APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002674-09.2018.4.03.6144
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA
APELANTE: TICKET SERVICOS SA, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, TICKET SERVICOS SA
Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002674-09.2018.4.03.6144 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: TICKET SERVICOS SA, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, TICKET SERVICOS SA Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelações interpostas pela União e pelo contribuinte contra sentença que julgou parcialmente os embargos opostos à execução fiscal 5001145-52.2018.4.03.6144, a fim de afastar a multa isolada prevista no art. 44, II, “b”, da Lei 9.430/1996, em razão de ter sido aplicada de forma cumulada com a multa qualificada prevista no inciso I do mesmo dispositivo. Houve condenação da União ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do art. 85, §§ 2º, 3º e 4º do CPC, fixados no percentual de dez por cento do valor atualizado da diferença entre o valor cobrado e o valor já revisado, ambos após serem atualizados para a data de liquidação. O contribuinte não foi condenado na verba honorária, tendo vista que o encargo previsto no Decreto-Lei 1.025/1969, inserido na cobrança, já engloba referido valor. Os embargos de declaração opostos pelo contribuinte foram parcialmente acolhidos exclusivamente para o fim de suprir omissão pontual, sem efeitos modificativos. Foi atribuído à causa o valor de R$ 336.725.071,06 (trezentos e trinta e seis milhões, setecentos e vinte e cinco mil, setenta e um reais e seis centavos) em agosto de 2018 (ID 152429310, p. 69). A União pugna em seu apelo pela possibilidade de cumulação, após a edição da Lei 11.488/2007, da multa isolada por falta de recolhimento de estimativas com a multa de ofício por falta de pagamento de IRPJ/CSLL apurados no ajuste anual, de modo a ser inaplicável na espécie a aplicação do princípio da consunção. Requer também o afastamento de sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios, pois sucumbiu em parte mínima do pedido, a atrair a incidência do disposto no parágrafo único do art. 86 do Código de Processo Civil. Em suas razões, o contribuinte alega, em síntese: (i) uma vez que a produção de prova pericial permitiria que a Apelante demonstrasse as suas alegações, não há dúvidas de que o indeferimento das provas causou danos irreparáveis; (ii) nulidade do julgamento decidido por voto de qualidade, por ofensa ao art. 112 do CTN, e superveniência do art. 28 da Lei 13.988/2020, a comportar aplicação retroativa; (iii) a Apelante foi tolhida de seu direito de ampla defesa e devido processo legal, ao ter instâncias administrativas suprimidas pela referida inovação na fundamentação do Auto de Infração pelas autoridades julgadoras; (iv) a multa qualificada em 150% foi definitivamente cancelada na esfera administrativa. Isso quer dizer que não foi identificada a prática de qualquer tipo de fraude ou conduta dolosa da Apelante e a multa de ofício restou reduzida de 150% para 75%; (v) a amortização de ágio ora em questão foi realizada respeitando-se integralmente os ditames dos art. 20 do Decreto-Lei n. 1598, de 26.12.1977, e art. 7° e 8° Lei n. 9532, de 10.12.1977; (vi) a r. sentença não analisou devidamente o argumento de que houve incorporação, pela ACCOR, das sociedades “CIA SINAL” e “SINAL PARTICIPAÇÕES”; (vii) a sociedade que teria sido utilizada como “empresa veículo” que possibilitou a amortização do ágio pela Apelante (Sobraser Participações Ltda. ou “SOBRASER”), supostamente constituída sem “propósito negocial”, foi criada em todo um contexto de reorganização societária efetuada pelo grupo empresarial, com o intuito de viabilizar a transformação da Apelante em instituição financeira, tendo efetivo propósito societário na sua constituição; (viii) A aquisição dos investimentos nas empresas CIA SINAL e SINAL PARTICIPAÇÕES gerou o pagamento, pela ACCOR, em espécie, e mediante depósito bancário, de R$ 107.630.400,00 e R$ 430.521.600,00, conforme reconhecido no Termo de Verificação Fiscal (TVF) que suportou a autuação (Doc. 07 da Exordial – ID n. 9904326 - fls. 13); (ix) Após a incorporação realizada pela ACCOR, surgiu-lhe o direito à amortização fiscal do ágio, devidamente registrado quando da aquisição da CIA SINAL e da SINAL PARTICIPAÇÕES, de acordo com os art. 20 do Decreto-Lei n. 1598, 7° e 8° da Lei n. 9.532, fundamentos legais dos art. 385 e 386 do RIR/99; (x) Em 10.8.2007, a ACCOR foi cindida parcialmente, com versão de parcela de seu patrimônio, qual seja, o investimento detido na Apelante e o respectivo ágio, para a SOBRASER (Doc. 11 da Exordial – ID n. 9904340). Vale ressaltar que a partir desse momento o direito à amortização ao ágio foi sucedido por SOBRASER, nos termos e para os efeitos dos art. 227 e 229 da Lei n. 6404, de 15.12.1976; (xi) Finalmente, a SOBRASER foi incorporada pela Apelante, momento em que nasceu, para a última, o direito de amortizar fiscalmente o ágio ora questionado (Doc. 12 da Exordial – ID n. 9904344), na forma dos art. 385 e 386 do RIR/99, art. 20 do Decreto-lei n. 1598 e art. 7º e 8º da Lei n. 9532; (xii) após as operações societárias narradas anteriormente, o ágio – que estava registrado na SOBRASER – passou a ser passível de dedução, pela Apelante, quando da incorporação da primeira empresa pela segunda; (xiii) ainda que se admita que a SOBRASER tenha como um de seus objetivos viabilizar a amortização do ágio pela Apelante, é fato inconteste que o ordenamento jurídico brasileiro não incorporou a existência de propósito negocial como requisito para a validade de negócios jurídicos, de tal modo que é manifestamente ilegal a autuação fiscal, por adotar fundamento que sequer encontra embasamento legal na legislação regente; (xiv) a utilização da chamada empresa veículo não pode ser invalidada porque o direito à amortização do ágio apurado surgiu muito antes da constituição da SOBRASER: o direito à amortização surgiu quando da aquisição da CIA SINAL pela ACCOR, pois foram atendidas todas as condições legais autorizadoras dessa amortização, previstas nos art. 20 do Decreto-Lei n. 1598, 7° e 8° da Lei n. 9532, fundamentos legais dos art. 385 e 386 do RIR/99; (xv) Segundo o Acórdão n. 9101-002.892, teria havido indevida transferência do ágio da ACCOR para a SOBRASER, que posteriormente foi incorporada pela Apelante. Segundo a decisão, “apreciando-se as operações realizadas no âmbito do grupo econômico (ACCOR), constata-se, com nitidez, a construção artificial do suporte fático, para que se pudesse amoldar à hipótese de incidência de despesa de amortização do ágio (item 6 do voto). Resta evidente o deliberado intuito de fabricar uma despesa com repercussão na base tributável.”; (xvi) Ocorre, contudo, que não existe no art. 386, tampouco nos art. 7° e 8° da Lei n. 9532, qualquer disposição relativa à “confusão patrimonial”, ou às figuras da “real investidora” e da “real investida”; (xvii) a multa de ofício aplicada no percentual de 75% (setenta e cinco por cento) possui caráter confiscatório; (xix) inexigibilidade da incidência de juros sobre a multa: (xx) nulidade parcial da CDA, em razão da revogação tácita do encargo legal previsto no Decreto-Lei 1.025/1969 pelo CPC. Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002674-09.2018.4.03.6144 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: TICKET SERVICOS SA, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, TICKET SERVICOS SA Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O De início, cumpre submeter a sentença ao reexame necessário, tendo em vista que o valor da causa perfaz montante superior àquele previsto no art. 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. De acordo com o Termo de Verificação Fiscal, a embargante foi autuada por ter se beneficiado de amortização de ágio indevida na aquisição de participação societária (incorporação da pessoa jurídica Sobraser Participações Ltda.), em síntese porque reduziu o montante devido do imposto de renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro líquido, excluindo indevidamente do lucro líquido do exercício para a apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido os valores amortizados do ágio que lhe foi transferido através de uma empresa veículo constituída com o único objetivo de contornar a restrição da legislação tributária para a amortização do ágio originalmente registrado na companhia que realizou o investimento, buscando, assim, o benefício de se pagar menos tributos (ID 152429321, p. 55, item 6 – “Infração Tributária”). A constatação fiscal em apreço ocasionou a cobrança de valores relativos ao IRPJ e à CSLL do período de setembro de 2007 a dezembro de 2010, os quais foram inscritos em dívida ativa e se encontram em fase de cobrança nos autos da execução fiscal 5001145-52.2018.4.03.6144. Para melhor compreensão dos motivos que ensejaram a autuação, cumpre transcrever os seguintes excertos do Termo de Verificação Fiscal: A empresa Accor Participações SA que tinha registrado em seu ativo o investimento representado pela quase totalidade das ações representativas do capital da Ticket Serviços SA mais o ágio oriundo da aquisição das ações que estavam em poder dos grupos Brascan e Espírito Santo, transferiu, após uma cisão parcial, esse investimento juntamente com o respectivo ágio para a empresa Sobraser Participações Ltda. a qual na sequência, após um lapso temporal de dez dias, foi incorporada pela sua controlada a Ticket Serviços SA. A cisão parcial na Accor Participações SA com a versão do patrimônio cindido (ações da Ticket Serviços SA mais o ágio) ocorreu no dia 10/08/2007. No dia 20/08/2007 a Ticket Serviços SA incorporou a Sobraser Participações SA passando a amortizar (a partir de setembro) o ágio recebido de R$ 360.523.377,70 em parcelas 1/60 ao mês reduzindo os montantes devidos de IRPJ e CSLL. Como pode ser verificado na DIPJ e nos assentamentos contábeis da Sobraser, os únicos eventos registrados são referentes à integralização de capital com as ações da Ticket Serviços SA, o ágio e reconhecimento de resultado de equivalência patrimonial. Pela análise dos esclarecimentos e da documentação apresentada, verifica-se que as sócias da Accor Participações SA (Saminvest, Accor Hotels e Accor SA) mantiveram, durante todo o processo de reestruturação, a mesma participação percentual e o controle total, mesmo que algumas vezes indireto, de todo o processo. Constata-se, pelos atos afetos ao processo de reorganização, que há uma coincidência entre os administradores, procuradores e contador de todas as sociedades envolvidas. No início de agosto tinha-se o investimento na Ticket Serviços SA mais o ágio contabilizados na Accor Participações SA; no final daquele mês tínhamos a Accor Participações SA controlando a Ticket Serviços SA indiretamente através da Accor Brasil Participações Ltda. [...] Em relação ao elemento tempo, tem-se a criação e a curta existência da Sobraser Participações Ltda., empresa que foi criada em abril de 2007 com capital social de R$ 1.000,00 e que recebeu todas as ações do investimento Ticket Serviços S.A. e o ágio em 10/08/2007, sendo incorporada pela sua controlada após 10 dias, em 20/08/2007. [...] Nesse contexto, qual foi o papel da empresa Sobraser Participações Ltda.? Respondemos: transferir o ágio antes contabilizado na Accor Participações S.A. para a Ticket Serviços S.A. através da incorporação reversa da Sobraser e se beneficiar, INDEVIDAMENTE, da amortização (verdadeiro benefício fiscal) do inciso III do artigo 386 do RIR/99. [...] Assim, o ágio transferido para uma empresa veículo, a Sobraser Participações, que foi criada exclusivamente para tal operação e sem motivação econômica empresarial que justificasse a sua existência (art. 966 do Código Civil), e que logo desapareceu por ter sido incorporada pela investida, não poderia, em hipóteses alguma, ser amortizado tributariamente por ela própria. Caso o ágio permanecesse na Accor Participações S.A. não haveria previsão legal para a sua amortização tributária, pois faz parte do valor de aquisição (valor do patrimônio e valor do ágio), conforme dispõe o artigo 385 do RIR/99, já integralmente transcrito acima. Portanto, a utilização da via indireta (constituição de empresa veículo) teve como único objetivo contornar a restrição da legislação tributária para operacionalizar a amortização do ágio originalmente registrado na companhia que realizou o investimento, buscando, assim, os benefícios sociais de se pagar menos tributos. (ID 152429321, p. 49/50; 52; 53; 55 – sem negrito no original) Delimitado o motivo ensejador da cobrança impugnada, cumpre observar que a sentença não está eivada da suscitada nulidade. Isso porque cabe ao juízo de primeira instância analisar a instrução da causa, de acordo com os elementos fornecidos por ambas as partes, e proceder ao julgamento antecipado caso entenda pela suficiência destes elementos para o deslinde da causa. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado no sentido da possibilidade do órgão julgador, em exercício do livre convencimento motivado, considerar desnecessária a produção de prova pericial no caso concreto, caso compreenda que há elementos suficientes nos autos para o deslinde da questão, situação em que não se há que falar em cerceamento de defesa. Sobre o tema: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. 1. APRECIAÇÃO DE OFENSA A DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA RESERVADA À SUPREMA CORTE. 2. INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 3. FALTA DE INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS TIDOS POR VIOLADOS. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N. 284/STF. 4. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É inviável a apreciação de ofensa a eventual violação de dispositivos e princípios constitucionais, sob pena de usurpação da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102 da Constituição Federal, ainda que para fins de prequestionamento. 2. A alteração do entendimento alcançado na Corte de origem e o acolhimento da pretensão recursal, a fim de concluir pela imprescindibilidade da produção da prova pericial requerida, demandariam o necessário o reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado em recurso especial, em virtude do óbice do enunciado n. 7 da Súmula desta Corte Superior. 2.1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não configura cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a produção da prova solicitada pela parte quando devidamente demonstrado pelas instâncias de origem que o feito se encontrava suficientemente instruído, afirmando-se a presença de dados bastantes à formação do seu convencimento. 3. A falta de indicação, de forma clara e precisa, dos dispositivos legais que teriam sido eventualmente violados ou que tiveram sua interpretação divergente à jurisprudência desta Corte impede o conhecimento do recurso, por deficiência na sua fundamentação, conforme preceitua a Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1798628/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2021, DJe 05/05/2021) - destaque nosso. Impende assinalar também que a previsão do voto de qualidade no âmbito do CARF (art. 25, § 9º, do Decreto 70.235/1972) não consubstancia ilegalidade ou inconstitucionalidade, não implicando violação ao art. 112, II, do Código Tributário Nacional. Outrossim, é entendimento desta Terceira Turma que a alteração legislativa trazida pelo art. 28 da Lei 13.988/2020, que acresceu o art. 19-E à Lei 10.522/2022 (resolução favorável ao contribuinte em caso de empate no julgamento do processo administrativo), não comporta aplicação retroativa, por consubstanciar norma de natureza processual, a gerar efeitos prospectivos. Nesse sentido: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. JULGAMENTO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS (CSRF). VOTO DE QUALIDADE. ARTIGO 19-E DA LEI 10.522/2002. IRRETROATIVIDADE. 1. Em conformidade com orientação firmada em julgados da Turma a respeito da controvérsia ora renovada, a técnica do voto de qualidade no âmbito do contencioso administrativo não encerra, em si, qualquer vício. Em tais oportunidades apontou-se, inclusive, ser incabível a retroação do novel 19-E da Lei 10.522/2002, que mudou a aplicabilidade do regime de votação administrativo. 2. Apelação e remessa oficial providas (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5008273-34.2018.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 27/05/2021, Intimação via sistema DATA: 28/05/2021) DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IRPJ E CSL. PREJUÍZOS FISCAIS. BASES DE CÁLCULO NEGATIVAS. COMPENSAÇÃO. BENEFÍCIO FISCAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SUCESSÃO EMPRESARIAL. EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA POR INCORPORAÇÃO. COMPENSAÇÃO. LIMITE DE TRINTA POR CENTO. APLICABILIDADE. ALEGAÇÃO DE RESPALDO EM JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA, COM FORÇA NORMATIVA. SUSCITAÇÃO DE INAPLICABILIDADE DE MUDANÇA POSTERIOR DE ENTENDIMENTO. PREMISSAS FÁTICAS E JURÍDICAS INFIRMADAS. VOTO DE QUALIDADE. ARTIGO 19-E DA LEI 10.522/2002. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA PARA DESCONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. APELO DO CONTRIBUINTE DESPROVIDO. RECURSO FAZENDÁRIO E REMESSA OFICIAL PROVIDOS. [...] 14. O fato de o artigo 19-E da Lei 10.522/2002 (que modificou a sistemática do voto de qualidade no âmbito do CARF, suprimindo-o em casos como o presente e determinando o empate de votação como resultado favorável ao contribuinte) ter sido criado com invocação expressa do artigo 112 do CTN não desnatura o teor deste comando, que é restrito a penalidades, independentemente de a redação final do novo dispositivo ter suprimido tal sentido do texto. Assim, não se pode manejar tal circunstância para atacar retroativamente o crédito principal, como se pretende nos autos, já que a própria possibilidade de retroação de direito admitida pelo CTN, seja pelo artigo 112 (que, a rigor, não cuida de aplicação intertemporal da legislação) como pelo artigo 106, II, é restrita a penalidades. O artigo 144 do Código Tributário Nacional, aliás, é expresso em, congruentemente, vedar a retroação de legislação, em caráter geral (com o que as outras disposições referidas devem ser tidas por hipóteses excepcionais e específicas). 15. Mesmo que aplicada a pretendida retroação, o resultado não seria a anulação do crédito tributário, mas a devolução dos autos ao CARF para, proclamado o resultado do julgamento em favor do contribuinte, conceder-se prazo à Fazenda para o que entendesse de direito. De toda a sorte não se verifica, na espécie, hipótese que autorize tal produção de efeitos ex tunc, para fim de validar a exclusão da multa de ofício aplicada. É que a a modificação de regra de votação de colegiado administrativo é norma processual e, desta feita, como consabido, é aplicável de imediato, mas apenas de forma prospectiva, como prevê o CPC/2015 (artigo 14). 16. A norma em questão não é híbrida. Não se pode ter como premissa e certeza jurídica que o voto de qualidade, por definição, é favorável à autuação fiscal. Com efeito, segundo dados oficiais do CARF produzidos em fevereiro do ano corrente, no curso de 2020, 3,2% das votações foram decididas por qualidade, sendo 1,3% (do total geral, ou 40,63% das votações decididas por tal sistemática de desempate) dos resultados a favor do contribuinte. Isto significa dizer que o voto de qualidade, em si, não possui qualquer conteúdo material, sequer indireto. Sendo técnica de votação que simplesmente elege um voto dentro do colegiado, seja qual for seu teor, como prevalente, é forçoso que se reconheça que a mecânica é desprovida de qualquer definição intrínseca de direito material. 17. Ao se afirmar que o encerramento da lide administrativa (logicamente, com manutenção da cobrança) é pressuposto da exigibilidade do crédito relativo à sanção, não mais do que se diz que o crédito há que estar definitivamente constituído, apenas, segundo o procedimento aplicável e vigente à época dos fatos. Não há como se extrair dessa observação qualquer conteúdo material intrínseco ao regime de votação adotado que permitiria que, caso alterado, fossem retroativamente modificados todos os resultados materiais produzidos anteriormente. Tanto mais na hipótese dos autos, em que o direito material se consolidou em sentido contrário ao defendido pelo contribuinte. 18. Inaplicável, de qualquer sorte, o artigo 112 do CTN ao caso. Não há que se confundir técnica de votação com a análise, pelo intérprete, da legislação sobre o caso. O artigo 112 do CTN incide na aplicação da norma pelo intérprete, que o deve considerar ao apresentar seu entendimento sobre os fatos: no caso, na prolação de cada voto por cada conselheiro, e não na apuração do resultado do julgamento, pela Turma. Ainda que como decisão colegiada não se tenha resultado unânime ou mesmo majoritário em qualquer sentido, dada a divergência entre os votantes, que se presumem convictos de seus votos, disto não resulta configurada a situação de "dúvida" do órgão julgador no sentido legal e para o efeito preconizado. 19. É certo que pode ser estabelecido que, em caso de empate de votação, o julgamento deve ser definido a favor do indivíduo. Sucede que isto não ocorre, a rigor, porque haja dúvida do colegiado sobre os fatos em julgamento, mas apenas porque, em votação, não há maioria convicta (como critério objetivo de proclamação de resultado) da conduta infracional. A técnica de votação (que poderia até mesmo impor maioria absoluta ou qualificada) em si não é, ou de qualquer forma representa, pronunciamento de mérito. Perceba-se que, se assim não fosse, haveria que se considerar que cada voto divergente representa uma suposta carga de dúvida em relação ao entendimento inicial. Logo, todo julgamento não unânime seria marcado por uma carga de dúvida não solucionada. Às últimas consequências, qualquer sanção (e aqui é pertinente o contraste com o direito penal, ou mesmo a referência à tese do in dubio pro contribuinte) não validada de forma unânime haveria que ser anulada, porque a presunção de inocência não admite qualquer nível de dúvida, a evidenciar o desacerto da tese. 20. Mantido o crédito principal e a multa de ofício, não há como se afastar, tampouco, a incidência de juros moratórios. Neste tocante o artigo 161, CTN, prescreve que sobre o crédito tributário, integrado pelo valor da multa de ofício nos termos do artigo 113, § 3º, CTN, incide o encargo moratório, não se verificando, assim, qualquer ilegalidade ou excesso no lançamento fiscal. 21. Apelo do contribuinte desprovido. Apelação fazendária e remessa oficial providas. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5002663-15.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 24/11/2020, Intimação via sistema DATA: 27/11/2020) - destaques nossos. De igual modo, não comporta acolhimento a alegação de que houve indevida inovação de fundamentos nos julgamentos realizados na esfera administrativa em relação ao auto de infração, de modo a afrontar, conforme suscitado pelo contribuinte, o disposto no art. 146 do CTN, bem como os princípios do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e outros relativos ao processo administrativo federal. Isso porque, da análise das decisões administrativas, não se identifica que tenha havido modificação dos critérios jurídicos adotados na autuação. Os órgãos julgadores daquela esfera realizaram análise com suporte no mesmo contexto fático delineado na autuação e em consonância com a legislação que rege a matéria, de modo a averiguar se houve o preenchimento de todos os requisitos necessários à fruição do benefício fiscal, o que inclui a apuração da existência de confusão patrimonial entre o real investidor e a pessoa jurídica investida. Cumpre transcrever, a propósito da normatização da amortização do ágio na absorção do patrimônio de outra pessoa jurídica, o disposto nos arts. 7º e 8º da Lei 9.532/1997: Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977: (Vide Medida Provisória nº 135, de 30.10.2003) I - deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "a" do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa; II - deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "c" do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização; III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "b" do § 2 IV - deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "b" do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados durante os cinco anos-calendários subseqüentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no mínimo, para cada mês do período de apuração. § 1º O valor registrado na forma do inciso I integrará o custo do bem ou direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital e de depreciação, amortização ou exaustão. § 2º Se o bem que deu causa ao ágio ou deságio não houver sido transferido, na hipótese de cisão, para o patrimônio da sucessora, esta deverá registrar: a) o ágio, em conta de ativo diferido, para amortização na forma prevista no inciso III; b) o deságio, em conta de receita diferida, para amortização na forma prevista no inciso IV. § 3º O valor registrado na forma do inciso II do caput: a) será considerado custo de aquisição, para efeito de apuração de ganho ou perda de capital na alienação do direito que lhe deu causa ou na sua transferência para sócio ou acionista, na hipótese de devolução de capital; b) poderá ser deduzido como perda, no encerramento das atividades da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo de comércio ou do intangível que lhe deu causa. § 4º Na hipótese da alínea "b" do parágrafo anterior, a posterior utilização econômica do fundo de comércio ou intangível sujeitará a pessoa física ou jurídica usuária ao pagamento dos tributos e contribuições que deixaram de ser pagos, acrescidos de juros de mora e multa, calculados de conformidade com a legislação vigente. § 5º O valor que servir de base de cálculo dos tributos e contribuições a que se refere o parágrafo anterior poderá ser registrado em conta do ativo, como custo do direito. Art. 8º O disposto no artigo anterior aplica-se, inclusive, quando: a) o investimento não for, obrigatoriamente, avaliado pelo valor de patrimônio líquido; b) a empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha a propriedade da participação societária. Pertinente destacar também os seguintes trechos do voto vencedor do acórdão administrativo 9101002.892, proferido pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, que bem resume os motivos que deram ensejo à manutenção da autuação: A pessoa jurídica investidora é a ACCOR que efetuou o aporte de recursos para aquisição do investimento TICKET com pagamento de sobrepreço, por ter sido realizado em valor superior ao do patrimônio líquido. É incontestável que foi a ACCOR a empresa que efetivamente acreditou na mais valia do investimento, coordenou e comandou os estudos de rentabilidade futura do investimento a ser adquirido e desembolsou os recursos para a aquisição (vide item 7 do voto). Por sua vez, a pessoa jurídica investida foi a empresa TICKET. E, como visto, o evento de incorporação deu-se entre a SOBRASER e a TICKET. Ou seja, não houve participação da investidora ACCOR. Nesse sentido, o aproveitamento da despesa de amortização de ágio promovido pelo Contribuinte deu-se sem respaldo legal, vez que não se consumou a hipótese de incidência prevista nos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97. Na realidade, apreciando-se as operações realizadas no âmbito do grupo econômico (ACCOR), constata-se, com nitidez, a construção artificial do suporte fático, para que se pudesse amoldar a hipótese de incidência de despesa de amortização do ágio (item 6 do voto). Resta evidente o deliberado intuito de fabricar uma despesa com repercussão na base tributável. Para tanto, criou-se empresa de papel, sem substância, com capital social irrelevante para uma empresa do porte do grupo (R$1.000,00), de brevíssima duração (10 dias), especificamente para viabilizar o evento de incorporação previsto pela norma que autoriza a amortização do ágio. [...] O caso concreto demonstra com clareza o desvirtuamento do instituto da pessoa jurídica, criando-se empresa de papel, fictícia, com capital social irrelevante, sem operação, com o único intuito de se fabricar uma despesa. Empresa se presta a fabricar produtos, e não a fabricar despesas. (ID 152429538, p. 57/58) Das transcrições supra, verifica-se que os fundamentos manifestados nas decisões administrativas vão ao encontro daqueles apresentados pela fiscalização e que culminaram, em última análise, na idêntica conclusão de que a dedução da amortização de ágio pela embargante não foi realizada de forma regular. Em síntese: não há inovação ou modificação nos critérios jurídicos se a análise, a exemplo do caso concreto, foi realizada em consonância com a disciplina legal que rege a matéria. Na presente hipótese, restou demonstrada a utilização de uma empresa veículo, de fugaz existência (Sobraser Participações Ltda.), criada apenas para viabilizar o aproveitamento do ágio em uma operação na qual não se identifica o propósito negocial. Está igualmente caracterizado que o real investidor no caso concreto é a Accor, pessoa jurídica que efetivamente realizou o investimento com mais valia (ágio) e o transferiu à Sobraser Participações Ltda. em 10.08.2007, entidade criada em 17.04.2007 e que, na data de 20.08.2007, foi incorporada pela embargante, a qual realizou a operação de amortização de ágio que deu ensejo à autuação. O fundamento principal para a conclusão pela irregularidade da amortização do ágio no caso concreto é, assim, a ausência de confusão patrimonial entre o real investidor (Accor) e a empresa investida (embargante/apelante), o que se faz necessário para que tanto o lucro quanto o investimento que lhe deu causa se refiram à mesma universalidade. Conforme consignado no Termo de Verificação Fiscal, em trecho já destacado nesta decisão, caso o ágio permanecesse na Accor Participações S.A. não haveria previsão legal para a sua amortização tributária, pois faz parte do valor de aquisição (valor do patrimônio e valor do ágio), conforme dispõe o artigo 385 do RIR/99. Outrossim, consoante observado pelo d. Juízo ao apreciar os embargos de declaração opostos pelo contribuinte, nem a embargante nem a pessoa jurídica Sobraser participaram dos investimentos com ágio, tendo em vista que deles participaram a pessoa jurídica Accor e as sociedades Cia. Sinal e Sinal Participações. Nesse contexto, conforme também salientado na sentença, o fato de as sociedades Cia. Sinal e Sinal Participações terem sido incorporadas pela pessoa jurídica Accor em nada altera a conclusão a que se chegou em âmbito administrativo. Hipótese similar foi objeto de apreciação por esta Terceira Turma, em didático acórdão relatado pelo e. Desembargador Federal Carlos Muta, cuja ementa se transcreve a seguir: DIREITO TRIBUTÁRIO. IRPJ/CSL. JULGAMENTO DE RECURSO ESPECIAL NA CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS. VOTO DE QUALIDADE. LEGALIDADE. ÁGIO NA AQUISIÇÃO TOTAL DE EMPRESA. AMORTIZAÇÃO DO LUCRO REAL DA INVESTIDA NOS EXERCÍCIOS POSTERIORES. ARTIGO 385 E 386 DO DECRETO 3.000/1999. AQUISIÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA PELO EFETIVO INVESTIDOR. CONFUSÃO PATRIMONIAL. REQUISITOS NECESSÁRIOS. FINALIDADE DO BENEFÍCIO FISCAL. IMPEDIMENTO À DUPLA TRIBUTAÇÃO. “INCORPORAÇÃO REVERSA”. TRANSFERÊNCIA DO ÁGIO À INVESTIDA. INTERPOSIÇÃO DE “EMPRESA VEÍCULO”. MEDIDAS PARA POSSIBILITAR A FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PELAS VERDADEIRAS ADQUIRENTES. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 1. O artigo 25, § 9°, do Decreto 70.235/1972, recepcionada pela Constituição Federal como legislação ordinária, previu expressamente que em caso de empate o julgamento é definido pelo voto do representante fazendário, o que não implica, porém, presunção de julgamento parcial ou ofensivo aos princípios da legalidade, imparcialidade, moralidade, devido processo legal e demais normas que estabelecem o Estado Democrático de Direito. A alteração da legislação, nos termos do artigo 19-E da Lei 10.522/2002, inserido pela Lei 13.988/2020, não autoriza a retroação de seus efeitos, segundo orientação firmada na Corte. 2. Constatada inexistência de recurso especial do contribuinte pendente de julgamento no âmbito da CSRF, relativamente aos tributos do ano-calendário 2007, não se reconhece a suspensão da respectiva exigibilidade fundada no artigo 151, III, CTN. 3. Não há vedação o uso de “empresa veículo” para aquisição de participação societária por empresa estrangeira, porém deve ser analisado se tal procedimento atende à previsão legal para utilização e transferência de ágio na amortização do lucro real. 4. O artigo 7° da Lei 9.532/1997 (e artigo 386 do Decreto 3.000/1999), ao tratar do uso de ágio na amortização do lucro real, previu, como exigências, que a empresa incorporadora seja a efetiva adquirente da participação societária que gerou ágio, e que se verifique, ainda, confusão patrimonial, sendo tais exigências relacionadas à própria finalidade e justificativa da previsão de amortização no lucro real do ágio no preço de aquisição, pago com fundamento em expectativa de lucro futuro. O fundamento negocial que se extrai da operação é a percepção de rentabilidade, pela investidora, das atividades desempenhadas pela investida, justificando o aporte de recursos para integrar o corpo societário daquela e fruir dos direitos de tal posição. 5. Essa “mais valia” em relação ao que seria o valor justo do investimento é tributada como ganho de capital na investida, e integra o custo de aquisição do investimento na investidora. Em momento futuro, verificado o lucro esperado na investida (fundamento do ágio), tal acréscimo patrimonial deve ser tributado, também e exclusivamente, na investida. De fato, pelo método de equivalência patrimonial (MEP), a variação do patrimônio líquido da investida é utilizada para atualizar o investimento na investidora, porém a diferença a maior ou a menor não reflete no resultado e tributação desta, sob pena de bis in idem. 6. Ocorre que, com a confusão patrimonial entre investidora e investida deflagrada pela incorporação desta por aquela (ou vice-versa), reúnem-se, na mesma universalidade, tributação do lucro e despesa incorrida na expectativa de tal lucro. O desempenho positivo é alcançado pelo mesmo sujeito de direito que investiu sobrepreço na esperança de tal resultado. Daí o permissivo para que tal despesa seja amortizada, paulatinamente, na escrituração contábil. Sucede que, no caso dos autos, a percepção de rentabilidade futura da investida e a despesa incorrida para participar de tais resultados foi divisada pela HUBBELL CANADA LP (WEPAWAUG CANADA CORP), que desembolsou os valores investidos, não pela HUBBELL DO BRASIL, que apenas e admitidamente serviu de instrumento para concretização do investimento na DELMAR. Tanto assim que a controladora posteriormente incorporada nunca realizou qualquer operação mercantil e jamais possuiu lastro econômico próprio para efetivar o investimento. 7. Não sendo os recursos para aquisição da DELMAR pertencentes à HUBBELL DO BRASIL, mas às empresas sócias desta, enquanto verdadeiras investidoras sediadas no exterior, e não havendo confusão patrimonial entre real investidor (que efetuou despesa) e investida (que percebeu resultado), não se autoriza, segundo a legislação, a amortização do ágio pago na aquisição de posição societária. 8. Ademais, exsurgem relevantes as dúvidas sobre a efetiva expectativa de lucros no montante do ágio pago pela HUBBELL DO BRASIL à DELMAR, pois relativo a 280% da soma dos lucros líquidos auferidos pela DELMAR nos últimos sete anos anteriores à aquisição. 9. Tal procedimento - consistente em interposição de “empresa veículo” como meio para aquisição de participação total em empresas deficitárias, aplicação de ágio artificial no preço e posterior incorporação da investidora pela investida para possibilitar a esta a utilização das despesas na amortização da base de cálculo do IRPJ/CSL - tem sido largamente difundido no meio empresarial e amplamente combatido pelas autoridades tributárias. 10. Tampouco cabe cogitar da validade da justificativa de uso de “empresa veículo” em virtude de dificuldades operacionais em investimento e aquisição por companhia sediada no exterior, não havendo, ao contrário, vedação legal a que sociedades estrangeiras efetuem investimento direto em empresas brasileiras, nos termos do Código Civil (artigo 1.134 e seguintes). Ademais, se houvesse dificuldades operacionais em estabelecer-se no país, seria possível a contratação de assessorias jurídicas e financeiras, o que se revela plenamente justificável em se tratando de hipótese de investimento de tal grandeza. O que se percebe, porém, é que o conhecimento da vedação de amortização de investimento diretamente efetuado na aquisição de empresa no país tem levado à adoção de "engenharia tributária" para possibilitar a fruição do benefício fiscal e, assim, afastar a incidência de tributos, porém em claro detrimento da legislação. 11. A análise mais detida da controvérsia, ainda que em juízo próprio à fase processual em exame, revela que não concorrem os requisitos legais da probabilidade do direito e perigo de dano ou ao resultado útil do processo para concessão da tutela de urgência, até porque não se trata, como afirmado, de cobrança claramente indevida e, por outro lado, a condição de regularidade fiscal para participar de pregão eletrônico pode ser alcançada sem comprometer, como se pretende, o exercício do direito da União de inscrever e cobrar dívida ativa. Ao contrário do preconizado pelo contribuinte, relevam os fundamentos jurídico do pedido de reforma da decisão agravada, associados, ainda, à apuração de periculum in mora reverso, considerando que se trata de tributação relativa a IRPJ/CSL dos anos calendários de 2006 a 2008, que tiveram longa tramitação administrativa e que, decorridos mais de uma década desde os fatos geradores, ainda sequer puderam ser objeto de cobrança judicial, postergando de forma longa e severa a satisfação de crédito tributário com substancial efeito e impacto no orçamento federal em momento excepcional de exigência de investimento público no custeio de despesas emergenciais com saúde dada a pandemia em curso. 12. Agravo de instrumento provido. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5017674-17.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 13/10/2021, DJEN DATA: 18/10/2021) Assim, embora não se desconheça o entendimento de que a utilização de empresa veículo, por si só, não consubstancie motivo para a invalidação da dedução do ágio, os elementos colacionados pela fiscalização são hábeis a demonstrar a existência de uma operação criada artificialmente com o intuito de reduzir tributação sem amparo legal. Esta Terceira Turma tem se posicionado pela possibilidade de cumulação de multa e juros em tais situações, em sintonia com o disposto no art. 2º, § 2º, da Lei 6.830/1980, e com o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a natureza diversa dos referidos institutos: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL MOVIDA PARA COBRANÇA DE DÉBITOS DE IPVA. PRESCRIÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N. 284/STF. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. MULTA MORATÓRIA. CUMULAÇÃO. JUROS DE MORA. POSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. HONORÁRIOS. SÚMULA N. 7/STJ. [...] IV - Com relação ao mérito, no que concerne à alegada violação do art. 161 do CTN, é cediça a possibilidade de cumulação dos juros de mora e multa moratória, tendo em vista que os dois institutos possuem natureza diversa: "A multa de mora pune o descumprimento da norma tributária que determinava o pagamento do tributo no vencimento. V - Constitui, pois, penalidade cominada para desestimular o atraso nos recolhimentos. Já os juros moratórios, diferentemente, compensam a falta de disponibilidade dos recursos pelo sujeito ativo pelo período correspondente ao atraso" (Leandro Paulsen, in Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, Livraria do Advogado e ESMAFE, 8ª Ed., Porto Alegre, 2006, pág. 1.163). Nesse sentido: AgRg no REsp 1006243/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 23/04/2009 e AgRg no AgRg no Ag 938.868/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 06.05.2008, DJe 04.06.2008. [...] IX - Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp n. 1.198.702/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 5/6/2018, DJe de 8/6/2018) - destaque nosso. No que concerne ao percentual da multa de ofício (setenta e cinco por cento no caso concreto), há que ser seguida a orientação veiculada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o caráter confiscatório se configura apenas quando o percentual exigido a título da multa em apreço supera o montante do tributo, o que não ocorreu no caso concreto: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. MULTA PUNITIVA. CARÁTER CONFISCATÓRIO. REDUÇÃO AO PATAMAR DE 100% DO VALOR DO TRIBUTO. POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO DO AGRAVO. 1. É admissível a redução da multa tributária para mantê-la em patamar igual ao valor do tributo, à luz do princípio do não confisco. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 1355155 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 09/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 01-06-2022 PUBLIC 02-06-2022) Ainda em atenção às irresignações do contribuinte, cumpre consignar que o encargo legal previsto no Decreto-Lei 1.025/1969 permanece hígido e exigível nas execuções fiscais. Por se tratar de crédito não tributário destinado à recomposição de despesas com a atuação da Fazenda Nacional, não consubstancia, a rigor, honorários de sucumbência, de modo que não há que se falar em sua revogação pelo novo Código de Processo Civil. Sobre o tema, os seguintes precedentes desta Terceira Turma: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CDA. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ NÃO ILIDIDA. ENCARGO DE 20% DO DECRETO-LEI Nº 1.025/1969. RECURSO NÃO PROVIDO. [...] - O encargo de 20% previsto no Decreto-Lei nº 1.025/1969 (com alterações) é válido e devido nas execuções fiscais promovidas pela União Federal, e tem como finalidade remunerar despesas com atos necessários à cobrança judicial de sua Dívida Ativa, além de substituir a condenação do devedor em honorários advocatícios, caso ele seja vencido nos embargos à execução fiscal. - Agravo de instrumento ao qual se nega provimento. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5012946-25.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 09/09/2022, Intimação via sistema DATA: 14/09/2022) EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL. NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. MULTA CONFISCATÓRIA. INOCORRÊNCIA. ENCARGO DO DECRETO-LEI N° 1.025/69. DEVIDO. APELAÇÃO DO CONTRIBUINTE IMPROVIDA APELAÇÃO DA UNIÃO PROVIDA. [...] 6.A multa de ofício, aplicada no percentual de 75%, com fundamento no artigo 44, I, Lei nº 9.430/1996, não possui natureza confiscatória, tendo em vista que a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal tem se manifestado no sentido de que a multa punitiva fixada em patamar inferior a 100% (cem por cento) não viola o princípio do não-confisco, uma vez que constitui sanção, não podendo ser fixada em percentual diminuto, dado seu caráter pedagógico. 7.O C. Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento, firmado sob o rito dos recursos repetitivos, Tema 969/STJ, no sentido de que o encargo legal de 20% constante do Decreto-Lei 1.025/1969 configura crédito não tributário, destinado à recomposição das despesas necessárias à arrecadação, modernização e custeio de despesas correlacionadas à atuação judicial da Fazenda Nacional. Ademais, considerou a legalidade e compatibilidade do encargo legal previsto no art. 1.º, do Decreto-lei 1.025/69 com o Código de Processo Civil, já que não se trata de honorários de sucumbência, sendo, assim, inviável cogitar de revogação pelo novo Código de Processo Civil. 8.Apelação do contribuinte improvida e apelação da União provida. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0001075-44.2017.4.03.6116, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 08/08/2022, Intimação via sistema DATA: 16/08/2022) - destaque nosso. Com relação à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação da União, impende consignar ser pacífico o entendimento pela impossibilidade de aplicação concomitante da multa isolada (art. 44, II, “b”, da Lei 9.430/1996) e da multa de ofício prevista no inciso I do mesmo dispositivo legal, de modo que deve permanecer na cobrança somente a multa de ofício, conforme consignado na sentença. Nesse sentido, o seguinte julgado desta Terceira Turma: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. JUROS. MULTA ISOLADA. MULTA DE OFÍCIO. 1. Não se evidencia, num primeiro momento, a probabilidade do direito afirmado pela agravante quanto à questão relativa à regularidade da amortização de ágio gerado decorrente de aquisição de participação societária, para fins de dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, diante da complexidade que envolve a operação realizada, o que exige aprofundamento na análise de documentos e provas, providência que não se harmoniza com a presente cognição sumária. 2. Não há ilegalidade na cumulação de juros de mora, multa e correção monetária (STJ, AgRg no AgResp 419.021/RS). 3. O Supremo Tribunal Federal, em precedentes recentes, vem entendendo que a multa punitiva - aplicada em patamar superior a 100% do valor do tributo devido - seria confiscatória. 4. No que diz respeito à multa isolada e à multa de ofício, previstas no art. 44, inc. I e II, da Lei n.º 9.430/1996, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da impossibilidade da concomitância (AgRg no REsp 1576289/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 27/05/2016). 5. Agravo provido em parte. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5020321-19.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 19/12/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 08/01/2020) - destaque nosso. Por fim, pugna a União pela exclusão de sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios, sob o fundamento de sucumbência mínima, a ensejar a aplicação do parágrafo único do art. 86 do Código de Processo Civil (Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários). Em consulta aos autos da execução fiscal 5001145-52.2018.4.03.6144, verifica-se que a cobrança impugnada nos presentes embargos é composta por três certidões de dívida ativa, no importe total, atualizado até abril de 2018, de R$ 332.743.390,21 (trezentos e trinta e dois milhões, setecentos e quarenta e três mil, trezentos e noventa reais e vinte e um centavos). Do referido valor, foi excluído o montante relativo à inscrição em dívida ativa 80.6.18.007919-03, que perfazia à época R$ 29.277.409,52 (vinte e nove milhões, duzentos e setenta e sete mil, quatrocentos e nove reais e cinquenta e dois centavos), cerca de 8,5% (oito e meio por cento) do total executado. Embora o valor excluído da cobrança seja elevado, consubstancia uma parcela inferior a dez por cento do montante executado, além de resultar do acolhimento de apenas um tópico dentre as várias insurgências apresentadas pela embargante. Nesse contexto, cumpre aplicar o disposto no parágrafo único do art. 86 do Código de Processo Civil, segundo o qual se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários. Deve ser afastada, por conseguinte, a condenação fazendária no pagamento de verba honorária. A propósito do tema: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ACOLHIMENTO PARCIAL. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA AFASTADA. 1. Os embargos do devedor impugnaram a execução fiscal para “anular a inscrição da dívida ativa, pela sua total improcedência fático-jurídica, ou, na pior das hipóteses, da ilegalidade dos juros calculados pela Taxa Selic, devendo prevalecer o de 1% ao mês, calculado de forma simples, a redução multa, exclusão dos encargos (honorários), de forma automática e no índice de 20%, do Decreto Lei 1025/69 e alterações, e que seja extirpada da base de cálculo da exação os valores de ICMS que são incluídos pela Embargada na base de cálculo da exação ora cobrada, bem como que seja reconhecida a reciprocidade, exonerando à Embargante de tal verba de sucumbência”. 2. O Juízo a quo acolheu os embargos do devedor apenas para reduzir a multa de mora de 30% para 20%, o que configura sucumbência mínima diante da extensão da pretensão deduzida, seja pelo valor envolvido, seja pelo número de pedidos formulados, a dispensar a condenação da embargada em verba honorária, nos termos do artigo 86, parágrafo único, CPC. 3. Apelação provida (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0011194-33.2014.4.03.6128, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 18/01/2021, Intimação via sistema DATA: 20/01/2021) Em face do exposto, nego provimento à apelação do contribuinte e dou parcial provimento à remessa oficial (tida por interposta) e à apelação da União, a fim de afastar a condenação fazendária no pagamento de honorários advocatícios. É como voto.° do art. 20 do Decreto-lei n° 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração; (Redação dada pela Lei nº 9.718, de 1998)
DECLARAÇÃO DE VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO:
Analisando a r. sentença proferida nestes embargos à execução fiscal, verifica-se que esta passou ao largo de duas questões que reputo essenciais para o deslinde do caso.
A primeira delas versa sobre à espécie de ágio em discussão.
Embora a Fazenda Nacional mencione an passant essa questão, não se valeu desse argumento para glosar a possibilidade de amortização do ágio.
Segundo a Lei nº 9.532/1997 e o Decreto nº 3.000/1999, que regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, há três tipos de ágio, a saber: i) o ágio que se dá em relação ao patrimônio líquido e o valor da aquisição; ii) o ágio que ocorre em razão do investimento, o qual é feito segundo uma previsão do que a empresa poderia render nos próximos anos; e, iii) o ágio decorrente do fundo de comércio (bens imateriais).
A título de política extrafiscal, o único deles que é incentivado pelo Governo é a segundo, que resulta de investimento.
No entanto, em que pese o fato de constar das informações da Fazenda de que, se o ágio permanecesse na Accor, esta não teria o direito de utilizá-lo, é certo que o Fisco não elenca os motivos que o levaram à tal conclusão. Ao contrário, tergiversa em torno da simulação, sem expor de forma clara e precisa as razões que impediriam a amortização.
Considerando que a discussão gira em torno da possibilidade de repasse do ágio para amortização do imposto de renda devido por outro contribuinte – que é fruto de cisão, incorporação ou qualquer outra modalidade de operação comercial – é porque o ágio existe e, desse modo, pode ser abatido.
O segundo ponto que destaco diz respeito à conclusão da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais - CARF, que afirmou não existir dolo na conduta (vício da vontade), mas, sim, simulação (vício social).
Entretanto, é sabido que a simulação envolve dolo. A diferença entre os institutos é que este último atinge o contratante sem que este saiba. Já a simulação atenta contra a lei, contra a ordem jurídica, e exige o dolo por parte de ambos os simuladores.
Friso que nunca se discutiu se havia dolo na conduta praticada pelas empresas envolvidas, tampouco restou demonstrado nos autos o prejuízo fiscal efetivamente sofrido pela União Federal com a operação em comento.
Tais questionamentos, dentre outros, me levam a acompanhar o voto do e. Juiz Federal Convocado Silva Neto, a fim de anular a r. sentença para possibilitar a realização da prova pericial, visto que dúvidas precisam ser esclarecidas nos autos, por serem relevantes ao deslinde da controvérsia.
É como voto.
O Excelentíssimo Juiz Federal Convocado Silva Neto: Data venia, mas, como em Sessão, desta quinta última, por este Juiz Convocado assim firmado e historiado, fundamental ao tema em pauta a produção probatória pericial, vindicada pelo ente privado apelante.
Deveras, a controvérsia passa ao largo de meras questões jus-documentais, prestando-se a retratada e ambicionada prova exatamente à capital elucidação sobre a quem assistir razão : se ao Erário, se ao embargante/executado/também aqui recorrente.
As próprias Sustentações, em Sessão, de ambas as Advocacias contendoras, cabalmente denotam a complexidade em Termos genuinamente Contábeis, os quais, em muito, a depassarem dos limites de uma apreciação do mundo unicamente jurídico.
Nesta linha, ali referido o feito 5000354-94.2018.4.03.6108, onde, em novembro p.p., por este prolator, em sua Origem, lavrada Sentença que, sem o fundamental descortino de laudas de r. Laudo Pericial, não se teria viabilizado, em termos de Jurisdicional Convencimento, em tema exatamente como o da vertente lide : fronteira entre a Elisão e a Evasão Fiscal, acusações e defesas de empresa “veículo” x “empresa de prateleira", o ágio, em sua valoração, bem assim em sua dedução quinquenal, tanto quanto aos demais múltiplos contornos fático documentais, assim a conclamarem pela intervenção da R. Perícia, a qual, como naquele feito, certamente a ser antecedida por múltipla Quesitagem, por ambos os polos, como também se verificou naquela causa.
Em tudo e por tudo, pois, evitando-se, desta forma, também, ao cerceamento de defesa e a que se evite transformar-se a uma presunção "relativa", de legitimidade dos atos estatais em "absoluta", sem o capital direito de prova desconstitutiva pela parte embargante/executada, imperativo seja provido o apelo privado, objetivamente para o fim de anulação da R. Sentença, volvendo o feito à Origem, para a produção probatória pericial da espécie, de conseguinte prejudicados a todos os demais temas suscitados, tanto quanto prejudicados remessa oficial e apelo fazendário, portanto, ausente reflexo sucumbencial, a este momento processual.
Ante o exposto, todas as vênias, pelo provimento ao pelo contribuinte, para o fim supra, prejudicados apelo fazendário e remessa oficial.
E M E N T A
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUTUAÇÃO FISCAL. IRPJ E CSLL. ANOS-CALENDÁRIO 2007 A 2010. JULGAMENTO DE RECURSO ESPECIAL NA CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS. VOTO DE QUALIDADE. LEGALIDADE. AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO NA AQUISIÇÃO DE INVESTIMENTO. UTILIZAÇÃO DE EMPRESA VEÍCULO. AUSÊNCIA DA NECESSÁRIA CONFUSÃO PATRIMONIAL ENTRE A REAL INVESTIDORA E A PESSOA JURÍDICA INVESTIDA. MANUTENÇÃO DA AUTUAÇÃO FISCAL.
1. De acordo com o Termo de Verificação Fiscal, a embargante foi autuada por ter se beneficiado de amortização de ágio indevida na aquisição de participação societária (incorporação da pessoa jurídica Sobraser Participações Ltda.), em síntese porque reduziu o montante devido do imposto de renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro líquido, excluindo indevidamente do lucro líquido do exercício para a apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido os valores amortizados do ágio que lhe foi transferido através de uma empresa veículo constituída com o único objetivo de contornar a restrição da legislação tributária para a amortização do ágio originalmente registrado na companhia que realizou o investimento, buscando, assim, o benefício de se pagar menos tributos.
2. A constatação fiscal em apreço ocasionou a cobrança de valores relativos ao IRPJ e à CSLL do período de setembro de 2007 a dezembro de 2010, os quais foram inscritos em dívida ativa e se encontram em fase de cobrança nos autos da execução fiscal 5001145-52.2018.4.03.6144.
3. Transcrição de excertos do Termo de Verificação Fiscal.
4. A sentença não está eivada da suscitada nulidade. Isso porque cabe ao juízo de primeira instância analisar a instrução da causa, de acordo com os elementos fornecidos por ambas as partes, e proceder ao julgamento antecipado caso entenda pela suficiência destes elementos para o deslinde da causa.
5. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado no sentido da possibilidade do órgão julgador, em exercício do livre convencimento motivado, considerar desnecessária a produção de prova pericial no caso concreto, caso compreenda que há elementos suficientes nos autos para o deslinde da questão, situação em que não se há que falar em cerceamento de defesa. Precedente.
6. A previsão do voto de qualidade no âmbito do CARF (art. 25, § 9º, do Decreto 70.235/1972) não consubstancia ilegalidade ou inconstitucionalidade, não implicando violação ao art. 112, II, do Código Tributário Nacional. Outrossim, é entendimento desta Terceira Turma que a alteração legislativa trazida pelo art. 28 da Lei 13.988/2020, que acresceu o art. 19-E à Lei 10.522/2022 (resolução favorável ao contribuinte em caso de empate no julgamento do processo administrativo), não comporta aplicação retroativa, por consubstanciar norma de natureza processual, a gerar efeitos prospectivos. Precedentes da 3ª Turma do TRF3.
7. Não comporta acolhimento a alegação de que houve indevida inovação de fundamentos nos julgamentos realizados na esfera administrativa em relação ao auto de infração, de modo a afrontar, conforme suscitado pelo contribuinte, o disposto no art. 146 do CTN, bem como os princípios do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e outros relativos ao processo administrativo federal.
8. Da análise das decisões administrativas, não se identifica que tenha havido modificação dos critérios jurídicos adotados na autuação. Os órgãos julgadores daquela esfera realizaram análise com suporte no mesmo contexto fático delineado na autuação e em consonância com a legislação que rege a matéria, de modo a averiguar se houve o preenchimento de todos os requisitos necessários à fruição do benefício fiscal, o que inclui a apuração da existência de confusão patrimonial entre o real investidor e a pessoa jurídica investida.
9. Transcrição do disposto nos arts. 7º e 8º da Lei 9.532/1997 e de trechos do voto vencedor do acórdão administrativo 9101002.892, proferido pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais.
10. Os fundamentos manifestados nas decisões administrativas vão ao encontro daqueles apresentados pela fiscalização e que culminaram, em última análise, na idêntica conclusão de que a dedução da amortização de ágio pela embargante não foi realizada de forma regular.
11. Não há inovação ou modificação nos critérios jurídicos se a análise, a exemplo do caso concreto, foi realizada em consonância com a disciplina legal que rege a matéria.
12. Restou demonstrada a utilização de uma empresa veículo, de fugaz existência (Sobraser Participações Ltda.), criada apenas para viabilizar o aproveitamento do ágio em uma operação na qual não se identifica o propósito negocial.
13. Está igualmente caracterizado que o real investidor no caso concreto é a Accor, pessoa jurídica que efetivamente realizou o investimento com mais valia (ágio) e o transferiu à Sobraser Participações Ltda. em 10.08.2007, entidade criada em 17.04.2007 e que, na data de 20.08.2007, foi incorporada pela embargante, a qual realizou a operação de amortização de ágio que deu ensejo à autuação. O fundamento principal para a conclusão pela irregularidade da amortização do ágio no caso concreto é, assim, a ausência de confusão patrimonial entre o real investidor (Accor) e a empresa investida (embargante/apelante), o que se faz necessário para que tanto o lucro quanto o investimento que lhe deu causa se refiram à mesma universalidade.
14. Conforme consignado no Termo de Verificação Fiscal, caso o ágio permanecesse na Accor Participações S.A. não haveria previsão legal para a sua amortização tributária, pois faz parte do valor de aquisição (valor do patrimônio e valor do ágio), conforme dispõe o artigo 385 do RIR/99.
15. Consoante observado pelo d. Juízo ao apreciar os embargos de declaração opostos pelo contribuinte, nem a embargante nem a pessoa jurídica Sobraser participaram dos investimentos com ágio, tendo em vista que deles participaram a pessoa jurídica Accor e as sociedades Cia. Sinal e Sinal Participações. Nesse contexto, conforme também salientado na sentença, o fato de as sociedades Cia. Sinal e Sinal Participações terem sido incorporadas pela pessoa jurídica Accor em nada altera a conclusão a que se chegou em âmbito administrativo. Precedente da 3ª Turma do TRF3.
16. Embora não se desconheça o entendimento de que a utilização de empresa veículo, por si só, não consubstancie motivo para a invalidação da dedução do ágio, os elementos colacionados pela fiscalização são hábeis a demonstrar a existência de uma operação criada artificialmente com o intuito de reduzir tributação sem amparo legal.
17. Esta Terceira Turma tem se posicionado pela possibilidade de cumulação de multa e juros em tais situações, em sintonia com o disposto no art. 2º, § 2º, da Lei 6.830/1980, e com o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a natureza diversa dos referidos institutos. Precedente.
18. No que concerne ao percentual da multa de ofício (setenta e cinco por cento no caso concreto), há que ser seguida a orientação veiculada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o caráter confiscatório se configura apenas quando o percentual exigido a título da multa em apreço supera o montante do tributo, o que não ocorreu no caso concreto. Precedente.
19. O encargo legal previsto no Decreto-Lei 1.025/1969 permanece hígido e exigível nas execuções fiscais. Por se tratar de crédito não tributário destinado à recomposição de despesas com a atuação da Fazenda Nacional, não consubstancia, a rigor, honorários de sucumbência, de modo que não há que se falar em sua revogação pelo novo Código de Processo Civil. Precedentes da 3ª Turma do TRF3.
20. Pacífico o entendimento pela impossibilidade de aplicação concomitante da multa isolada (art. 44, II, “b”, da Lei 9.430/1996) e da multa de ofício prevista no inciso I do mesmo dispositivo legal, de modo que deve permanecer na cobrança somente a multa de ofício, conforme consignado na sentença. Precedente da 3ª Turma do TRF3.
21. Pugna a União pela exclusão de sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios, sob o fundamento de sucumbência mínima, a ensejar a aplicação do parágrafo único do art. 86 do Código de Processo Civil (Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários).
22. Em consulta aos autos da execução fiscal 5001145-52.2018.4.03.6144, verifica-se que a cobrança impugnada nos presentes embargos é composta por três certidões de dívida ativa, no importe total, atualizado até abril de 2018, de R$ 332.743.390,21 (trezentos e trinta e dois milhões, setecentos e quarenta e três mil, trezentos e noventa reais e vinte e um centavos).
23. Do referido valor, foi excluído o montante relativo à inscrição em dívida ativa 80.6.18.007919-03, que perfazia à época R$ 29.277.409,52 (vinte e nove milhões, duzentos e setenta e sete mil, quatrocentos e nove reais e cinquenta e dois centavos), cerca de 8,5% (oito e meio por cento) do total executado.
24. Embora o valor excluído da cobrança seja elevado, consubstancia uma parcela inferior a dez por cento do montante executado, além de resultar do acolhimento de apenas um tópico dentre as várias insurgências apresentadas pela embargante.
25. Aplicação do disposto no parágrafo único do art. 86 do Código de Processo Civil, segundo o qual se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários. Afastamento da condenação fazendária no pagamento de verba honorária. Precedente da 3ª Turma do TRF3.
26. Apelação do contribuinte improvida. Remessa oficial (tida por interposta) e apelação da União parcialmente providas.