APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012499-73.2013.4.03.6100
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: CAMARA DE COMERCIO BRASIL CANADA
Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
Advogado do(a) APELADO: EDVALDO BOTELHO MUNIZ - SP81886-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012499-73.2013.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: CAMARA DE COMERCIO BRASIL CANADA Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL Advogado do(a) APELADO: EDVALDO BOTELHO MUNIZ - SP81886-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de embargos de declaração opostos pela UNIÃO (Fazenda Nacional) contra o acórdão assim ementado (ID 164806982): MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO ARBITRAL. CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO LEGAL DE FORNECER DOCUMENTOS OU PRESTAR INFORMAÇÕES. INTIMAÇÃO FISCAL. RECURSO PROVIDO. 1. Pretende a apelante seja assegurado seu direito de não prestar informações ou fornecer documentos relativos solicitados pelo FISCO, bem como de não ser compelida a deixar à disposição da autoridade fiscal os procedimentos arbitrais objeto do período fiscalizado, haja vista a alegada confidencialidade que recai sobre tais informações e documentos. 2. A denominada Lei de Arbitragem nada trata acerca do sigilo de seus procedimentos. Porém, em seu art. 21, dispôs que “a arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento”. 3. No caso específico dos autos, observa-se que existe o Regulamento de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, dispondo acerca do sigilo do procedimento fiscal. 4. A prestação de informações de terceiros só pode ser imposta às pessoas físicas e jurídicas expressas no art. 197 do CTN ou em lei, sendo que os centros de arbitragem não são instituições que estão previstas no rol do aludido artigo. 5. Nos termos do art. 146, III da Constituição Federal, compete à Lei Complementar estabelecer regras sobre gerais em matéria de legislação tributária. 6. A legislação pátria agasalha a confidencialidade no procedimento arbitral, porquanto embora não legalmente prevista, existe, no caso concreto, regulamento interno sobre a necessidade de observância de sigilo, atendendo, pois, o disposto no art. 21 da Lei de Arbitragem. Noutro giro, inexiste obrigatoriedade legal de prestação de informações na forma pretendida pela autoridade fazendária. 7. Em atenção ao princípio da legalidade, forçoso reconhecer que não existe base legal a amparar a pretensão do FISCO. Precedentes deste TRF e do TRF2. 8. Sentença denegatória de segurança reformada. 9. Apelação provida. Em suas razões de recorrer (ID 261713541), afirma a União que “a apresentação do presente recurso, além de objetivar sanar omissões e contradições, tem por fim também o prequestionamento”. Desse modo, pretende seja esclarecido “no julgado as razões pelas quais o artigo 197 do CTN não poderia servir de amparo à solicitação das informações solicitadas pelo Fisco. Isso porque, a despeito de o voto reproduzir o referido dispositivo, efetivamente não esclarece tal ponto”. Sustenta, ainda, que “a confidencialidade ou sigilo dos interesses envolvidos na arbitragem, notadamente econômicos e concorrências, não teria o condão de afastar o poder fiscalizatório da administração”. Pretende, ainda: a) “seja apreciada a aplicação da legislação mencionada pela UNIÃO (FN) nos seus memoriais (artigo 7º da Lei 2.354/54; artigo 123 do DL 5.844/43 e art. 2º do DL 1.718/79) como fundamento das solicitações do Fisco”; b) “seja esclarecida se a singela transcrição do artigo 13, § 6º da Lei 9.307/1996, que trata dos deveres dos árbitros, estaria, no entender do julgado, a impor algum sigilo oponível à Administração Tributária e, de igual modo, se a evocação do artigo 189 do CPC, que estipula a possibilidade de tramitação em segredo de justiça dos processos que versem sobre arbitragem, implicaria na atribuição de sigilo amplo aos procedimentos do juízo arbitral” e; c) “o aparente sigilo ou confidencialidade que se denota foram assegurados pelo voto do Relator sejam cotejados com o artigo 145, § 1º da Constituição Federal, o qual dá respaldo à Administração Tributária de promover a tributação na medida da capacidade contributiva dos cidadãos, nos termos ali estipulados, como alegado pela UNIÃO (FN) nas contrarrazões de apelação”. Com as contrarrazões (ID 262215301), os autos vieram-me conclusos. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012499-73.2013.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: CAMARA DE COMERCIO BRASIL CANADA Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL Advogado do(a) APELADO: EDVALDO BOTELHO MUNIZ - SP81886-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Os embargos declaratórios somente são cabíveis para a modificação do julgado que se apresenta omisso, contraditório ou obscuro, bem como para sanar eventual erro material no acórdão, o que não ocorre na espécie. Na hipótese dos autos, a parte embargante inconformada com o resultado do julgado busca, com a oposição destes embargos declaratórios, ver reexaminada e decidida a controvérsia de acordo com sua tese. Todavia, impossível converter os embargos declaratórios em recurso com efeitos infringentes sem a demonstração das hipóteses descritas na lei processual. Nesse diapasão, observa-se que o decisum embargado, de forma cristalina e fundamentada, tratou acerca da confidencialidade no procedimento arbitral e da ausência da obrigatoriedade legal, no caso concreto, de prestação de informações na forma pretendida pela autoridade fiscal, senão vejamos (destaquei): “Como é sabido, dispõe o art. 113, § 2º, do CTN que: (...) Já o art. 197 do referido Codex estabelece que: (...) Por outro lado, estabelece o art. 13, § 6º, da Lei n. 9.307/1996, acerca dos deveres do árbitro que: (...) Válido registrar, noutro giro, que a denominada Lei de Arbitragem nada trata acerca do sigilo de seus procedimentos. Porém, em seu art. 21, dispôs que “a arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento”. Nesse diapasão, convém trazer à baila dispositivo do Novo Código de Processo Civil acerca do respeito ao sigilo no procedimento arbitral: (...) Não se pode olvidar, ademais, que, nos termos do art. 146, III da Constituição Federal, compete à Lei Complementar estabelecer regras sobre gerais em matéria de legislação tributária, litteris: (...) No caso específico dos autos, observa-se que existe o Regulamento de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, conforme fls. 90/103, o qual estabelece, quanto ao sigilo, que: (...) Dessome-se, pois, que a legislação pátria agasalha a confidencialidade no procedimento arbitral, porquanto embora não legalmente prevista, existe, no caso concreto, regulamento interno sobre a necessidade de observância de sigilo, atendendo, pois, o disposto no art. 21 da Lei de Arbitragem. Noutro giro, inexiste obrigatoriedade legal de prestação de informações na forma pretendida pela autoridade fazendária. Logo, em atenção ao princípio da legalidade, forçoso reconhecer que não existe base legal a amparar a pretensão do FISCO. Nesse esteira, válido colacionar o posicionamento desta Turma quando do julgamento do Agravo de Instrumento n. 0025812-68.2013.4.03.0000, bem como recente acórdão do TRF2 sobre o tema (destaquei): (...) Logo, deve ser reformada a sentença, a fim de que seja concedida a segurança, para assegurar o direito da Impetrante de não prestar informações ou fornecer documentos relativos aos itens 8.c, 8h, 8.i, 8.j, 8.1 e da parte final do item 9 da intimação fiscal (fls. 56/58), quando alude à confirmação sobre se foi, ou não, prolatada sentença nos procedimentos arbitrais, bem como assegurar o direito de não ser compelida a deixar à disposição do fisco os procedimentos arbitrais, em curso ou já encerrados, objeto do período fiscalizado, tudo isso sem que tal atitude redunde na aplicação de sanções, pecuniárias ou não.” Válido, ainda, transcrever as bem lançadas conclusões constantes da Declaração de Voto ID 252931063, de autoria do Exmo. Des. Fed. Antonio Cedenho, que integram o acórdão atacado (destaquei): “(...) O Código Tributário Nacional, efetivamente, não exclui ou limita o poder do Fisco examinar a documentação e demais itens de interesse da fiscalização tributária, mas, prima facie, impõe essa obrigação aos próprios investigados e não a terceiros, conforme exegese do artigo 195 do diploma, a saber: (...) O artigo 197 do CTN, ao listar relação daqueles (terceiros) obrigados a prestar informações à autoridade administrativa, não elenca no rol as câmaras de arbitragem ou árbitros, fato que não pode ser olvidado para adoção das conclusões inerentes ao presente feito. (...) Convém ressaltar, conforme aponta a divergência inaugurada pelo Des. Fed. Carlos Muta, que embora o Regulamento de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá estabeleça o sigilo do procedimento arbitral (artigo 14), a previsão não é estanque, tanto que a própria apelante, em seu Regulamento, positiva exceções. No sentido da divergência, o que também é veiculado no voto do Relator, coaduno com a ideia de que as informações oriundas dos procedimentos arbitrais não gozam de sigilo, muito menos absoluto, não sendo possível alijar o Fisco, por exemplo, da verificação de dados quando há indicio de simulação, fraude, omissão ou sonegação tributária. Isso não implica, em contrapartida, que de forma abrupta e indiscriminada possa a administração tributária ter acesso irrestrito, sem prévio e específico procedimento fiscal, a informações ou documentos cujo fornecimento pela Câmara Arbitral ou árbitro não é listado, pela legislação, como obrigatório, sobremaneira quando o pedido de verificação dos documentos vem calcado em vetusto ato infralegal, no caso artigos 844, 904, 910 a 922, 927 e 928 e seus parágrafos do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto 3.000 de 26.03.99. Ainda que o rol do artigo 197 do CTN possa comportar alguma extensão, quando se está a falar do fornecimento das informações pelas câmaras arbitrais, não se deve descuidar que: i) as câmaras arbitrais não fazem parte do rol inicial do artigo 197 do CTN (fornecimento obrigatório de informações por terceiros); ii) é da natureza do próprio procedimento arbitral a confidencialidade haja vista que os interesses envolvidos, notadamente econômicos e concorrenciais, devem ser preservados. Nessa toada, destaca-se, uma vez mais, a impossibilidade do Fisco, de forma genérica, vir a ter acesso aos documentos mantidos sob a custódia das câmaras arbitrais, devendo o compartilhamento das informações, segundo minha convicção, ser precedido de atividade estatal investigatória específica, com ao menos fatos inicialmente delineados. E, nesse último caso, por evidente que os procedimentos adotados pela autoridade que recebe os documentos e informações deverá transcorrer na mais absoluta legalidade, sempre observados os princípios regedores e inerentes aos seus cursos. O sigilo (artigo 198 do CTN) deve sempre permanecer incólume na medida em que a autoridade, ao receber o documento ou informação, deverá evitar a divulgação pública. Não é demais ressaltar que o tema “sigilo x fisco” já foi objeto de análise em situações outras, sendo submetido por vezes à análise do Poder Judiciário, sofrendo inegáveis nuances. O tópico vem sendo abordado desde muito e, no tocante às instituições bancárias, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859, bem como do RE nº 601314/SP, em regime de repercussão geral, decidiu pela constitucionalidade dos artigos 5º e 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, que permitem à Receita Federal receber dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial. Nesta seara, tem-se que o direito ao sigilo não é absoluto, prevendo a Constituição Federal, no artigo 145, § 1.º, ser faculdade da administração tributária “especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. Na específica situação da quebra do sigilo bancário pelo Fisco sem necessidade de prévia autorização judicial, verifica-se que i) há legislação específica que rege o tema (Lcp 105/2001), sendo cumprido o requisito da estrita legalidade; ii) a legislação foi considerada constitucional pela Corte Suprema, seja em razão da presença de requisitos legais objetivos para obtenção das informações, seja porque a Lei, expressamente, exige a garantia do sigilo dos dados do contribuinte, concluindo-se, então, pela ausência de violação aos direitos fundamentais do indivíduo. Já na hipótese vertente, conforme conclusão veiculada no voto do Relator, não há legislação que dê alicerce à pretensão fiscal, sobremaneira quando se nota pretensão da RFB com supedâneo no Regulamento do Imposto de Renda, ato infralegal. (...) Repiso que sem prévio indício de ilícito, como omissão ou sonegação ensejadoras de formal e específica investigação dirigida a um fim, não é dado à administração tributária, a meu ver, invadir a confidencialidade, ainda que relativa (artigo 189, IV, do CPC), mas de regra inerente aos procedimentos arbitrais, para, a seu alvedrio, perscrutar possíveis e etéreas sonegações tributárias. Não é demais ressaltar que as empresas devem manter escrituração contábil e fiscal, sendo rígida a legislação neste tocante, independentemente do tipo societário da pessoa jurídica constituída. As Sociedades Anônimas, notadamente as de capital aberto, têm como premissa a publicidade de sua escrituração, estando todas as pessoas jurídicas sujeitas à investigação do Fisco, como previsto no já mencionado artigo 195 do CTN. O poder de investigação relegado ao Fisco vem cercado de vasto arcabouço legal para o fiel exercício desse mister, tudo no sentido de preservar o dever de pagamento de tributos a que as pessoas jurídicas (e físicas) devem se submeter para o bom andamento das ações estatais. A imensa gama de poderes legais deferidos à administração tributária em sua atividade fiscalizatória e punitiva, todavia, conforme fundamentação, não é irrestrita. Concluo, pois, que a generalidade da pretensão fiscal de conseguir informações sobre qualquer procedimento sujeito à câmara arbitral apelante em determinado lapso temporal (no caso janeiro/2009 a dezembro/2012), sem especificar fatos ou pessoas jurídicas – vide Termo de Início de Ação Fiscal nº 2013/001 dirigido à apelante -, revela, sim, extrapolação dos limites legais da atividade fiscal. Não estando os anseios do Fisco autorizados em lei, infactível o ato pretendido.” Como se vê, inexiste qualquer vício a ser sanado, o tema levantado foi integralmente abordado no inteiro teor do acórdão, especialmente no seu voto condutor e na declaração de voto supracitada, com as fundamentações ali esposadas, com o devido respaldo jurisprudencial colacionado. Conquanto tenha sido aplicado entendimento diverso ao pretendido pela parte embargante na solução do litígio, não é o magistrado obrigado a refutar, um a um, todos os argumentos por ele trazidos, bastando que enfrente a demanda observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução, o que de fato ocorreu. Ademais, a Lei nº 13.105/2015 admite o prequestionamento ficto, nos termos do seu artigo 1.025, considerando-se incluídos no acórdão os dispositivos suscitados pelo embargante. Deste modo, entendo que os presentes embargos de declaração não merecem prosperar, tendo em vista estarem à míngua dos pressupostos que autorizam sua interposição. Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração. É como voto.
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. INCONFORMISMO. PREQUESTIONAMENTO. VIA INADEQUADA. EMBARGOS REJEITADOS.
1. O cabimento dos embargos de declaração restringe-se às hipóteses em que o acórdão apresente obscuridade, contradição ou omissão.
2. Imprópria a via dos embargos declaratórios para o fim de rediscutir o mérito.
3. O Código de Processo Civil vigente admite o prequestionamento ficto, nos termos do seu artigo 1.025.
5. Embargos de declaração rejeitados.