Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5035998-20.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

APELADO: PAULA FERREIRA DE CARVALHO

Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE FONSECA COLNAGHI - SP367117-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5035998-20.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

 

APELADO: PAULA FERREIRA DE CARVALHO

Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE FONSECA COLNAGHI - SP367117-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação em AÇÃO DECLARATÓRIA interposta por PAULA FERREIRA DE CARVALHO, contra ato do IBAMA MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, com pedido liminar de tutela antecipada, para determinar à autoridade impetrada que autorize a criação de animal em ambiente doméstico, tendo em vista sua debilitação permanente, concedendo-se, ao final, definitivamente a segurança. Requerido o benefício de justiça gratuita. Atribuído à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Aduziu a autora que encontrou um Sagui (animal silvestre) a beira da estrada apresentando sinais de desnutrição e enfermidade, dirigiu-se ao local para resgatá-lo, notou que apresentava uma coloração em azul esbranquiçado nos olhos e por meio de laudos veterinários, contatou-se que o animal é cego, assim não possuindo condições de se reabilitar em seu ambiente natural. (Id 272371856).

Concedido o benefício de justiça gratuita e postergada a análise da liminar. (Id 272371858)

Intimado, o IBAMA requereu o prosseguimento normal do feito. (Id 272371860)

Deferida a liminar para conceder em sede de TUTELA ANTECIPADA a guarda do sagui à autora para criação em ambiente doméstico, até ordem em sentido contrário (Id 272371861).

Em alegações finais o IBAMA, veio ratificar sua contestação em termos de alegações finais (ID. 184701145, pág. 76-79 e 91-100), pugnando pelo julgamento da lide, no estado em que se encontra, mediante acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva levantada. No mérito, a pretensão esbarra em expressa violação legal, de modo que a improcedência é medida que se impõe. (Id 272371865)

Regularmente processado o feito, o MM. Juiz de primeiro grau JULGOU PROCEDENTE o pedido inicial, extinguindo o feito, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para conceder a guarda definitiva do animal silvestre (sagui) à autora para criação do referido símio em ambiente doméstico. Condenando o IBAMA ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, que arbitrou em R$1.000,00 (mil reais), nos termos do artigo 85, parágrafos 2º e 8º do Diploma Processual Civil. (Id 272371866)

 Apelação do IBAMA, na qual alegou, inicialmente, a ilegitimidade passiva da autoridade coatora, nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, bem como na Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011 na medida em que foi firmado Acordo de Cooperação Técnica de Gestão Compartilhada da Fauna Silvestre entre o IBAMA e a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, de tal sorte que a gestão e controle das atividades de uso e manejo da fauna silvestre em São Paulo passaram a ser competência do referido estado-membro. Também alega que nenhum animal que compõe a fauna silvestre nacional é passível de apropriação por particular, por se tratar de bem de toda a coletividade, ainda mais se o animal for adquirido de maneira ilícita, conforme a Lei nº 5.197/1967. Por fim, argumenta que lugar de animais silvestres, nascidos livremente na natureza, não é em gaiolas ou viveiros, onde, na maioria das vezes, adquirem comportamento completamente fora de seus padrões naturais, deste modo a alegação de que o animal estaria completamente adaptado ao ambiente doméstico é infundada, vez que não é possível comprovar, assim sendo apenas para satisfação pessoal da autora. Posto isso, requer a Autarquia, preliminarmente, seja reconhecida sua ilegitimidade passiva. Caso afastada a alegação, seja conhecido e provido o presente recurso para REFORMAR A DECISÃO ATACADA e JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO, com a inversão do ônus da sucumbência. (Id 272371868)

A parte apelada apresentou contrarrazões. (Id 272371871)

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5035998-20.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

 

APELADO: PAULA FERREIRA DE CARVALHO

Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE FONSECA COLNAGHI - SP367117-A

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V O T O

 

De início, registro que incide, no caso, o disposto no artigo 496, I, do Código de Processo Civil, sujeitando-se a sentença ao reexame necessário, ora tido como submetido.

Rejeito, inicialmente, a preliminar de ilegitimidade passiva alegada pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, pois, a competência estadual para o controle de apanha limita-se aos estabelecimentos licenciados pelos próprios Estados, sendo da União Federal a competência residual, conforme o artigo 24, VI da Constituição Federal, que dispõe sobre a competência concorrente da União, dos estados e do Distrito Federal para legislar sobre meio ambiente.

Assim, resta claro que o IBAMA possui legitimidade para figurar no polo passivo deste processo, porquanto tem atribuição para regulamentar e deferir a guarda de animal silvestre, tal como requerido pela parte apelada.

Ademais, o Acordo de Cooperação Técnica de Gestão Compartilhada da Fauna Silvestre entre o IBAMA e a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, implica em uma atuação compartilhada, de modo que a gestão da fauna pelo Estado de São Paulo, por meio da Secretaria do Meio Ambiente, será de modo auxiliar. 

Vale lembrar que os entes públicos devem cooperar pela proteção ambiental, sendo irrenunciável o dever de atuar como garantidos da proteção do meio ambiente, de acordo com o princípio da natureza pública da proteção ambiental.

Assim como prevê a responsabilidade do poder público e de toda a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo no artigo 225 da Constituição Federal.

Cabe ressaltar que a Lei Complementar nº 140/2011 define a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.

O artigo 7° da mesma lei define um rol ações de competência da UNIÃO, e em seu inciso XX dispõe que:

Art. 7oSão ações administrativas da União: 

XX - controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas; 

Já o IBAMA (autarquia federal, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente), tem suas principais atribuições definidas na Lei nº 7735/89, com a redação que lhe deu o art. 5º da Lei nº 11.516/2007, sendo elas: 

I. Exercer o poder de polícia ambiental;

II. Executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e

III. Executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.

Embora o IBAMA tenha firmado o acordo de cooperação com a secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo para efetivar a atribuição, a autarquia federal ainda tem competência para proteger e monitorar os animais silvestres, assim tendo legitimidade passiva.

Deste modo, cabe ao IBAMA (autarquia federal), ao executar as ações supletivas de competência da União, e demais órgãos cooperarem para melhor aproveitamento da proteção do meio ambiente.

Nesse sentido, destaca-se o julgado desta Corte:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. IBAMA. ANIMAL SILVESTRE AMBIENTE DOMÉSTICO. LEGITIMIDADE PASSIVA E INTERESSE DE AGIR. CONVÍVIO DOMÉSTICO E BEM-ESTAR DO ANIMAL ASSEGURADO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE. SUCUMBÊNCIA.

1. Ainda que firmado Acordo de Cooperação Técnica entre o IBAMA e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo para execução das atribuições, a autarquia federal permanece com competência para proteger e fiscalizar animais silvestres. A ausência de ato pretérito de apreensão do animal não prejudica o interesse processual da autora, diante do risco  de sancionamento administrativo, considerando a postura do órgão ambiental em relação à ilegalidade da conduta, de modo a autorizar, assim, a parte interessada a valer-se do Judiciário para assegurar a manutenção da ave sob os cuidados de sua família.

2. No mérito, assentou-se a jurisprudência nacional no sentido de ser admitida a manutenção de posse de animal silvestre criado em ambiente doméstico por muitos anos e, assim, não adaptado à vida selvagem, devendo-se levar em conta o bem-estar do animal.

3. Na espécie, os documentos juntados comprovam que a ave foi criada como animal de estimação por mais de dezesseis anos, estando totalmente domesticada e não podendo mais ser reintegrada à vida selvagem. Ademais, consta que recebe os devidos cuidados quanto à saúde e bem-estar, como apontam imagens juntadas à inicial, depoimentos de vizinhos e atestado clínico veterinário.

4. Presentes, no caso, as condições necessárias para garantia da guarda da ave pela autora, à luz da jurisprudência. Saliente-se, ainda, que a sentença ressalvou que "o direito ora reconhecido em nada obsta a atuação do requerido e de outras entidades e órgãos vocacionados à proteção ambiental na fiscalização e apuração relacionadas ao bem-estar da ave supracitada, ficando a autora sujeita às sanções cabíveis", de modo que eventuais providências destinadas ao acompanhamento do bem-estar do animal, como fiscalização de condições de higiene, avaliação veterinária, colocação de chip ou anilha de identificação, permanecem autorizadas, a critério das autoridades competentes, sem prejuízo de eventual apreciação judicial.

5. Fixada verba honorária pelo trabalho adicional em grau recursal, em observância ao comando e critérios do artigo 85, §§ 8º e 11, do Código de Processo Civil.

6. Apelação desprovida.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001870-03.2020.4.03.6134, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 27/07/2021, DJEN DATA: 30/07/2021)

 

No mais, a guarda de animais silvestres sem a devida autorização pode ser considerada tanto um crime ambiental quanto uma infração administrativa ambiental, de acordo com o art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/98. Essa medida tem como principal objetivo combater o comércio ilegal de espécies da fauna silvestre, mais conhecido como tráfico de animais.

Portanto a jurisprudência nacional vem se flexibilizando cada vez mais, em razão da finalidade do bem-estar animal, entendendo que se deve observar o princípio da razoabilidade, considerando-se as circunstâncias específicas do caso em tela.

Levando em consideração a situação específica do animal, o órgão competente pode conceder a autorização em função das suas necessidades especiais.

In casu, o animal em questão possui debilidade oftamologica o que afeta sua sobrevivência (comprovado por laudo veterinário) e agravado por razoes de estar vivendo em ambiente doméstico a mais de 4 anos.

Na esteira desse entendimento:

AMBIENTAL. GUARDA DOMÉSTICA DE PAPAGAIOS. ANIMAIS ADAPTADOS AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE. AGRAVO INTERNO DO IBAMA DESPROVIDO.

1. Esta Corte Superior consolidou entendimento da possibilidade de manutenção de animal silvestre em ambiente doméstico quando já adaptado ao cativeiro por muitos anos, em especial, e quando as circunstâncias fáticas não recomendarem o retorno ao seu habitat natural, como ocorreu no caso dos autos. Precedentes: AgInt no REsp. 1.389.418/PB, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 27.9.2017; AgInt no REsp. 1.553.553/PE, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 28.8.2017.

2. Agravo Interno do IBAMA desprovido.

(STJ, 1ª Turma, AIntAREsp 668.359, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 05/12/2017)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IBAMA. GUARDA DE ANIMAL SILVESTRE. FINALIDADE MAIOR DAS NORMAS AMBIENTAIS É PROTEÇÃO DOS ANIMAIS. AVES ADAPTADAS HÁ ANOS AO AMBIENTE DOMÉSTICO. REEXAME NECESSÁRIO E APELO NÃO PROVIDOS.

1. Sentença que concedeu a segurança pleiteada na exordial para conceder a posse com termo de fiel depositário dos animais em favor do apelado até o julgamento definitivo do processo administrativo.

2. Depreende-se, pelos documentos juntados aos autos, que desde 1999, buscou-se regularizar a situação junto ao IBAMA, apresentando cadastro técnico, documentos pertinentes, bem como o projeto de adequação da estrutura para manutenção dos animais, tendo obtido enquadramento na qualidade de criadouro conservacionista em maio de 1999.

3. A documentação juntada aos autos e também as alegações do apelado demonstram que não há comércio dos animais, os quais são mantidos sem quaisquer ônus para o Poder Público e às suas próprias expensas.

4. Evidente que o impetrante deve respeito e obediência às leis que regem a conservação e criação de animais. Deve providenciar local adequado para cada espécie, e também apresentar os relatórios que são exigidos.

5. Mas, por outro lado, é de conhecimento notório que centenas de zoológicos e CETAS, especialmente no atual contexto econômico-financeiro, não detêm sequer parte das condições ofertadas pelo impetrante. A demonstrar a situação, cinco das aves apreendidas foram a óbito poucos meses após apreendidas pelo IBAMA.

6. Não obstante o IBAMA tenha fundamentado a apreensão dos animais, dentre outros pontos, afirmando que apesar de o apelado ter obtido o registro de 'Criadouro Conservacionista' perante o órgão em 06/08/1999, tal autorização seria passível de cancelamento ou suspensão, nos termos da IN 003/99, as provas documentais trazidas aos autos indicam que as aves estão perfeitamente adaptadas ao ambiente doméstico, pois permaneceram com ele por mais de vinte anos, tendo o IBAMA, inclusive, conhecimento sobre essa posse desde 1999, quando se buscou regularizar a situação.

7. A proteção do meio ambiente em todos os seus aspectos não pode ser limitada pela interpretação restritiva da lei, pois em algumas ocasiões a abstenção do ato atende de forma mais eficaz ao ditame constitucional do que a ação propriamente dita. O objetivo maior da legislação ambiental é a busca da efetiva proteção dos animais, devendo tal intenção do legislador guiar a interpretação do julgador em todos os casos em que se discute questão ambiental; o qual não pode, no processo interpretativo, ficar restrito ao elemento literal, devendo ele compreender todo o contexto que envolver a valoração dos fatos e da incidência da norma.

8. A hipótese diferencia-se da situação na qual os animais são custodiados de forma ilícita, ainda não plenamente adaptados ao ambiente doméstico, quando a devolução destes ao ambiente natural não gera problemas de adaptação, mas apenas lhes devolve ao seu verdadeiro habitat.

9. Os autos não retratam situação em que o particular comercializa aves silvestres ou as expõem a risco, mas tão-somente as mantêm em sua companhia há anos, com ciência e autorização do IBAMA.

10. Pacificou-se a jurisprudência no sentido da necessidade de uma análise específica para cada caso concreto, no que tange à apreensão de aves adaptadas ao ambiente doméstico.

11.Na espécie, os animais estão na posse do apelado há mais de vinte anos, em ótimo estado de saúde, com supervisão de médico veterinário, estando completamente adaptados ao ambiente doméstico, tendo o IBAMA, inclusive, conhecimento sobre esta posse, inclusive, reconhecendo o local como "Criadouro Conservacionista" em 06/08/1999.

12. A jurisprudência nacional tem considerado - inclusive em mandado de segurança - ser razoável a manutenção da guarda provisória pelos criadores de aves silvestres que vivem em ambientes domésticos por período longo (inclusive por períodos inferiores ao deste caso), sem indícios de maus-tratos, em razão da enorme dificuldade de reintrodução de ditos animais ao meio ambiente, considerando que a readaptação a outro local lhe seria danosa, conforme precedentes do STJ e outros.

13. Mantida a concessão da posse com termo de fiel depositário dos animais em favor do apelado, até o julgamento definitivo do processo administrativo.

14. Reexame necessário e apelo não providos.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO - 5014261-63.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, julgado em 19/09/2019, Intimação via sistema DATA: 24/09/2019)

 

                                           

Considerando que a legislação brasileira tem como finalidade a proteção da fauna, uma vez que o animal vem sendo tratado pela apelada, não possui nenhuma evidência de maus tratos ou finalidade ao comércio ilegal, levando em consideração o bem-estar do animal, o mesmo deve permanecer na posse da apelada.

Ante o exposto, nego provimento a remessa necessária, tida por ocorrida, e a apelação interposta.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. IBAMA. ANIMAL SILVESTRE AMBIENTE DOMÉSTICO. LEGITIMIDADE PASSIVA E INTERESSE DE AGIR. DOMESTICADO. POSSE. BEM ESTAR ANIMAL. APELAÇÃO IMPROVIDA. REEXAME NECESSÁRIO TIDO POR OCORRIDO IMPROVIDO.

1. De início, registro que incide, no caso, o disposto no artigo 496, I, do Código de Processo Civil, sujeitando-se a sentença ao reexame necessário, ora tido como submetido.

2. Rejeito, inicialmente, a preliminar de ilegitimidade passiva alegada pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, pois, a competência estadual para o controle de apanha limita-se aos estabelecimentos licenciados pelos próprios Estados, sendo da União Federal a competência residual, conforme o artigo 24, VI da Constituição Federal, que dispõe sobre a competência concorrente da União, dos estados e do Distrito Federal para legislar sobre meio ambiente.

3. Assim, resta claro que o IBAMA possui legitimidade para figurar no polo passivo deste processo, porquanto tem atribuição para regulamentar e deferir a guarda de animal silvestre, tal como requerido pela parte apelada.

4. Ademais, o Acordo de Cooperação Técnica de Gestão Compartilhada da Fauna Silvestre entre o IBAMA e a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, implica em uma atuação compartilhada, de modo que a gestão da fauna pelo Estado de São Paulo, por meio da Secretaria do Meio Ambiente, será de modo auxiliar. 

5. Vale lembrar que os entes públicos devem cooperar pela proteção ambiental, sendo irrenunciável o dever de atuar como garantidos da proteção do meio ambiente, de acordo com o princípio da natureza pública da proteção ambiental.

6. Assim como prevê a responsabilidade do poder público e de toda a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo no artigo 225 da Constituição Federal.

7. Cabe ressaltar que a Lei Complementar nº 140/2011 define a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.

8. Já o IBAMA (autarquia federal, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente), tem suas principais atribuições definidas na Lei nº 7735/89, com a redação que lhe deu o art. 5º da Lei nº 11.516/2007, sendo elas: 

9. Embora o IBAMA tenha firmado o acordo de cooperação com a secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo para efetivar a atribuição, a autarquia federal ainda tem competência para proteger e monitorar os animais silvestres, assim tendo legitimidade passiva.

10. Deste modo, cabe ao IBAMA (autarquia federal), ao executar as ações supletivas de competência da União, e demais órgãos cooperarem para melhor aproveitamento da proteção do meio ambiente.

  11. Precedente: (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001870-03.2020.4.03.6134, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 27/07/2021, DJEN DATA: 30/07/2021)

12. No mais, a guarda de animais silvestres sem a devida autorização pode ser considerada tanto um crime ambiental quanto uma infração administrativa ambiental, de acordo com o art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/98. Essa medida tem como principal objetivo combater o comércio ilegal de espécies da fauna silvestre, mais conhecido como tráfico de animais.

13. Portanto a jurisprudência nacional vem se flexibilizando cada vez mais, em razão da finalidade do bem-estar animal, entendendo que se deve observar o princípio da razoabilidade, considerando-se as circunstâncias específicas do caso em tela.

14. Levando em consideração a situação específica do animal, o órgão competente pode conceder a autorização em função das suas necessidades especiais.

15. In casu, o animal em questão possui debilidades oftamologica o que afeta sua sobrevivência (comprovado por laudo veterinário) e agravado por razoes de estar vivendo em ambiente doméstico a mais de 4 anos.                                           

16. Considerando que a legislação brasileira tem como finalidade a proteção da fauna, uma vez que o animal vem sendo tratado pela apelada, não possui nenhuma evidência de maus tratos ou finalidade ao comércio ilegal, levando em consideração o bem-estar do animal, o mesmo deve permanecer na posse da apelada.

17. Remessa necessária, tida por ocorrida, e apelação improvidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento a remessa necessária, tida por ocorrida, e a apelação interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.