Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5013055-43.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DO PLASTICO, DELEGADO DA ADMINISTRAÇÃO DA RECEITA FEDERAL EM SÃO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogado do(a) APELANTE: LUMY MIYANO MIZUKAWA - SP157952-A

APELADO: DELEGADO DA ADMINISTRAÇÃO DA RECEITA FEDERAL EM SÃO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DO PLASTICO

Advogado do(a) APELADO: LUMY MIYANO MIZUKAWA - SP157952-A

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APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5013055-43.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DO PLASTICO, DELEGADO DA ADMINISTRAÇÃO DA RECEITA FEDERAL EM SÃO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogado do(a) APELANTE: LUMY MIYANO MIZUKAWA - SP157952-A

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R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de remessa necessária e apelações interpostas pelas partes contra sentença que julgou procedente o pedido e concedeu a segurançaextinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para reconhecer o direito das associadas da impetrante domiciliadas nos limites de abrangência das atribuições fiscais e administrativas do Delegado da Delegacia de Administração Tributária da Receita Federal do Brasil (DERAT/SPO) a utilizarem os créditos de PIS e COFINS calculados sobre as aquisições de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço, de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de zinco e de estanho e afastou a aplicação do artigo 47 da Lei nº 11.196/05, autorizando a apropriação extemporânea dos referidos créditos na forma prevista no § 4º do artigo 3º das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, atualizados pela taxa SELIC desde a data que deveriam ter sido escriturados, observada a prescrição quinquenal.

O d. Juízo  a quo esclareceu que "a taxa SELIC é o índice aplicável para a correção monetária dos créditos, cujo termo inicial é a data que deveriam ter sido escriturados".

Deixou de condenar a impetrante em honorários, nos moldes do artigo 25 da Lei nº 12.016/2009. 

Apelação da impetrante, pugnando pela reforma parcial da sentença, "para afastar a limitação dos efeitos decorrentes da concessão da segurança, de forma que os efeitos e eficácia deste Recurso e também do Mandado de Segurança Coletivo alcance todos os Associados da Apelante, que possui comprovada representatividade nacional."

Aduz, em síntese, que: a) "A imposição da limitação territorial à jurisdição em que atua a autoridade coatora da Receita Federal do Brasil (RFB), circunscrita à região em que se situa a sede da Apelante, no presente caso, é inadmissível, à medida que a pretensão do direito a ser alcançado com o presente mandamus é assegurar, a todos os associados, a possibilidade de manutenção ao crédito de PIS e COFINS, na aquisição de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço, de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de zinco e de estanho"; b) "Assim, qualquer que seja a localidade da fiscalização da Receita Federal do Brasil, o direito a ser tutelado independe de alguma atuação por parte do ente tributante, pois o que se discute é o direito constitucional da manutenção ao crédito, em estrita obediência ao princípio da não cumulatividade, afastando-se as restrições do artigo 47, da Lei nº. 11.196/05"; c) "Acresça-se, ainda, que se a questão de mérito relativo à inconstitucionalidade do artigo 47, da Lei nº 11.196/05 foi devidamente definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 607.190 – tema 304, de forma que haverá pacificação e uniformidade desta decisão em todas as instâncias, bem como a aplicação deste direito por todas as Delegacias Reginais Tributárias da Receita Federal do Brasil, que não poderão mais autuar empresas que façam uso do crédito de PIS e COFINS nas aquisições de sucatas". d) "não é demais destacar que o princípio da economia processual, do qual deriva a duração razoável do processo (art.5º, LXXVIII, CF) impõe às ações coletivas o objetivo de trazer soluções para o maior número de conflitos possíveis. Assim, não se deve atender neste caso aos limites territoriais da jurisdição do juízo, pois, a seguir esse entendimento haveria a possibilidade de decisões judiciais conflitantes, contraditórias, em face de ações propostas em foros diversos, com o mesmo objeto e causa de pedir".

Apelou a União, alegando que: a) "a não cumulatividade do PIS e da Cofins se constitui em sistema de creditamento, em que determinadas despesas previstas em lei geram créditos a serem abatidos do valor do tributo devido"; b) "não basta que uma despesa esteja elencada no referido rol para que seja permitido o creditamento: há uma condição ontológica e sine qua non de toda a sistemática da não cumulatividade: não se concede creditamento a bens ou serviços que não sofreram a incidência das contribuições do PIS e da Cofins nas etapas anteriores"; c) "o objetivo principal da não cumulatividade do PIS e da Cofins: evitar a incidência em cascata das contribuições. A partir do momento em que não houve incidência na etapa anterior, não haveria razão alguma em se conceder um creditamento. Na hipótese de desoneração da operação anterior, o gravame simplesmente não se impôs, e o bem é adquirido livre da tributação prévia. Nada há, pois, a creditar"; d) "Não bastasse esse pressuposto lógico-ontológico-formal da não cumulatividade das Contribuições Sociais, para a situação concreta dos autos (aquisição de desperdícios, resíduos ou aparas de papel), há vedação expressa ao creditamento", vale dizer, o Art. 48 da mesma Lei n° 11.196, de 2005 exclui a incidência de PIS e de Cofins da etapa anterior";  e) "a contradição entre a argumentação jurídica e a prática empresarial da Contribuinte, a ressaltar a inexistência de qualquer mácula na vedação de creditamento (das aquisições de desperdícios, resíduos ou aparas de papel) no contexto da não cumulatividade do PIS e da Cofins, haja vista a perfeita sintonia e conformidade com a lógica desta sistemática e com as balizas constitucionais aplicáveis às contribuições"; f) "Há que se ressaltar que no julgamento do Tema 304 de Repercussão Geral de 09 de junho de 2021 foi divulgada a vitória parcial dos contribuintes"; g) "A vitória dos Contribuintes foi parcial, pois pretendiam apenas reinstituir o creditamento, sem restaurar a tributação no início da cadeia"; h) "A União demonstrou ao STF que ocorreria uma distorção no sistema se apenas fosse reinstituído o creditamento, o que foi acolhido pelo voto vencedor".

Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo prosseguimento do feito.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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V O T O

 

A apelação da impetrante deve ser provida. A remessa necessária deve ser parcialmente provida. A apelação da União não merece provimento.

 

 Com relação ao alcance subjetivo do mandado de segurança coletivo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, em sede de embargos de divergência, que os efeitos da sentença coletiva, nos casos em que a entidade sindical atua como substituta processual, não estão adstritos aos filiados à entidade sindical à época do oferecimento da ação coletiva, nem sua abrangência cinge-se somente ao âmbito territorial da jurisdição do órgão prolator da decisão, salvo se houver restrição expressa no título executivo judicial (EREsp n. 1.770.377/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 7/5/2020). 

 

Esta Terceira Turma tem seguido essa orientação, conforme se verifica no julgado a seguir: 

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. IPI. BASE DE CÁLCULO. FRETE. ARTIGO 15 DA LEI 7.798/1989. VIOLAÇÃO DA RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. ARTIGO 146, III, A, CF. INEXIGIBILIDADE. ASSOCIAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ARTIGO 2°-A DA LEI 9.494/1997 NÃO APLICÁVEL. RESSARCIMENTO POR RESTITUIÇÃO ADMINISTRATIVA. INVIABILIDADE.1. Assentado o entendimento constitucional de que o valor do frete, na saída do estabelecimento industrial, não se inclui na base de cálculo do IPI, pois o artigo 15 da Lei 7.798/1989, no que alterou o artigo 14, II, §1º, da Lei 4.502/1964, para fixar tal previsão, violou o artigo 47 do Código Tributário Nacional e, portanto, colidiu com a regra constitucional da reserva de lei complementar (artigo 146, III, a, CF).2. Não se aplica ao mandado de segurança coletivo, fundado no artigo 5º, LXX, CF, e artigos 21 e 22 da Lei 12.016/2009, o artigo 2º-A da Lei 9.494/1997, referente a ações coletivas de procedimento ordinário. Assente na jurisprudência da Suprema Corte que o regime legal das ações coletivas, no tocante às restrições previstas à espécie, não são aplicáveis e extensíveis ao mandado de segurança coletivo, por sua natureza jurídica própria. 3. Ademais, a exegese do artigo 2º-A da Lei 9.494/1997 não é exatamente a preconizada a partir da literalidade do texto em referência, privilegiando a jurisprudência o reconhecimento de que os efeitos da coisa julgada na ação coletiva devem retratar menos a competência territorial do órgão prolator da sentença, e mais a eficácia, tanto objetiva como subjetiva, decorrente da causa de pedir, do pedido e dos interesses deduzidos em Juízo. 4. Logo, independentemente da localização territorial de cada associado da impetrante, todos são alcançados pela eficácia da sentença proferida no mandado de segurança coletivo para reconhecimento da exclusão do frete da base de cálculo do IPI, pela natureza indivisível da pretensão deduzida. Tampouco os limites de atribuição territorial das autoridades impetradas limitariam os efeitos da sentença em mandado de segurança coletivo, como igualmente decidido pela Corte Superior. Certo, pois, que, ao contrário das ações de rito ordinário, no mandado de segurança coletivo a coisa julgada atinge indistintamente todos os associados da impetrante, sem limitação subjetiva em função do momento do ingresso associativo em cotejo com a data da impetração do writ coletivo.5. No tocante à forma de ressarcimento cabível, o indébito fiscal gera direito à compensação administrativa, mediante procedimento próprio, com comprovação e liquidação dos valores envolvidos, observados os critérios consagrados na jurisprudência e previstos no artigo 168, CTN (prescrição quinquenal), sem prejuízo da modulação dos efeitos da inconstitucionalidade nos casos indicados; artigo 170-A, CTN (trânsito em julgado da decisão); artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, conforme regime legal vigente na propositura da ação; e artigo 39, § 4º da Lei 9.250/1995 (incidência exclusiva da Taxa SELIC) desde cada recolhimento indevido.6. A respeito da restituição administrativa, que tem sido deferida com base na Súmula 461 do Superior Tribunal de Justiça, é importante observar que o enunciado, ao fazer referência expressa a "precatório", registra entendimento de que não é possível que o ressarcimento de indébito fiscal, em espécie, reconhecido judicialmente, possa gerar condenação a pagamento fora do regime constitucional do precatório (artigo 100, CF). De fato, o regime de precatório busca preservar a ordem cronológica das requisições e, sobretudo, as preferências alimentares, o que não se verifica possível ou garantido na via administrativa, até porque, nela, não concorrem, de forma conjunta e simultânea, as variadas cobranças em dinheiro contra a Fazenda Pública, ao contrário do que ocorre com requisições judiciais de precatórios que, inclusive, são todas globalmente organizadas e inseridas cronologicamente na previsão orçamentária anual para execução no exercício financeiro posterior. Permitir que o contribuinte utilize a via administrativa para receber pagamento de indébito fiscal em detrimento do sistema de precatório já foi reconhecido, inclusive, como inconstitucional pela Suprema Corte que, por semelhança, aplicou a solução expressa no Tema 831 da sistemática de repercussão geral (RE 1.069.065, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 19/12/2019).7. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5011018-48.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 18/02/2022, DJEN DATA: 24/02/2022)   -   destaque nosso.

 

Vale destacar também que o dispositivo suscitado pela União em sua manifestação Id. 262134362 (art. 16 da Lei 7.347/1985) foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião da apreciação do Tema 1075 da repercussão geral (RE 1.101.937). 

 

Diante desse cenário, comporta acolhimento a pretensão da impetrante, ora apelante, para reformar parcialmente a sentença no tocante à limitação territorial dos efeitos da sentença proferida no presente mandado de segurança coletivo.

                                          

Quanto ao apelo da União, vale registrar que a matéria em discussão nestes autos foi afetada pelo Supremo Tribunal Federal à sistemática da repercussão geral (Tema 304 - RE 607.109). Como se verá adiante, a decisão de mérito já foi proferida, estando pendente apenas o julgamento dos embargos de declaração opostos pela União, por meio do qual esta pretende a modulação de efeitos daquela decisão. Todavia, não houve determinação de suspensão do trâmite de todos os processos que versem sobre a questão, de modo que não há impedimento ao exame da matéria por este Tribunal.

 

A impetrante, por meio do presente Mandado de Segurança, objetiva provimento que autorize suas associadas a utilizarem os créditos de PIS e COFINS calculados sobre as aquisições de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço, de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de zinco e de estanho, adquiridas de empresas sujeitas a apuração do IRPJ seja pela sistemática do “lucro real”, seja pelo “lucro presumo”, ou ainda por optantes do regime de tributação do Simples Nacional. Requer, ainda, o reconhecimento do direito das suas associadas apropriarem extemporaneamente os referidos créditos na forma prevista no § 4º do artigo 3º das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, ou ainda aproveitarem, mediante compensação, os referidos créditos, observada a prescrição quinquenal, devidamente acrescidos da taxa SELIC.

 

O art. 47 da Lei 11.196/2005 veda o direito ao creditamento de desperdícios, resíduos ou aparas utilizados como insumos:

 

Art. 47. Fica vedada a utilização do crédito de que tratam o inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e o inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, nas aquisições de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço, de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de zinco e de estanho, classificados respectivamente nas posições 39.15, 47.07, 70.01, 72.04, 74.04, 75.03, 76.02, 78.02, 79.02 e 80.02 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, e demais desperdícios e resíduos metálicos do Capítulo 81 da Tipi.

 

O art. 48 da Lei 11.196/2005, por sua vez, prevê hipótese de suspensão do PIS/COFINS, nestes termos:

 

Art. 48. A incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins fica suspensa no caso de venda de desperdícios, resíduos ou aparas de que trata o art. 47 desta Lei, para pessoa jurídica que apure o imposto de renda com base no lucro real. (Vigência) Parágrafo único. A suspensão de que trata o caput deste artigo não se aplica às vendas efetuadas por pessoa jurídica optante pelo Simples.

 

A impetrante alega que a vedação imposta pelo art. 47 Lei nº 11.196/05 incorre em nítida ofensa aos parâmetros estabelecidos para a não-cumulatividade do PIS/COFINS, especialmente se analisados em conjunto com a necessidade de preservação do meio-ambiente, no sentido de que produtos com menor potencial ambiental, como no caso da sucata, deve ter tratamento que incentive o seu desenvolvimento, e não o contrário, bem como a isonomia tributária, na medida em que a ausência do direito ao crédito sobre os insumos, a despeito de uma pretensa solução tributária neutra para o segmento da reciclagem, estabelece uma distorção para toda a cadeia produtiva – e por esse motivo deve ser afastada.

 

O C. Supremo Tribunal Federal, no RE 607.109 - Tema 304, submetido à sistemática prevista no art. 543-B do CPC/73, art. 1036 do CPC/15, examinou a questão posta a julgamento e firmou a tese no sentido de que: "São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis". O acórdão encontra-se assim ementado:

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO AMBIENTAL. 2. Tema 304 da sistemática da Repercussão Geral. 3. Artigos 47 e 48 da Lei federal 11.196/2005. Possibilidade de apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis. 4. Coexistência dos regimes cumulativo e não cumulativo da contribuição ao PIS/Cofins. Dualidade de alíquotas. Prejuízos econômicos ao contribuinte industrial dedicado à reciclagem. 5. Inconstitucionalidade de tratamento tributário prejudicial à indústria de reciclagem. Princípio do protetor recebedor. Possibilidade concreta de os créditos fiscais superarem o valor do PIS/Cofins recolhido na etapa anterior da cadeia de produção. Afronta aos princípios da isonomia tributária, neutralidade fiscal e ao regime tributário favorecido e simplificado devido à microempresa e à empresa de pequeno porte. 6. Ética ambiental. Estado Socioambiental de Direito. Sustentabilidade ecológica e social. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Artigos 170, inciso VI, e 225, da Constituição Federal. Vinculação do Legislador ordinário. Impossibilidade do esvaziamento do substrato axiológico dos direitos fundamentais ambientais. Inconstitucionalidade de tratamento tributário mais gravoso ao elo mais frágil da cadeia produtiva. População de baixa renda. Afronta às normas fundamentais de defesa do meio ambiente e da valorização do trabalho humano. 7. Fixação da tese: “São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis". Recurso extraordinário provido. (STF, RE 607.109, rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 13.08.2021).

 

 

A partir da leitura do voto condutor do julgamento, de lavra do e. Min. Gilmar Mendes, extrai-se que a vedação imposta pelo art. 47 Lei 11.196/05 viola o disposto no art. 170, inciso VI, da CF e as normas constitucionais relacionadas com a promoção e a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois impõe tratamento tributário prejudicial às empresas que, realizando os objetivos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (art. 7º da Lei 12.305/10), investiram em métodos industriais menos lesivos ao meio ambiente, bem como fere a isonomia tributária, ao discriminar empresas que concorrem em um mesmo segmento econômico com base em um critério de distinção ilegítimo.

 

Na ocasião, e. Min. Gilmar Mendes enfatizou que "a proibição de abatimento de créditos na aquisição de insumos reutilizáveis (art. 47 da Lei 11.196/2005) não é suficientemente compensada pela isenção de PIS/Cofins concedida em benefício das cooperativas de catadores (art. 48), resultando em uma elevação da carga tributária total incidente sobre o processo de reciclagem".

 

Dessa forma, o argumento de que o direito ao creditamento somente deve ser reconhecido caso tenha havido incidência da contribuição na etapa anterior não merece prosperar. No julgamento de mérito do RE 607.109, o Supremo Tribunal enfrentou e rebateu o aludido argumento, para reconhecer o direito ao creditamento independentemente da incidência da contribuição na etapa anterior.

 

Por oportuno, vale destacar os seguintes excertos do voto do e. Min. Gilmar Mendes: 

 

"(...) Como visto, o benefício tributário assegurado pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 consiste basicamente no seguinte: as empresas recolhem as contribuições para o PIS e Cofins por uma alíquota mais elevada, de 9,25%, mas, a título de compensação, têm o direito de abater os créditos assegurados pela legislação tributária. No presente recurso extraordinário, a discussão cinge-se à constitucionalidade de dispositivos legais que, destoando dessa lógica, proíbem empresas submetidas ao regime não cumulativo – sujeitas, portanto, à alíquota majorada – de compensarem créditos oriundos da aquisição de insumos recicláveis. (...) Não há espaço, contudo, para o esvaziamento do substrato axiológico da norma prevista no art. 170, inciso VI, da CF, mediante a imposição de tratamento tributário prejudicial às empresas que, realizando os objetivos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (art. 7º da Lei 12.305/10), investiram em métodos industriais menos lesivos ao meio ambiente. O prejuízo causado pelo art. 47 da Lei 11.196/2005 às cadeias de produção dedicadas à reciclagem de resíduos sólidos foi minuciosamente descrito pela eminente Ministra Rosa Weber. Contudo, na visão de Sua Excelência, uma “ interpretação conjunta dos arts. 47 e 48 da Lei nº 11.196 /2005 afasta o alegado tratamento tributário mais gravoso para a aquisição de produtos não recicláveis” . Por essa perspectiva, não haveria “ violação ao princípio da isonomia, ou menoscabo da proteção ao meio ambiente (ainda que se admita que este pudesse ser aplicado para afastar incidência tributária, o que não me parece ser o caso)... Peço vênia para dissentir das conclusões da eminente relatora, pois, como demonstrei no decorrer do voto, parece-me que a proibição de abatimento de créditos na aquisição de insumos reutilizáveis (art. 47 da Lei 11.196/2005) não é suficientemente compensada pela isenção de PIS/Cofins concedida em benefício das cooperativas de catadores (art. 48), resultando em uma elevação da carga tributária total incidente sobre o processo de reciclagem. O resultado é estarrecedor. Hoje, do ponto de vista tributário, há maiores incentivos econômicos para os produtores que investem em tecnologias convencionais, assentadas no manejo florestal, do que para aqueles que adotam alternativas menos agressivas ao meio ambiente. (...) A injustiça desse sistema é perversa, pois, em rigor, os maiores prejudicados por tamanho desatino serão justamente os agentes econômicos que compõem elo mais frágil da cadeia produtiva, no caso, as cooperativas de catadores de materiais recicláveis, formadas por pessoas físicas de baixa renda. São elas que, invariavelmente, suportarão as consequências nocivas da política tributária instituída pela Lei 11.196/2005, já que, no limite, serão obrigadas a reduzir sua margem de lucro para compensar a elevação da carga tributária gerada pelo impedimento à compensação de créditos fiscais. (...) Assim, as empresas do ramo de reciclagem retornarão para o regime geral do PIS/Cofins, aplicável indiscriminadamente aos demais agentes econômicos, afastando o risco de o Tribunal incorrer em casuísmo e, involuntariamente, agravar as imperfeições sistêmicas da legislação tributária.

 

(...) embora o legislador tenha visado a beneficiar os catadores de papel, a legislação provocou graves distorções que acabam por desestimular a compra de materiais reciclados. Hoje, do ponto de vista tributário, é economicamente mais vantajoso comprar insumos da indústria extrativista do que adquirir matéria-prima de cooperativas de catadores de materiais recicláveis. Trata-se, portanto, de legislação que, na tentativa de beneficiar as cooperativas de catadores, introduziu externalidades negativas na indústria de reciclagem, obliterando as vantagens competitivas dos agentes econômicos que a integram. Dito de outro modo, os dispositivos impugnados espraiam efeitos nocivos na indústria da celulose, fomentando as produtoras de celulose a migrarem para o método extrativista, o qual, mesmo quando promovido de forma sustentável, produz maior grau de degradação ambiental. Veja que, nesse contexto, para ganharem sobrevida no mercado, as cooperativas de materiais reciclados são obrigadas a reduzir o valor de seus produtos, na proporção necessária à  neutralização das externalidades geradas pelos arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005. Do contrário, perdem espaço para a indústria extrativista, que, por um descuido do legislador, é favorecida pela legislação tributária. (...) Há, aqui, ofensa frontal ao princípio da isonomia em matéria tributária, previsto no art. 150, inciso II, da Constituição a Federal, na linha do parecer elaborado pelo professor Humberto Ávila (eDOC 1, p. 237257). Nele, demonstra o parecerista que a legislação impugnada discrimina empresas que concorrem em um mesmo segmento econômico (fabricação de celulose) com base em um critério de distinção ilegítimo".

 

De acordo com o precedente vinculante da Suprema Corte, os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005 são inconstitucionais sob a ótica ambiental, bem como pela ótica tributária, ao malferir o princípio da igualdade/isonomia tributária.

 

No caso em apreço, a Impetrante é uma associação civil, sem fins lucrativos, que tem por objetivo defender os interesses de seus associados, promover, incentivar e facilitar a colaboração recíproca no que tange aos interesses comuns das empresas e indústrias da cadeia produtiva da transformação e da reciclagem de material plástico que operam no país, visando o desenvolvimento do setor.

 

As associadas da Impetrante, no desenvolvimento regular de suas atividades industriais e comerciais, praticam operações venda de mercadorias, das quais aufere receitas, o que determina a necessidade de efetuar o recolhimento da contribuição devida ao Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, nos termos do art. 195, inciso I da Lei Maior.

 

Como visto, pretende creditar-se do montante despendido com a aquisição de desperdícios, resíduos e aparas, na apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS, afastando-se a ilegítima e inconstitucional vedação prevista no art. 47 da Lei 11.196/05. 

 

Resta evidente que tais bens devem ser reputados como insumos, segundo o teste de essencialidade a que se refere o paradigma firmado no REsp 1.221.770, julgado sob rito repetitivo.

 

Diante da declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal, o creditamento deve ser viabilizado, em observância ao precedente vinculante.

 

Finalmente, com a declaração da inconstitucionalidade do artigo 48 da Lei 11.196/2005, a aquisição de tais bens passa a ser tributada a título de PIS/COFINS, cumprindo, assim, o requisito previsto no artigo 3º, § 2º, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.

 

Apesar disso, não há óbice às associadas da apelante apurem e utilizem os créditos existentes nos últimos 5 (cinco) anos. E quanto ao ponto, não se trata de compensação de valor indevidamente recolhido, e sim de saldo de crédito escritural não utilizado.

 

A e. Terceira Turma já enfrentou o tema, no Julgamento da Apelação Cível 5004489-84.2021.4.03.6128, oportunidade em que destacou que "O manejo pretendido é dos próprios créditos escriturais, e não do saldo excedente pago ao Fisco pela falta de apropriação de tais valores contábeis, à época própria. Sucede que, nestes termos, em se tratando de compensação de crédito escritural, sem notícia de anterior resistência fiscal, a SELIC incide apenas após escoado o prazo de 360 dias para análise do pedido administrativo respectivo pelo Fisco, tal como decidido pelo Superior Tribunal de Justiça sob sistemática repetitiva (REsp 1.767.945, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 06/05/2020).".

 

Na ocasião, concluiu que "Assim, créditos escriturais reconhecidos podem ser lançados extemporaneamente na escrita fiscal, sem atualização monetária e sob prescrição quinquenal (Decreto 20.910/1932) a partir da propositura da ação (sem prejuízo de eventual decisão do Supremo Tribunal Federal sobre modulação dos efeitos da inconstitucionalidade, conforme aplicável), para amortização das contribuições devidas, ou, na ausência de valores de PIS/COFINS a pagar, para compensação na via administrativa, em procedimento próprio, com comprovação e liquidação dos valores envolvidos, observados os critérios consagrados na jurisprudência; artigo 170-A, CTN (trânsito em julgado da decisão); artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, conforme regime legal vigente na propositura da ação. Em se tratando de declaração de compensação de crédito escritural, ausente resistência fiscal anterior, a SELIC é devida após 360 dias do protocolo do encontro de contas."

 

Dessa forma, deve ser assegurada às associadas da impetrante a compensação na via administrativa, observados os critérios acima apontados. A remessa necessária, tida por ocorrida, deve ser parcialmente provida neste ponto, para estabelecer os parâmetros que devem ser observados por ocasião da compensação de saldo de crédito escritural não utilizado.

 

Nesse sentido, esta e. Terceira Turma já decidiu:

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PIS/COFINS. CREDITAMENTO. ARTIGOS 47 E 48 DA LEI 11.196/2005. TEMA 304. REPERCUSSÃO GERAL. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. INSUMOS. TESTE DE ESSENCIALIDADE. RESP 1.221.170. RESSARCIMENTO CABÍVEL. CRÉDITOS ESCRITURAIS. CONSECTÁRIOS LEGAIS.

1. Cabível remessa oficial, que se tem por submetida, a teor da previsão contida no artigo 14, § 1º, da Lei 12.016/2009.

2. Foram pleiteados créditos de PIS/COFINS, no regime não cumulativo, por aquisição de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, papel ou cartão, vidro, ferro ou aço, cobre, níquel, alumínio, chumbo, zinco e estanho, sendo apontado serem tais itens insumos essenciais à consecução de suas atividades econômicas e que a proibição do creditamento de tais aquisições (artigos 47 e 48 da Lei 11.196/2005) viola diversos princípios constitucionais, em especial os da isonomia (artigos 5º e 150, II), proporcionalidade, razoabilidade, capacidade contributiva (artigo 145, § 1º), não confisco (artigo 150, IV), não cumulatividade (artigo 195, § 12) e proteção do meio ambiente (artigos 170, VI, e 225, CF). 

3. Acerca de tais dispositivos, cumpre ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, firmou a tese no sentido de que "São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis", conforme acórdão no RE 607.109 (Tema 304).

4. Cotejando bens adquiridos (desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, papel ou cartão, vidro, ferro ou aço, cobre, níquel, alumínio, chumbo, zinco e estanho) com atividades do objeto social (atividade principal de recuperação de materiais plásticos e atividades secundárias de fabricação de artefatos de material plástico para diversos usos, etc.), é inequívoco que a aquisição refere-se a insumos, segundo teste de essencialidade (REsp 1.221.770). De outra parte, a atividade econômica enquadra-se na tipologia legal de produção de bens, assim atendendo à especificação setorial da previsão de creditamento constante do artigo 3º, caput, II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.

5. Finalmente, declarada inconstitucionalidade do artigo 48 da Lei 11.196/2005, a aquisição de tais bens passa a ser tributada a título de PIS/COFINS, cumprindo, assim, o requisito previsto no artigo 3º, § 2º, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.

6. Contudo, não se trata de compensação de indébito fiscal, mas de saldo de crédito escritural não utilizado. O lançamento contábil extemporâneo, pleiteado e deferido, opera-se ex nunc, e não com imputação retroativa a eventuais pagamentos pretéritos de PIS/COFINS, para identificação de recolhimentos a maior anteriores. O manejo pretendido é dos próprios créditos escriturais, e não do saldo excedente pago ao Fisco pela falta de apropriação de tais valores contábeis, à época própria. Em se tratando de compensação de crédito escritural sem notícia de anterior resistência fiscal, a SELIC incide apenas após escoado o prazo de 360 dias para análise do pedido administrativo respectivo pelo Fisco, tal como decidido pelo Superior Tribunal de Justiça sob sistemática repetitiva (REsp 1.767.945). Logo, nenhum valor reconhecido nos autos pode ser objeto de ressarcimento ou restituição administrativa em espécie, sob pena de violação do regime constitucional de precatórios.

7. Os créditos escriturais reconhecidos podem ser lançados extemporaneamente na escrita fiscal, sem atualização monetária e sob prescrição quinquenal (Decreto 20.910/1932) a partir da propositura da ação (sem prejuízo de eventual decisão do Supremo Tribunal Federal sobre modulação dos efeitos da inconstitucionalidade, conforme aplicável), para amortização das contribuições devidas, ou, na ausência de valores de PIS/COFINS a pagar, para compensação na via administrativa, em procedimento próprio, com comprovação e liquidação dos valores envolvidos, observados os critérios consagrados na jurisprudência; artigo 170-A, CTN (trânsito em julgado da decisão); artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, conforme regime legal vigente na propositura da ação. Em se tratando de declaração de compensação de crédito escritural, ausente resistência fiscal anterior, a SELIC é devida após 360 dias do protocolo do encontro de contas.

8. Sobre a restituição administrativa, que tem sido deferida com base na Súmula 461 do Superior Tribunal de Justiça, cabe observar que o enunciado, ao fazer referência expressa a "precatório", registra entendimento de que não é possível que o ressarcimento de indébito fiscal, em espécie, reconhecido judicialmente, possa gerar condenação a pagamento fora do regime constitucional do precatório (artigo 100, Constituição Federal). De fato, o regime de precatório busca preservar a ordem cronológica de requisições e, sobretudo, preferências alimentares, o que não se verifica possível ou garantido na via administrativa, até porque, nela, não concorrem, de forma conjunta e simultânea, as variadas cobranças em dinheiro contra a Fazenda Pública, ao contrário do que ocorre com requisições judiciais de precatórios que, inclusive, são todas globalmente organizadas e inseridas cronologicamente na previsão orçamentária anual para execução no exercício financeiro posterior. Permitir que se utilize a via administrativa para receber pagamento de indébito fiscal em detrimento do sistema de precatório foi reconhecido, inclusive, como inconstitucional pela Suprema Corte que, por semelhança, aplicou a solução expressa no Tema 831 da sistemática de repercussão geral (RE 1.069.065).

9. Apelação e remessa necessária, tida por submetida, providas em parte. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004489-84.2021.4.03.6128, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 20/03/2023, Intimação via sistema DATA: 21/03/2023)

                                     

Os valores desembolsados com a aquisição de insumos reaproveitados, a partir da competência 07/2021 – vencimento agosto/2021, assegurarão a compensação de valor indevidamente recolhido. 

 

Nessa hipótese, o contribuinte poderá realizar a compensação administrativa após o trânsito em julgado da ação (art. 170-A do CTN), com atualização dos valores mediante aplicação da taxa Selic (art. 39, § 4º, da Lei 9.250/1995) e observância do disposto no art. 74 da Lei 9.430/1996 e demais dispositivos vigentes na data da propositura da ação. É ressalvado ao contribuinte o direito de proceder a essa compensação em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios (REsp 1.137.738/SP – Tema 265 dos recursos repetitivos).

 

A análise e exigência da documentação necessária para apuração do valor, bem como os critérios para a efetivação da compensação cabem ao Fisco, nos termos da legislação de regência, observando-se a revogação do parágrafo único do art. 26 da Lei 11.457/2007, pelo art. 8º da Lei 13.670 de 30 de maio de 2018, que também incluiu o art. 26-A da Lei 11.457/2007, elucidando a aplicabilidade do disposto no art. 74 da Lei 9.430/96, vedando a compensação com as contribuições previdenciárias nele mencionadas.

 

Em relação à correção monetária, pacífico é o entendimento segundo o qual esta se constitui mera atualização do capital, e visa restabelecer o poder aquisitivo da moeda, corroída pelos efeitos nocivos da inflação, de forma que os créditos do contribuinte devem ser atualizados monetariamente desde a data do recolhimento indevido (Súmula STJ 162) até a data da compensação, com a aplicação da taxa SELIC, com fulcro no art. 39, § 4º da Lei 9.250/95, afastada a aplicação de qualquer outro índice a título de juros e de correção monetária.

 

Em face do exposto, nego provimento à apelação da União, dou parcial provimento à remessa necessária, tida por ocorrida, para estabelecer os parâmetros que devem ser observados por ocasião da compensação de saldo de crédito escritural não utilizado e dou provimento à apelação da impetrante, nos termos da fundamentação acima. 

 

É como voto.

 



E M E N T A

 

DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ARTIGO 2°-A DA LEI 9.494/1997 NÃO APLICÁVEL. PIS/COFINS. CREDITAMENTO. ARTS. 47 E 48 DA LEI 11.196/2005. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO MANIFESTADO PELO STF NO TEMA 304 DA REPERCUSSÃO GERAL. COMPENSAÇÃO. PARÂMETROS.

1. Com relação ao alcance subjetivo do mandado de segurança coletivo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, em sede de embargos de divergência, que os efeitos da sentença coletiva, nos casos em que a entidade sindical atua como substituta processual, não estão adstritos aos filiados à entidade sindical à época do oferecimento da ação coletiva, nem sua abrangência cinge-se somente ao âmbito territorial da jurisdição do órgão prolator da decisão, salvo se houver restrição expressa no título executivo judicial (EREsp n. 1.770.377/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 7/5/2020). Sentença parcialmente reformada no tocante à limitação territorial dos efeitos da sentença proferida no presente mandado de segurança coletivo.

2.  A matéria em discussão nestes autos foi afetada pelo Supremo Tribunal Federal à sistemática da repercussão geral (Tema 304 - RE 607.109), tendo sido proferida decisão de mérito, pendente apenas o julgamento dos embargos de declaração opostos pela União, por meio do qual pretende a modulação de efeitos daquela decisão. Todavia, não houve determinação de suspensão do trâmite de todos os processos que versem sobre a questão, de modo que não há impedimento ao exame da matéria por este Tribunal.

3. O art. 47 da Lei 11.196/2005 veda o direito ao creditamento de desperdícios, resíduos ou aparas utilizados como insumos.

4. O C. Supremo Tribunal Federal, no RE 607.109 - Tema 304, submetido à sistemática prevista no art. 543-B do CPC/73, art. 1036 do CPC/15, examinou a questão posta a julgamento e firmou a tese no sentido de que: "São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis".

5. Extrai-se do voto condutor de lavra do e. Min. Gilmar Mendes que a vedação imposta pelo art. 47 Lei 11.196/05 viola o disposto no art. 170, inciso VI, da CF e as normas constitucionais relacionadas com a promoção e a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois impõe tratamento tributário prejudicial às empresas que, realizando os objetivos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (art. 7º da Lei 12.305/10), investiram em métodos industriais menos lesivos ao meio ambiente, bem como fere a isonomia tributária, ao discriminar empresas que concorrem em um mesmo segmento econômico com base em um critério de distinção ilegítimo.

6. Enfatizou-se  que "a proibição de abatimento de créditos na aquisição de insumos reutilizáveis (art. 47 da Lei 11.196/2005) não é suficientemente compensada pela isenção de PIS/Cofins concedida em benefício das cooperativas de catadores (art. 48), resultando em uma elevação da carga tributária total incidente sobre o processo de reciclagem".

7. O argumento de que o direito ao creditamento somente deve ser reconhecido caso tenha havido incidência da contribuição na etapa anterior não merece prosperar. No julgamento de mérito do RE 607.109, o Supremo Tribunal enfrentou e rebateu o aludido argumento, para reconhecer o direito ao creditamento independentemente da incidência da contribuição na etapa anterior.

8. No caso em apreço, a Impetrante é uma associação civil, sem fins lucrativos, que tem por objetivo defender os interesses de seus associados, promover, incentivar e facilitar a colaboração recíproca no que tange aos interesses comuns das empresas e indústrias da cadeia produtiva da transformação e da reciclagem de material plástico que operam no país, visando o desenvolvimento do setor.

9. As associadas da Impetrante, no desenvolvimento regular de suas atividades industriais e comerciais, praticam operações venda de mercadorias, das quais aufere receitas, o que determina a necessidade de efetuar o recolhimento da contribuição devida ao Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, nos termos do art. 195, inciso I da Lei Maior.

10. Com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 48 da Lei 11.196/2005, a aquisição de tais bens passa a ser tributada a título de PIS/COFINS, cumprindo, assim, o requisito previsto no artigo 3º, § 2º, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.

11. Não há óbice para que a apelante apure e utilize os créditos existentes nos últimos 5 (cinco) anos. Não se trata de compensação de valor indevidamente recolhido, e sim de saldo de crédito escritural não utilizado.

12. Diante da declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal, o creditamento deve ser viabilizado, em observância ao precedente vinculante.

13. A e. Terceira Turma já enfrentou o tema, no Julgamento da Apelação Cível 5004489-84.2021.4.03.6128, oportunidade em que destacou que "O manejo pretendido é dos próprios créditos escriturais, e não do saldo excedente pago ao Fisco pela falta de apropriação de tais valores contábeis, à época própria. Sucede que, nestes termos, em se tratando de compensação de crédito escritural, sem notícia de anterior resistência fiscal, a SELIC incide apenas após escoado o prazo de 360 dias para análise do pedido administrativo respectivo pelo Fisco, tal como decidido pelo Superior Tribunal de Justiça sob sistemática repetitiva (REsp 1.767.945, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 06/05/2020).".

14. Na ocasião, concluiu que "Assim, créditos escriturais reconhecidos podem ser lançados extemporaneamente na escrita fiscal, sem atualização monetária e sob prescrição quinquenal (Decreto 20.910/1932) a partir da propositura da ação (sem prejuízo de eventual decisão do Supremo Tribunal Federal sobre modulação dos efeitos da inconstitucionalidade, conforme aplicável), para amortização das contribuições devidas, ou, na ausência de valores de PIS/COFINS a pagar, para compensação na via administrativa, em procedimento próprio, com comprovação e liquidação dos valores envolvidos, observados os critérios consagrados na jurisprudência; artigo 170-A, CTN (trânsito em julgado da decisão); artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, conforme regime legal vigente na propositura da ação. Em se tratando de declaração de compensação de crédito escritural, ausente resistência fiscal anterior, a SELIC é devida após 360 dias do protocolo do encontro de contas."

15. A remessa necessária, tida por ocorrida, deve ser parcialmente provida neste ponto, para estabelecer os parâmetros acima indicados, que devem ser observados por ocasião da compensação de saldo de crédito escritural não utilizado.

16. Os valores desembolsados com a aquisição de insumos reaproveitados, a partir da competência 07/2021 – vencimento agosto/2021, assegurarão a compensação de valor indevidamente recolhido. O contribuinte poderá realizar a compensação administrativa após o trânsito em julgado da ação (art. 170-A do CTN), com atualização dos valores mediante aplicação da taxa Selic (art. 39, § 4º, da Lei 9.250/1995) e observância do disposto no art. 74 da Lei 9.430/1996 e demais dispositivos vigentes na data da propositura da ação. É ressalvado ao contribuinte o direito de proceder a essa compensação em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios (REsp 1.137.738/SP – Tema 265 dos recursos repetitivos).

17. A análise e exigência da documentação necessária para apuração do valor, bem como os critérios para a efetivação da compensação cabem ao Fisco, nos termos da legislação de regência, observando-se a revogação do parágrafo único do art. 26 da Lei 11.457/2007, pelo art. 8º da Lei 13.670 de 30 de maio de 2018, que também incluiu o art. 26-A da Lei 11.457/2007, elucidando a aplicabilidade do disposto no art. 74 da Lei 9.430/96, vedando a compensação com as contribuições previdenciárias nele mencionadas.

18. Em relação à correção monetária, pacífico é o entendimento segundo o qual esta se constitui mera atualização do capital, e visa restabelecer o poder aquisitivo da moeda, corroída pelos efeitos nocivos da inflação, de forma que os créditos do contribuinte devem ser atualizados monetariamente desde a data do recolhimento indevido (Súmula STJ 162) até a data da compensação, com a aplicação da taxa SELIC, com fulcro no art. 39, § 4º da Lei 9.250/95, afastada a aplicação de qualquer outro índice a título de juros e de correção monetária.

19. Apelação da União desprovida. 

20. Remessa necessária, tida por ocorrida, provida parcialmente.

21. Apelação da impetrante provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação da União, deu parcial provimento à remessa necessária, tida por ocorrida, e deu provimento à apelação da impetrante, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.