APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0014560-76.2014.4.03.6000
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: UNIÃO FEDERAL, DIRLEY DE SOUZA DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: FRANCIELLI SANCHEZ SALAZAR - MS15140-A, HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979-A, PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A
APELADO: DIRLEY DE SOUZA DA SILVA, UNIÃO FEDERAL
Advogados do(a) APELADO: FRANCIELLI SANCHEZ SALAZAR - MS15140-A, HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979-A, PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0014560-76.2014.4.03.6000 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: UNIÃO FEDERAL, DIRLEY DE SOUZA DA SILVA Advogados do(a) APELANTE: FRANCIELLI SANCHEZ SALAZAR - MS15140-A, HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979-A, PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A Advogados do(a) APELADO: FRANCIELLI SANCHEZ SALAZAR - MS15140-A, HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979-A, PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A R E L A T Ó R I O Trata-se de dupla apelação e remessa oficial à sentença que, confirmando antecipação de tutela deferida em ação ordinária, declarou nulo o ato administrativo de licenciamento, determinando reintegração e imediata reforma militar do autor, nos termos dos artigos 106, II, e 108, IV, da Lei 6.880/1980, com remuneração correspondente ao mesmo posto da ativa desde o licenciamento indevido (14/05/2014), com juros de mora e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal e jurisprudência citada (até julho/2001: juros de mora de 1% ao mês (capitalização simples) e IPCA-E a partir de janeiro/2001; de agosto/2001 a junho/2009: juros de mora de 0,5% ao mês e IPCA-E; e a partir de julho/2009: juros de mora conforme remuneração oficial da caderneta de poupança e IPCA-E), descontada eventual compensação pecuniária paga por ocasião do desligamento. Reconhecida sucumbência recíproca, foi fixada em favor do autor verba honorária nos percentuais mínimos do artigo 85, § 3º, CPC sobre o valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a sentença (Súmula 111/STJ), e em favor da União honorários de 10% do valor da causa, suspensa a exigibilidade nos termos do § 3º do artigo 98, CPC. Apelou a União, alegando, em suma, que: (1) antes da realização do treinamento físico militar, o autor já apresentava doença degenerativa, agravada pela prática habitual de muay thai, luta marcial de alto impacto, continuada mesmo após a agregação por tutela antecipada, “o que comprova que quando o militar foi licenciado estava em boas condições físicas e que podia e pode trabalhar pois não é inválido”; (2) o treinamento militar foi apenas a ocasião em que manifestados os sintomas da enfermidade, e não sua causa; (3) o exame a que submetido quando do ingresso nas Forças Armadas não seria capaz de atestar com segurança não ser o autor acometido de tal moléstia, até porque o laudo médico baseou-se em declarações do próprio conscrito, já que “o grande contingente selecionado anualmente inviabiliza a realização de exames médicos minuciosos e sofisticados, tais quais os exigidos aos militares que ingressam na instituição pela via do concurso público e que, portanto, comporão o efetivo profissional”; (4) em atendimento na enfermaria do regimento militar em 23/07/2012, o autor relatou dor no joelho direito há mais de ano, com piora há uma semana, sem qualquer referência a inchaço ou acidente, ao contrário do que constou do documento em que o autor informou acidente sofrido em 23/07/2012; (5) inexiste incapacidade para qualquer trabalho, senão apenas para alta demanda física que sobrecarregue os membros inferiores; e (6) tais argumentos não foram examinados pela sentença, que se revelou nula, nos termos do artigo 93, IX, CF. Apelou também o autor, sustentando que: (1) nos termos da jurisprudência, a reforma militar não afasta o direito à indenização por danos extrapatrimoniais experimentados em razão do licenciamento indevido, nos termos do artigo 37, § 6º, CF, a ser arbitrada em valor não inferior a cinquenta salários mínimos; e (2) os pedidos de isenção de imposto de renda, com restituição dos valores recolhidos a tal título desde que considerado incapaz para o serviço militar (meados de 2012), e ajuda de custo de quatro vezes o valor da remuneração calculada com base no soldo de Subtenente, em razão da reforma, à luz da jurisprudência e preceituação normativa invocada (artigos 6º, caput e XIV, da Lei 7.713/1988; 39 do Decreto 3.000/1999; e 2º, parágrafo único, e 9º da MP 2.215-10/2001), encontram-se abrangidos no pleito inicial de “pagamento de todos os direitos consectários à reforma”. Houve contrarrazões. É o relatório.
APELADO: DIRLEY DE SOUZA DA SILVA, UNIÃO FEDERAL
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0014560-76.2014.4.03.6000 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: UNIÃO FEDERAL, DIRLEY DE SOUZA DA SILVA Advogados do(a) APELANTE: FRANCIELLI SANCHEZ SALAZAR - MS15140-A, HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979-A, PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A Advogados do(a) APELADO: FRANCIELLI SANCHEZ SALAZAR - MS15140-A, HENRIQUE DA SILVA LIMA - MS9979-A, PAULO DE TARSO AZEVEDO PEGOLO - MS10789-A V O T O Senhores Desembargadores, cumpre destacar, inicialmente, que a sentença abordou fundamentadamente os pontos essenciais ao deslinde da causa, pelo que não se cogita de nulidade ou ofensa ao artigo 93, IX, CF No mérito, discute-se a invalidade do ato administrativo de licenciamento do autor e seu direito à reforma militar desde acidente em serviço em 23/07/2012, de que resultou enfermidade incapacitante para o serviço castrense, acrescida de indenização por danos morais em valor não inferior a cinquenta salários mínimos, além de isenção de imposto de renda e ajuda de custo prevista no artigo 9º, I, da MP 2.215-10/2001. O autor, atualmente com 31 anos de idade, ingressou no Exército em 01/03/2011 como militar temporário, tendo declarado, por ocasião de entrevista prévia, já ter sofrido fratura no tornozelo direito, e ser praticante de capoeira em academia (ID 264521662, f. 31 e ID 264521663, f. 49/50). Consta dos autos informação de que em sua ficha médica funcional há registro de que em 23/07/2012 o autor relatou dor no joelho direito há mais de ano e que há uma semana, após corrida, houve piora da dor, sendo medicado e dispensado de exercícios físicos por sete dias (ID 264521662, f. 62; ID 264521664, f. 7). Em inspeção de saúde da Organização Militar, de 06/11/2012, o militar foi considerado apto às atividades castrenses (ID 264521667, f. 2). Exame de ressonância magnética realizado em 07/02/2013 concluiu por “degeneração grau II no menisco medial; mínimo derrame articular; condropatia patelar lateral de baixo grau” (ID 264521662, f. 41/2). Em nova inspeção de saúde de 23/10/2013, apesar de diagnosticado com transtornos internos dos joelhos, o militar foi considerado apto às atividades de caserna (ID 264521667, f. 3). Por determinação do Comando Militar, o autor foi selecionado para frequentar curso para condutor de veículos de transporte de produtos perigosos, no período de 11 de novembro a 12 de dezembro de 2013 (ID 264521663, f. 46). Conforme atestados médicos do Comando Militar do Oeste, o autor ficou afastado de testes de aptidão física e demais esforços físicos em períodos esparsos do primeiro semestre de 2013 e praticamente durante todo o segundo semestre daquele ano (ID 264521662, f. 48/60; ID 264521663, f. 12/42 e 48). Já em inspeções de saúde de 10/01/2014 e 27/03/2014, mantido o diagnóstico de transtornos internos dos joelhos, o autor foi considerado incapaz para o serviço militar, com afastamento por noventa e trinta dias, respectivamente (ID 264521667, f. 4/5). Na inspeção de saúde de 22/04/2014, o diagnóstico foi de condropatia lateral de baixo grau no joelho direito, discreta lesão no menisco medial do joelho direito e mínimo derrame articular no joelho direito, sendo considerado temporariamente incapaz tão somente para as atividades castrenses, “sem implicação quanto à aptidão ou incapacidade para exercício de atividades laborativas civil”, com afastamento por mais quinze dias e recomendação de manutenção do tratamento em Organização Militar de Saúde após desincorporação (idem, f. 6/7). Com base em tal parecer, o militar foi licenciado, excluído e desligado das fileiras do Exército, a contar de 14/05/2014, com determinação de continuar recebendo tratamento de saúde na organização militar até cura ou estabilização (ID 264521667, f. 10/1). Embora tenha sido registrada dor articular no joelho direito e “discreta alteração de sinal sugerindo edema focal da medular óssea no côndilo femoral medial sem repercussão clínica”, o autor foi considerado apto em inspeção de saúde de 06/06/2014, sendo esclarecido no próprio parecer que tal conclusão “significa que o inspecionado satisfaz os requisitos regulamentares, possuindo boas condições de robustez física, podendo apresentar pequenas lesões, defeitos físicos ou doenças, desde que compatíveis com o serviço militar” (ID 264521667, f. 8). Atestado de saúde do Hospital Militar de Área de Campo Grande/MS, firmado em 03/08/2014por médico que posteriormente figurou como assistente técnico pericial do autor, declarou que este apresentou quadro de limitação funcional do joelho direito em 2012, tendo iniciado acompanhamento médico em 15/10/2013, com tratamento medicamentoso e fisioterápico, sendo orientado a manter o acompanhamento ambulatorial e considerado incapaz temporariamente ao serviço militar (ID 264521662, f. 35; ID 264521672, f. 35 e 40). Perícia judicial, realizada em 17/04/2018 por médico ortopedista e traumatologista, constatou que o autor é portador de instabilidade patelar em joelho direito, tendo nascido “com uma condição denominada displasia da tróclea [...] Essa modificação morfológica do fêmur distal pré-dispõe o autor a apresentar episódios de luxação do joelho (que em termos leigos é a desarticulação da patela do fêmur). Uma vez lesionada a superfície articular, não há tratamento – trata-se de uma lesão irreversível. A prática de atividade física de alta demanda exigida pelo serviço castrense atuou como concausa, precipitando/agravando o quadro de instabilidade patelar e de condropatia patelar” (grifamos, ID 264521672, f. 39/45). Diante de tal diagnóstico, concluiu o expert pela incapacidade total e definitiva do autor para atividades laborais e físicas de alta demanda, podendo, porém, trabalhar em atividades de baixa demanda, “como nos serviços administrativos do Exército” (v. resposta ao quesito 6 da União), sendo reforçado que “a limitação do periciado cinge-se apenas para as atividades de grande esforço físico” (v. resposta ao quesito 5 do autor). Apesar de tal conclusão, apurou o perito, no exame físico, que o autor apresenta marcha normal, sem aumento de volume, temperatura ou crepitação durante os movimentos de flexo-extensão, “sem dor à palpação da interlinha articular medial e lateral”. Quanto à amplitude de movimentos, registrou “flexão de 130º (normal é de 130º a 150º) e extensão de 0º (normal varia de 0º a -15º) bilateralmente, ou seja, os joelhos não apresentaram limitação funcional”, assim como no que se refere à força muscular, “grau 05 em ambos os joelhos aos movimentos de extensão e flexão [...] o normal é grau 5 de força muscular” e, embora tenha constatado dor aos movimentos ativos e passivos no teste de apreensão do joelho direito, consignou o profissional que “não restaram evidenciados sinais de lesão ou frouxidão ligamentar, nem lesão dos meniscos” (grifamos). Talvez por ostentar tais condições físicas é que o autor tenha dado continuidade as suas atividades de luta corporal em academia privada, mesmo após o licenciamento militar, mais precisamente em dezembro/2014, conforme revelam os dados extraídos de sua página em rede social (ID 264521670, f. 29/35). A propósito, cumpre observar que, a despeito de tais dados terem sido suscitados nos autos em diversas oportunidades pela União, inclusive em apelação (ID 264521670, f. 18; ID 264521672, f. 53; e ID 264522034), o autor nada discorreu a respeito, nem mesmo para refutá-los. Seja como for, encontra-se consolidada a jurisprudência da Corte Superior no sentido da ilegalidade do licenciamento de militar, temporário ou de carreira, que se encontre acometido de incapacidade temporária, com ou sem nexo causal com as atividades castrenses, sendo devida a reintegração para recebimento de tratamento médico-hospitalar adequado, além do soldo e das demais vantagens desde a data do indevido licenciamento até a recuperação (AgInt no AREsp 1.965.842, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe de 24/5/2022; AgInt no REsp 1.962.617, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe de 30/3/2022). No caso, restou comprovado nos autos que, à época do licenciamento em 2014, o militar ainda apresentava lesão que o incapacitava temporariamente para as atividades castrenses, tanto que determinada no próprio ato administrativo a continuidade do tratamento de saúde na organização militar, tendo sido, assim, de rigor a reintegração para tratamento médico e recebimento de soldo e demais vantagens, à luz da jurisprudência citada. Já o requisito legal da reforma, na vigência do texto originário da Lei 6.880/1980, é a incapacidade permanente para o serviço militar, situação apenas alterada com o advento da Lei 13.954, de 16/12/2019, quando se passou a exigir não apenas incapacidade para o serviço militar, mas para qualquer atividade laborativa, inclusive civil. Ainda que permanente, a incapacidade somente autoriza reforma se houver impedimento para o exercício de qualquer serviço ou atividade militar, o que, no caso dos autos, não se apurou, dado que tanto as inspeções de saúde realizadas na unidade militar, como a perícia judicial apontaram que foi parcial a incapacidade, apenas para determinadas atividades no ofício militar. Com efeito, conforme constatado nos autos, a incapacidade permanente do autor restringe-se apenas às atividades laborais de alta demanda física, inexistindo, porém, impedimento às atividades de baixo esforço físico. O próprio laudo médico judicial assentou que o autor pode trabalhar, por exemplo, em serviços administrativos do Exército, conforme inclusive já estava ocorrendo por força de sua reintegração judicial (ID 264521664, f. 41 e ID 264521672). Não se descura também, que o autor fez curso militar para condução de veículos de transporte de produtos perigosos (ID 264521663, f. 46), encontrando-se, pois, capaz para atividades castrenses que não demandam esforço físico intenso. Ademais, não procede a alegação de que o autor não tem condições de exercer atividade laboral civil que lhe garanta a sobrevivência, pois conforme por ele mesmo relatado por ocasião da perícia, antes de ingressar no Exército trabalhou por dois anos como auxiliar de pintura automotiva em oficina mecânica (ID 264521672, f. 40), labor que não exige grande esforço físico para sua consecução. Tampouco se olvida que o autor possui nível de escolaridade superior completo (idem), o que amplia a gama de oportunidades de trabalho. Portanto, apesar da sequela irreversível no joelho direito (instabilidade patelar, sem cura), não restou caracterizada incapacidade total para a função militar, encontrando-se o autor apto para atividades laborais, de caserna inclusive, sendo indevido o pedido de reforma. A propósito, conforme entendimento da Corte Superior, a reintegração, em razão do licenciamento indevido, para tratamento médico e recebimento de soldo e demais vantagens ocorre até recuperação do militar. Na espécie, o perito judicial assentou que a lesão no joelho direito do autor não tem cura nem indicação para abordagem cirúrgica, sequer se fazendo necessário uso de medicamentos, exigindo apenas acompanhamento médico regular e fisioterapia. Neste contexto, é possível concluir, com respaldo no laudo pericial e à luz da jurisprudência, que o quadro clínico do autor já se encontra estabilizado, tornando-o apto a retornar ao mercado de trabalho, sendo possível o respectivo licenciamento a partir da publicação/intimação do presente acórdão. Apesar do licenciamento indevido, prontamente corrigido pelo deferimento da antecipação da tutela, a continuidade de tratamento médico ofertado no próprio âmbito castrense, sem nenhuma interrupção, desde os primeiros sintomas manifestados afasta qualquer hipótese de conduta lesiva da Administração Militar a direitos da personalidade do autor a ensejar reparação por dano moral, pelo que indevida indenização. Afastado o pedido de reforma, resta prejudicada a discussão em torno da isenção tributária e da ajuda de custo pelo fato específico em que fundadas as pretensões. Em razão do decaimento de ambas as partes, em parcela expressiva da pretensão, fica mantida a sucumbência recíproca fixada e, considerando a sucumbência recursal, deve o autor suportar condenação adicional, nos termos do artigo 85, § 11, CPC, equivalente a 1% sobre o que arbitrado na origem a ser acrescida à sucumbência fixada pela sentença pelo decaimento na instância recorrida, porém suspensa a exigibilidade, nos termos do artigo 98, § 3º, CPC. Ante o exposto, nego provimento à apelação do autor e dou parcial provimento à apelação da União e à remessa oficial para reformar a sentença, nos termos supracitados. É como voto.
APELADO: DIRLEY DE SOUZA DA SILVA, UNIÃO FEDERAL
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. INCAPACIDADE PARCIAL. LICENCIAMENTO INDEVIDO, REINTEGRAÇÃO, RECUPERAÇÃO. REFORMA INDEVIDA. DANOS MORAIS INEXISTENTES. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E AJUDA DE CUSTO PREJUDICADAS.
1. Encontra-se consolidada a jurisprudência da Corte Superior no sentido da ilegalidade do licenciamento de militar, temporário ou de carreira, que se encontre acometido de incapacidade temporária, com ou sem nexo causal com as atividades castrenses, sendo devida a reintegração para recebimento de tratamento médico-hospitalar adequado, além do soldo e das demais vantagens desde a data do indevido licenciamento até a recuperação (AgInt no AREsp 1.965.842, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe de 24/5/2022; AgInt no REsp 1.962.617, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe de 30/3/2022).
2. No caso, restou comprovado nos autos que, à época do licenciamento em 2014, o militar ainda apresentava lesão que o incapacitava temporariamente para as atividades castrenses, tanto que determinada no próprio ato administrativo a continuidade do tratamento de saúde na organização militar, tendo sido, assim, de rigor a reintegração para tratamento médico e recebimento de soldo e demais vantagens, à luz da jurisprudência citada.
3. Conforme interpretação legal e jurisprudencial consolidada, reforma ex officio de militar temporário apenas cabe se acometido de moléstia incapacitante para o serviço militar decorrente das atividades castrenses ou quando, sem relação de causalidade, houver incapacidade para qualquer trabalho, público ou privado.
4. Ainda que no curso da ação a incapacidade, antes temporária, tenha se consolidado permanente, tal situação restringe-se apenas às atividades laborais de alta demanda física, inexistindo, porém, impedimento às atividades de baixo esforço físico. O próprio laudo médico judicial assentou que o autor pode trabalhar, por exemplo, em serviços administrativos do Exército, conforme inclusive já estava ocorrendo por força de sua reintegração judicial. Não se descura também, que o autor fez curso militar para condução de veículos de transporte de produtos perigosos, encontrando-se, pois, capaz para atividades castrenses que não demandam esforço físico intenso. Ademais, não procede a alegação de que o autor não tem condições de exercer atividade laboral civil que lhe garanta a sobrevivência, pois conforme por ele mesmo relatado por ocasião da perícia, antes de ingressar no Exército trabalhou por dois anos como auxiliar de pintura automotiva em oficina mecânica, labor que não exige grande esforço físico para sua consecução. Tampouco se olvida que o autor possui nível de escolaridade superior completo, o que amplia a gama de oportunidades de trabalho. Portanto, apesar da sequela irreversível no joelho direito (instabilidade patelar, sem cura), não restou caracterizada incapacidade total para a função militar, encontrando-se o autor apto para atividades laborais, de caserna inclusive, sendo indevido o pedido de reforma.
5. A perícia judicial concluiu que a lesão no joelho direito do autor não tem cura nem indicação para abordagem cirúrgica, sequer se fazendo necessário uso de medicamentos, exigindo apenas acompanhamento médico regular e fisioterapia. Neste contexto, é possível concluir, com respaldo no laudo pericial e à luz da jurisprudência, que o quadro clínico do autor já se encontra estabilizado, tornando-o apto a retornar ao mercado de trabalho, sendo possível o respectivo licenciamento a partir da publicação/intimação do presente acórdão.
6. Apesar do licenciamento indevido, prontamente corrigido pelo deferimento da antecipação da tutela, a continuidade de tratamento médico ofertado no próprio âmbito castrense, sem nenhuma interrupção, desde os primeiros sintomas manifestados afasta qualquer hipótese de conduta lesiva da Administração Militar a direitos da personalidade do autor a ensejar reparação por dano moral, pelo que indevida indenização.
7. Afastado o pedido de reforma, resta prejudicada a discussão em torno da isenção tributária e da ajuda de custo pelo fato específico em que fundadas as pretensões.
8. Em razão do decaimento de ambas as partes, em parcela expressiva da pretensão, fica mantida a sucumbência recíproca fixada e, considerando a sucumbência recursal, deve o autor suportar condenação adicional, nos termos do artigo 85, § 11, CPC, equivalente a 1% sobre o que arbitrado na origem a ser acrescida à sucumbência fixada pela sentença pelo decaimento na instância recorrida, porém suspensa a exigibilidade, nos termos do artigo 98, § 3º, CPC.
9. Apelação do autor desprovida e apelação da União e remessa oficial parcialmente providas.