Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004769-89.2005.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004769-89.2005.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso de apelação interposto pela Caixa Econômica Federal, em face da sentença proferida nos autos da presente ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, objetivando a declaração de nulidade das cláusulas contratuais estipuladas nos contratos de mútuo com garantia de penhor e amortização única de celebrados entre a demanda e os mutuários interessados, assim como a condenação da CEF a edital tal cláusula, de modo que seja mais benéfico aos mutuários, revendo os valores acordados, ressarcindo aqueles que já foram indenizados em casos de furto, roubo ou subtração dos objetos confiados à demandada. (Num. 257934038)

O juízo em primeiro grau acolheu a preliminar de ilegitimidade ativa apresentada pela ré, julgando extinto o feito, com arrimo no art. 267, do Código Processual Civil de 1973. (Num. 257934042)

Irresignado, o MPF interpôs recurso de apelação. Os autos subiram, a esta Eg. Corte Federal, para julgamento do apelo, ocasião em que a Segunda Turma deu provimento ao recurso para reconhecer a legitimidade ativa do MPF, e desconstituir a r. sentença de primeiro grau, com o retorno dos autos à vara de origem para regular prosseguimento do feito,(Num. 257934042 – Pag. 243).

 Opostos embargos declaratórios pela Caixa Econômica Federal, estes restaram rejeitados por unanimidade. (Num. 257934043, pág. 253)

Inconformada, a CEF, em suas razões de recurso especial apresentados ao Superior Tribunal de Justiça, alegou violação aos arts. 165; 458, inciso II e III; 515, § 1° e 535, inciso II, todos do Código de Processo Civil/73, ao argumento de que houve negativa de prestação jurisdicional. Apontou, ademais, contrariedade ao art. 1°, inciso IV, da Lei n.° 7.347/85, ao argumento de que ACP não serve para discutir direito individual heterogêneo patrimonial e disponível, além de aduzir contrariedade aos arts. 3 0 e 6°, ambos do CPC/73, sob o fundamento de que o MPF não pode promover ação coletiva visando tutelar o direito individual disponível de alguns poucos mutuários, no caso, aqueles envolvidos com o ocorrido na agência da CEF em 27 de julho de 2000. Acenou pela ocorrência de dissídio jurisprudencial, assim como requereu, por fim, o provimento do presente recurso especial. (Num. 257934042, pág. 259)

Infere-se que foi negado provimento ao recurso especial, em conformidade com artigo 932, inciso III, do CPC/15, o Enunciado n. 568/STJ, alicerçado em que não há ofensa aos dispositivos legais invocados, assim como não se impugna os fundamentos utilizados pelo juízo de origem. 

O Acórdão transitou em julgado em 22/06/2017 (fl. 40, ID 14631169) e os autos retornaram à Primeira Vara Cível da Subseção Judiciária de São Paulo.

Em sentença proferida na data de 12 de maio de 2021 (Num. 257934066), o Juízo de Origem julgou parcialmente procedente o pedido, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade das cláusulas 14.1 e 18.1 nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única, estabelecidos pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, determinando à ré, o dever de editar cláusulas que determinem: (i) a notificação prévia do mutuário e, (ii) o ressarcimento, no prazo de 30 (trinta) dias, do extravio, roubou ou furto do bem, no valor de mercado, a título de dano material. Para os casos já ocorridos a partir da propositura ação, o montante deverá ser atualizado desde a propositura até o efetivo pagamento, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, deduzido o crédito recebido anteriormente.

Oposição de embargos de declaração por ambas as partes, os quais foram acolhidos pelo Juízo (Num. 257934077), para fazer constar o quanto segue no dispositiva da sentença:

“Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade das cláusulas 14.1 e 18.1 nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única, estabelecidos pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, devendo a ré editar cláusulas que determinem: (i) a notificação prévia do mutuário e, (ii) o ressarcimento, no prazo de 30 (trinta) dias, do extravio, roubou ou furto do bem, no valor de mercado, a título de dano material. Para os casos já ocorridos a partir da propositura ação, o montante deverá ser atualizado desde a propositura até o efetivo pagamento, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, deduzido o crédito recebido anteriormente.”

A Caixa Econômica Federal interpõe recurso de apelação, requerendo a reforma da sentença recorrida, a fim de que sejam julgados totalmente improcedentes os pedidos formulados na inicial. Alega a carência da ação, com relação aos pedidos de números 2, 3 e 4 da petição inicial (v. fls. 22/23 dos autos), em razão da ausência de interesse processual do MPF, devendo ser extinto o feito com suporte no atual art. 485 inc. VI e § 3° do CPC/15.

Requer, ainda, a reforma da sentença para a exclusão do dispositivo da delimitação temporal para o ressarcimento, sob pena de configuração de julgamento. Suscita, ainda, quanto ao mérito, a impossibilidade da determinação de como a cláusula contratual deve ser redigida e que gera prejuízo ao devedor pignoratício. Pugna, por fim, que seja reconhecida enquanto notificação qualquer comunicação entre instituição financeira e devedor pignoratício, considerando, ainda que a sentença apelada não demonstra a fundamentação necessária em relação à reforma dos valores das cláusulas. (Num. 257934232)

Apresentada contrarrazões pelo MPF, em que reitera seus pontos em discordância àqueles apresentados pela CEF. Insiste na inexistência de carência parcial da ação por ausência de interesse processual e na inocorrência de coisa julgada por inexistir decisões conflitantes nas duas ações civis públicas, mantém que r. sentença não extrapolou o pedido da inicial assim como mantém que é insustentável arguição acerca da eventual vedação legal “a determinação como a cláusula deve ser redigida”, causando prejuízo ao devedor. Reitera acerca da necessidade imperiosa da prévia notificação do devedor inadimplente acerca da alienação do bem empenhado e acertada atualização monetária e da desnecessária execução individual. (Num. 257934236)

Oferecido parecer pela Procuradoria Regional da República da 3ª Região, opinando pelo não provimento do recurso de apelação da Caixa Econômica Federal – CEF. Requer, ao final, a reforma da sentença ex officio, apenas para afastar a limitação territorial da coisa julgada nas ações civis públicas, adequando-se a hipótese ao entendimento consolidado pelo Eg. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 1.101.937/SP (Repercussão Geral – Tema 1075). (Num. 263306240)

Os autos subiram a esta Eg. Corte e vieram-me, conclusos.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


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V O T O

 

 

 

Diversas são as questões que se colocam no presente recurso de apelação, com o que passo a analisar cada uma das alegações da CAIXA de forma tópica e individualizada.

I - DA ALEGADA CARÊNCIA PARCIAL DE AÇÃO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL EM RELAÇÃO AOS PEDIDOS DE NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA O VALOR DE INDENIZAÇÃO E DE INDENIZAÇÃO

Sustenta a CAIXA em suas razões de apelação, que o Ministério Público Federal falece de interesse jurídico ou processual, eis que em nenhum momento foi instado pela sociedade a quem representa para propor a presente ação. Resta caracterizada a completa falta de representatividade do órgão ministerial para propor uma ação civil pública sem motivo ou embasamento fático/probatório que lhe dê guarida.

Sendo assim, com suporte no atual art. 485 inc. VI e § 3° do CPC/15, requer a CAIXA que seja extinto o feito sem resolução de mérito com relação aos pedidos de números 2, 3 e 4 da petição inicial (v. fls. 22/23 dos autos).

Pois bem.

Compulsando os autos, verifico que a legitimidade passiva do MPF foi analisada e enfrentada por esta Eg. Corte, quando do julgamento do recurso de apelação interposto, em face da sentença proferida pelo Juízo da 15ª Vara Federal desta capital, que acolheu a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, por se tratar de ação na qual se discutem interesses disponíveis de pessoas determináveis, e extinguiu o processo sem julgamento do mérito, com fundamento no artigo 267, VI, do CPC.

Na ocasião, restou decidido pela Segunda Turma, que “No caso sob comentário o pedido do autor, consistente na declaração de nulidade de cláusula contratual, tem como fundamento a contrariedade do disposto no Código de Defesa do Consumidor e a ausência de justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. Vê-se, portanto, do quanto destacado, que o objeto do bem que se pretende tutelar está intrínseco à função social do contrato.

A propósito, sobre a legitimidade do Ministério Público em defesa dos direitos difusos e coletivos, confira-se o seguinte julgado:

 PROCESSUAL CIVIL. COLÉGIO PEDRO II. EXTINÇÃO DO CURSO NOTURNO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INTERESSES COLETIVOS EM SENTIDO ESTRITO E DIFUSOS. I. O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública objetivando a manutenção do curso de ensino médio no período noturno oferecido pelo Colégio Pedro II - Unidade São Cristóvão, que teria sido ilegalmente suprimido pelo Diretor da referida entidade educacional. 2. O direito à continuidade do curso noturno titularizado por um grupo de pessoas - alunos matriculados no estabelecimento de ensino - deriva de uma relação jurídica base com o Colégio Pedro II e não é passível de divisão, uma vez que a extinção desse turno acarretaria idêntico prejuízo a todos, mostrando-se completamente inviável sua quantificação individual. 3. Há que se considerar também os interesses daqueles que ainda não ingressaram no Colégio Pedro II e eventualmente podem ser atingidos pela extinção do curso noturno, ou seja, um grupo indeterminável de futuros alunos que titularizam direito difuso à manutenção desse turno de ensino. 4. Assim, a orientação adotada pela Corte de origem merece ser prestigiada, uma vez que os interesses envolvidos no litígio revestem-se da qualidade de coletivos e, por conseguinte, podem ser defendidos pelo Ministério Público em ação civil pública. 5. No mais, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece expressamente a legitimidade do Ministério Público para ingressar com ações fundadas em interesses coletivos ou difusos para garantir a oferta de ensino noturno regular adequado às condições do educando. 6. Recurso especial não provido. (RESP 933002 - DJE 29/06/2009 - REL. MIN. CASTRO MEIRA – 2ª.TURMA)

 

Superado qualquer questionamento acerca da legitimidade do Parquet, para propositura da presente ação, na qualidade de substituto processual, entendo que deve também ser rechaçada a alegação de ausência de interesse de agir, para propositura do pedido de revisão e anulação de cláusulas abusivas contidas no Contrato de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização, com esteio no art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.

De acordo com a lição de Hugo Nigro MAZZILLI, o interesse de agir do Ministério Público Federal é presumido quanto à sua atuação em decorrência direta daquilo que lhe atribui o ordenamento, a saber:

“O interesse de agir do Ministério Público é presumido. Quando a lei lhe confere legitimidade para acionar ou intervir, é porque lhe presume interesse. Como disse Salvatore Satta, o interesse do Ministério Público é expresso pela própria norma que lhe consentiu ou impôs a ação. [...] Quando a lei confere legitimidade de agir ao Ministério Público, presume-lhe o interesse de agir, pois está identificado por princípio como defensor dos interesses indisponíveis da sociedade como um todo.”. (A defesa dos interesses difusos em juízo. 27ª edição revisada, ampliada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 415 e ss.)

Ademais, a despeito de a Representação n.° 1.34.001.005850/2002-21, que motivou o ajuizamento da presente ação, não tratar especificamente acerca da abusividade da cláusula que limita o valor de indenização em caso de furto/roubo ou extravio do bem empenhado, é evidente que na hipótese, o Parquet está atuando em defesa dos direitos sociais, relativamente ao dano sofrido por detentores da condição de consumidor.

A propósito, nesse sentido o entendimento já firmado pelo Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, ao dispor que “certos interesses individuais, quando aferidos em seu conjunto, de modo coletivo e impessoal, têm o condão de transcender a esfera de interesses estritamente particulares, convolando-se em verdadeiros interesses da comunidade, emergindo daí a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública, com amparo no art. 127 da Constituição Federal”. (RE 631.111, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 30/10/2014)

Afasto, portanto, a preliminar suscitada pela CAIXA, de carência de ação, uma vez configurado o interesse de agir do Ministério Público Federal.

II - DA COISA JULGADA EM RELAÇÃO AO PEDIDO DE NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA O VALOR DE INDENIZAÇÃO

Sustenta a CAIXA que o Eg. Tribunal Regional Federal da 2ª Região julgou a ação civil pública n.° 2000.50.01.008123-5 movida pelo MPF contra a CAIXA e, reformando sentença de procedência parcial proferida pela 3ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de Vitória/ES (capital de Estado da Federação – CDC, art. 93, inc. II), julgou improcedente o pedido declaratório de nulidade da cláusula contratual que limita o valor de indenização no contrato padrão de penhor da CAIXA, por entender inexistente a alegada abusividade da cláusula, tendo restado provado que os critérios empregados pela CAIXA quando da avaliação das joias são objetivos e compatíveis com aqueles usualmente praticados no mercado.

Referida decisão transitou em julgado e os autos foram baixados à vara de origem ainda em 28/09/2007, no curso, portanto da presente demanda, de modo que deve ser reconhecida a coisa julgada em relação ao pedido de nulidade da cláusula que fixa o valor de indenização do em caso de roubo/furto/extravio de bem empenhado e, consequentemente, o pedido de indenização superior a tal valor (v. pedidos n.° 2 e 3 da inicial – fls. 22/23 dos autos), nos termos do art. 485 inc. V do CPC.

No entanto, conforme ponderado pelo Juízo a quo na sentença, a questão da coisa julgada já foi apreciada e afastada, na decisão de fl. 187, ID 14631169, que assim dispôs:

 “[...] considerando-se que a sentença a ser proferida produzirá efeitos com relação aos substituídos que, na data de propositura da ação, tinham domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator, afasto a ocorrência de coisa julgada, em razão da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública n° 2000.50.01.008123-5, ajuizada perante a 3ª. Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de Vitória/ES.” (Num. 257934044 - Pág. 187)

Compulsando os autos, verifico que a CAIXA não se insurgiu contra referida decisão tornando a questão preclusa a questão. A propósito, o C. Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que as matérias não impugnadas no momento oportuno sujeitam-se à preclusão consumativa, inclusive as de ordem pública, ainda que se tratando de ordem pública.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL INADMITIDO. AGRAVO NOS PRÓPRIOS AUTOS IMPROVIDO. NOVA DISCUSSÃO SOBRE O MÉRITO DO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE, AINDA QUE SE TRATE DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. DECISÃO MANTIDA. 1. Consoante firme jurisprudência desta Corte, ainda que se trate de matéria de ordem pública, tal fato não tem o condão de afastar a preclusão, por se tratar de questão já decidida. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, com advertência de multa.

(STJ - AgRg na PET nos EDcl no AgRg no AREsp: 183820 MT 2012/0108954-1, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 29/08/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/09/2017)

 

Não obstante, ainda que se cogite pela possibilidade de enfrentamento da matéria, entendo que não assistiria razão à CAIXA.

A teor do julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1075, no Recurso Extraordinário (RE) 1101937, em que foi reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, as sentenças proferidas em sede de ação coletiva ajuizada no âmbito nas relações de consumo, terão os efeitos da coisa julgada disciplinados pelo artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor.

Consoante dispõe o inciso I, do dispositivo em comento, a sentença proferida em ação coletiva não fará coisa julgada erga omnes, quando os pedidos forem julgados improcedentes por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81, verbis:

“Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

        I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81”;

 

No tocante à Ação Civil Pública nº 2000.50.01.008123-5, depreende-se do julgado proferido pela Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2º Região, que a improcedência do pedido decorreu da insuficiência de provas para desconstituir a alegação da CEF de que os critérios empreendidos na avaliação dos bens dados em garantia adequam-se aos parâmetros do mercado, concluindo o Relator que "não logrou o MPF demonstrar a real existência de abusividade na cláusula impugnada, eximindo-se de indicar quais seriam os meios possíveis e adequados para a avaliação dos bens em questão." (Num. 14631169 - Pág. 75)

Assim, afasto a alegação de coisa julgada pela Apelante, em relação ao pedido de nulidade da cláusula que limita a responsabilidade da apelante.

III - DA SENTENÇA ULTRA PETITA

Por mais esse argumento, a Apelante assevera a nulidade da sentença recorrida, pois esta seria ultra petita, em clara violação ao princípio da congruência,

A alegação de que a sentença seria ultra petita, deve-se fundamentalmente ao fato de que o juízo de primeiro grau ao determinar o ressarcimento dos mutuários em 30 (trinta) dias do extravio, roubo ou furto do bem, delimitação esta que, sequer teria sido objeto da pretensão pelo MPF, teria extrapolado os limites dos pedidos formulados na exordial.

No entanto, tenho que não assiste razão ao Apelante.

Examinando os termos da inicial, verifico que o MPF expressamente requer que:

“seja julgada a ação civil pública procedente, estendendo seus efeitos em âmbito nacional, com a confirmação dos pedidos feitos em sede de tutela antecipada e que nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única estabelecidos pela Caixa Econômica Federal: 1- seja declarada a nulidade da cláusula contratual que possibilita a alienação por meio de licitação dos bens empenhados sem notificação prévia do mutuário; 2- seja declarada a nulidade da cláusula contratual que limita o valor da indenização em caso de roubo, furto ou extravio em 1,5 (um inteiro e cinco décimos) vezes o valor da avaliação feita pela CEF sobre os bens empenhados; 3- seja a ré condenada na obrigação de fazer consistente em editar cláusula contratual que preveja o ressarcimento do extravio, roubou ou furto, no valor correspondente a 10 (dez) vezes o valor da avaliação, a título de dano moral e material, deduzido o crédito recebido anteriormente; 4- seja a ré condenada na obrigação de fazer consistente no ressarcimento de todos os mutuários relacionados no item “b" do pedido de antecipação de tutela, conforme requerido no item anterior (3).”

Com efeito, verifico que foi requerido pelo MPF em sede de antecipação de tutela, que nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única em execução, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL:

“a) indenize o(s) objeto(s) sob sua custódia que for(em) roubado(s). furtado(s) ou extraviado(s), na importância de 10 (dez) vezes o valor da avaliação do bem, a título de dano moral e material, no prazo de 20 (vinte) dias, a partir da ocorrência, deduzido o crédito recebido inicialmente;

b) apresente, no prazo de 30 (trinta) dias, a relação nacional dos mutuários que foram indevidamente indenizados no valor originalmente estabelecido no contrato para os casos de roubo, furto ou extravio, nos últimos 5 (cinco) anos;

 c) na execução desses contratos, promova com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, notificação. judicial ou extrajudicial do mutuário, com a data, horário, local e condições da licitação pública.

 

Cabe ressaltar o pedido contido na alínea “a”, estipulava o prazo de 20 (vinte) dias, a partir da ocorrência, deduzido o crédito recebido inicialmente, para indenização dos objetos sob custódia da CAIXA que forem roubados, furtados ou extraviados.

A sentença, por sua vez, acolheu parcialmente a pretensão do MPF, fixando, para tanto, o prazo de 30 dias, 10 (dez) dias a mais do quanto requerido na exordial (vide item “a”, em benefício da própria Apelante.

Nesse sentido, não procede a insurgência da Apelante no sentido de que o magistrado teria decidido acima da pretensão do autor, ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Muito pelo contrário, o que se verifica é a perfeita correlação entre o dispositivo da sentença e os pedidos formulados pelas partes.

Rechaço, portanto, a alegação de nulidade do julgado e passo à análise do mérito

 

IV – DA ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA QUE RESTRINGE A RESPONSABILIDADE DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

A sentença recorrida reconheceu a nulidade de cláusula 14.1, presente nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única em execução, firmados pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, que assim dispõe:

"os objetos que for(em) roubado(s), furtado(s) ou extraviado(s) sob custódia da CAIXA, será(ão) indenizado(s) em 1,5 (um inteiro e cinco décimos) vezes o valor de sua atualização devidamente atualizada com base na variação do índice de atualização da correção monetária das contas de poupança, apurado no período entre a data de concessão do empréstimo e a data do pagamento de indenização". (fl. 102, ID 14631171)

Considerou-se que a cláusula que prevê a indenização do bem empenhado em 1.5 vez o valor da avaliação é exorbitante, pois foi estabelecida unilateralmente pela ré e imposta à parte aderente e demonstra um desequilíbrio da relação contratual entre as partes, violando, assim, o disposto no art. 51, I, do CDC, que considera nula de pleno direito a cláusula contratual que restringir indevidamente, em detrimento do consumidor, a responsabilidade do fornecedor de serviço.

Com efeito, o julgado encontra-se em conformidade com o entendimento já firmado por esta Eg. Turma, ocasião em que já se reconheceu a ausência de validade da cláusula contratual que fixa a indenização a uma vez e meia o valor da avaliação efetuada pelo credor. Nesse sentido:

DIREITO DO CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ROUBO DE JOIAS DADAS EM GARANTIA PIGNORATÍCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CLÁUSULA CONTRATUAL DE LIMITAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. NULIDADE DE PLENO DIREITO. EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS.
1. A relação em questão se regula pelo Código de Defesa do Consumidor, que prevê expressamente abranger as atividades bancárias em seu art. 3º, parágrafo 2º. Súmula n° 297 do Superior Tribunal de Justiça.
2. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Súmula n° 497 do Superior Tribunal de Justiça.
3. A indenização se mede pela extensão do dano (art. 944 do Código Civil), de tal sorte que, em havendo disparidade entre o valor das joias apurado pelo credor pignoratício e o efetivo valor de mercado dos bens, este deve prevalecer, sob pena de enriquecimento indevido da instituição financeira.
4. Não há que se falar na validade da cláusula contratual que limita a responsabilidade da casa bancária ao pagamento de indenização em uma vez e meia o valor de avaliação obtido pelo próprio banco, uma vez que se trata de imposição unilateralmente feita pela instituição financeira, em contrato de adesão e que restringe o valor indenizatório a percentual calculado sobre avaliação feita pelo próprio banco.
5. É possível a realização de perícia, ainda que de modo indireto, para que o perito chegue a uma conclusão suficientemente segura quanto ao valor de mercado dos bens subtraídos com base nos elementos fornecidos pelas partes.
6. Embargos infringentes providos.
(TRF da 3ª Região, Embargos Infringentes 0006965-72.2000.4.03.6111/SP, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy, Primeira Seção, e-DJF3: 15/05/2018).

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO DE PENHOR. FURTO OU ROUBO DE JOIAS. RESPONSABILIDADE CIVIL. LIQUIDAÇÃO DO DANO.
1. Em caso de roubo ou furto, a Caixa Econômica Federal responde pelo dano causado ao devedor pignoratício.
2. É nula a cláusula contratual que limita a indenização ao valor da avaliação das joias multiplicado por l,5, devendo a Caixa Econômica Federal ressarcir a seus clientes pelo valor de mercado.
3. Tratando-se de direitos individuais homogêneos, a sentença na ação civil pública, como regra, é genérica, ficando a qualificação de dano para a fase de liquidação, a cargo de cada interessado.
4. Apelação provida em parte.
(TRF3, AP 0003283-12.2000.4.03.6111, Rel. p/ Acórdão Des. Fed. Nelton dos Santos. Segunda Turma, e-DJF3: 13/03/2014).

 

Conforme consignado no precedente em referência, a análise do caso deve partir da premissa de que a indenização se mede pela extensão do dano (Código Civil, art. 944), o que enseja a necessidade de apuração do efetivo valor das joias subtraídas para se determinar, então, qual o montante devido pelo banco apelante a título de indenização por dano material.

Assim, não há dúvidas de que, havendo disparidade entre o valor avaliado pelo banco e o valor de mercado das joias dadas em garantia, deve prevalecer este último.

Neste sentido, registre-se, ainda, que a CEF é empresa estatal a quem a lei confere o monopólio da atividade de penhor civil, nos termos do art. 2°, alínea "e" do Decreto-Lei n° 759/1969, que autorizou a sua criação:

“Art 2º A CEF terá por finalidade:


(...)
e) exercer o monopólio das operações sôbre penhores civis, com caráter permanente e da continuidade”;

 

Perde força, portanto, a tese de que a autora escolheu livremente contratar com a CEF, uma vez que se trata da única instituição financeira autorizada a explorar esta atividade comercial.

Mas, ainda que assim não fosse, há que se ressaltar a evidente abusividade da cláusula em comento, uma vez que impõe aos consumidores-aderentes a necessidade de aceitar que a CEF se limite a indenizá-los, pelo roubo das joias dadas em garantia pignoratícia, em montante calculado sobre o valor das joias, avaliadas unilateralmente pelo banco estatal.

Daí porque é inafastável a conclusão de que a Cláusula 14.1, da forma como redigida, constitui verdadeira atenuação da responsabilidade do prestador do serviço, nos termos do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
(...)
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
(...)
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Sendo assim, não há que se falar na validade da cláusula contratual que limita a responsabilidade da casa bancária ao pagamento de indenização em uma vez e meia o valor de avaliação obtido pelo próprio banco, inclusive, consoante entendimento sumulado recentemente pelo C. Superior Tribunal de Justiça, verbis:

Súmula 638. É abusiva a cláusula contratual que restringe a responsabilidade de instituição financeira pelos danos decorrentes de roubo, furto ou extravio de bem entregue em garantia no âmbito de contrato de penhor civil.

Não obstante, é evidente que tal fato não impede a realização de perícia, ainda que de modo indireto, porquanto é possível que o experto no assunto chegue a uma conclusão suficientemente segura quanto ao valor de mercado dos bens subtraídos com base nos elementos fornecidos pelas partes.

Trata-se, efetivamente, de questão redutível à apuração judicial contraditória, cuja análise deve ser diferida para a fase de liquidação, por arbitramento, nos casos de execução individual da sentença ora recorrida, na forma do artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor.

Rejeito, neste ponto, as alegações suscitadas pela CEF.

 

V - DA PRÉVIA NOTIFICAÇÃO AO DEVEDOR INADIMPLENTE ACERCA DA ALIENAÇÃO DO BEM EMPENHADO

A questão trazia a esta Corte, acerca da execução da garantia pignoratícia, diz com a nulidade da cláusula prevista no contrato nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única em execução, firmados pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, que dispõe:

"18.1 - Após 30 (trinta) dias do vencimento do prazo contratado, independentemente de qualquer notificação judicial ou extrajudicial, o contratado será executado, inclusive por venda amigável do(s) objeto(s) dado(s) garantia por meio de licitação, fixando a CAIXA, neste ato, autorizada pelo TOMADOR a promover a venda por intermédio de licitação pública".

A sentença reconheceu a nulidade da referida cláusula e condenou a CAIXA na obrigação de editar as cláusulas que determinem a notificação prévia do mutuário. (ID 257934066):

“(...)

A referida cláusula estabelece o procedimento de alienação dos bens empenhados, sem incluir a prévia comunicação do leilão ao interessado, desrespeitando o dever de informação do fornecedor em relação ao consumidor.

 

O sistema de penhor da CEF não especifica e não informa qual é o procedimento de aviso do edital de licitação da alienação da coisa dada em garantia, configurando também flagrante desrespeito ao dever de boa fé objetiva, dificultando e até impossibilitando o mutuário de realizar o pagamento da dívida vencida. 

 

A CEF informa que, apesar de haver no texto contratual a disposição expressa de que não haverá notificação do cliente quanto da ocorrência da licitação, mesmo assim ela comunica ao mutuário, por meio de mala direta, ou seja, uma comunicação informal, sem aviso de recebimento.

 

Entretanto, deveria a CEF promover a prévia notificação ao devedor pignoratício sobre a venda amigável do bem empenhado, em caso de inadimplemento, até mesmo para poder oportunizá-lo a quitação da dívida e recuperar o bem, antes da resolução por completo do contrato.

 

Admite-se, portanto, que tal prática não atende ao dever de informação que tem o fornecedor para com o consumidor, configurando-se a cláusula 18.1 totalmente abusiva.

(...)

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade das cláusulas 14.1 e 18.1 nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única, estabelecidos pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, devendo a ré editar cláusulas que determinem: (i) a notificação prévia do mutuário e, (ii) o ressarcimento, no prazo de 30 (trinta) dias, do extravio, roubo ou furto do bem, no valor de mercado, a título de dano material. Para os casos já ocorridos a partir da propositura da ação, o montante deverá ser atualizado desde a propositura até o efetivo pagamento, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, deduzido o crédito recebido anteriormente.

(...)” (destaques no original).

 

Insurge-se o banco estatal, nesse ponto, argumentando (i) que, “mesmo sem a obrigação legal, tem a conduta de comunicar os devedores quando os bens empenhados são encaminhados para venda amigável, seja por correspondência ou por meio de editais publicados em jornal, na internet e nas agências”, (ii) que, “contudo, exigir a notificação formal causa consequências graves”, como o custo da notificação, (iii) que o MPF limitou-se a requerer a declaração de nulidade da cláusula, sem especificar como deveriam ser feitas as notificações, de sorte que devem ser interpretadas como tal qualquer forma de comunicação ao devedor, (iv) que o Superior Tribunal de Justiça afastou a necessidade de aviso de recebimento nas hipóteses de inclusão do devedor em cadastro de inadimplentes (Súmula n° 404) e (v) que o artigo 1.433, IV, do Código Civil autoriza o credor pignoratício a proceder à venda amigável do bem empenhado, se houver previsão contratual (ID 257934232 - pág. 17/19).

Não se desconhece que o Banco estaria agindo em estrito cumprimento do negócio jurídico, haja vista a dispensa expressa prevista no instrumento contratual de adesão disponibilizado pela CAIXA. No entanto, não está se reconhecendo a impossibilidade de realização de leilão de joias empenhadas, uma vez configurada a inadimplência do mútuo, mas sim, a vantagem manifestamente excessiva que decorre da ausência de prévia notificação do mutuário.  

Assim está disciplinada a matéria pelo Código de Defesa do Consumidor:

“SEÇÃO II

Das Cláusulas Abusivas

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

(...)

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

(...)

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

(...)” (destaquei).

O contrato de penhor está assim disciplinado pelo Código Civil:

“ Seção II

Dos Direitos do Credor Pignoratício

Art. 1.433. O credor pignoratício tem direito:

(...)

IV - a promover a execução judicial, ou a venda amigável, se lhe permitir expressamente o contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração;

(...)

Seção IV

Da Extinção do Penhor

Art. 1.436. Extingue-se o penhor:

(...)

V - dando-se a adjudicação judicial, a remissão ou a venda da coisa empenhada, feita pelo credor ou por ele autorizada.

(...)” (destaquei).

 

De uma análise conjugada das disposições cíveis e consumeristas acerca do tema, extraio o seguinte:

Cabe relembrar, inicialmente, que as disposições previstas no CDC, acerca da proteção contratual, vedam a imposição de cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. E mais que isso, em se tratando da celebração e contrato de adesão, exige que as cláusulas sejam interpretadas favoravelmente aos consumidores (cf. art. 47, CDC) e à luz do princípio da boa-objetiva.

 Tais diretrizes também estão estampadas, de maneira geral, no artigo 422 do Código Civil, segundo o qual, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Nesse sentido, inclusive, a lição de Claudia Lima Marques:” [...] a vontade das partes não é mais a única fonte de interpretação que possuem os juízes para interpretar um instrumento contratual. A evolução doutrinária de direito dos contratos já pleiteava uma interpretação teleológica do contrato, um respeito maior pelos interesses sociais envolvidos, pelas expectativas legítimas das partes, especialmente das partes que só tiveram a liberdade de aderir ou não aos termos pré-elaborados”. (MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 227)

Denota-se, assim, que a necessidade de uma interpretação particular é justificada pela vulnerabilidade jurídica do contratante, do aderente/consumidor no contrato de penhor, o qual se submete ao contrato de adesão e às respectivas condições gerais, sem poder discutir as cláusulas da contratação, merecendo ele especial proteção, com o reconhecimento de cláusulas contratuais excessivamente abusivas. Nesse sentido, inclusive, o entendimento já firmado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, como se pode notar das ementas a seguir:

“RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PENHOR. JOIAS. ROUBO. CLÁUSULA CONTRATUAL. LIMITAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. ABUSIVIDADE.RECONHECIMENTO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO.

1. A orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça reconhece a submissão das instituições financeiras aos princípios e às regras do Código de Defesa do Consumidor.

2. Tendo ocorrido o roubo das joias empenhadas, a Caixa Econômica Federal deve indenizar a recorrente por danos materiais.

3. A cláusula contratual que restringiu a responsabilidade da CEF a 1,5 (um inteiro e cinco décimos) vez o valor de avaliação das joias empenhadas deve ser considerada abusiva, por força do artigo 51, I, da Lei nº 8.078/1990. Precedentes do STJ.

4. Não há como conhecer da insurgência quanto à indenização por danos morais, haja vista a ausência de demonstração do dissídio jurisprudencial nos moldes legais.

5. Recurso especial parcialmente provido.” (REsp 1227909/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 23/09/2015)

 

“CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PENHOR. JOIAS. FURTO. FORTUITO INTERNO. RECONHECIMENTO DE ABUSO DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA O VALOR DA INDENIZAÇÃO EM FACE DE EXTRAVIO DOS BENS EMPENHADOS. VIOLAÇÃO AO ART. 51, I, DO CDC. OCORRÊNCIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. No contrato de penhor é notória a hipossuficiência do consumidor, pois este, necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendo-se à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Nesse contexto, deve-se reconhecer a violação ao art. 51, I, do CDC, pois mostra-se abusiva a cláusula contratual que limita, em uma vez e meia o valor da avaliação, a indenização devida no caso de extravio, furto ou roubo das joias que deveriam estar sob a segura guarda da recorrida.

2. O consumidor que opta pelo penhor assim o faz pretendendo receber o bem de volta, e, para tanto, confia que o mutuante o guardará pelo prazo ajustado. Se a joia empenhada fosse para o proprietário um bem qualquer, sem valor sentimental, provavelmente o consumidor optaria pela venda da joia, pois, certamente, obteria um valor maior.

3. Anulada a cláusula que limita o valor da indenização, o quantum a título de danos materiais e morais deve ser estabelecido conforme as peculiaridades do caso, sempre com observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

4. Recurso especial provido.” (REsp 1155395/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 29/10/2013)

 

Com efeito, a possibilidade de revisão das cláusulas contratuais pelo Judiciário, tem o nítido propósito de trazer, ainda que minimamente, um equilíbrio contratual, a fim de suavizar eventuais vantagens excessivas do predisponente, observando sempre a equivalência das prestações e a função social do contrato.

Voltando os olhos para o contrato de mútuo objeto dos autos, há que o pagamento de juros e o adimplemento da dívida são objetivo principal do ajuste. E, de outro lado, a excussão da garantia, ao empréstimo de dinheiro efetivado, consistente no penhor de joias, decorre da própria natureza do negócio jurídico, e da inadimplência do mutuário pignoratício. Essa conclusão torna-se ainda mais robusta quando se leva em consideração que, em casos como o presente, são dados em garantia bens infungíveis.

A bem verdade, ao se permitir que as joias sejam leiloadas sem a prévia comunicação formal do mutuário, a instituição financeira se afasta do objetivo primário do contrato, que diz com o adimplemento do mútuo ou a renovação contratual mediante pagamento de juros.

Tal conduta viola os princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e da equidade, na medida em que coloca o mutuário consumidor, em desvantagem exagerada, impossibilitado de efetuar o pagamento da dívida vencida, ainda que com os acréscimos decorrentes da mora e, com isso, preservar o bem empenhado.

Nessa ordem de ideias, a cláusula contratual em questão revela-se abusiva, na medida em que restringe o direito do consumidor à purgação da mora, direito esse inerente à natureza do contrato.

Em consonância com o entendimento exposto, colaciono os seguintes precedentes das Cortes Federais da 1ª e 5ª Região, respectivamente:

APELAÇÃO CÍVEL. CEF. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE PENHOR. LEILÃO APÓS O VENCIMENTO. JOIAS PENHORADAS SEM NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DISPENSA EXPRESSA NO CONTRATO. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. SENTENÇA REFORMADA. I. O art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao caso dos autos, considera nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (inciso IV). II. O § 1º do dispositivo aludido, em seu inciso II, presume exagerada a vantagem que restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato que ameacem seu objeto ou equilíbrio contratual. III. Embora não se desconheça a existência de julgados do C. STJ e desta E. Corte reconhecendo a inexistência de abusividade em cláusula contratual que permite a realização de leilão de joias empenhadas sem prévia notificação do proprietário, deve-se lembrar que ambas as Cortes reconhecem a hipossuficiência do aderente/consumidor no contrato de penhor, merecendo ele especial proteção, com o reconhecimento de cláusulas contratuais excessivamente abusivas. Precedentes. IV. Observando a teoria do diálogo das fontes, nos termos do art. 424, CC,"Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio". V. No contrato de mútuo mediante penhor de joias, estas são dadas em garantia ao empréstimo de dinheiro efetivado. Se, por um lado, a possibilidade de sua excussão decorre da natureza do negócio jurídico, por outro, o pagamento de juros e o adimplemento da dívida são objetivo principal do ajuste. Assim, ao se permitir que o bem seja leiloado sem que sequer seja dada ciência ao mutuário, seu proprietário, afasta-se do objetivo primário do contrato, que é o adimplemento do mútuo ou a renovação contratual mediante pagamento de juros, dificultando-se o adimplemento da dívida e a manutenção da propriedade dos bens, significando, portanto, renúncia ao direito resultante da natureza do negócio jurídico. VI. Permitir a consecução do leilão sem prévia notificação, a cláusula 18.1 do contrato firmado entre as partes, no que admite leilão sem prévia notificação, implica à parte autora renunciar ao direito tentar quitar o débito em atraso ou renovar o contrato mediante pagamento de juros, bem como ao direito à informação, previsto no art. 6º, III, CDC. VII. O leilão do objeto empenhado sem expressa e prévia notificação de seu proprietário viola o contraditório e a ampla defesa, direitos estes de cunho fundamental, previstos no art. 5º, LV da Constituição Federal, aplicáveis inclusive entre os particulares, conforme entendimento do C. STF, em virtude da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Precedente do E. STF. VIII. Se em relação a outras espécies contratuais (leilão de imóveis vinculados ao SFH e cláusula mandato) entende-se ser abusiva a cláusula contratual que permite a execução extrajudicial do débito por parte da instituição bancária credora, sem prévio aviso, em razão de violação ao devido processo legal, em razão da coerência e da integridade do sistema consumerista, tal deve também ser aplicado às relações de consumo que envolvam contrato de mútuo garantido mediante penhor, com a declaração de nulidade, por abusividade, de cláusula contratual que permita o leilão do bem empenhado sem qualquer espécie de prévia notificação, por violação ao dever de informar, ao contraditório e à ampla defesa. Precedentes. IX. Indenização por danos materiais fixada em R$ 2.020,48 (dois mil e vinte reais e quarenta e oito centavos), relativos ao saldo obtido com o leilão das joias empenhadas, desde que a autora não tenha recebido tal valor junto à ré, que devem prevalecer sobre os valores constantes dos recibos de compra dos bens apresentados pela autora o quais, além de não discriminarem as joias a que se referem, não informam o nome nem o endereço do vendedor. X. Indenização por danos morais, in re ipsa, fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). XI. Recurso de apelação da autora a que se dá parcial provimento (itens IX e X).

(TRF-1 - AC: 0010295-24.2011.4.01.3500, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 16/10/2017, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 23/10/2017 e-DJF1)

 

CIVIL. LEILÃO DE JÓIAS DADAS EM PENHOR. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR. NECESSIDADE DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. MANUTENÇÃO DOS VALORES FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA. APELO DESPROVIDO. 1. Num contrato de adesão, leiloar-se as jóias sem noticiar ao devedor assemelha-se a um ato de arbitrariedade e ofende o direito constitucional à defesa. Até o controvertido Decreto-Lei nº 70/66, em seu art. 31, parágrafo 1º, assevera que antes da execução da dívida incumbe ao agente fiduciário promover a notificação do devedor para purgar a mora. 2. A contextualização dos fatos trazidos a lume nos autos denota que a Apelada perdeu de forma antecipada as suas jóias, ficando privada do uso e disposição das mesmas por conta de um ato da Recorrente. Embora não se trate de indenização dos lucros cessantes, faz-se mister alguma reparação pela privação da utilização dos bens, como requerido pela Autora ("indenização pelos danos materiais suportados pela autora (...) de 1 (um) salário mínimo para cada peça de jóia indevidamente alienada por mês que a autora ficar privada de sua utilização, contados a partir do ato ilícito, corrigidos monetariamente até a data da efetiva satisfação da pretensão formulada (...)". Tendo em vista o escopo dos juros compensatórios, nada obsta que sejam eles aplicados aos direitos patrimoniais, diante da peculiar situação fática exposta. Assim como o gozo e a disposição de um bem são passíveis de indenização, a privação de seu uso deve ser igualmente indenizável. 3. Revela-se perfeitamente devida uma indenização em favor da Recorrida pela privação do uso dos bens prematuramente leiloados, à razão de 1% ao mês sobre o valor da condenação por danos materiais, desde a data em que houve o leilão indevido, em 19.08.1999, até a data de fetivo pagamento da indenização, consoante já decidido pelo Juízo de primeiro grau. 4. Considerando-se a condição patrimonial do ofensor na especificação do valor a ser concedido a título de reparação e as circunstâncias fáticas em que se deu a ofensa, além do período em que ela perdurou, tem-se como razoável que a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), também já fixada pelo Juízo a quo, haja vista o caráter sentimental envergado pelas jóias, tudo a título de danos morais. 5. Apelo conhecido, mas desprovido.

(TRF-5 - AC: 401132 SE 0000011-25.2004.4.05.8500, Relator: Desembargador Federal Francisco Barros Dias, Data de Julgamento: 17/11/2009, Segunda Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça Eletrônico - Data: 26/11/2009 - Página: 447 - Ano: 2009)

Como bem apontado pelo Juízo de Origem, a prova carreada nos autos não deixou claro qual é efetivamente o procedimento de aviso do edital de licitação da alienação da coisa dada em garantia e se as supostas notificações enviadas têm o condão de intimar o mutuário pessoalmente, acerca da designação dos leilões.

E em assim sendo, fica evidente que a prestação do serviço bancário padece de regularidade por representar abusivo vínculo à míngua da ciência do consumidor, de modo que resta autorizado ao judiciário a revisão e, se necessária a declaração de nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto no código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

Dito isso, reputo contraditória a afirmação da CEF de que usualmente comunica os devedores previamente à alienação, mas que exigir isso do banco traria elevados custos.

Se é verdade que o banco já adota essa prática, isso é um indicativo de que não se trata de medida tão custosa.

Mas, mesmo que fosse, a cláusula é abusiva e não pode ser imposta aos consumidores.

Também não se justificam as considerações sobre ser necessário, ou não, que a comunicação conte com aviso de recebimento.

Como visto, o Juízo Sentenciante não determinou que fosse adotada essa sistemática, tampouco definiu de que forma deveria ser feita a notificação, limitando-se a acolher o pedido para que passe a constar no texto contratual a necessidade de notificação.

Muito pelo contrário, entendo que o comando exarado em sentença abrange todo tipo de comunicação feita pela CEF ao devedor por meios idôneos, que possibilitem a prova da comunicação, aí incluídas eventuais cartas dirigidas ao endereço declinado pelo consumidor, mensagens de texto para número de telefone celular por ele indicado e e-mails enviados ao endereço eletrônico fornecido pelo mutuante, dentre outros.

Com isso, admite-se que a CAIXA venha a redigir cláusula contratual prevendo essas formas de notificação. O que não se admite é a cláusula discutida nos autos, que previa a desnecessidade da comunicação.

Desta forma, mantenho a sentença no que se refere à declaração de abusividade da cláusula que dispensava a notificação prévia à alienação da coisa empenhada e a condenação do banco estatal à edição de cláusula contratual que preveja a notificação prévia do mutuário.

VI- Da Atualização monetária

Suscita a CAIXA, ainda, que a sentença deve ser considerada ultra petita no que se refere à condenação dos casos ocorridos a partir da propositura da ação com atualização monetária retroagindo à data da propositura da demanda até o efetivo pagamento.

Vejamos primeiramente, como restou fundamenta a sentença recorrida (ID 257934066):

“Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade das cláusulas 14.1 e 18.1 nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única, estabelecidos pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, devendo a ré editar cláusulas que determinem: (i) a notificação prévia do mutuário e, (ii) o ressarcimento, no prazo de 30 (trinta) dias, do extravio, roubou ou furto do bem, no valor de mercado, a título de dano material.

 

Para os casos já ocorridos a partir da propositura ação, o montante deverá ser atualizado desde a propositura até o efetivo pagamento, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, deduzido o crédito recebido anteriormente”.

Pois bem. Compulsando aos autos, fica claro que a imposição do termo inicial para incidência da correção monetária, a partir do ajuizamento da Ação Civil Pública, se restringe aos casos cujo fato gerador para pleitear eventual reparação é anterior à data da propositura da ação (01 de abril de 2005).

Relativamente aos fatos de perda do bem e contratos firmados após o ajuizamento da ação, o termo inicial para incidência da correção monetária passa a ser o da própria citação da CAIXA, em sede de execução inicial de sentença, como dispõe, nos termos do art. 397, parágrafo único do Código Civil.

Não prospera, portanto, a insurgência da CAIXA, devendo ser mantida a sentença por seus próprios fundamentos.

VII- DA LIMITAÇÃO TERRITORIAL DOS EFEITOS DA COISA JULGADA - SUBSTITUÍDOS DOMICILIADOS NO ÂMBITO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO PROLATOR NA DATA DE PROPOSITURA DA AÇÃO

 

No que tange aos efeitos das coisa julgada relativamente à presente ação coletiva, a sentença considerou que: “Assim, afasto a alegação de coisa julgada pela ré, mas acolho o pedido de limitação dos efeitos da presente decisão, uma vez que afetarão os sujeitos com domicílio nesta Jurisdição.”

A CAIXA requer em suas razões de apelação, que a sentença seja reformada para que conste expressamente no dispositivo, a delimitação territorial, com a abrangência apenas dos domiciliados no Município de São Paulo/SP.

Sem razão a Apelante.

De fato, consoante dispunha o art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, alterado pela redação da Lei nº 9.494, de 10.9.1997, "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova".

O Superior Tribunal de Justiça já havia se manifestado em julgamento plenário, no sentido de que "a eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas NÃO deve ficar limitada ao território da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão" (STJ. Corte Especial. EREsp 1134957/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/10/2016).

Nesse sentido, destaco fundamentos do voto da lavra do E. Ministro Luís Felipe Salomão, no âmbito do REsp 1.243.887/PR (STJ. Corte Especial, julgado em 19/10/2011):

A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os"efeitos"ou a"eficácia"da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é"efeito"ou"eficácia"da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la"imutável e indiscutível".

É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os" limites da lide e das questões decididas "(art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC)- tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.

A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.

A questão principal, portanto, é de alcance objetivo (" o que "se decidiu) e subjetivo (em relação" a quem "se decidiu), mas não de competência territorial.

Recentemente, porém, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), alterada pela Lei 9.494/1997, que limita a eficácia das sentenças proferidas nesse tipo de ação à competência territorial do órgão que a proferir, firmando a seguinte tese:

“É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e, fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas". TF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral - Tema 1075) (Info 1012).

 

Nesse sentido não há como se admitir a restrição imposta pela sentença recorrida, aos sujeitos com domicílio nesta Jurisdição, com esteio justamente no artigo 16 da LACP.

E nem se argumente pela configuração da reformatio in pejus, na medida em que a decisão proferida pela Suprema Corte Federal, em controle de constitucionalidade, tem força cogente e vincula sua aplicação pelas as Cortes Regionais Federais e pelos Tribunais Estaduais.

Ora, se a lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo C. STF, tem o condão de tornar inexigível determinada obrigação reconhecida em título executivo judicial, consoante dispõe o § 12º, do artigo 525, do CPC/15, bem como de rescindir decisão de mérito, transitada em julgado, na forma do artigo 966, também do CPC/15, é com muito menos rigor que se admite a reforma da sentença para afastar a aplicação do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública e adequar o provimento jurisdicional ao quanto decidido no RE nº1.101.937/SP.

Desta forma, rechaço o pedido de limitação dos efeitos da sentença, e à luz do quanto dispõe a redação original do artigo 16 da LACP, em consonância com o artigo 103, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, a fim de reconhecer os efeitos erga omnes da sentença, com abrangência em todo território nacional.

Dispositivo

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de Apelação interposto pela CAIXA e, de ofício, reformo a sentença para afastar a aplicabilidade do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, alterado pela redação da Lei nº 9.494, de 10.9.1997, com esteio no RE 1101937/SP e, por conseguinte, reconhecer os efeitos erga omnes da sentença, com abrangência em todo território nacional, nos termos da fundamentação supra.

Mantida a sentença no demais.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

APELAÇÃO. CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CEF. CONSUMIDOR. CONTRATO DE PENHOR. ROUBO DE JOIAS DADAS EM GARANTIA PIGNORATÍCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CLÁUSULA CONTRATUAL DE LIMITAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. NULIDADE DE PLENO DIREITO. LEILÃO APÓS O VENCIMENTO. JOIAS PENHORADAS SEM NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DISPENSA EXPRESSA NO CONTRATO. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. LIMITAÇÃO TERRITORIAL DOS EFEITOS DA COISA JULGADA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 16 DA LEI 7.347/85. APELO NÃO PROVIDO. REFORMA DA SENTENÇA DE OFÍCIO PARA DELIMITAÇÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA.

  1. Trata-se de recurso de apelação interposto pela Caixa Econômica Federal, em face da sentença proferida nos autos da presente Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, objetivando a declaração de nulidade das cláusulas contratuais estipuladas nos contratos de mútuo com garantia de penhor e amortização única de celebrados entre a demanda e os mutuários interessados, assim como a condenação da CEF a edital tal cláusula, de modo que seja mais beneficial aos mutuários revendo os valores acordados, ressarcindo aqueles que já foram indenizados em casos de furto, roubo ou subtração dos objetos confiados à demandada.

  2. Sentença recorrida que julgou parcialmente procedentes os pedidos para declarar a nulidade das cláusulas 14.1 e 18.1 nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única, estabelecidos pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, devendo a ré editar cláusulas que determinem: (i) a notificação prévia do mutuário e, (ii) o ressarcimento, no prazo de 30 (trinta) dias, do extravio, roubou ou furto do bem, no valor de mercado, a título de dano material. Para os casos já ocorridos a partir da propositura ação, o montante deverá ser atualizado desde a propositura até o efetivo pagamento, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, deduzido o crédito recebido anteriormente.

  3. A legitimidade passiva do MPF foi analisada e enfrentada por esta Eg. Corte, quando do julgamento do recurso de apelação interposto, em face da sentença proferida pelo Juízo da 15ª Vara Federal desta capital, em que restou reconhecido que que o objeto tutelado, consistente na declaração de nulidade de cláusula contratual, tem como fundamento a contrariedade do disposto no Código de Defesa do Consumidor e a ausência de justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes está intrínseco à função social do contrato.

  4. O interesse de agir do Ministério Público Federal é presumido quanto à sua atuação em decorrência direta daquilo que lhe atribui o ordenamento, de modo que restou rechaçada a alegação de ausência de interesse de agir, para propositura do pedido de revisão e anulação de cláusulas abusivas contidas no Contrato de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização, com esteio no art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.

 

  1. [...] “certos interesses individuais, quando aferidos em seu conjunto, de modo coletivo e impessoal, têm o condão de transcender a esfera de interesses estritamente particulares, convolando-se em verdadeiros interesses da comunidade, emergindo daí a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública, com amparo no art. 127 da Constituição Federal”. (RE 631.111, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 30/10/2014)

 

  1. A questão da coisa julgada já foi apreciada e afastada pelo Juízo de Origem, em sede de despacho saneador, decisão contra a qual a CAIXA não se insurgiu.

 

  1. O C. Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que as matérias não impugnadas no momento oportuno sujeitam-se à preclusão consumativa, inclusive as de ordem pública, ainda que se tratando de ordem pública.

 

  1. Ainda que se cogite pela possibilidade de enfrentamento da matéria, entendo que não assistiria razão à CAIXA. A teor do julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1075, no Recurso Extraordinário (RE) 1101937, em que foi reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, as sentenças proferidas em sede de ação coletiva ajuizada no âmbito nas relações de consumo, terão os efeitos da coisa julgada disciplinados pelo artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor.

 

  1. No tocante à Ação Civil Pública nº 2000.50.01.008123-5, depreende-se do julgado proferido pela Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2º Região, que a improcedência do pedido decorreu da insuficiência de provas para desconstituir a alegação da CEF de que os critérios empreendidos na avaliação dos bens dados em garantia adequam-se aos parâmetros do mercado.

 

  1. A alegação de que a sentença seria ultra petita, deve-se fundamentalmente ao fato de que o juízo de primeiro grau ao determinar o ressarcimento dos mutuários em 30 (trinta) dias do extravio, roubo ou furto do bem, delimitação esta que, sequer teria sido objeto da pretensão pelo MPF, teria extrapolado os limites dos pedidos formulados na exordial.

 

  1. No entanto, foi requerido pelo MPF em sede de antecipação de tutela, que nos Contratos de Mútuo com Garantia de Penhor e Amortização Única em execução, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL: “(a) a) indenize o(s) objeto(s) sob sua custódia que for(em) roubado(s). furtado(s) ou extraviado(s), na importância de 10 (dez) vezes o valor da avaliação do bem, a título de dano moral e material, no prazo de 20 (vinte) dias, a partir da ocorrência, deduzido o crédito recebido inicialmente”.

 

  1. A sentença, por sua vez, acolheu parcialmente a pretensão do MPF, fixando, para tanto, o prazo de 30 dias, 10 (dez) dias a mais do quanto requerido na exordial (vide item “a”, em benefício da própria Apelante, de modo que não procede a insurgência da Apelante no sentido de que o magistrado teria decidido acima da pretensão do autor, ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

 

  1. A indenização se mede pela extensão do dano (art. 944 do Código Civil), de tal sorte que, em havendo disparidade entre o valor das joias apurado pelo credor pignoratício e o efetivo valor de mercado dos bens, este deve prevalecer, sob pena de enriquecimento indevido da instituição financeira.

 

  1. Não há que se falar na validade da cláusula contratual que limita a responsabilidade da casa bancária ao pagamento de indenização em uma vez e meia o valor de avaliação obtido pelo próprio banco, uma vez que se trata de imposição unilateralmente feita pela instituição financeira, em contrato de adesão e que restringe o valor indenizatório a percentual calculado sobre avaliação feita pelo próprio banco.

 

  1. A CEF é empresa estatal a quem a lei confere o monopólio da atividade de penhor civil, nos termos do art. 2°, alínea "e" do Decreto-Lei n° 759/1969, que autorizou a sua criação. Perde força, portanto, a tese de que a autora escolheu livremente contratar com a CEF, uma vez que se trata da única instituição financeira autorizada a explorar esta atividade comercial.

 

  1. Há que se ressaltar a evidente abusividade da cláusula em comento, uma vez que impõe aos consumidores-aderentes a necessidade de aceitar que a CEF se limite a indenizá-los, pelo roubo das joias dadas em garantia pignoratícia, em montante calculado sobre o valor das joias, avaliadas unilateralmente pelo banco estatal.

 

  1. Inafastável a conclusão de que a Cláusula 14.1, da forma como redigida, constitui verdadeira atenuação da responsabilidade do prestador do serviço, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

 

  1. Não há que se falar na validade da cláusula contratual que limita a responsabilidade da casa bancária ao pagamento de indenização em uma vez e meia o valor de avaliação obtido pelo próprio banco, inclusive, consoante dispõe a Súmula 638, do C. Superior Tribunal de Justiça: É abusiva a cláusula contratual que restringe a responsabilidade de instituição financeira pelos danos decorrentes de roubo, furto ou extravio de bem entregue em garantia no âmbito de contrato de penhor civil.

 

  1. Trata-se, efetivamente, de questão redutível à apuração judicial contraditória, cuja análise deve ser diferida para a fase de liquidação, por arbitramento, nos casos de execução individual da sentença ora recorrida, na forma do artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor.

 

  1. As disposições previstas no CDC, acerca da proteção contratual, vedam a imposição de cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. E mais que isso, em se tratando da celebração e contrato de adesão, exige que as cláusulas sejam interpretadas favoravelmente aos consumidores (cf. art. 47, CDC) e à luz do princípio da boa-objetiva. Tais diretrizes também estão estampadas, de maneira geral, no artigo 422 do Código Civil, segundo o qual, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

 

  1. A necessidade de uma interpretação particular é justificada pela vulnerabilidade jurídica do contratante, do aderente/consumidor no contrato de penhor, o qual se submete ao contrato de adesão e às respectivas condições gerais, sem poder discutir as cláusulas da contratação, merecendo ele especial proteção, com o reconhecimento de cláusulas contratuais excessivamente abusivas.

 

  1. A possibilidade de revisão das cláusulas contratuais pelo Judiciário, tem o nítido propósito de trazer, ainda que minimamente, um equilíbrio contratual, a fim de suavizar eventuais vantagens excessivas do predisponente, observando sempre a equivalência das prestações e a função social do contrato.

 

  1. Ao se permitir que as joias sejam leiloadas sem a prévia comunicação formal do mutuário, a instituição financeira se afasta do objetivo primário do contrato, que diz com o adimplemento do mútuo ou a renovação contratual mediante pagamento de juros. Nessa ordem de ideias, a cláusula contratual em questão revela-se abusiva, na medida em que restringe o direito do consumidor à purgação da mora, direito esse inerente à natureza do contrato.

 

  1. Precedentes.

 

  1. A prova carreada nos autos não deixou claro qual é efetivamente o procedimento de aviso do edital de licitação da alienação da coisa dada em garantia e se as supostas notificações enviadas têm o condão de intimar o mutuário pessoalmente, acerca da designação dos leilões.

 

  1. Não se justificam as considerações sobre ser necessário, ou não, que a comunicação conte com aviso de recebimento. Juízo Sentenciante que não determinou que fosse adotada essa sistemática, tampouco definiu de que forma deveria ser feita a notificação, limitando-se a acolher o pedido para que passe a constar no texto contratual a necessidade de notificação.

 

  1. Depreende-se da sentença que a imposição do termo inicial para incidência da correção monetária, a partir do ajuizamento da Ação Civil Pública, se restringe aos casos cujo fato gerador para pleitear eventual reparação é anterior à data da propositura da ação (01 de abril de 2005).

 

  1. Relativamente aos fatos de perda do bem e contratos firmados após o ajuizamento da ação, o termo inicial para incidência da correção monetária passa a ser o da própria citação da CAIXA, em sede de execução inicial de sentença, como dispõe, nos termos do art. 397, parágrafo único do Código Civil.

 

  1. No que tange aos efeitos das coisa julgada relativamente à presente ação coletiva, a sentença considerou que: “Assim, afasto a alegação de coisa julgada pela ré, mas acolho o pedido de limitação dos efeitos da presente decisão, uma vez que afetarão os sujeitos com domicílio nesta Jurisdição.”

 

  1. A CAIXA requer em suas razões de apelação, que a sentença seja reformada para que conste expressamente no dispositivo, a delimitação territorial, com a abrangência apenas dos domiciliados no Município de São Paulo/SP.

 

  1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), alterada pela Lei 9.494/1997, que limita a eficácia das sentenças proferidas nesse tipo de ação à competência territorial do órgão que a proferir, firmando a seguinte tese: “É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e, fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas". TF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral - Tema 1075) (Info 1012).

 

  1. Não há como se admitir a restrição imposta pela sentença recorrida, aos sujeitos com domicílio nesta Jurisdição, com esteio justamente no artigo 16 da LACP.

 

  1. Rechaçado o pedido de limitação dos efeitos da sentença, e à luz do quanto dispõe a redação original do artigo 16 da LACP, em consonância com o artigo 103, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, a fim de reconhecer os efeitos erga omnes da sentença, com abrangência em todo território nacional.

 

  1. Recurso de apelação a que se nega provimento. Reformada a sentença de ofício, para afastar a aplicabilidade do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, alterado pela redação da Lei nº 9.494, de 10.9.1997, com esteio no RE 1101937/SP e, por conseguinte, reconhecer os efeitos erga omnes da sentença, com abrangência em todo território nacional, nos termos da fundamentação supra.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso de Apelação interposto pela CAIXA e, de ofício, reformou a sentença para afastar a aplicabilidade do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, alterado pela redação da Lei nº 9.494, de 10.9.1997, com esteio no RE 1101937/SP e, por conseguinte, reconhecer os efeitos erga omnes da sentença, com abrangência em todo território nacional. Mantida a sentença no demais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.