INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL (216) Nº 5012488-76.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
ARGUINTE: JOAO PAULO INOCENCIO DA SILVA
Advogado do(a) ARGUINTE: ESTEVAN TOSO FERRAZ - SP230862-N
ARGUIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AMICUS CURIAE: INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIARIO (IBDP)
ADVOGADO do(a) AMICUS CURIAE: GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN - SC18200-A
INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL (216) Nº 5012488-76.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA ARGUINTE: JOAO PAULO INOCENCIO DA SILVA Advogado do(a) ARGUINTE: ESTEVAN TOSO FERRAZ - SP230862-N ARGUIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade do Art. 3º da Lei nº 13.876/19 no que conferiu nova redação ao Art. 15 da Lei nº 5.010/66. O feito de origem do presente incidente, agravo de instrumento nº 5012488-76.2020.4.03.0000, foi interposto contra declaração de incompetência do juízo estadual, com remessa dos autos à Justiça Federal em Catanduva/SP. Sustentou a parte agravante o direito de demandar na Comarca de Monte Alto/SP. Argumentou que se trata de competência relativa e concorrente, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral, que o Superior Tribunal de Justiça suspendeu os efeitos da Lei nº 13.876/19 ao admitir o Incidente de Assunção de Competência nº 6 e que a referida lei, no momento da sua publicação, conflita com a redação então vigente da Constituição Federal. O efeito suspensivo pleiteado foi deferido e o agravado, devidamente intimado, não apresentou resposta ao recurso. Por vislumbrar plausibilidade na tese da incompatibilidade da Lei nº 13.876/19 com a redação da Constituição Federal anterior à Emenda Constitucional 103/19, abri vista ao Ministério Público Federal, nos termos do Art. 948, do CPC e Art. 171, do Regimento Interno. O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo acolhimento da arguição de inconstitucionalidade. A e. 10ª Turma, em sessão de julgamento de 06/10/2021, decidiu por unanimidade acolher a arguição de inconstitucionalidade e submeter a questão à apreciação deste E. Órgão Especial, suspendendo o julgamento do agravo de instrumento, conforme acórdão assim ementado: ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 97, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA FEDERAL DELEGADA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/19 E LEI 13.876/19. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A Carta Magna, na redação primitiva do Art. 109, § 3º, fixava a competência delegada nas causas previdenciárias em norma-regra de eficácia plena e aplicabilidade imediata, vale dizer, já previa em seu texto todos os elementos necessários para identificar a hipótese em que o segurado poderia valer-se da prerrogativa de ajuizar demanda na justiça estadual de seu domicílio. 2. A redação posterior à Emenda Constitucional nº 103/19 não mais estabelece, em si mesma, qualquer regra de competência jurisdicional, mas limita-se a outorgar ao legislador a possibilidade de instituir a competência delegada nas causas previdenciárias. Trata-se de norma de eficácia limitada, condicionada a posterior integração pelo legislador, na ausência da qual não haveria possibilidade de delegação. 3. Tendo em mira as datas de publicação da EC nº 103/19 e da Lei nº 13.876/19 e seus respectivos conteúdos, a inexorável conclusão a que se chega é de que a Lei nº 13.876/19, ao estabelecer novos requisitos para o exercício da faculdade processual garantida constitucionalmente, violou o Art. 109, § 3º, da CF, na redação vigente por ocasião da sua publicação. 4. Sob ótica estritamente formal, quando a regra constitucional estabelece em seu antecedente normativo determinados pressupostos e, em seu consequente normativo, uma permissão, proibição, ou obrigação como conteúdo de dever-ser, não é admitido que a lei ordinária acresça novos pressupostos, sob pena de violação da estrutura da norma constitucional. 5. A nova legislação, ao restringir o acesso à competência federal delegada, impõe óbices a plena realização do direito fundamental de acesso à justiça, assegurado no Art. 5º, inciso XXXV, cujo corolário é, entre outros, a previsão de competência delegada para o juízo estadual da comarca de domicílio de segurado da previdência social. 6. Da mesma forma, a lei carece de razoabilidade ao adotar como critério a distância de 70 quilômetros entre a comarca de domicílio do segurado e o município sede de vara federal. Não obstante o inegável avanço da interiorização da justiça federal desde a promulgação da Constituição em 1988, esse processo não se dá de forma linear em todo o país e o novo critério de distribuição de competência delegada, por ser uniforme, desconsidera as particularidades das diversas regiões, seções e subseções judiciárias, conferindo, portanto, tratamento igual a situações desiguais. 7. A partir da Emenda Constitucional nº 103/19, o que antes era um direito assegurado ao autor de demandar contra o INSS no juízo estadual de seu domicílio converteu-se em mera autorização para o legislador, segundo seu juízo de conveniência e oportunidade, estabelecer a delegação de competência nas causas entre segurado e instituição de previdência, quando a comarca de domicílio daquele não abrigar vara federal. 8. Assim, somente após a reforma constitucional teria o legislador autorização constitucional para estabelecer os pressupostos deflagradores da delegação de competência e qualquer disciplina legal dessa natureza no período de vigência da redação original da Constituição mostra-se inconstitucional. 9. Arguição de Inconstitucionalidade acolhida para remessa do feito ao Órgão Especial e suspenso o julgamento do agravo de instrumento. O Ministério Público Federal reiterou o parecer ofertado por ocasião do acolhimento do incidente de arguição de inconstitucionalidade. Deferido o ingresso do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP no feito, na condição de amicus curiae. Determinada a intimação da União, nos termos do art. 950, § 1º do Código de Processo Civil. O INSS opôs embargos de declaração. A União apresentou manifestação nos termo do art. 950, § 1º do CPC. Em preliminar, sustentou a perda de objeto do presente incidente em razão da prolação de sentença no feito de origem (autos nº 1000867-41.2020.8.26.0368), no qual proferida a decisão impugnada no agravo de instrumento em que suscitado este incidente e a existência de decisão com efeito vinculante proferida pelo c. Superior Tribunal de Justiça no Incidente de Assunção de Competência nº 6 que, segundo argumenta, teria afastado a inconstitucionalidade da Lei nº 13.876/2019. No mérito, defenda a constitucionalidade formal e material do art. 3º da Lei nº 13.876/2019, aos fundamentos de que a vigência do dispositivo é posterior à EC 103/2019 e que teria havido mutação constitucional do art. 109, § 3º da Constituição Federal, na sua redação original, em face das alterações fáticas concernentes à interiorização da justiça federal ocorridas desde a promulgação do texto constitucional, do que resultaria a compatibilidade da Lei nº 13.876/2019 também com a redação anterior à EC 103/19. Subsidiariamente, requer a modulação dos efeitos de eventual declaração de inconstitucionalidade para postergar sua eficácia ao trânsito em julgado da decisão. É o relatório.
INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL (216) Nº 5012488-76.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA ARGUINTE: JOAO PAULO INOCENCIO DA SILVA Advogado do(a) ARGUINTE: ESTEVAN TOSO FERRAZ - SP230862-N ARGUIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: AMICUS CURIAE: INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIARIO (IBDP) ADVOGADO do(a) AMICUS CURIAE: GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN - SC18200 V O T O - V I S T A A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA: Pedi vista dos autos, para que melhor pudesse analisar a matéria trazida a julgamento perante este E. Órgão Especial. Cuida-se de Arguição de Inconstitucionalidade trazida a julgamento pelo e. Desembargador Federal Baptista Pereira, na qual alega que a C. 10ª Turma em julgamento proferido em data de 06/10/21, decidiu à unanimidade, acolher a referida arguição, submetendo-a à apreciação deste Colegiado. Em seu elaborado voto, concluiu o e. Relator por reconhecer a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 13.876/19, que conferiu nova redação ao art. 15, da Lei nº 5010/60. Em sua fundamentação aduz o e. relator, que a Lei nº 13.876/19, no que pertine ao novo regramento da competência delegada, publicada em 23/09/2019, colidiria com o advento da EC nº 103/19, vigente a partir de 13/11/2019. Afirma ainda que é mister a promulgação de nova ordem legal que atenda o comando do art. 109, §3º da CF e até que tal ocorra, afasta-se a nova lei e repristina-se em todos os seus termos o regramento do art. 15, da Lei nº 5010/66. Acompanho o e. Relator na rejeição das preliminares, mas ouso, permissa vênia dele dissentir quanto ao mérito da matéria em discussão. Ressalto que, por ocasião do julgamento, quando proferido o voto, o e. Desembargador Federal Mairan Maia fez inserir voto divergente, com o qual concordo integralmente. Deveras, quando a norma contida no art. 3º da Lei nº 13.876/19, entrou em vigor, já estava promulgada a EC 103/19. Uma situação é a data da publicação da lei; outra, bem diferente é a data da entrada em vigor da lei - vacatio legis. Dispõe o art. 3º da Lei nº 13.876/19: “Art. 3º. O art. 15 da Lei nº 5010, de 30 de maio de 1966, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 15. Quando a Comarca não for sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas na Justiça Estadual: ................................................................................................ III- as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 Km. (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal; (...)” Essa Lei, segundo o art. 5º, entrou em vigor, quanto a esse dispositivo, a partir de 1º de janeiro de 2020. Ora, tendo sido publicada a EC nº 103/19, em 12 de novembro de 2019, e entrando em vigor a indigitada Lei nº 13.876/19 em data de 01 de janeiro de 2020, não se há de exigir nova lei para fazer cumprir a autorização contida na EC 103/19. A norma ingressou no mundo jurídico com eficácia e força cogente após a promulgação dessa Emenda. Não bastasse o quanto se afirma, é importante deixar assentado que quer o C. STF, quer o D. STJ (IAC 6), já afastaram qualquer mácula nessa legislação como se depreende dos seguintes julgados: “EMENTA DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS LEGAIS. LEI Nº 13.876/2019. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. RAZÕES DE DECIDIR EXPLICITADAS PELO ÓRGÃO JURISDICIONAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Inexiste violação do art. 93, IX, da Constituição Federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o referido dispositivo constitucional exige a explicitação, pelo órgão jurisdicional, das razões do seu convencimento. Enfrentadas todas as causas de pedir veiculadas pela parte, capazes de, em tese, influenciar o resultado da demanda, fica dispensado o exame detalhado de cada argumento suscitado, considerada a compatibilidade entre o que alegado e o entendimento fixado pelo órgão julgador. 2. A controvérsia acerca da competência da Justiça Federal, considerada a redação do art. 3º da Lei nº 13.876/2019, conforme já asseverado na decisão guerreada, não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta aos preceitos constitucionais indicados nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria a análise da legislação infraconstitucional encampada na decisão da Corte de origem, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, ‘a’, da Lei Maior, nos termos da jurisprudência desta Suprema Corte. 3. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 4. A teor do art. 85, § 11, do CPC/2015, o ‘tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento’. 5. Agravo interno conhecido e não provido.” (ARE 1360168 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 02/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-088 DIVULG 06-05-2022 PUBLIC 09-05-2022) “INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA NOS AUTOS DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIO, EXCETO AS DE ÍNDOLE ACIDENTÁRIA. JUÍZOS FEDERAL E ESTADUAL INVESTIDO NA JURISDIÇÃO DELEGADA. ART. 109, §3º, DA CF. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019. LEI FEDERAL Nº 13.876/2019. 1- Trata-se de incidente de assunção de competência, instaurado com fulcro nos arts. 947, § 2º, do CPC/2015 e 271-B do RISTJ, que visa examinar o campo de vigência das alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103/2019 e pela Lei nº 13.876/2019 no instituto da competência delegada previsto no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal de 1988. 2- O presente incidente foi proposto nos autos do conflito negativo de instaurado entre o Juízo Federal da 21ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul e o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Guaíba/RS, em autos de ação previdenciária, ajuizada em 4/5/2018, por segurado em face do Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando o restabelecimento de aposentadoria por invalidez com o adicional de grande invalidez. 3- A controvérsia em questão está afeta ao instituto da competência delegada conferida, pelo texto constitucional, à Justiça Estadual para o julgamento de causas envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, as quais, dada a natureza jurídica envolvida e os interesses tutelados na lide, deveriam ser julgadas pela Justiça Federal. 4- É fato que os Juízes Estaduais, por determinação constitucional, recebem, excepcionalmente por delegação, e não por assunção, competência previdenciária de matéria federal. Tanto é assim que o art. 109, § 4º, da CF c/c 108, II da CF/88 traz clara previsão de que o recurso cabível contra decisão da Justiça Estadual será sempre encaminhado à jurisdição do Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. Nesse sentido, CC 114.650/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 17/05/2011. 5- Outra importante observação, extraída de abalizada corrente de processualistas capitaneado por Dinamarco, está no fato de a hipótese tratar-se foros concorrentes, sendo de exclusivo arbítrio do autor a propositura de ação no local de sua preferência e sem possibilidade de a escolha ser impugnada pelo adversário. Consequências dessa asserção: 5.1 Sendo a Justiça Federal organizada em Seções e Subseções, o Juiz Federal com competência incidente sobre o domicílio da parte - ainda que não haja uma sede de Vara Federal - terá competência originária para julgamento da causa. E caso essa localidade não seja sede de Vara Federal, o Juiz Estadual terá competência delegada para julgamento da causa, não cabendo, pois, ao INSS se insurgir contra a opção feita pelo autor da ação. 5.2 Haverá competência do Juízo Estadual somente quando não existir sede de Vara Federal na localidade em questão. Estar a comarca abrangida pela jurisdição de vara federal não é o mesmo que ser sede de vara federal. Sobre o ponto, nos autos do leading case CC 39.324/SP, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 24/09/2003, esta Corte firmou compreensão no sentido de que ulterior instalação de vara federal extingue a competência delegada. 6- A questão de direito a ser dirimida restou assim delimitada: ‘Efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada’. A propósito, cita-se a nova redação do dispositivo: ‘§ 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal.’ 7- Tese da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários que na qualidade de amicus curiae, aponta a ocorrência de inconstitucionalidade à Lei nº 13.876/19 rejeitada. Conforme voto de Sua Excelência Ministra Maria Thereza de Assis Moura, proferido em procedimento administrativo no Conselho da Justiça Federal do SEI 0006509-2019.4.90.8000 e que deu origem à Resolução CJF 603/2019, enquanto tal argumento exige a ocorrência de modificação de competência absoluta prevista em norma constitucional originária; a hipótese encerra apenas a delimitação de seu alcance, permanecendo, pois, hígida, a jurisdição da Justiça Federal. 8- As alterações promovidas pela Lei nº 13.876/19 são aplicáveis aos processos ajuizados após a vacatio legis estabelecida pelo art. 5º, I. Os feitos em andamento, estejam eles ou não em fase de execução, até essa data, continuam sob a jurisdição em que estão, não havendo falar, pois, em perpetuação da jurisdição. Em consequência, permanecem hígidos os seguinte entendimentos jurisprudenciais em vigor: i) quando juiz estadual e juiz federal entram em conflito, a competência para apreciar o incidente é do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, d, in fine); ii) se o conflito se estabelece entre juiz estadual no exercício da jurisdição federal delegada e juiz federal, competente será o Tribunal Regional Federal. 9- Nos termos da Resolução 603/2019, CJF: i) definição de quais Comarcas da Justiça Estadual se enquadram no critério de distância retro referido caberá ao respectivo TRF (ex vi do art. 3º da Lei nº 13.876/2019), através de normativa própria; ii) por questão de organização judiciária, a delegação deve considerar as áreas territoriais dos respectivos TRFs. Consequentemente, à luz do art. 109, § 2º, da CF, o jurisdicionado não pode ajuizar ação na Justiça Federal de outro Estado não abrangido pela competência territorial do TRF com competência sobre seu domicílio. Ainda que haja vara federal em até 70km dali (porém na área de outro TRF ), ‘iii) observadas as regras estabelecidas pela Lei n. 13.876, de 20 de setembro de 2019, bem como por esta Resolução, os Tribunais Regionais Federais farão publicar, até o dia 15 de dezembro de 2019, lista das comarcas com competência federal delegada.’ e iv)’As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a 1º de janeiro de 2020, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual.’ 10- Tese a ser fixada no incidente de assunção de competência: ‘Os efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada insculpido no art, 109, § 3º, da Constituição Federal, após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020. As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a essa data, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual, nos termos em que previsto pelo § 3º do art. 109 da Constituição Federal, pelo inciso III do art. 15 da Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1965, em sua redação original.’ 11- Dispositivo: Como a ação fora ajuizada em 4/5/2018 deve ser reconhecida a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Guaíba - RS, o suscitado, para processar e julgar a ação.” (IAC no CC n. 170.051/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 21/10/2021, DJe de 4/11/2021) Portanto, quer diante da expressa manifestação do STF, que tem decidido que a eventual ofensa a texto constitucional seria apenas reflexa, quer diante da decisão assentada pelo C. STJ no IAC 6, deve ser totalmente afastada a alegada inconstitucionalidade da norma. Demais disso, apenas à guisa de argumentação, ressalto que nenhum prejuízo se fará sentir ao jurisdicionado, eis que o sistema da Justiça Federal PJE admite que todas as questões, sejam feitas digitalmente, facilitando o acesso, quer das partes, quer dos advogados ao Poder Judiciário, contando atualmente com amplo acesso à Justiça e com órgãos de defesa dos cidadãos, como MPEs e Defensorias Públicas. Logo, a divulgação pelos Tribunais Regionais Federais, em janeiro de 2020 das Comarcas com competência delegada, veio a sinalizar para os interessados onde buscar a solução para as questões pertinentes à competência delegada. Com tais considerações e tomando como razões de decidir aquelas trazidas pelo e. Desembargador Federal MAIRAN MAIA, vênia devida ao e. Relator, rejeito a arguição de inconstitucionalidade, prosseguindo-se no julgamento da causa perante o d. órgão fracionário. É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO:
Trata-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei n.º 13.876/19, no que conferiu nova redação ao artigo 15 da Lei n.º 5.010/66.
A Lei n.º 13.876, de 20.09.2019, publicada no Diário Oficial da União em 23.09.2019, com entrada em vigor, no que tange ao dispositivo ora em apreço, a partir de 01.01.2020 (artigo 5º, I), assim dispôs:
“Art. 3º O art. 15 da Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966, passa a vigorar com a seguinte redação: (Vigência)
“Art. 15. Quando a Comarca não for sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas na Justiça Estadual:
III - as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal;
§ 1º Sem prejuízo do disposto no art. 42 desta Lei e no parágrafo único do art. 237 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), poderão os Juízes e os auxiliares da Justiça Federal praticar atos e diligências processuais no território de qualquer Município abrangido pela seção, subseção ou circunscrição da respectiva Vara Federal.
§ 2º Caberá ao respectivo Tribunal Regional Federal indicar as Comarcas que se enquadram no critério de distância previsto no inciso III do caput deste artigo.” (NR)”
Quanto ao ponto, a Constituição assim estabelecia na redação original de seu artigo 109, §3º:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...]
§ 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual. [...]”
A redação do referido § 3º foi alterada pela Emenda Constitucional n.º 103, de 12.11.2019, publicada em 13.11.2019, no Diário Oficial da União e, nesta questão, desde então vigente, passando a constar:
“§ 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal.”
Com a vênia do i. Relator, acompanho integralmente a divergência apresentada pelo Desembargador Federal Mairan Maia e pela Desembargadora Federal Marli Ferreira, quanto a não padecer de inconstitucionalidade o artigo 3º da Lei n.º 13.876/19, considerando-se que sua vigência se deu quando já alterado o § 3º, do artigo 109, da CF.
Porém, ainda, que assim não fosse, tampouco a norma seria inconstitucional, posto que materialmente compatível com a Constituição, em sua redação originária.
É importante que a Carta seja interpretada teleologicamente, observada a evolução histórica, sob pena de torná-la letra fria e desconexa dos tempos atuais.
Ressalte-se que em 1988 poucas eram as Seções Judiciárias que possuíam sede de juízo federal em outro município que não a Capital do Estado, situação que contrastava com a Justiça Estadual, já, então, bastante capilarizada.
Destaco trecho do histórico disponível no sítio do Conselho da Justiça Federal:
“[...] Em 30/05/66, a Lei n. 5.010 criou o Conselho da Justiça Federal, composto pelo Presidente, Vice-Presidente e três ministros do Tribunal Federal de Recursos, com competência para tratar de questões disciplinares dos juízes e funcionários e de outros assuntos administrativos da Justiça Federal de 1ª instância. A Justiça Federal de 1a instância passou a se dividir em 5 regiões e em cada Estado, Território e no Distrito Federal seria instalada uma seção judiciária. A Justiça Federal passou a ser composta por 44 varas: duas no Distrito Federal, três em Minas Gerais, duas em Pernambuco, duas na Bahia, cinco na Guanabara, duas no Paraná, três no Rio Grande do Sul, sete em São Paulo, e uma nos demais estados, com respectivamente um cargo de juiz federal e um de juiz substituto. [...]
A partir de 15/07/71, pela Lei n. 5.677, criaram-se mais 14 varas na Justiça Federal de 1a instância, além do mesmo número de cargos de juiz federal e de juiz federal substituto. Foram extintas as seções judiciárias dos territórios do Amapá, Roraima e Rondônia — a jurisdição da Justiça Federal nesses territórios passou a ser exercida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e respectivos juízes de Direito. [...]
A partir desse ano, a ampliação do número de varas federais e de cargos de juízes federais e juízes federais substitutos foi intensificada por diversas leis específicas: Lei n. 6.824, de 22/09/80 — cria a Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul; Lei n. 7.007, de 29/06/82 — cria 83 cargos de juiz federal; Lei n. 7.030, de 13/09/82 — cria a Seção Judiciária de Rondônia; Lei n. 7.178, de 19/12/83 — cria 21 varas federais com os respectivos cargos de juiz federal; Lei n. 7.521, de 15/07/86 — cria, em Campinas-SP, uma vara da Justiça Federal; Lei n. 7.583, de 06/01/87 — cria 68 varas da Justiça Federal, com os respectivos cargos de Juiz Federal, devendo 19 dessas varas serem instaladas nos municípios do interior dos estados; Lei n. 7.595, de 08/04/87 — cria 30 cargos de juiz federal; Lei n. 7.631, de 17/11/87 — cria 8 varas da Justiça Federal, 7 delas em municípios do interior, com os respectivos cargos de juiz federal (OLIVEIRA, 1996. p. 13). Com a criação de varas da Justiça Federal no interior do País, a instituição e a magistratura ganham novo perfil, mais tendente à regionalização de suas atividades, característica que se tornou mais evidente a partir da Constituição de 1988, com a instituição de cinco Tribunais Regionais Federais, distribuídos em cinco regiões do território nacional. [...]
Os Tribunais Regionais Federais foram instalados em 30/03/89, como a segunda instância da Justiça Federal, em substituição ao extinto Tribunal Federal de Recursos. A jurisdição e sede desses Tribunais foram previstas pela Resolução n.1, de 06/10/88, do Tribunal Federal de Recursos, que estabeleceu:
a) o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com a composição inicial de 18 juízes, sede em Brasília e jurisdição sobre o Distrito Federal e os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins;
b) o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com a composição inicial de 14 juízes, sede na cidade do Rio de Janeiro e jurisdição sobre os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo;
c) o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com a composição inicial de 18 juízes, sede na cidade de São Paulo e jurisdição sobre os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul;
d) o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com a composição inicial de 14 juízes, sede na cidade de Porto Alegre e jurisdição nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina;
e) o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com a composição inicial de 10 juízes, sede na cidade de Recife e jurisdição sobre os Estados de Pernambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe.
A Lei n. 7.727, de 09/01/89, dispôs sobre a composição inicial e a instalação dos Tribunais Regionais Federais, estabelecendo que os juízes desses tribunais seriam indicados pelo Tribunal Federal de Recursos, mediante lista tríplice, podendo dela constar juízes federais de qualquer região. As competências dos Tribunais Regionais Federais e dos juízes federais (que compõem a Justiça Federal na atualidade) estão disciplinadas nos arts. 106 a 110 da Constituição.
A Justiça Federal foi significativamente ampliada nos últimos dez anos (Lei n. 8.146, de 28/12/90 — cria 2 varas na Justiça Federal da 4a Região com os respectivos cargos de juiz federal; Lei n. 8.235, de 19/09/91 — cria 186 cargos de juiz federal substituto; Lei n. 8.251, de 24/10/91 — cria as seções judiciárias dos estados de Tocantins, Amapá e Roraima e 116 varas federais com os respectivos cargos de juiz federal e juiz federal substituto; Lei n. 8.416, de 24/04/92 — cria 55 varas na Justiça Federal da 3a Região com os respectivos cargos de juiz federal e juiz federal substituto; Lei n. 8.418, de 27/04/92 — aumenta a composição do TRF da 3a Região para 27 juízes; Lei n. 8.424, de 19/05/92 — cria 31 varas na Justiça Federal da 4a Região, com os respectivos cargos de juiz federal e juiz federal substituto; Lei n. 8.495, de 23/11/92 — cria 3 varas na Justiça Federal da 5a Região, com os respectivos cargos de juiz federal e juiz federal substituto; Lei n. 8.535, de 16/12/92 — cria 35 varas na Justiça Federal da 2a Região com os respectivos cargos de juiz federal e juiz federal substituto). A Justiça Federal conta hoje com 398 varas federais instaladas, 369 juízes federais, 241 juízes federais substitutos e, na 2ª instância, com 96 juízes nos Tribunais Regionais Federais e seus órgãos jurisdicionados.
Pode-se dizer que a Constituição de 1988 representa o ponto culminante de um processo gradativo de ampliação do âmbito de atuação e da independência do Poder Judiciário [...]” (disponível em: <https://www.cjf.jus.br/atlas/1ahist.htm>, acesso em 09.05.2023)
A previsão contida no artigo 109, § 3º, da CF visava assegurar a garantia constitucional ao livre acesso à Justiça, mas não engessar a prestação jurisdicional de acordo com as competências que definiu nos seus artigos 92 e seguintes.
A Lei n.º 13.876/19 apenas traz norma de organização judiciária em função da distância de até 70 km entre o município da Comarca do domicílio da parte e aquele que sedia sede da Justiça Federal, norma esta que não avilta qualquer direito garantido na Carta, mas, sim, os garante e assegura; respeitando, histórica e teleologicamente, inclusive a norma originariamente constante do seu artigo 109, § 3º. De sorte que mesmo no plano de sua existência, a legislação infraconstitucional não padeceria de vício sobre sua constitucionalidade.
As normas de organização judiciária visam assegurar e garantir o acesso à Justiça e, não, restringi-lo. A distribuição de competências e as normas que organizam a estruturação do Poder Judiciário não podem ser interpretadas como restrição inconstitucional ao livre acesso à justiça; se assim fosse, qualquer pessoa, poderia ajuizar qualquer ação, sobre qualquer matéria, em qualquer lugar.
Lembrando que mesma na redação originária do artigo 109, § 3º, da CF, nunca se assegurou o ajuizamento de ação no município de domicílio do requerente, mas sim na Comarca (Foro) com competência territorial no indigitado município. Nem mesmo restou assegurado suposto direito a ajuizamento no município mais próximo, no qual existisse foro distrital da Justiça Estadual em que pese existente juízo federal na sede da Comarca, ainda que este fosse muito mais distante.
O regramento exposto na Lei n.º 13.876/19, que reitera-se, apenas organiza a prestação da justiça federal por juízos federais quando distantes até 70 km de sedes de comarcas da justiça estadual, de forma alguma, no aspecto da constitucionalidade material, traz qualquer violação à garantia constitucional do livre acesso ao justiça; ao contrário, prestigia e assegura esse direito, de forma que a demanda submetida à competência da Justiça Federal seja processada e julgada por juízos federais sempre que assim for possível, delegando-se esta competência ao juízo estadual somente quando realmente necessário para garantir ao requerente o acesso à Justiça.
Registra-se que no Estado de São Paulo, em que a Justiça Estadual apresenta uma das maiores capilaridades do país, há 645 municípios dos quais apenas 326 são Comarcas.
A título exemplificativo, veja-se o segurado residente em Altair/SP, que não é sede nem de juízo federal, nem de Comarca. A Comarca de Olímpia, com jurisdição sobre o município de Altair, dela dista 35 km, enquanto que a sede do juízo federal de São José do Rio Preto, com jurisdição sobre Altair, dista deste município a apenas 61 km.
Em outro extremo, o segurado residente em Cocalinho/MT, que também não é sede de juízo federal e de Comarca, tem possibilidade de optar por ajuizar sua demanda na Comarca de Água Boa, que dista 166 km, ou no juízo federal de Barra das Garças, a 262 km.
Na ponderação do direto de acesso à Justiça e da prestação da Justiça Federal pelo competente juízo federal, já não se justificava, previamente à EC n.º 103/19, a existência de qualquer óbice ao exercício do direito de acesso à Justiça pela mera edição de lei de organização do Poder Judiciário, que determina a observância de uma distância mínima de 70 km para que se possa entender pela delegação de competência federal a juízo estadual, respeitando-se e priorizando-se as competências constitucionais originariamente estabelecidas na Carta.
Ante o exposto, com a vênia do i. Relator, acompanho a divergência para julgar improcedente a presente arguição de inconstitucionalidade.
É como voto.
O Desembargador Federal Mairan Maia:
Inicialmente, acompanho o e. Relator na rejeição das preliminares e passo à análise do mérito da arguição de inconstitucionalidade.
1 – Constitucionalidade Formal
Segundo o voto do Relator a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 13.876/2019 residiria no fato de que ao ser publicada referida lei, ainda não havia sido publicada a Emenda Constitucional n° 103, de 12 de novembro de 2019.
Assim, o critério adotado pelo relator para reconhecimento da inconstitucionalidade da norma é a data de sua publicação, pois sua validade haveria de ser aferida neste momento.
Com a devida vênia, penso que a compatibilização da lei com o comando constitucional deve ter por parâmetro o momento em que a norma entra em vigor, tornando-se vigente, e, portanto apta a produzir efeitos jurídicos.
A publicação de norma constitui etapa prévia e indispensável à sua vigência, a qual, quando não previsto de modo distinto em seu texto, coincidirá com a data da publicação, como preconiza o artigo 1º da LINDB.
É a vigência que faz com que a norma ingresse no ordenamento jurídico, e não simplesmente sua publicação. Por essa razão, a conformidade da lei há de ser aferida quando da sua aptidão para produzir efeitos ou enquanto estiver produzindo efeitos. Assim, se questionada a constitucionalidade de determinada norma jurídica, essa vem a ser revogada ou alterada, o STF tem considerado prejudicada a apreciação de sua constitucionalidade. A razão é clara: a lei já não integra o ordenamento jurídico em vigor, e não há declaração de inconstitucionalidade de lei em tese.
A lei eficaz incompatível com os dispositivos constitucionais vigentes, não se torna constitucional com a superveniência de norma constitucional que a acolheu. Neste sentido já decidiu o STF:
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS INATIVOS – LEI Nº 6.915, DE 1995, DO ESTADO DA BAHIA – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41, DE 2003 – CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – IMPOSSIBILIDADE. Lei estadual que instituiu contribuição de inativo, inconstitucional quando da edição, não se torna válida em razão de mudança do parâmetro normativo superior. O Supremo já assentou inexistir, no ordenamento jurídico nacional, a constitucionalidade superveniente. Precedentes – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.158/PR, relator ministro Dias Toffoli, Diário da Justiça de 16 de dezembro de 2010. (AI 620557 AgR, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 25/03/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-071 DIVULG 09-04-2014 PUBLIC 10-04-2014)
Os julgados trazidos pelo Relator em seu douto voto reforçam essa posição. As referidas leis já eram vigentes quando da promulgação das emendas constitucionais, e, por isso, a inconstitucionalidade das normas fora reconhecida.
Com efeito, para maior clareza, passo a apreciar os referidos precedentes.
A - "CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da Inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinquentenária. 3. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido.
(ADI 2, Relator(a): PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/1992, DJ 21-11-1997 PP-60585 EMENT VOL-01892-01 PP-00001)
No julgamento da ADI 2 tratou-se do fenômeno da não recepção da legislação em vigor anteriormente a nova ordem constitucional inaugurada pelo poder constituinte originário em 1988.
Pleiteou-se a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 1º e 3º do Decreto-lei 532, de 16 de abril de 1969, que entrou em vigor na data da sua publicação, em 17/04/1969, bem como dos artigos 2º ao 5º do Decreto federal 95.921, de 14 de abril de 1988, que entrou vigor na data de sua publicação em 15/04/1988.
Ambos os diplomas legais estavam em vigor, portanto, anteriormente a Constituição Federal de 1988.
B - CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO - INSTITUTOS - EXPRESSÕES E VOCÁBULOS - SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRUTA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.
(RE 390840, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2005, DJ 15-08-2006 PP-00025 EMENT VOL-02242-03 PP-00372 RDDT n. 133, 2006, p. 214-215);
Relativamente ao precedente supra citado, transcrevo os dispositivos legais relacionados.
Lei 9.718/98 - Publicada em 28/11/1998
Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.
§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.
(...)
Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos:
I - em relação aos arts. 2° a 8°, para os fatos geradores ocorridos a partir de 1° de fevereiro de 1999;
CF/88 - Redação original:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
EC 20/98 - Publicada em 16/12/1998:
Art. 1º - A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:
(...)
"Art. 195 - ...........................................................
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
(...)
Art. 16 - Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Note-se que a Lei 9.718/98 já estava em vigor anteriormente à EC 20/98, conforme se constata da observância do prazo nonagesimal, próprio das contribuições sociais, expressamente consignado em seu artigo 17.
Vale dizer, a lei 9.718/98 previu expressamente a entrada em vigor da majoração da base de cálculo noventa dias antes, com o objetivo de produzir efeitos relativamente aos fatos geradores de fevereiro de 1999. Entretanto, no entendimento da Corte Suprema, a ampliação da base de cálculo não encontrou fundamento de validade no texto constitucional anterior à EC 20/98.
C - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINARIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO. TITULARES DE MANDATO ELETIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. EC 20/1998. CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 351.717, da relatoria do ministro Carlos Velloso, declarou a inconstitucionalidade do art. 13, § 1º, da Lei 9.506/1997, que instituiu contribuição social para o custeio da previdência de agentes políticos. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a alteração constitucional não tem o condão de tornar legítima norma anteriormente considerada inconstitucional diante da Constituição Federal então vigente. 3. Agravo regimental desprovido.
(RE 343801 AgR, Relator(a): AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 20/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 25-06-2012 PUBLIC 26-06-2012);
A LEI Nº 9.506, DE 30 DE OUTUBRO DE 1997, questionada no precedente supra previa:
“Art. 13. O Deputado Federal, Senador ou suplente em exercício de mandato que não estiver vinculado ao Plano instituído por esta Lei ou a outro regime de previdência participará, obrigatoriamente, do regime geral de previdência social a que se refere a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
§ 1º O inciso I do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar acrescido da seguinte alínea h:
(...)
Art. 15. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
(...)”
Também difere da hipótese dos autos, porquanto a Lei 9.506/97, que instituiu contribuição social para o custeio da previdência de agentes políticos, entrou em vigor na data de sua publicação, em 31/10/97, anteriormente à EC 20/98, esta, como visto acima, vigente a partir de 16/12/98.
Portanto, quando da sua entrada em vigor, a referida norma não possuía fundamento de validade no texto constitucional para instituir a exação.
D - CONSTITUCIONAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE INATIVOS E PENSIONISTAS. CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. TESE REJEITADA PELA JURISPRUDÊNCIA DO STF. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência do Tribunal é no sentido de que é inconstitucional a cobrança de contribuição previdenciária sobre os proventos de inativos e pensionistas após o advento da EC 20/98 até a edição da EC 41/2003. II – A EC 41/2003 não constitucionalizou as leis editadas em momento anterior à sua edição que previam aquela cobrança. Necessária a edição de novo diploma legal, já com fundamento de validade na EC 41/2003, para instituir a exação questionada. III - Agravo regimental improvido.
(RE 490676 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 09/11/2010, DJe-226 DIVULG 24-11-2010 PUBLIC 25-11-2010 EMENT VOL-02438-01 PP-00160 REVJMG v. 61, n. 195, 2010, p. 360-361);
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS INATIVOS – LEI Nº 6.915, DE 1995, DO ESTADO DA BAHIA – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41, DE 2003 – CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – IMPOSSIBILIDADE. Lei estadual que instituiu contribuição de inativo, inconstitucional quando da edição, não se torna válida em razão de mudança do parâmetro normativo superior. O Supremo já assentou inexistir, no ordenamento jurídico nacional, a constitucionalidade superveniente. Precedentes – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.158/PR, relator ministro Dias Toffoli, Diário da Justiça de 16 de dezembro de 2010.
(AI 620557 AgR, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 25/03/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-071 DIVULG 09-04-2014 PUBLIC 10-04-2014)".
Da mesma forma a instituição das contribuições previdenciárias sobre inativos por leis que entraram em vigor anteriormente a EC 41/2003.
No RE 490676, questionava-se a Lei Municipal de Belo Horizonte, Lei 7.968/2000, de 31 de março de 2000, que entrou em vigor na data da sua publicação, conforme expresso em seu artigo 15.
Por seu turno, a Lei do Estado da Bahia apreciada no AI 620557, Lei 6.915/95, conforme disposto em seu artigo 65, entrou em vigor em 10 de novembro de 1995, data de sua publicação.
Já a EC 41/2003, entrou em vigor na data de sua publicação, em 31/12/2003, conforme previsto em seu artigo 11.
Distinta é a situação “in casu”. Ao entrar em vigor o art. 3º da Lei 13.876/2019, já ocorrera a modificação do artigo 109, § 3º da Constituição Federal, veiculada pela Emenda Constitucional n° 103/2019.
Destarte, não se há de falar em incompatibilidade do art. 3º da Lei 13.876/2019 com o texto constitucional, pois quando da vigência do referido artigo da mencionada lei, seus efeitos jurídicos encontravam guarida no renovado artigo 109, § 3° da Constituição Federal, vigente em momento anterior.
A propósito, ressalte-se já ter o STF, analisado a constitucionalidade do art. 3º da Lei 13.876/2019 ao julgar o RE 860508, decidido com força de repercussão geral. Eis a ementa do julgado:
“COMPETÊNCIA – AÇÃO PREVIDENCIÁRIA – JUSTIÇA FEDERAL E JUSTIÇA COMUM. A competência da Justiça comum pressupõe inexistência, na comarca do domicílio do segurado ou beneficiário da previdência, de Vara Federal, sendo neutro o fator residência considerado certo distrito.” (RE 860508, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-055 DIVULG 22-03-2021 PUBLIC 23-03-2021)
A tese, para fins de repercussão geral, mereceu a seguinte redação: “A competência prevista no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal, da Justiça comum, pressupõe inexistência de Vara Federal na Comarca do domicílio do segurado.”
2- Constitucionalidade Material
A regra extraída do artigo 109 da Constituição Federal é de competir aos juízes federais processar e julgar “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. “
Como exceção, previa o artigo 109, § 3º da Constituição Federal a possibilidade de delegação de competência para processamento dos feitos de natureza previdenciária, como forma de possibilitar o mais amplo acesso dos beneficiários à prestação jurisdicional, notadamente diante das dificuldades verificadas à época dada a ausência de interiorização da justiça federal.
Com efeito, ao tempo da edição da Constituição Federal de 1988, a Justiça Federal era centralizada, preponderantemente em capitais e em pouquíssimas cidades de grande porte, o que demandava o deslocamento dos jurisdicionados por grandes distâncias para o ajuizamento de suas ações. Essa dificuldade era majorada significativamente nos casos de processos previdenciários e assistenciais, em que os segurados muitas vezes não dispunham de recursos para a contratação de advogados e para se deslocar até a cidade sede da Justiça Federal.
A Justiça Federal, no entanto, passou por profundo processo de interiorização. Hoje, a capilaridade da Justiça Federal espraiou-se por todo o País e se aproximou dos jurisdicionados, perdendo a áurea de inacessibilidade. Por todo o País existem Municípios sedes de subseções judiciárias próximos aos domicílios dos jurisdicionados, o que lhes permite apresentar suas demandas com mais facilidade.
Paralelamente, o processo de virtualização da Justiça Federal redundou na tramitação dos processos quase que exclusivamente em meio digital, a possibilitar que grande parte dos atos processuais não demande deslocamento de partes e advogados.
Sob outro aspecto, a imensa maioria dos processos que envolvem matéria previdenciária e assistencial possui valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, o que determina a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento dos feitos, nos termos do art. 3º da Lei nº 10.259/01, o qual possui procedimento extremamente simplificado, impondo celeridade aos processos.
O Juizado Especial Federal possui procedimento extremamente simplificado, que permite o julgamento célere dos processos. Aliás, como grande parte do volume de processos em tramitação nos Juizados Especiais Federais é de matéria previdenciária e assistencial, essas unidades estão plenamente adaptadas e familiarizadas com conflitos dessas espécies, inclusive no que tange à realização de perícias médicas e assistências em grande volume, de forma a permitir ao segurado e ao cidadão resposta jurisdicional rápida e segura.
A tramitação do feito pela Justiça Estadual, por outro lado, observará o rito processual comum, com ritualística, por vezes desnecessária a essa espécie de conflito, o que a torna mais lenta e burocrática. Acrescente-se, ainda, que o feito se submeterá à sistemática recursal comum, com muito mais possibilidade de impugnação ao longo do processo. Veja-se que, também por este prisma, torna-se muitíssimo mais vantajoso ao segurado propor suas ações na Justiça Federal.
Um último aspecto a ser considerado refere-se ao diálogo interinstitucional que se estabelece de maneira mais franca e fluida entre a Justiça Federal e o Instituto Nacional do Seguro Social, a facilitar o intercâmbio de informações, a celeridade nas comunicações processuais, a rapidez na implantação dos benefícios e a concretização de fluxos mais racionais de tramitação processual. Essas relações decorrem do fato de ser o Instituto Nacional do Seguro Social o maior litigante da Justiça Federal e, em consequência, existir maior aproximação em decorrência de interesses comuns.
Apenas à guisa de exemplo, entre diversos projetos comuns, podemos citar a Pauta Incapacidade, que constitui fluxo de processos que envolvem benefícios por incapacidade estabelecido com a participação do Instituto Nacional do Seguro Social e a Justiça Federal de São Paulo. Por intermédio desse fluxo, permite-se a solução consensual dos processos e a implantação quase imediata dos benefícios previdenciários, atingindo altíssimos índices de resolução dos conflitos por acordo. Dessa forma, aproximadamente 60% dos processos com laudos médicos positivos são concluídos pela conciliação, com evidentes benefícios aos jurisdicionados.
Destarte, sob o ponto de vista da constitucionalidade material, as alterações promovidas pela Lei 13.876/19 dão efetividade ao princípio do amplo acesso à justiça, extraído do inciso XXXV, bem como à garantia da razoável duração do processo e celeridade de sua tramitação, inciso LXXVIII, ambos do artigo 5º da Constituição Federal.
Ante o exposto, acompanho o e. relator na rejeição das preliminares e, no mérito, divirjo para julgar improcedente a arguição de inconstitucionalidade.
É como voto.
INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL (216) Nº 5012488-76.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
ARGUINTE: JOAO PAULO INOCENCIO DA SILVA
Advogado do(a) ARGUINTE: ESTEVAN TOSO FERRAZ - SP230862-N
ARGUIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Preliminarmente, verifico que o julgamento pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça do Incidente de Assunção de Competência nº 6 não guarda relação com o discutido neste incidente.
De fato, ao admitir o incidente o c. STJ delimitou a questão controvertida a ser solucionada nos seguintes termos "Efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada" e determinou a suspensão, liminarmente, de atos judiciais de declinação de competência referentes aos processos iniciados anteriormente a 01/01/2020.
Fosse o objeto do IAC a constitucionalidade do Art. 3º da Lei 13.876/19, não haveria razão para restringir a suspensão aos processos iniciados anteriormente a 01/01/2020, mas de todos os efeitos cuja definição da competência perpassa pelo exame da constitucionalidade da mencionada lei.
Ademais, ao julgar o IAC e o conflito de competência subjacente em 21/10/2021, a 1ª Seção fixou tese de julgamento no sentido de que "Os efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada insculpido no art, 109, § 3º, da Constituição Federal, após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020."
Como se verifica, a Corte Superior debruçou-se sobre a eficácia da Lei 13.876/19 no tempo, não sendo a constitucionalidade da lei seu objeto principal.
De outro lado, o fato de o item 7 da ementa conter rejeição da tese de inconstitucionalidade suscitada pela Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários não impede esta Corte Regional de analisar a matéria, na medida em que (i) a eficácia vinculante do julgamento do incidente de assunção de competência prevista no Art. 927, inciso III do CPC é limitada à tese jurídica adotada e, portanto, não alcança as questões prejudiciais resolvidas e (ii) admitir a eficácia erga omnes e vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário da decisão adotada pelo c. STJ em controle difuso de constitucionalidade importaria em violação do previsto no Art. 102, § 2º da Constituição, que confere tal eficácia apenas as decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade, e resultaria em usurpação da competência do e. Supremo Tribunal Federal, sobre cujas decisões em controle difuso de constitucionalidade ainda pairam controvérsias a respeito da eficácia vinculante e erga omnes (tese de abstrativização do controle difuso).
Igualmente deve ser rejeita a preliminar relativa à perda de objeto, porquanto a r. sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara da Comarca de Monte Alto/SP não emitiu juízo a respeito da matéria tratada neste incidente e no agravo de instrumento originário, uma vez que o tema da competência foi devolvido a esta Corte no aludido agravo, a quem caberá a solução da questão em juízo exauriente e definitivo.
Por demais, o presente incidente guarda autonomia em relação à ação de origem, vez que resultante de cisão de competência funcional para análise da prejudicial da constitucionalidade de lei, de modo que, ainda que se se tratasse de perda de objeto, tal se daria no julgamento de mérito do recurso pelo órgão fracionário.
Por fim, deixo de conhecer os embargos declaratórios, opostos pela autarquia previdenciária e endereçados à Décima Turma, tendo em vista que o julgamento do agravo de instrumento encontra-se suspenso, bem como que a dispensa de publicação do acórdão tem previsão no Art. 84, I e IV do RI-TRF3.
Passo ao exame do mérito do incidente.
A lei em comento, promulgada e publicada em 20/09/2019 e 23/20/2019, respectivamente, deu nova redação ao Art. 15, da Lei nº 5.010/66, nos seguintes termos:
"Art. 3º O art. 15 da Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966, passa a vigorar com a seguinte redação: (Vigência)
“Art. 15. Quando a Comarca não for sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas na Justiça Estadual:
...................................................................................................................................
III - as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal;
..................................................................................................................................
§ 1º Sem prejuízo do disposto no art. 42 desta Lei e no parágrafo único do art. 237 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), poderão os Juízes e os auxiliares da Justiça Federal praticar atos e diligências processuais no território de qualquer Município abrangido pela seção, subseção ou circunscrição da respectiva Vara Federal.
§ 2º Caberá ao respectivo Tribunal Regional Federal indicar as Comarcas que se enquadram no critério de distância previsto no inciso III do caput deste artigo.”
Ao seu turno, a redação vigente da Constituição Federal quando da promulgação e publicação da lei era aquela conferida pelo poder constituinte originário e assim disciplinava a competência federal delegada à justiça estadual:
"Art. 109 (...)
§ 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.
Como se percebe, a Carta Magna, em sua redação primitiva, fixava a competência delegada nas causas previdenciárias em norma-regra de eficácia plena e aplicabilidade imediata, vale dizer, já previa em seu texto todos os elementos necessários para identificar a hipótese em que o segurado poderia valer-se da prerrogativa de ajuizar demanda na justiça estadual de seu domicílio.
Com a vigência da Emenda Constitucional nº 103/19, a partir da sua publicação, em 13/11/2019, o Art. 109, § 3º, passou a ostentar a seguinte dicção:
Art. 109 (...)
§ 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)"
A redação atual, como se vê, não mais estabelece, em si mesma, qualquer regra de competência jurisdicional, mas limita-se a outorgar ao legislador a possibilidade de instituir a competência delegada nas causas previdenciárias. Trata-se de norma de eficácia limitada, condicionada a posterior integração pelo legislador, na ausência da qual não haveria possibilidade de delegação.
Tendo em mira as datas de publicação dos atos normativos citados e seus respectivos conteúdos, a inexorável conclusão a que se chega é de que a Lei 13.876/19, ao estabelecer novos requisitos para o exercício da faculdade processual garantida constitucionalmente, violou o Art. 109, § 3º, da CF, na redação vigente por ocasião da sua publicação.
A delegação de competência originariamente prevista na Carta Magna, como já ressaltado, era veiculada por norma-regra, a qual não admite restrições por lei ordinária ou ponderação com outros direitos e interesses de estatura constitucional, o que somente seria possível se se tratasse de norma-princípio.
Sob ótica estritamente formal, quando a regra constitucional estabelece em seu antecedente normativo determinados pressupostos e, em seu consequente normativo, uma permissão, proibição, ou obrigação como conteúdo de dever-ser, não é admissível que a lei ordinária acresça novos pressupostos, sob pena de violação da estrutura da norma constitucional.
De outra ponta, em termos materiais, a nova legislação, ao restringir o acesso à competência federal delegada, impõe óbices a plena realização do direito fundamental de acesso à justiça, assegurado no Art. 5º, inciso XXXV, cujo corolário é, entre outros, a previsão de competência delegada para o juízo estadual da comarca de domicílio de segurado da previdência social, parte processual que, não raro, encontra-se em situação de vulnerabilidade.
Da mesma forma, a lei carece de razoabilidade ao adotar como critério a distância de 70 quilômetros entre a comarca de domicílio do segurado e o município sede de vara federal. Não obstante o inegável avanço da interiorização da justiça federal desde a promulgação da Constituição em 1988, esse processo não se dá de forma linear em todo o país e o novo critério de distribuição de competência delegada, por ser uniforme, desconsidera as particularidades das diversas regiões, seções e subseções judiciárias, conferindo, portanto, tratamento igual a situações desiguais.
A inconstitucionalidade da lei, ademais, revela-se pela própria iniciativa do poder constituinte derivado de alterar o § 3º do Art. 109 da Constituição, para o fim de extinguir o direito de acesso à justiça estadual pelo segurado, quando a localidade não for sede vara federal.
Com efeito, a partir da Emenda Constitucional nº 103/19, o que antes era um direito assegurado ao autor de demandar contra o INSS no juízo estadual de seu domicílio converteu-se em mera autorização para o legislador estabelecer, segundo seu juízo de conveniência e oportunidade, a delegação de competência nas causas entre segurado e instituição de previdência, quando a comarca de domicílio daquele não abrigar vara federal.
Assim, somente após a reforma constitucional teria o legislador autorização constitucional para estabelecer os pressupostos deflagradores da delegação de competência e qualquer disciplina legal dessa natureza no período de vigência da redação original da Constituição mostra-se inconstitucional.
Prosseguindo no raciocínio, cumpre tecer algumas considerações sobre direito intertemporal.
Como já destacado, a Lei nº 13.876/19 foi publicada antes da vigência da Emenda Constitucional nº 103/19, isto é, quando vigia a redação original do Art. 109, § 3º, com a qual é incompatível. Contudo, a vigência da lei, no que se refere ao novo regramento da competência delegada, teve início em 01/01/2020, na forma do seu Art. 5º, inciso I, data em que já vigorava a EC 103/19.
A questão que se coloca é: o fato de a alteração da competência delegada ter entrado em vigor quando a Constituição, já emendada, autoriza o legislador a regulamentá-la tem o condão de neutralizar a incompatibilidade da lei, no seu nascedouro, com a então vigente redação do Art. 109, §3º do texto constitucional?
A resposta deve ser buscada no exame da possibilidade de controle de constitucionalidade de lei em período de vacatio legis ou, dito de outro modo, a partir de qual momento de sua existência deve a lei ser material e formalmente compatível com a Lei Maior - se desde a sua promulgação publicação ou vigência.
Após debruçar-me sobre a matéria, a conclusão a que chego é de que ao menos desde a sanção presidencial já é possível aferir a constitucionalidade da lei. Com efeito, a lei deve ser compatível com a Constituição a partir de seu ingresso no ordenamento jurídico, é dizer, quando passa a existir enquanto ato jurídico, o que não se confunde com o plano da eficácia do ato.
A respeito, trago a colação elucidativa lição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior:
"(...) Para a dogmática jurídica, para reconhecermos a validade de uma norma, precisamos em princípio e de início, que a norma esteja integrada no ordenamento. Exige-se, pois, que seja cumprido o processo de formação ou produção normativa, em conformidade com os requisitos do próprio ordenamento. Cumprido esse processo, temos uma norma válida. Por exemplo, terminada a fase constitutiva do processo produtivo de normas legais, (...) que ocorre com sua sanção, temos uma norma válida" (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, pp. 165).
Nessa toada, em obra dedicada ao processo legislativo, esclarece Manoel Gonçalves Ferreira Filho que "a sanção é que transforma projeto aprovado pelo Legislativo em lei. Por ela, fundem-se as duas vontades, a do Congresso e a do Presidente, de cuja conjunção o constituinte quis que resultasse a lei ordinária" (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, pp. 209)
Veja-se que a própria constituição já trata como lei o ato sancionado e ainda não promulgado pela Presidência da República, como se extrai do disposto no seu Art. 66, § 7º:
"Art. 66. (...)§ 7º Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo."
Ainda, o e. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de manifestar-se sobre o termo inicial do controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário, ocasião em que, a despeito de exigir a promulgação e publicação do ato normativo, dispensou sua vigência para submetê-lo ao controle abstrato de constitucionalidade. Confira-se:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL - INSTITUIÇÃO DA PENA DE MORTE MEDIANTE PRÉVIA CONSULTA PLEBISCITARIA - LIMITAÇÃO MATERIAL EXPLÍCITA DO PODER REFORMADOR DO CONGRESSO NACIONAL (ART. 060, § 004 º, 0IV) - INEXISTÊNCIA DE CONTROLE PREVENTIVO ABSTRATO ( EM TESE ) NO DIREITO BRASILEIRO - AUSÊNCIA DE ATO NORMATIVO - NÃO CONHECIMENTO DA AÇÃO DIRETA.
- O direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou - como a nova constituição promulgada em 1988, também não o admite – o sistema de controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata preventiva da legitimidade constitucional de meras proposições normativas pelo Supremo Tribunal Federal.
- Atos normativos " in fieri ", ainda em fase de formação, com tramitação procedimental não concluída, não ensejam e nem dão margem ao controle concentrado ou em tese de constitucionalidade, que supõe - ressalvadas as situações configuradoras de omissão juridicamente relevante - a existência de espécies normativas definitivas, perfeitas e acabadas. Ao contrário do ato normativo - que existe e que pode dispor de eficácia jurídica imediata, constituindo, por isso mesmo, uma realidade inovadora da ordem positiva -, a mera proposição legislativa nada mais encerra do que simples proposta de direito novo, a ser submetida à apreciação do órgão competente, para que, de sua eventual aprovação, possa derivar, então, a sua introdução formal no universo jurídico.
-A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem refletido claramente essa posição em tema de controle normativo abstrato , exigindo , nos termos do que prescreve o próprio texto constitucional - e ressalvada a hipótese de inconstitucionalidade por omissão - que a ação direta tenha , e só possa ter, como objeto juridicamente idôneo, apenas leis e atos normativos, federais e estaduais, já promulgados, editados e publicados.
- A impossibilidade jurídica de controle abstrato preventivo de meras propostas de emenda não obsta a sua fiscalização em tese quando transformadas em emendas à Constituição. Estas - que não são normas constitucionais originárias - não estão excluídas , por isso mesmo , do âmbito do controle sucessivo ou repressivo de constitucionalidade. O Congresso Nacional , no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora , está juridicamente subordinado à decisão do poder constituinte originário que , a par de restrições de ordem circunstancial , inibitórias do poder reformador ( CF, art. 060 , § 001 º ) , identificou , em nosso sistema constitucional , um núcleo temático intangível e imune à ação revisora da instituição parlamentar . As limitações materiais explícitas, definidas no § 004 º do art. 060 da Constituição da República , incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao Poder Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício nos pontos ali discriminados. A irreformabilidade desse núcleo temático , acaso desrespeitada , pode legitimar o controle normativo abstrato , , e mesmo a fiscalização jurisdicional concreta , de constitucionalidade. (STF - ADI: 466 DF, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 03/04/1991, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 10/05/1991, pp. 05929)
Em suma, a mácula da (in)validade da lei pressupõe a sua existência, e não sua eficácia, razão pela qual a vacatio legis a que uma lei é submetida não a imuniza da necessária compatibilidade formal e material com a Constituição Federal, que deve estar presente desde seu ingresso na ordem jurídica.
Aplicada essa conclusão ao caso concreto, tem-se que a Lei 13.876/19, no que toca ao regramento da competência delegada, é, desde a sua publicação, em 23/09/2019, incompatível com a Constituição e, por isso mesmo, segundo a teoria da nulidade das leis inconstitucionais, adotada como regra pelo sistema jurídico brasileiro, nula de pleno direito desde sua origem.
Resta saber se o advento da Emenda Constitucional nº 103/19, vigente a partir de 13/11/2019, seria apto a retirar o vício de inconstitucionalidade da Lei nº 13.876/19, eis que, como já se viu, o conteúdo desta é harmônico com o texto constitucional posterior à emenda.
Cuida-se, aqui, do fenômeno da constitucionalidade superveniente, consistente na atribuição de validade à lei que nasceu inconstitucional pela posterior reformar da Constituição, o qual é amplamente rechaçado por pacífica jurisprudência do c. Supremo Tribunal Federal conforme se vê dos acórdãos transcritos:
"CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da Inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinquentenária. 3. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido.
(ADI 2, Relator(a): PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/1992, DJ 21-11-1997 PP-60585 EMENT VOL-01892-01 PP-00001);
CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO - INSTITUTOS - EXPRESSÕES E VOCÁBULOS - SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRUTA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.
(RE 390840, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2005, DJ 15-08-2006 PP-00025 EMENT VOL-02242-03 PP-00372 RDDT n. 133, 2006, p. 214-215);
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINARIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO. TITULARES DE MANDATO ELETIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. EC 20/1998. CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 351.717, da relatoria do ministro Carlos Velloso, declarou a inconstitucionalidade do art. 13, § 1º, da Lei 9.506/1997, que instituiu contribuição social para o custeio da previdência de agentes políticos. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a alteração constitucional não tem o condão de tornar legítima norma anteriormente considerada inconstitucional diante da Constituição Federal então vigente. 3. Agravo regimental desprovido.
(RE 343801 AgR, Relator(a): AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 20/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 25-06-2012 PUBLIC 26-06-2012);
CONSTITUCIONAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE INATIVOS E PENSIONISTAS. CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. TESE REJEITADA PELA JURISPRUDÊNCIA DO STF. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência do Tribunal é no sentido de que é inconstitucional a cobrança de contribuição previdenciária sobre os proventos de inativos e pensionistas após o advento da EC 20/98 até a edição da EC 41/2003. II – A EC 41/2003 não constitucionalizou as leis editadas em momento anterior à sua edição que previam aquela cobrança. Necessária a edição de novo diploma legal, já com fundamento de validade na EC 41/2003, para instituir a exação questionada. III - Agravo regimental improvido.
(RE 490676 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 09/11/2010, DJe-226 DIVULG 24-11-2010 PUBLIC 25-11-2010 EMENT VOL-02438-01 PP-00160 REVJMG v. 61, n. 195, 2010, p. 360-361);
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS INATIVOS – LEI Nº 6.915, DE 1995, DO ESTADO DA BAHIA – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41, DE 2003 – CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – IMPOSSIBILIDADE. Lei estadual que instituiu contribuição de inativo, inconstitucional quando da edição, não se torna válida em razão de mudança do parâmetro normativo superior. O Supremo já assentou inexistir, no ordenamento jurídico nacional, a constitucionalidade superveniente. Precedentes – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.158/PR, relator ministro Dias Toffoli, Diário da Justiça de 16 de dezembro de 2010.
(AI 620557 AgR, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 25/03/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-071 DIVULG 09-04-2014 PUBLIC 10-04-2014)".
Nesses termos, é necessário que o legislador promulgue nova lei com lastro na nova dicção do Art. 109, § 3º, da Constituição e, até que tal ocorra, o tema da competência delegada continua regido pelo disposto originariamente no Art. 15, da Lei nº 5.010/60, em razão do efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade do Art. 3º, da Lei nº 13.876/19.
Destarte, por todas as razões expostas, tenho que o Art. 3º, da Lei 13.876/19, no que conferiu nova redação ao Art. 15, da Lei nº 5.010/60, é inconstitucional.
Por fim, no tocante ao pedido subsidiário formulado pela União no sentido de se modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, observo que a modulação em controle de constitucionalidade é faculdade conferida pela lei nº 9.868/99 apenas ao Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, não havendo previsão legal para sua realização em controle difuso por juízes e tribunais.
Ante o exposto, afastadas as preliminares suscitadas, julgo procedente o presente incidente de arguição de inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade do Art. 3º, da Lei 13.876/19.
É o voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PERDA DE OBJETO AFASTADA. LEI Nº 13.876/19, ARTIGO 3º QUE CONFERIU NOVA REDAÇÃO AO ARTIGO 15 DA LEI Nº 5.010/66. COLISÃO COM A EC Nº 103/19, VIGENTE A PARTIR DE 13/11/2019. INOCORRÊNCIA.
Deve ser rejeita a preliminar relativa à perda de objeto do agravo de instrumento no qual suscitada a arguição, porquanto a r. sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara da Comarca de Monte Alto/SP não emitiu juízo a respeito da matéria tratada neste incidente. Ademais, o presente incidente guarda autonomia em relação à ação de origem, vez que resultante de cisão de competência funcional para análise da prejudicial da constitucionalidade de lei, de modo que, ainda que se se tratasse de perda de objeto, tal se daria no julgamento de mérito do recurso pelo órgão fracionário.
No Incidente de Assunção de Competência nº 6, em tramitação perante e C. STJ, a 1ª Seção fixou tese de julgamento no sentido de que "Os efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada insculpido no art, 109, § 3º, da Constituição Federal, após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020." Como se verifica, a Corte Superior debruçou-se sobre a eficácia da Lei 13.876/19 no tempo, não sendo a constitucionalidade da lei seu objeto principal.
Tendo sido publicada a EC nº 103/19, em 12 de novembro de 2019, e entrando em vigor a Lei nº 13.876/19 em data de 01 de janeiro de 2020, não se há de exigir nova lei para fazer cumprir a autorização contida na EC 103/19. Ressalte-se que o C. STF já analisou a constitucionalidade do art. 3º da Lei 13.876/2019 ao julgar o RE 860.508, decidido com força de repercussão geral, nos seguintes termos: “A competência prevista no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal, da Justiça comum, pressupõe inexistência de Vara Federal na Comarca do domicílio do segurado.”
A Lei n.º 13.876/19 apenas traz norma de organização judiciária em função da distância de até 70 km entre o município da Comarca do domicílio da parte e aquele que sedia sede da Justiça Federal, norma que não afronta qualquer direito garantido na Constituição Federal, ao contrário, dá concretude ao quanto estabelecido no artigo 109, § 3º. De sorte que mesmo no plano de sua existência, a legislação infraconstitucional não padeceria de vício sobre sua constitucionalidade.
Arguição de inconstitucionalidade rejeitada.