APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000018-84.2019.4.03.6127
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: EVERTON COSTA MOREIRA
Advogado do(a) APELANTE: DAYANE FERNANDA GOBBO - SP317768-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000018-84.2019.4.03.6127 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: EVERTON COSTA MOREIRA Advogado do(a) APELANTE: DAYANE FERNANDA GOBBO - SP317768-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de Ação Penal Pública Incondicionada fundada em denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra EVERTON COSTA MOREIRA, pela prática do crime definido no artigo 342 do Código Penal. De acordo com a peça acusatória, o acusado EVERTON COSTA MOREIRA, no dia 24/02/2016, perante o Juízo da Vara do Trabalho de São José do Rio Pardo, na audiência realizada no bojo da Ação Trabalhista 0011232-71.2014.5.15.0035, na qualidade de testemunha do reclamante, de forma livre e consciente, prestou declaração falsa sobre fatos juridicamente relevantes (Id. 221734611 – Pág. 3/7). Consta da denúncia que, na condição de testemunha de Tiago Guerra Pedro, na referida ação trabalhista, movida contra a empresa Camp Festas Artigos para Festas Ltda. - EPP, Everton faltou com a verdade, ao menos, em quatro pontos relevantes para o deslinde da causa ao afirmar: (i) ter presenciado uma advertência verbal dada ao reclamante em 02/06/201; (ii) que os cartões de ponto não ficavam disponibilizados para anotação aos finais de semana; (iii) que a empresa concedia apenas 15 minutos de intervalo para o almoço; e (iv) que teria laborado no feriado de 01º de maio daquele ano. Tais declarações foram consideradas totalmente inverossímeis em razão da flagrante contradição com (i) as demais provas documentais apresentadas aos autos, (ii) o depoimento das outras testemunhas arroladas e, inclusive, (iii) as próprias afirmações do apelante (Id. 221734610 – Pág. 18/28). A denúncia foi recebida em 05/02/2019 (Id. 221734611 – Pág. 08/10). Regularmente processado o feito, sobreveio sentença, tornada pública em 19/03/2020 (ID 221734616, p. 01//08 e 09), por meio da qual o magistrado a quo julgou procedente a pretensão punitiva do Estado e condenou EVERTON COSTA MOREIRA pela prática do crime previsto no art. 342 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, quais sejam: prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública, nos temos do art. 43, IV e art. 46 do Código Penal, a ser definida pelo Juízo da Execução, e prestação pecuniária, nos temos do art. 43, 1 e do art. 45, § I- do Código Penal, no valor de 05 (cinco) salários-mínimos vigentes na data do fato (24.02.2016), a ser depositado em conta a disposição do Juízo. Em sede de apelação (Id 221734768), EVERTON COSTA MOREIRA pleiteia sua absolvição, sob o fundamento de que não ficou comprovada a materialidade do crime, sendo que o acusado pode ter se equivocado nas declarações prestadas em audiência, pois não se lembrava exatamente dos detalhes, podendo ter havido um mal-entendido. Aduz, outrossim, que foram prestadas diversas versões sobre os mesmos fatos pelas testemunhas. Sustenta que não lhe foi concedido o direito de retratação, que geraria a extinção da punibilidade e que a declaração sobre as anotações na carteira de trabalho foi feita antes da testemunha prestar compromisso. Aduz também que não estaria presente o elemento subjetivo do tipo penal – dolo – a impor a condenação do Apelante, pois não restou comprovada a intenção de influenciar o julgador. Pleiteia, subsidiariamente, o afastamento do valor da multa aplicada, bem como da prestação pecuniária, em razão das suas condições financeiras. Contrarrazões da acusação apresentadas no Id 221734789. Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República apresentou parecer opinando pelo desprovimento do apelo defensivo (ID 251858378). É o relatório.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000018-84.2019.4.03.6127 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: EVERTON COSTA MOREIRA Advogado do(a) APELANTE: DAYANE FERNANDA GOBBO - SP317768-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Da materialidade e autoria delitivas No caso, a materialidade restou comprovada pelo termo de audiência da ação trabalhista (ID38886081, p. 18-26), pela carta de advertência (Id38886081, p. 27), datada de 02 de junho de 2014, pelos cartões de ponto (Id38886081, p. 30-49) e pelas declarações prestadas em juízo (trabalhista e criminal) por Marcos Roberto Benedito e Jean Carlos Frederico Pereira, os quais contradizem, em uníssono, a versão que fora declarada pelo Apelante na audiência, além de estarem condizentes com os documentos que foram apresentados no processo. Com efeito, na audiência trabalhista o Apelante, após ser advertido e prestar compromisso que (Id38886081, p. 18-20): (…) não era sempre que os empregados batiam cartão de ponto porque algumas vezes os cartões eram retirados para conferência de horas extras ou outras providências (…) Eram trabalhados os feriados: dia da cidade, 21 de abril e 01 maio (…) O cartão de ponto não era picado nestes feriados (…) A jornada de trabalho era cumprida das 07h30 às 17h30 com 15 minutos de intervalo entre 12h45 e 13h00, de segunda a sexta-feira e aos sábados das 07h30 às 15h00, com 15 minutos de intervalo; negou que tivessem 01 hora de intervalo porque a empresa estava com produção atrasada; pediram aos empregados que assim que terminassem de almoçar retornassem para o trabalho (…) o reclamante recebeu uma advertência por ter conversado com o funcionário Gabriel; mas o depoente esclareceu que era necessário que o reclamante conversasse com o Gabriel sobre a operação da máquina rebobinadeira, que precisava ser ajustada para produzir sacos de embalagem de trufas, chocolates (…) o cartão [de ponto] não estava disponível nos finais de semana e em algumas segundas-feiras quando não permanecia o cartão no local em que era acondicionado para possibilitar o manuseio pelo trabalhador (…) presenciou o Sr. Marcos Roberto dando advertência ao reclamante por escrito; não se lembra a data deste evento (…) Consta, ainda, da ata, que “A testemunha declarou que trabalhou sem registro desde agosto de 2013 e mencionou que na época a empresa estava iniciando suas atividades e não pegou carteira de ninguém para registrar (…) (Id38886081, p. 18). Todavia, conforme comprova o documento Id38886081, p. 27, o Apelante não pode ter presenciado a advertência dada ao reclamante porque ela está datada de 02/06/2017, sendo que a testemunha foi dispensada no mês de abril de 2014 (Id38886081, p. 23). E, na audiência, a pergunta do magistrado foi clara relativamente a qual advertência se estava questionando, qual seja, aquela aplicada ao reclamante por ter saído de seu setor para conversar com Gabriel, não havendo como o Apelante ter se confundido. Ademais, esta teria sido a única advertência aplicada ao reclamante, razão pela qual carecem de plausibilidade as alegações da defesa de que o Apelante pode ter se confundido com as datas ou pode apenas ter ouvido sobre a advertência e não a presenciado. A ausência de anotação na CTPS dos funcionários pela reclamada também fora desmentida pela segunda testemunha da reclamada (Id38886081, p. 23). A versão do Apelante, de que os cartões de ponto não ficavam disponíveis aos finais de semana também fora desmentida pelos documentos apresentados, que comprovam a anotação de trabalho em diversos sábados pelo próprio reclamante (Id38886081, p. 30, 32-33 e 43-45). Com relação ao intervalo de almoço, as demais testemunhas da reclamada também confirmaram que era de 1h12min, diferentemente do que afirmado pelo Apelante, que era de apenas 15 minutos, o que também fora corroborado pelos cartões e ponto, que registram o intervalo maior. O depoimento das outras testemunhas também desmente a versão do apelante no tocante ao trabalho em feriados (ID 38886081, p. 30-49). Além disso, considerando que o Apelante foi dispensado da empresa em abril, seria impossível ele ter trabalhado no feriado de 1º de maio. Não são críveis, ainda, as alegações de que o Apelante é pessoa simples e pode ter se confundido com as perguntas em audiência, haja vista que EVERTON é agrônomo, ou seja, sua instrução superior certamente lhe permitia a plena compreensão dos questionamentos feitos pelo magistrado, como apontado pelo MPF, em seu parecer. E mais, não há que se falar em extinção da punibilidade por ausência de oportunidade de retratação, eis que, conforme apontado pelo MPF em contrarrazões, o apelante poderia ter se retratado ainda durante a audiência trabalhista, conforme lhe pertine artigo 342, §2º do Código Penal. Isso porque, como bem frisado pela acusação, sua prisão em flagrante não foi decretada pelo Juízo Trabalhista apenas por questões técnicas (id. 221734610 – Pág. 25). Ou seja, houve uma oportunidade concreta de retratação, pois diante da iminente prisão, o apelante poderia ter se retratado naquele momento. Contudo, quedou-se inerte e manteve o falso testemunho apresentado àquele Juízo. Ademais, no que diz respeito à causa de extinção de punibilidade prevista no artigo 342, § 2º, do Código Penal, por retratação do falso testemunho ou declaração da verdade pelo agente, vigora o entendimento de que a retratação deve ser feita antes da prolação da sentença do processo originário e que seja completa. E não há determinação legal de que o juiz conceda à testemunha a oportunidade de se retratar antes da sentença, já que se trata de ato voluntário do agente, ainda que não seja necessariamente espontâneo. Deveras, a retratação é ato processual que só pode ser exercido por quem fez a afirmação falsa ou negou a verdade e dele se beneficie. É incabível que se conceba a transferência deste ônus processual a outro ator que não a testemunha que praticou o ato ilícito. Nesse sentido: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FALSO TESTEMUNHO. ARTIGO 342 DO CÓDIGO PENAL. RETRATAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ARTIGO 342, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. FATO MATERIALMENTE ATÍPICO. INCAPACIDADE DE LESÃO OU DE PERIGO DE LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELO TIPO PENAL. 1. Para que tenha efeito a causa de extinção da punibilidade prevista no artigo 342, § 2º, do Código Penal, a retratação do falso testemunho deve ser completa e feita antes da prolação da sentença no processo originário e como ato voluntário do agente só pode ser exercido por quem fez a afirmação falsa ou negou a verdade e dele se beneficie. (...) (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 81001 - 0002084-02.2016.4.03.6108, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, julgado em 26/04/2021, DJEN DATA:24/02/2022) Quanto à autoria, não há discussão, pois as declarações foram prestadas pelo próprio Apelante na audiência trabalhista. Do Elemento Subjetivo do Tipo Aduz o Apelante que não houve dolo, pois não restou comprovada a intenção de influenciar o julgador, com seu depoimento em audiência. Todavia, está pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o crime previsto no artigo 342 do Código Penal é formal e se consuma no momento que a afirmação falsa sobre fato juridicamente relevante é apresentada ao Poder Judiciário, pouco importando, inclusive, o seu grau de influência no convencimento do magistrado (AgRg no AREsp 1428315/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2019, DJe 23/08/2019). No mesmo sentido: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FALSO TESTEMUNHO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDUTA TÍPICA. AFASTADA ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE OPORTUNIDADE DE RETRATAÇÃO. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA DE MULTA. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO. 1. Materialidade, autoria e dolo comprovados pelo conjunto probatório. Condenação mantida. 2. O crime de falso testemunho é formal, de maneira que a simples conduta de fazer a firmação falsa como testemunha em juízo já configura o delito em sua forma consumada, independentemente de resultado naturalístico ou até mesmo se o testemunho foi ou não levado em consideração por aquele juízo para formação de seu convencimento. 3. Afastada hipótese de nulidade pela ausência de oferecimento de retratação. No crime de falso testemunho, o fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade. 4. O agente, ao incorrer na conduta penalmente tipificada, fica submetido às penas estabelecidas no preceito secundário da norma incriminadora, não podendo eximir-se da aplicação das sanções legalmente estabelecidas ao argumento de insuficiência financeira. 5. Recurso da defesa desprovido. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 76770 - 0008506-73.2014.4.03.6104, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, julgado em 14/09/2020, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/09/2020) Não há razões, portanto, para reforma da sentença recorrida, uma vez que foram comprovados todos os elementos do tipo penal. Dosimetria da pena A sentença fixou a pena no mínimo legal de 02 anos de reclusão, em regime inicial aberto, acrescida de 10 dias-multa, cada qual no valor mínimo legal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e prestação pecuniária no valor de 05 salários mínimos. Em sede de apelação, pleiteia o afastamento das referidas multas, sob o fundamento de que não tem condições financeiras de efetuar seu pagamento. Conforme observado na sentença, a defesa não apresentou prova ou documento apto a demonstrar que o apelante seria hipossuficiente ou que não seria capaz de adimplir com tais obrigações. Por outro lado, os valores fixados são proporcionais e condizentes com a pena privativa de liberdade fixada e substituída, sendo que a defesa ainda pode pleitear a redução ou o parcelamento perante o Juízo de execução, nos termos do art. 166 da LEP. Assim, estando adequada a dosimetria, não há reparo a ser realizado nesta sede. Dispositivo Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da defesa. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. FALSO TESTEMUNHO. ART. 342 DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. CRIME FORMAL. DOSIMETRIA ADEQUADA. APELO DESPROVIDO.
1. No caso, verifica-se que tanto a materialidade como a autoria do crime foram demonstradas pelo cotejo entre as declarações prestadas pelo Apelante na audiência trabalhista e as demais provas documentais e testemunhais produzidas.
2. No que diz respeito à causa de extinção de punibilidade prevista no artigo 342, § 2º, do Código Penal, por retratação do falso testemunho ou declaração da verdade pelo agente, vigora o entendimento de que a retratação deve ser feita antes da prolação da sentença do processo originário e que seja completa. E não há determinação legal de que o juiz conceda à testemunha a oportunidade de se retratar antes da sentença, já que se trata de ato voluntário do agente, ainda que não seja necessariamente espontâneo.
3. O crime previsto no artigo 342 do Código Penal é formal e se consuma no momento que a afirmação falsa sobre fato juridicamente relevante é apresentada ao Poder Judiciário, pouco importando, inclusive, o seu grau de influência no convencimento do magistrado. Precedentes.
4. A defesa não apresentou prova ou documento apto a demonstrar que o apelante seria hipossuficiente ou que não seria capaz de adimplir com tais obrigações. Por outro lado, os valores fixados são proporcionais e condizentes com a pena privativa de liberdade fixada e substituída, sendo que a defesa ainda pode pleitear a redução ou o parcelamento perante o Juízo de execução, nos termos do art. 166 da LEP.
5. Apelação desprovida.