo qual o devedor (fiduciante) recebe recursos financeiros do credor (fiduciário), ao mesmo tempo em que faz a transferência da propriedade resolúvel de coisa imóvel; mediante a constituição da propriedade fiduciária (que se dá por registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis), ocorre o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se a propriedade fiduciária e o fiduciante obterá a propriedade plena do imóvel, devendo o fiduciário fornecer (no prazo legal, a contar da data de liquidação da dívida) o respectivo termo de quitação ao fiduciante. Ocorre que o contrato celebrado nos termos da Lei nº 9.514/1997 possui cláusula relativa a regime de satisfação da obrigação diversa de mútuos firmados com garantia hipotecária. Na hipótese de descumprimento contratual pelo fiduciante, haverá o vencimento antecipado da dívida e, decorrido o prazo para purgação da mora, a propriedade do imóvel será consolidada em nome da credora fiduciária, que deverá alienar o bem para satisfação de seu direito de crédito. Ou seja, vencida e não paga a dívida (no todo ou em parte) e constituído em mora o fiduciante, mantida a inadimplência, a propriedade do imóvel será consolidada em nome do fiduciário, conforme procedimento descrito na Lei nº 9.514/1997, viabilizando o leilão do bem. Se o valor pelo qual o bem é arrematado em leilão foi superior ao valor da dívida, o credor deverá dar ao devedor o excedente, mas em sendo inferior, ainda assim haverá extinção da dívida (art. 27, §§ 4º e 5º da Lei nº 9.514/1997). Inclino-me pela constitucionalidade e pela validade do contrato firmado com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia, pois o teor da Lei nº 9.514/1997 se assenta em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de contratação, embora resulte em regime obrigacional diverso da tradicional garantia hipotecária. Isso porque, pela redação da Lei nº 9.514/1997 (com alterações), há equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com plena publicidade de atos e ampla possibilidade de as partes buscarem seus melhores interesses, inexistindo violação a primados constitucionais e legais (inclusive de defesa do consumidor). Para tanto, reafirmo que, na hipótese de descumprimento contratual e decorrido o prazo para purgação da mora pelo devedor-fiduciante (no montante correspondente apenas às parcelas atrasadas, com acréscimos), há a consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor-fiduciário, levando o bem a leilão pelo saldo devedor da operação de alienação fiduciária (ou seja, pelo valor total remanescente do contrato, em razão do vencimento antecipado das parcelas vincendas, mais encargos e despesas diversas da consolidação), no qual o devedor-fiduciante terá apenas direito de preferência. Observe-se que o contrato entre o devedor-fiduciante e o credor-fiduciário somente se extingue com a lavratura do auto de arrematação do imóvel em leilão público do bem, dada a necessidade de eventual acerto de contas em razão de eventual excedente. Quanto ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõe sobre formalidades que asseguram ampla informação do estágio contratual. Note-se que, para que ocorra a consolidação da propriedade fiduciária em nome do credor-fiduciário, o devedor-fiduciante deve receber notificação pessoal (pelos meios previstos na legislação), abrindo prazo para a purgação da mora; não havendo a purgação, o oficial do Cartório de Registro deve certificar o evento ao credor-fiduciário para que requeira a consolidação da propriedade em seu favor, viabilizando a reintegração de posse; e para a realização de posterior leilão do imóvel, o devedor-fiduciante é também comunicado (por ao menos 1 de diversos meios legítimos) visando ao exercício de direito de preferência. E enquanto não for extinta a propriedade fiduciária resolúvel, persistirá a posse direta do devedor-fiduciante. Esse procedimento ágil de execução do mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia é motivado pela necessária eficácia de políticas públicas que vão ao encontro da proteção do direito fundamental à moradia e ao Estado de Direito, de maneira que a inadimplência do compromisso de pagamento de prestações assumido conscientemente pelo devedor afronta os propósitos da Lei nº 9.514/1997 (expressão das mencionadas políticas públicas). Contudo, a retomada do imóvel pelo credor-fiduciário não exclui casos específicos da apreciação pelo Poder Judiciário. A exemplo do procedimento de execução extrajudicial da dívida hipotecária previsto no Decreto-Lei nº 70/1966, resta pacificado na jurisprudência a constitucionalidade do rito da alienação fiduciária de coisa imóvel previsto na Lei nº 9.514/1997, conforme se pode notar pelos seguintes julgados deste E. TRF da 3ª Região: CONSTITUCIONAL E CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL PREVISTA PELA LEI N. 9.514/97. INADIMPLEMENTO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Com base no art. 370 do Código de Processo Civil, deve prevalecer a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de provas, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. 2. No caso, basta a mera interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes para se apurar eventuais ilegalidades, de modo que a prova pericial mostra-se de todo inútil ao deslinde da causa. 3. A alienação fiduciária representa espécie de propriedade resolúvel, de modo que, conforme disposto pela própria Lei n. 9.514/97, inadimplida a obrigação pelo fiduciante a propriedade se consolida em mãos do credor fiduciário. 4. Afasta-se de plano a inconstitucionalidade da execução extrajudicial prevista pela Lei n. 9.514/97, a semelhança do que ocorre com a execução extrajudicial de que trata o Decreto-lei n. 70/66 de há muito declarada constitucional pelo STF. 5. Os contratos de financiamento foram firmados nos moldes do artigo 38 da Lei n. 9.514/97, com alienação fiduciária em garantia, cujo regime de satisfação da obrigação (artigos 26 e seguintes) diverge dos mútuos firmados com garantia hipotecária. 6. A impontualidade na obrigação do pagamento das prestações pelo mutuário acarreta o vencimento antecipado da dívida e a imediata consolidação da propriedade em nome da instituição financeira. 7. Providenciada pela instituição financeira a intimação da parte devedora para purgar a mora acompanhada de planilha de projeção detalhada do débito e, posteriormente, para exercer seu direito de preferência previsto na legislação de regência, denota-se que foram observadas as regras do procedimento executório. 8. O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia não ofende os princípios fundamentais do contraditório ou ampla defesa, porquanto não impede que devedor fiduciante submeta à apreciação do Poder Judiciário eventuais descumprimentos de cláusulas contratuais ou abusos ou ilegalidades praticadas pelo credor. 9. Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei Consumerista aos contratos regidos pelo SFI, e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou demonstrada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência. 10. Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5026408-58.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 03/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/04/2020). APELAÇÃO - PROCESSUAL CIVIL - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO - - AÇÃO ORDINÁRIA DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - CONSTITUCIONALIDADE DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO PREVISTO NA LEI 9.514/97 - SENTENÇA MANTIDA. I - Não há que se confundir a execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 com a alienação fiduciária de coisa imóvel, como contratado pelas partes, nos termos dos artigos 26 e 27 da Lei nº 9514/97. II - O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia, não ofende a ordem constitucional vigente, sendo passível de apreciação pelo Poder Judiciário, caso o devedor assim considerar necessário. Precedentes desta E. Corte. III - Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei consumerista aos contratos regidos pelo Sistema Financeiro Imobiliário e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou comprovada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência. IV - Recurso desprovido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0002391-35.2016.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 18/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/03/2020). No mesmo sentido da validade dos procedimentos da Lei nº 9.514/1997, já se manifestou o C. STJ: SFI - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. LEI 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃO DO IMÓVEL NA PROPRIEDADE DO FIDUCIÁRIO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO. IRREGULARIDADE NA INTIMAÇÃO. PRETENSÃO, DO CREDOR, A OBTER A REINTEGRAÇÃO DA POSSE DO IMÓVEL ANTERIORMENTE AO LEILÃO DISCIPLINADO PELO ART. 27 DA LEI 9.514/97. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI. 1. Os dispositivos da Lei 9.514/97, notadamente seus arts. 26, 27, 30 e 37-A, comportam dupla interpretação: é possível dizer, por um lado, que o direito do credor fiduciário à reintegração da posse do imóvel alienado decorre automaticamente da consolidação de sua propriedade sobre o bem nas hipóteses de inadimplemento; ou é possível afirmar que referido direito possessório somente nasce a partir da realização dos leilões a que se refere o art. 27 da Lei 9.514/97. 2. A interpretação sistemática de uma Lei exige que se busque, não apenas em sua arquitetura interna, mas no sentido jurídico dos institutos que regula, o modelo adequado para sua aplicação. Se a posse do imóvel, pelo devedor fiduciário, é derivada de um contrato firmado com o credor fiduciante, a resolução do contrato no qual ela encontra fundamento torna-a ilegítima, sendo possível qualificar como esbulho sua permanência no imóvel. 3. A consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à posse do imóvel. Negá-lo implicaria autorizar que o devedor fiduciário permaneça em bem que não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação, na medida em que a Lei 9.514/97 estabelece, em seu art. 37-A, o pagamento de taxa de ocupação apenas depois da realização dos leilões extrajudiciais. Se os leilões são suspensos, como ocorreu na hipótese dos autos, a lacuna legislativa não pode implicar a imposição, ao credor fiduciante, de um prejuízo a que não deu causa. 4. Recurso especial não provido”. (STJ, 3ª Turma, REsp 1155716/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13/03/2012, DJe 22/03/2012 RB vol. 582 p. 48). Dificuldades financeiras não são fundamentos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntário e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando que o devedor deixe de pagar as prestações avençadas por enfrentar desafios financeiros, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado (já que o objeto é o mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel). Ademais, contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia já desfrutam de previsões especiais nos termos da Lei nº 9.514/1997, integrando políticas públicas que atendem à proteção do direito fundamental à moradia, mesmo que não integrem operações do Programa Minha Casa - Minha Vida (Lei nº 11.977/2009), com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Ainda dentro destas considerações iniciais, reproduzo o teor do Enunciado nº 591, aprovado por ocasião da VII Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal: A ação de reintegração de posse nos contratos de alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel pode ser proposta a partir da consolidação da propriedade do imóvel em poder do credor fiduciário e não apenas após os leilões extrajudiciais previstos no art. 27 da Lei 9.514/1997. A seguir, a justificativa para aprovação do referido Enunciado: A interpretação sistemática da Lei 9.514/1997 permite concluir que, com a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, extingue-se toda e qualquer intermediação possessória e a relação jurídica que originou o escalonamento da posse em direta e indireta, conforme entendimento exposto por Moreira Alves (Da alienação fiduciária em garantia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 201). Dessa forma, a consolidação da propriedade gera o término do desdobramento da posse e o credor fiduciário, proprietário e antigo possuidor indireto da coisa, passa à condição de possuidor pleno do imóvel, desaparecendo a propriedade fiduciária resolúvel. A permanência do devedor fiduciante no imóvel, inadimplente com suas obrigações e, após devidamente constituído em mora, caracteriza ato de esbulho e enseja a propositura de ação de reintegração de posse para a retomada do bem pelo credor. Não haveria, assim, necessidade de que a ação de reintegração de posse ocorresse apenas após a realização dos leilões, como à primeira vista pareceria supor da leitura da Lei 9.517/1997. Esse o entendimento de autores como Sebastião José Roque (Da alienação fiduciária em garantia, p. 191), Marcelo Terra (Alienação fiduciária de imóvel em garantia, p. 51), Afrânio Carlos Camargo Dantzger (Alienação fiduciária de bens imóveis. 2. ed., p. 76), Renan Miguel Saad (A alienação fiduciária sobre bens imóveis, p. 256) e do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.155.716/DF), em acórdão relatoriado pela Ministra Nancy Andrighi. No caso dos autos, tenho que a sentença merece ser confirmada, visto que não discrepou das orientações até aqui expostas. De fato, ao tratar das ações de manutenção e de reintegração de posse, assim previa o Código de Processo Civil/1973, vigente à época da propositura da ação: Art. 927. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; Il - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração. E os requisitos encontram-se absolutamente demonstrados no caso sob apreciação, pois, tal como já ficou devidamente registrado, o contrato de alienação fiduciária em garantia promove verdadeiro desmembramento da posse, em posse direta (ou imediata), na pessoa do devedor fiduciante, o qual detém a coisa em seu poder, temporariamente, e em posse indireta (ou mediata), na pessoa do credor fiduciário, que cede o uso do bem. Importante frisar que se está diante daquilo que a doutrina denomina de posses paralelas, uma vez que uma posse não anula a outra, de sorte que, ao mesmo tempo, ambos eram possuidores do bem. Demais disso, há nos autos comprovante de notificação extrajudicial dos réus e de notificação editalícia, publicada no Diário da Justiça, com vistas a eventual purgação da mora. No entanto, apesar de terem sido notificados em 19/01/2010, os apelantes não purgaram a mora e nem desocuparam o imóvel, de forma que consolidou-se a propriedade em nome da CEF, restando configurado o esbulho possessório, o que confere legitimidade à CEF para a propositura da presente ação de reintegração. Também é descabida a alegação de que a segunda apelante, MARIA AUXILIADORA DE CASTRO, não teria tido oportunidade de purgar a mora, porquanto contrária à documentação existente nos autos (ID 47656011, fls. 31/37), a revelar que a apelante foi devidamente intimada pelo Cartório de Registro de Imóveis, na pessoa de seu procurador legalmente constituído (o corréu ROBERTO ARCANGELO) e com poderes para o recebimento de notificações, não existindo nenhum indício de atuação com excesso de poderes. Veja-se, inclusive, que a notificação do fiduciante na pessoa do seu procurador regularmente constituído, é providência autorizada expressamente pelo art. 26, §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.514/1997, não havendo aí qualquer nulidade. Confira-se o teor do dispositivo: Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação. (...) § 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento. Nesse mesmo diapasão, entendimento do C. STJ: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BEM IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997. INTIMAÇÃO PESSOAL. NECESSIDADE. EXEGESE DO ART. 26 § 3º. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Na alienação fiduciária em garantia de bem imóvel, vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á [...] a propriedade do imóvel em nome do fiduciário (art. 26, caput, da Lei nº 9.514/1997). 2. Ao fiduciante é dada oportunidade de purgar a mora. Para tanto, deverá ser intimado pessoalmente, ou na pessoa de seu representante legal ou procurador regularmente constituído. 3. A intimação, sempre pessoal, pode ser realizada de três maneiras: (a) por solicitação do oficial do Registro de Imóveis; (b) por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la; ou (c) pelo correio, com aviso de recebimento, sendo essa a melhor interpretação da norma contida no art. 26, §3º, da Lei nº 9.514/1997. 4. É nula a intimação do devedor que não se dirigiu à sua pessoa, sendo processada por carta com aviso de recebimento no qual consta como receptor pessoa alheia aos autos e desconhecida. 5. Recurso especial provido para restabelecer a liminar concedida pelo juízo de piso até o final julgamento do processo. (REsp n. 1.531.144/PB, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 15/3/2016, DJe de 28/3/2016.) A taxa de ocupação foi fixada dentro dos parâmetros previstos no art. 37-A da Lei nº 9.514/1997 e alterações. Diante do exposto, REJEITO a matéria preliminar e NEGO PROVIMENTO à apelação. Em vista do trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, § 11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª Seção, DJe de 19/10/2017). É como voto.
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO CARLOS MONREAL - MS5709-A
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. MATÉRIA PRELIMINAR. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.514/1997. REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO. PRAZO PARA PURGAÇÃO DA MORA NÃO RESPEITADO. REQUISITOS DA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE PREENCHIDOS. VALIDADE DA INTIMAÇÃO NA PESSOA DO PROCURADOS CONSTITUÍDO.
- Não há que se falar em julgamento “ultra petita”, na medida em que a autora, em sua petição inicial, formulou pedido expresso de condenação dos réus, ocupantes irregulares, ao pagamento de taxa de ocupação do imóvel, nos termos do art. 37-A da Lei nº 9.514/1997.
- O simples fato de ter sido efetuada a notificação extrajudicial de ambos os réus, com vistas a eventual purgação da mora, é o quanto basta para evidenciar que estavam na posse no bem alienado fiduciariamente. Em razão da própria alienação fiduciária, deu-se o desdobramento da posse, de modo que o credor fiduciário tornou-se possuidor indireto do bem imóvel, ao passo que os devedores fiduciantes quedaram-se como possuidores diretos do mesmo.
- A alegação de que não teria havido manifestação da sentença sobre a data em que o imóvel foi vendido pela autora é descabida, haja vista que um dos fundamentos do pedido inicial é justamente o fato de que a ocupação do imóvel pelos réus estaria dificultando a venda através de público leilão, ou seja, o imóvel sequer foi vendido, justamente por conta da ocupação irregular praticada pelos apelantes.
- Os documentos mencionados pela sentença recorrida se mostram mais do que suficientes para a solução da lide, não havendo necessidade alguma da produção de prova testemunhal ou documental. Cerceamento de defesa não configurado.
- São constitucionais e válidos os contratos firmados conforme a Lei nº 9.514/1997, pois se assentam em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de negociar, notadamente com equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com publicidade de atos e possibilidade de defesa de interesses, inexistindo violação a primados jurídicos (inclusive de defesa do consumidor).
- Quanto ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõem sobre formalidades que asseguram informação do estágio contratual. Esse procedimento é motivado pela necessária eficácia de políticas públicas que vão ao encontro da proteção do direito fundamental à moradia e do Estado de Direito, e não exclui casos específicos da apreciação pelo Poder Judiciário. Precedentes do E.STJ e deste C.TRF da 3ª Região.
- A parte ré foi intimada para purgar a mora, porém deixou transcorrer in albis o prazo para liquidar sua dívida atrasada. Também restou comprovada a notificação acerca da data do leilão extrajudicial, cumprindo a exigência do art. 27, §2º-A, da Lei nº 9.514/1997.
- Os requisitos da ação de reintegração de posse (art. 927 do CPC/73, vigente à época da propositura da ação) encontram-se absolutamente demonstrados no caso sob apreciação.
- A apelante foi devidamente intimada pelo Cartório de Registro de Imóveis, na pessoa de seu procurador legalmente constituído e com poderes para o recebimento de notificações, não existindo nenhum indício de atuação com excesso de poderes. Veja-se, inclusive, que a notificação do fiduciante na pessoa do seu procurador regularmente constituído, é providência autorizada expressamente pelo art. 26, §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.514/1997.
- Matéria preliminar rejeitada. Apelação não provida.