Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5028368-10.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

APELADO: ROBERTA DOS SANTOS SILVA BRASILEIRO

Advogados do(a) APELADO: ARTUR LUIZ GODOY FERNANDES - SP207654-A, CINTHIA CARVALHO DE ANDRADE - SP183653-A, LUCIANA PAOLA MUSSA - SP235589-A, RAFAEL DE ALMEIDA MEDAWAR - SP207582-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5028368-10.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

APELADO: ROBERTA DOS SANTOS SILVA BRASILEIRO

Advogados do(a) APELADO: ARTUR LUIZ GODOY FERNANDES - SP207654-A, CINTHIA CARVALHO DE ANDRADE - SP183653-A, LUCIANA PAOLA MUSSA - SP235589-A, RAFAEL DE ALMEIDA MEDAWAR - SP207582-A

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF e REEXAME NECESSÁRIO contra sentença proferida em mandado de segurança impetrado por ROBERTA DOS SANTOS SILVA BRASILEIRO objetivando a liberação de valores de sua conta vinculada ao FGTS para tratamento de saúde de seu filho.

Narra a impetrante em sua inicial que seu filho, com quatro anos de idade na data da impetração do writ (01/10/2021), foi diagnosticado com "Transtorno do Espectro Autista - TEA", com necessidade de submissão a diversos tratamentos, "tais como sessões de fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicoterapia pelo método ABA".

Diz que a maior parte de seu salário já está comprometida com despesas de saúde e empréstimos, além de despesas ordinárias.

Pede a liberação integral dos valores constantes de sua conta vinculada ao FGTS, bem como a liberação periódica dos valores que vierem a ser acumulados nos próximos anos após o primeiro saque (ID 257180129).

Indeferido o pedido de liminar (ID 257180503).

Contra a decisão foi interposto agravo de instrumento pela impetrante (ID 257180507 e seguintes).

Informações prestadas pela CEF (ID 257180511).

Deferi o pedido de antecipação da tutela recursal para autorizar a agravante a levantar o saldo depositado em conta de FGTS de sua titularidade para utilização no tratamento de saúde de seu filho (AI n° 5027061-85.2021.4.03.0000 - ID 257180520).

Manifestação do Ministério Público Federal pela concessão parcial da segurança, para que fosse assegurado o direito ao levantamento do valor do saldo não alienado fiduciariamente (ID 257180527).

A CEF informou o cumprimento da decisão, mediante liberação dos valores, bastando que a autora comparecesse a uma agência para realizar o saque (ID 257180529).

Em sentença prolatada em 23/02/2022, o Juízo de Origem concedeu a segurança para autorizar o levantamento da quantia total depositada na conta vinculada ao FGTS de titularidade da Impetrante, bem como das parcelas futuras, periodicamente, enquanto comprovada a sua destinação para fins de tratamento médico de seu dependente. Sem condenação em honorários (ID 257180531).

A CEF apela para ver denegada a segurança, sustentando que a doença que acomete o filho da impetrante não está prevista no rol da Lei n° 8.036/90, que entende ser taxativo. Subsidiariamente, pede que o saque seja limitado ao saldo que ainda não foi movimentado, isto é, o saldo que não foi objeto de alienação fiduciária (ID 257180639).

Contrarrazões pela parte impetrante (ID 257180643).

Parecer do Ministério Público Federal pelo regular prosseguimento do feito (ID 257635313).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5028368-10.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

APELADO: ROBERTA DOS SANTOS SILVA BRASILEIRO

Advogados do(a) APELADO: ARTUR LUIZ GODOY FERNANDES - SP207654-A, CINTHIA CARVALHO DE ANDRADE - SP183653-A, LUCIANA PAOLA MUSSA - SP235589-A, RAFAEL DE ALMEIDA MEDAWAR - SP207582-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

A pretensão formulada pela agravante diz respeito à liberação dos valores depositados na conta fundiária da agravada para pagamento das despesas médicas de seu filho que é portador de Transtorno do Espectro Autista.

A Lei nº 8.036/90 que dispõe sobre o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço prevê em seu artigo 20 o seguinte:

“Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:

(...)

XI – quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for acometido de neoplasia maligna.

(...)

XIII – quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for portador do vírus HIV;

XIV – quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes estiver em estágio terminal, em razão de doença grave, nos termos do regulamento;

(...)

XVIII – quando o trabalhador com deficiência, por prescrição, necessite adquirir órtese ou prótese para promoção de acessibilidade e de inclusão social.

(...)”

Como se percebe, o legislador estabeleceu a possibilidade de utilização dos depósitos realizados em conta fundiária para pagamento de despesas médicas do titular da conta ou de seus dependentes, prevendo expressamente os casos de neoplasia maligna, HIV, estágio terminal em razão de doença grave e aquisição de órtese ou prótese.

Entretanto, ao enfrentar o tema a jurisprudência pátria tem entendido pela possibilidade de que o trabalhador faça uso do montante depositado em sua conta fundiária para pagamento de despesas médicas próprias ou de seus dependentes ainda que enfermidade de grave natureza não esteja expressamente prevista em diploma legal, tendo em vista a finalidade social do FGTS.

Com efeito, nos casos como o ora em debate a liberação dos valores depositados em conta de FGTS fora das hipóteses legais se mostra devidamente justificada em razão dos direitos constitucionalmente assegurados à vida, saúde e dignidade do ser humano.

No caso concreto, o documento de ID 257180130 revela que a impetrante é mãe de Davi Brasileiro de Minas Junior que, por sua vez, foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, conforme laudo médico emitido em 22.06.2021 (ID 257180482), exigindo terapias nas áreas de terapia ocupacional, fonoaudiologia e psicologia comportamental de forma ininterrupta e sem prazo para término. 

O mesmo se confirma no Laudo de Avaliação Multidisciplinar (ID 257180483).

Já o extrato de depósitos de FGTS da agravante apresenta saldo de R$ 43.969,18 em 10.09.2021 e o Orçamento de Intervenção Multidisciplinar firmado com profissional psicóloga apresenta o valor de R$ 27.945,00 (ID 257180485 e 257180486).

Em caso assemelhado ao posto nos autos, assim decidiu esta E. Corte Regional:

“MANDADO DE SEGURANÇA. FGTS. PEDIDO DE LEVANTAMENTO DO SALDO. HIPÓTESE NÃO ELENCADA NO ART. 20 DA LEI N. 8.036/90. POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO DO ROL, PELO JULGADOR. SITUAÇÃO DEMONSTRADA NOS AUTOS. REMESSA DESPROVIDA. 1 – O FGTS, conforme se infere da jurisprudência deste Tribunal, possui natureza alimentar, tendo como objetivo assegurar ao trabalhador o mínimo de dignidade – princípio maior do ordenamento constitucional pátrio – nos momentos de maiores dificuldades (desemprego, doença grave etc). 2 – O artigo 20 da Lei 8.036/90 não pode ser interpretado de maneira restritiva, mas sim de forma teleológica, juntamente com o artigo 6º da Constituição Federal, que alça a saúde ao patamar de direito constitucional social e fundamental. 3 – Por tais razões, independentemente de se aferir se o fundista ou seu familiar está em estágio terminal, pode o magistrado ordenar o levantamento do saldo da conta do FGTS mesmo fora das hipóteses previstas no art. 20 da Lei n. 8.036/90, desde que tal liberação tenha como finalidade atender à necessidade social premente, sobretudo em hipóteses como a dos autos, em que se busca resguardar a saúde de membro da família da parte impetrante, assegurando-lhe melhor qualidade de vida, logo um bem jurídico constitucionalmente tutelado. 4 – Desta forma, atento à natureza do FGTS e o seu caráter social, resta patente a necessidade de a parte impetrante levantar o saldo de sua conta vinculada para atender às necessidades mais prementes em razão da doença que acomete sua filha, denominada transtorno do espectro do autismo, demandando acompanhamento com equipe multidisciplinar composta por psicólogo, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional, no modelo de intervenção precoce de Denver e Análise do Comportamento Aplicada (ABA). 5 – Remessa oficial desprovida.” (destaquei)

(TRF 3ª Região, Segunda Turma, RemNecCiv/SP 5002487-29.2020.4.03.6112, Relator Desembargador Federal Cotrim Guimarães, Intimação via sistema 29/04/2021).

Nada obstante, há que se registrar que a impetrante ofereceu em garantia fiduciária parte de seus direitos de saque ao FGTS, no montante total de R$ 19.020,38 (dezenove mil e vinte reais e trinta e oito centavos) em 05/11/2021 (ID 257180513).

Referida operação encontra expressa previsão legal, in verbis:

“Art. 20-D. Na situação de movimentação de que trata o inciso XX do caput do art. 20 desta Lei, o valor do saque será determinado:         (Incluído pela Lei nº 13.932, de 2019).

(...)

§ 3º A critério do titular da conta vinculada do FGTS, os direitos aos saques anuais de que trata o caput deste artigo poderão ser objeto de alienação ou cessão fiduciária, nos termos do art. 66-B da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, em favor de qualquer instituição financeira do Sistema Financeiro Nacional, sujeitas às taxas de juros praticadas nessas operações aos limites estipulados pelo Conselho Curador, os quais serão inferiores aos limites de taxas de juros estipulados para os empréstimos consignados dos servidores públicos federais do Poder Executivo.          (Incluído pela Lei nº 13.932, de 2019)

(...)”.

Assim, o direito ao levantamento de valores pela impetrante não abrange o saldo dado em alienação fiduciária a instituições financeiras, como já decidiu esta Turma em caso semelhante:

“MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE SALDO DO FGTS. DOENÇA RARA DA DEPENDENTE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DO DIREITO AO SAQUE ANUAL DO SALDO DA CONTA FUNDIÁRIA.

1. O legislador estabeleceu a possibilidade de utilização dos depósitos realizados em conta fundiária para pagamento de despesas médicas do titular da conta ou de seus dependentes, prevendo expressamente os casos de neoplasia maligna, HIV, estágio terminal em razão de doença grave e aquisição de órtese ou prótese.

2. Entretanto, ao enfrentar o tema a jurisprudência pátria tem entendido pela possibilidade de que o trabalhador faça uso do montante depositado em sua conta fundiária para pagamento de despesas médicas próprias ou de seus dependentes ainda que enfermidade de grave natureza não esteja expressamente prevista em diploma legal, tendo em vista a finalidade social do FGTS.

3. Com efeito, nos casos como o ora em debate a liberação dos valores depositados em conta de FGTS fora das hipóteses legais se mostra devidamente justificada em razão dos direitos constitucionalmente assegurados à vida, saúde e dignidade do ser humano.

4. O caso em análise, contudo, apresenta a peculiaridade de que o agravado alienou fiduciariamente o direito ao saque anual do saldo de sua conta fundiária em favor de instituição financeira. Com efeito, o documento Num. 249465097 – Pág. 1 do processo de origem revela a existência de 3 operações de cessão do saldo de FGTS realizadas em 13.01, 02.02 e 08.03.2022 nos valores de R$ 30.562,42, R$ 10.192,51 e R$ 4.993,67, respectivamente.

5. Há, como se percebe, expressa previsão legal autorizando o titular da conta fundiária a ceder os direitos a saque anuais em alienação fiduciária a instituição financeira nos termos do artigo 66-B da Lei nº 4.728/66. E, da mesma forma, há previsão de que nos casos em que o titular da conta de FGTS realizar tal operação, ocorrerá o bloqueio do saldo percentual existe em sua conta vinculada que deverá ser observado para os casos de movimentação previstos pelo § 2º do artigo 20-A da Lei nº 8.036/90.

6. No caso dos autos, vimos que o agravado cedeu em alienação fiduciária o direito ao saque anual do FGTS em 3 operações cujos valores somados perfazem o total de R$ 45.786,60 (Num. 249465097 – Pág. 1 do processo de origem). Por outro lado, o extrato da conta fundiária aponta a existência de saldo de R$ 71.674,93 em maio de 2022, conforme documento Num. 249465092 – Pág. 1/4 do processo de origem.

7. Nestas condições, o levantamento do saldo da conta fundiária pelo agravado deve observar o bloqueio de R$ 45.786,60 decorrente das operações de alienação fiduciária por ele realizadas, nos termos do artigo 20-D, § 5º da Lei nº 8.036/90.

8. DESPROVIMENTO ao reexame necessário” (destaquei).

(TRF da 3ª Região, Remessa Necessária n° 5006856-34.2022.4.03.6100/SP, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy, Primeira Turma, julgamento em 13/12/2022, intimação via sistema em 12/01/2023).

Comprovado, assim, que a agravante é mãe de criança portadora de Transtorno de Espectro Autista, deve ser acolhido o pedido de liberação dos valores depositados em sua conta de FGTS para que sejam utilizados no custeio do tratamento de saúde de seu filho, observado, contudo, o valor dado em garantia fiduciária pela fundista.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e ao reexame necessário para declarar que o direito ao levantamento de valores pela impetrante não abrange o saldo dado em alienação fiduciária a instituições financeiras.

É como voto.



E M E N T A

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FGTS. DESPESAS MÉDICAS DE DEPENDENTE DO FUNDISTA. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEA. DIREITO SUBJETIVO À LIBERAÇÃO DE VALORES, EXCETUADA QUANTIA DADA EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA A INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

1. A pretensão formulada pela agravante diz respeito à liberação dos valores depositados na conta fundiária da agravada para pagamento das despesas médicas de seu filho que é portador de Transtorno do Espectro Autista.

2. Ao enfrentar o tema, a jurisprudência pátria tem entendido pela possibilidade de que o trabalhador faça uso do montante depositado em sua conta fundiária para pagamento de despesas médicas próprias ou de seus dependentes ainda que enfermidade de grave natureza não esteja expressamente prevista em diploma legal, tendo em vista a finalidade social do FGTS.

3. O direito ao levantamento de valores pela impetrante não abrange o saldo dado em alienação fiduciária a instituições financeiras. Art. 20-D, § 3º da Lei n° 8.036/1990. Precedente desta Corte.

4. Comprovado que a impetrante é mãe de criança portadora de Transtorno de Espectro Autista, deve ser acolhido o pedido de liberação dos valores depositados em sua conta de FGTS para que sejam utilizados no custeio do tratamento de saúde de seu filho, consignando-se que o direito ao levantamento de valores pela impetrante não abrange o saldo dado em alienação fiduciária a instituições financeiras.

5. Apelação parcialmente provida para declarar que o direito ao levantamento de valores pela impetrante não abrange o saldo dado em alienação fiduciária a instituições financeiras.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação e ao reexame necessário para declarar que o direito ao levantamento de valores pela impetrante não abrange o saldo dado em alienação fiduciária a instituições financeiras, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.