Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002727-52.2020.4.03.6133

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: SOLANGE LIMA BORGES

Advogados do(a) APELANTE: ABEL HERNANDEZ LUSTOZA - RS66246-A, LUCAS DA COSTA CUNHA - RS85393-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002727-52.2020.4.03.6133

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: SOLANGE LIMA BORGES

Advogados do(a) APELANTE: ABEL HERNANDEZ LUSTOZA - RS66246-A, LUCAS DA COSTA CUNHA - RS85393-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXMO SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente o pedido de desvio de função de auxiliar de serviços gerais da rede municipal para técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral. Foi a autora condenada ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, observada a justiça gratuita.

As razões da apelação são: a segunda sentença proferida, após anulação da primeira por este Tribunal, repetiu exatamente os mesmos termos da sentença anterior  na parte do direito, desobedecendo ao comando do acórdão; as provas produzidas confirmam a tese de desvio de função; total discrepância das atividades do cargo de origem com o cargo destino, que ensejam o reconhecimento do desvio de função; a requisição pela Justiça Eleitoral feita nos termos da Lei nº 6.999/82 não autoriza que sejam atribuídas funções completamente diferentes ao servidor.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte.

Memoriais apresentados pela parte-apelante.

É o breve relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002727-52.2020.4.03.6133

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: SOLANGE LIMA BORGES

Advogados do(a) APELANTE: ABEL HERNANDEZ LUSTOZA - RS66246-A, LUCAS DA COSTA CUNHA - RS85393-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Versa o presente feito sobre desvio de função no exercício de cargo público.

O art. 37, II, da Constituição Federal, prevê que a investidura em cargo ou emprego público ocorre por meio de prévia aprovação em concurso público de prova ou de provas e títulos, consoante a natureza e complexidade do cargo ou emprego. Mediante concurso público é feita seleção para escolha de candidato mais apto ao serviço a ser desempenhado, possibilitando a todos os administrados a oportunidade de serem servidores, garantindo a supremacia do interesse público na contratação daqueles com maior aptidão para o desempenho da atividade e no respeito à igualdade na participação de todos que apresentem requisitos minimamente necessários (devidamente especificados no edital e em lei), realçada a impessoalidade por meio de seleção objetiva. O provimento em cargo público é procedimento de seleção para habilitação dos candidatos que serão nomeados, ato apto a gerar direito à posse.

A criação de cargos públicos, requisitos de ingresso e suas atribuições são temas necessariamente tratados por preceitos normativos. Contudo, é necessário compreender tais preceitos normativos sob o prisma da Administração Pública, notadamente da eficiência e da continuidade do serviço público, tudo de modo a buscar a realização e excelência do serviço público com maior presteza, perfeição e rendimento funcional. A Administração, ao promover um concurso público, espera que o servidor prossiga na carreira por muitos anos e se adapte à dinâmica dos serviços, que não podem ser inalteráveis, razão pela qual o padrão normativo se faz com conceitos jurídicos indeterminados mas suficientemente seguros para a compreensão abstrata da ideia do legislador. Em outras palavras, se o fim da Administração é atender ao interesse público (supremacia do interesse público), a definição normativa das atividades de servidores deve (em alguns casos) dar margem a que a consecução de um mesmo procedimento seja confiada a mais de um servidor (ainda que em cargos diversos), sendo inviável delineamento normativo estanque da atividade pública e de seus servidores, em vista dos avanços, mudanças, desafios e progressos que são enfrentados no trabalho cotidiano.

Portanto, embora cada cargo possua rol próprio de atividades, alguns cargos têm atribuições assemelhadas em razão da complementariedade de tarefas, situação na qual a diferenciação se dá já no concurso de ingresso, pelo grau de exigência para cargos de maior complexidade, conhecimento e responsabilidade (p. ex., maior complexidade exige ensino superior completo). Ressalvado o provimento derivado de promoção ou as hipóteses de progressão funcional, é inadmissível provimento de servidor para cargo diverso daquele para o qual foi aprovado em concurso público, o que afasta categoricamente a possibilidade de servidor concursado para um cargo com certa exigência de escolaridade ser permanentemente enquadrado para cargo com exigência mais alta. Essa impossibilidade ainda se afirma mesmo que, ao tempo do concurso, a parte-autora tivesse formação completa no grau de escolaridade exigido para o cargo mais alto, na medida em que se inscreveu e foi selecionada a partir de certamente elaborado para cargo de outro nível, até porque o conteúdo do exame é diferente em condições normais. Também não basta o mero exercício de atividade temporária ou episódica que se insira nas atribuições de cargo mais elevado para que o servidor tenha direito a reenquadramento ou a vencimentos do cargo superior.

A inexistência de diferenciação entre cargos públicos levaria à indesejada e irrestrita equiparação, vedada de múltiplas formas pelo a art. 37, XIII, da Constituição Federal: “é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração do pessoal do serviço público”. Nesse sentido, note-se também a Orientação Jurisprudencial TST 297 do SDI-I: “297 - Equiparação salarial. Servidor público da administração direta, autárquica e fundacional. Art. 37, XIII, da CF/88. (DJ 11.08.2003) - O art. 37, inciso XIII, da CF/88, veda a equiparação de qualquer natureza para o efeito de remuneração do pessoal do serviço público, sendo juridicamente impossível a aplicação da norma infraconstitucional prevista no art. 461 da CLT quando se pleiteia equiparação salarial entre servidores públicos, independentemente de terem sido contratados pela CLT.”

Contudo, é possível que servidor exerça permanentemente funções próprias de cargo superior para o qual foi concursado, situação que se dá ao arrepio da legislação (embora a causa possa ser múltipla, dentre as quais extrema necessidade de serviço indispensável para a sociedade e para o Estado ou até políticas públicas desacertadas). Nessas circunstâncias excepcionais verifica-se o desvio de função, situação de fato tipicamente contrária à lei, caraterizado pelo exercício permanente e habitual de atividades distintas ao cargo que o servidor está vinculado.

Como não há direito adquirido ou ato jurídico perfeito em situações nas quais há violação à Constituição ou à lei, o desvio de função deve ser repelido tanto pelo gestor público como pelo servidor, devendo ser aplicadas medidas próprias da nulidade, não sendo suscetível de confirmação. A Súmula 346 do E.STF prevê que “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”, ao passo que a Súmula 473 do mesmo Tribunal estabelece que “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se origina direitos, ou revogá-los por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Assim, cumpre à Administração Pública, utilizando-se da autotutela, analisar e verificar os próprios atos, incluindo-se a regularização do desvio funcional de seus servidores, exigindo-se que o trabalhador volte ao seu cargo ou à sua função originária, ao invés de mantê-lo no cargo ou na função para o qual não foi contratado.

Deve-se ter em mente, ademais, que no caso específico de servidores requisitados pela Justiça Eleitoral, há previsão legal expressa tanto no Código Eleitoral quanto na Lei nº 6.999/82.

O Código Eleitoral prevê:

"Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior:

XVI - requisitar funcionários da União e do Distrito Federal quando o exigir o acúmulo ocasional do serviço de sua Secretaria;

(...)

Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:

XIV - requisitar funcionários da União e, ainda, no Distrito Federal e em cada Estado ou Território, funcionários dos respectivos quadros administrativos, no caso de acúmulo ocasional de serviço de suas Secretarias;”

Entre as disposições da Lei 6.999/1982 se destacam os artigos a seguir colacionados:

“Art. 19 - O afastamento de servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios e das autarquias, para prestar serviços à Justiça Eleitoral, dar-se-á na forma estabelecias por esta Lei.

(...)

Art. 59 - Os servidores atualmente requisitados para as Secretarias dos Tribunais Eleitorais.”

Entendo que a lei, ao dispor sobre a necessidade ocasional de força de trabalho no âmbito da Justiça Eleitoral, o fez no sentido de excepcionalmente autorizar a requisição para momentos em que o volume de trabalho se acumule e para dar vazão a demandas internas dos órgãos eleitorais, não o autorizando para que funcionários de outros entes permanentemente integrem o quadro dos cartórios e tribunais eleitorais.

Entretanto, a despeito de meu entendimento, reconheço que a jurisprudência se firmou no sentido de que as requisições feita nos moldes dos dispositivos citados são legítimas, mesmo que por longos períodos. Confira-se (grifei):

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REQUISIÇÃO PARA A JUSTIÇA ELEITORAL. PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE. LEI 6.999/82, ART. 9º. PROVENTOS DO CARGO DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE LOCUPLETAMENTO ILÍCITO DA UNIÃO. PRECEDENTES. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. A questão ora posta em deslinde, não merece maiores dissensões, na medida em que a Primeira Turma desta E. Corte da 3ª Região possui jurisprudência sedimentada no sentido de que a requisição da Justiça Eleitoral não se configura como desvio de função e não enseja a indenização, pois autorizada legalmente. Precedentes da 1ª Turma do TRF-3.

2. No caso dos autos, a parte autora pleiteia a indenização diante do reconhecimento de desvio de função eis que, servidora do quadro do Governo Estadual, foi requisitada para prestar serviço na Justiça Eleitoral provisoriamente na função de auxiliar de cartório eleitoral no período de 04/02/1998 A 16/03/2005 (fl. 16) e percebendo para tanto, gratificação por cargo em comissão, como chefe de cartório eleitoral substituta de 2001 a 2005 às fls. 16.

3. Da leitura da jurisprudência em cotejo e do detido exame dos documentos coligidos pela autora nos autos, se infere que a requisição de servidores para prestarem serviços junto à Justiça Eleitoral não configura desvio de função, mas ato lícito previsto em lei. Sendo assim, a Lei n.º 6.999/92, no seu artigo 9º, expressamente prediz que "o servidor requisitado para o serviço eleitoral conservará os direitos e vantagens inerentes ao exercício de seu cargo ou emprego".

4. Por imperativo lógico, de se concluir, que a finalidade do instituto da requisição prevista na Lei 6.999/82 é incrementar a força de trabalho da Justiça Eleitoral, de acordo com a sua demanda sazonal, sem aumentar os gastos com remunerações e indenizações aos servidores públicos. Nesse contexto, sempre haverá distinções relevantes entre as funções do cargo de origem do servidor requisitado, com as funções dos técnicos e analistas judiciários da Justiça Eleitoral e uma interpretação que considere cabível o pagamento de diferenças salariais, neste caso, culminaria por tornar inútil a própria existência da Lei n.º 6.999/92.

5. Inexiste o locupletamento ilícito da União na requisição realizada para prestação de serviços na Justiça Eleitoral, na medida em que há expressa previsão legal, de forma a afastar a ilegalidade em perceber os servidores requisitados remuneração correspondente à de seu cargo de origem, sendo de rigor a manutenção da sentença primeva nos termos em que proferida.

6. Apelação não provida.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2049520, 0000210-22.2012.4.03.6140, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 06/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/11/2018 )

 

APELAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. QUESTÃO DE DIREITO. OFICIAL ADMINISTRATIVO. ESTADO DE SP. REQUISIÇÃO. JUSTIÇA ELEITORAL. DESVIO DE FUNÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.

Por mais que o Magistrado a quo tenha restado, injustificadamente, silente, é dispensável a produção de prova oral neste caso. Como o principal ponto controvertido é inteiramente de direito, e como não há dúvidas acerca da natureza das atividades exercidas, não haveria qualquer utilidade tangível em recorrer-se ao depoimento de testemunhas. Os dezessete anos de serviço público prestado pela apelante junto à Justiça Eleitoral decorreram do instituto da requisição, em conformidade com os arts. 30, XIII e XIV, da Lei nº 4.737/65. Manutenção dos vencimentos correspondentes ao cargo de Oficial Administrativo decorre do art. 9º da Lei nº 6.999/82. Anexo III da Lei Complementar estadual nº 1.080/2008 e art. 4º, II, Lei nº 11.416/2016. Desvio de função não verificado. Vedada equiparação salarial. Art. 37, XIII, da CF/88. Apelação a que se nega provimento.

(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2134879, 0000850-10.2015.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, julgado em 20/02/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/03/2018)

Portanto, a solução do problema colocado nos autos depende de duas verificações: 1º) verificação abstrata das atribuições estabelecidas por atos normativos para o cargo de Auxiliar de Serviços Gerais e para o cargo de Técnico Judiciário; 2º) verificação concreta de tarefas exercidas pela parte-autora em relação ao cargo para qual foi concursada.

O cargo de Auxiliar de Serviços Gerais do Município de Mogi das Cruzes é trazido na Lei Complementar municipal nº 83/2011, cujo Anexo V- estabelece:

Nomenclatura: Auxiliar de Serviços Gerais

Exigências de Habilitação para Ingresso: Ensino Fundamental Completo

Executar serviços de natureza braçal; abrir e aterrar valetas; carregar e descarregar materiais e produtos; recompor aterros e redes de água e esgotos; auxiliar os profissionais (encanador, desobstruidor, topógrafo, motoristas), preparar massas de concreto e outros; executar limpeza dos equipamentos individuais. Exercer outras atividades correlatas e afins. 

Já o cargo de Técnico Judiciário atualmente é disciplinado na Lei nº 11.416/2006, mas anteriormente o era pela Lei nº 9.421/96. Confiram-se os pertinentes dispositivos das referidas leis: 

Lei nº 9.421/96:

Art. 1º Ficam criadas as carreiras de Auxiliar Judiciário, Técnico Judiciário e Analista Judiciário, nos Quadros de Pessoal do Poder Judiciário da União e do Distrito Federal e Territórios, na forma estabelecida nesta Lei.

(...)

Art. 6° São requisitos de escolaridade para ingresso nas carreiras judiciárias, atendidas, quando for o caso, formação especializada e experiência profissional, a serem definidas em regulamento e especificadas nos editais de concurso:

I - para a Carreira de Auxiliar Judiciário, curso de primeiro grau;

II - para a Carreira de Técnico Judiciário, curso de segundo grau, ou curso técnico equivalente;

III - para a Carreira de Analista Judiciário, curso de terceiro grau, inclusive licenciatura plena, correlacionado com as áreas previstas no Anexo I.

 

Lei nº 11.416/2006:

Art. 2º Os Quadros de Pessoal efetivo do Poder Judiciário são compostos pelas seguintes Carreiras, constituídas pelos respectivos cargos de provimento efetivo:

I - Analista Judiciário;

II - Técnico Judiciário;

III - Auxiliar Judiciário.

(...)

Art. 4º As atribuições dos cargos serão descritas em regulamento, observado o seguinte:

I - Carreira de Analista Judiciário: atividades de planejamento; organização; coordenação; supervisão técnica; assessoramento; estudo; pesquisa; elaboração de laudos, pareceres ou informações e execução de tarefas de elevado grau de complexidade;

II - Carreira de Técnico Judiciário: execução de tarefas de suporte técnico e administrativo;

III - Carreira de Auxiliar Judiciário: atividades básicas de apoio operacional.

Conforme se observa, a definição das funções específicas dos cargos foi delegada a regulamento e, no que se refere ao âmbito dos Tribunais Regionais Eleitorais, essa tarefa ficou a cargo da Resolução TSE nº 20.761 de 19 de dezembro de 2000. Em seu anexo, a resolução traz a seguinte descrição do cargo de Técnico Judiciário – Área Administrativa:

  Carreira/Cargo: Técnico Judiciário

Área de Atividade: Administrativa

Descrição Sumária: Executar atividades de nível intermediário relacionadas com as funções de administração de recursos humanos, materiais e patrimoniais, orçamentários e financeiros, controle interno, bem como as de desenvolvimento organizacional e de suporte técnico e administrativo às unidades organizacionais.

Descrição específica:

- Executar atividades de pesquisa, organização e armazenamento de legislação, jurisprudência e doutrina;

- Instruir procedimentos administrativos e elaborar relatórios, informações, atos e documentos internos e externos e outros instrumentos de suporte gerencial, de acordo com a área de atuação;

- Proceder à requisição, à substituição e ao controle de bens materiais e patrimoniais;

- Executar atividades relacionadas com o planejamento operacional e à execução de projetos, programas e planos de ação;

- Acompanhar as matérias sob sua responsabilidade, propor alternativas e promover ações para o alcance dos objetivos da organização;

- Promover o atendimento aos clientes internos e externos;

- Acompanhar a publicação da legislação relacionada com sua área de atuação e organizá-la sistematicamente;

- Executar as suas atividades de forma integrada com as das demais unidades da Secretaria do Tribunal, contribuindo para o desenvolvimento das equipes de trabalho;

- Operar os equipamentos disponíveis e os sistemas e recursos informatizados, na execução de suas atividades;

- Executar qualquer outra atividade que, por sua natureza, esteja inserida no âmbito de suas atribuições.

Complexidade das tarefas: As atividades do cargo são frequentemente rotineiras e eventualmente complexas, exigindo pouca ação independente, mas demandam planejamento para sua execução.

Especificação do cargo:

- Escolaridade: segundo grau ou curso técnico equivalente

- Formação especializada: não exigida

- Experiência profissional: não exigida

- Responsabilidades: por informações, documentos, materiais e equipamentos.

Conhecimentos específicos: de acordo com as competências exigidas pela área de atuação e/ou unidade de lotação.”

Depreende-se que o cargo originário (auxiliar de serviços gerais) e o cargo de destino (técnico judiciário) não guardam quaisquer similaridades no que se refere nas funções atribuídas a cada um deles. Enquanto o primeiro é caracterizado eminentemente por atividades de limpeza e auxílio a tarefas braçais, o segundo tem como principais atribuições tarefas de cunho administrativo e organizacional no âmbito do Poder Judiciário.

No caso dos autos, a parte-autora é detentora do cargo de Auxiliar de Serviços Gerais no município de Mogi das Cruzes desde 03/12/2009. Porém, desde a data de sua posse foi requisitada pela Justiça Eleitoral, exercendo atividades na 287ª Zona Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

De ofício enviado pelo próprio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, a autoridade administrativa esclarece as atividades cometidas à autora durante sua requisição pela Justiça Eleitoral (id 253237081 - Pág. 7/8) (grifei):

Com relação à natureza dos serviços prestados pelos servidores requisitados no Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, esclareço que são atividades básicas de natureza burocrático-administrativa, niveladas entre baixa a média complexidade, devendo observar correlação àquelas do cargo exercido no órgão de origem, inclusive quanto à compatibilidade com o grau de escolaridade exigido ao cargo efetivo.

Especificamente, informo que no cartório da 287ª Zona Eleitoral a autora exerce desde 7/2/2018 as seguintes atividades: (1) emissão de certidão de quitação eleitoral (física e com assinatura eletrônica) via processo eletrônico administrativo; (2) recebimento e conferência de materiais administrativos em geral; (3) elaboração e encaminhamento de relatório mensal de gastos com correios; (4) controle, requisição e conferência de material de consumo; (5) limpeza e organização de móveis e prateleiras e do piso do cartório; limpeza de banheiros; (6) preparação de café e chá”

Do depoimento da testemunha ouvida, também fica claro que as funções eram desempenhadas em ambientes bastante diversos e que não guardavam qualquer similaridade entre si.

A testemunha Mariluci Porfirio da Silva afirmou que a autora realizava atendimentos aos eleitores, emitindo certidões e documentos (autenticados pela Chefe de Cartório). Afirmou que a autora atuava no recebimento de materiais, fazendo controle, fazia entrega de documentos no fórum, realizava entrega de mandados judiciais.

Com relação a esta última atribuição (entrega de mandados) ressalte-se que há, inclusive, credencial emitida pela Justiça Eleitoral (crachá) para que atuasse na função de oficial de justiça (id 276507517).

Do que se observa, as funções efetivamente desempenhadas quando atuando requisitada a servidora não guardam qualquer correlação com as funções típicas de seu cargo de origem. Não apresentam semelhança tanto quanto ao grau de complexidade quanto da natureza – atividade operacionais e de natureza braçal, no primeiro caso, e de organização, administração e até mesmo atribuições privativas do cargo de oficial de justiça, no segundo. Portanto, evidente a presença de especificidades que demonstram o efetivo desvio de função,  caracterizando a necessidade de indenização.

A jurisprudência desta e. Corte é nesse sentido, conforme se confere nos seguintes arestos:

DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DESVIO DE FUNÇÃO. PAGAMENTO DAS DIFERENÇAS. PRESCRIÇÃO DAS PRESTAÇÕES VENCIDAS ANTES DO QUINQUÊNIO ANTERIOR À PROPOSITURA DA AÇÃO. SÚMULA Nº 85/STJ. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.690/2009. INCONSTITUCIONALIDADE. HONORÁRIOS RECURSAIS. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDOS.

1. Pretende o autor, servidor público federal, o reconhecimento de que trabalhou em desvio de função, no período em que atuou como almoxarife junto ao Centro Técnico Aerospacial - CTA, com a condenação da ré ao pagamento das diferenças salariais entre a sua função originária e a função de desvio, bem como ao pagamento de indenização por dano moral.

2. O desvio de função deve ser caracterizado pela discrepância entre as funções legalmente previstas para o cargo em que a servidor foi investido e aquelas por ele efetivamente desempenhadas habitualmente. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento assente nos termos a Súmula 378 que preconiza, in verbis: "Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes." (Terceira Seção, julgado em 22.4.2009, DJe 5.5.2009).

3. Demonstrado nos autos que o autor havia sido contratado, sob o regime celetista, para a função de ajudante geral, mas que, em verdade, atuava como almoxarife, correta a sentença ao reconhecer o desvio de função e condenar a União ao pagamento das diferenças apuradas entre a remuneração recebida pelo autor e a remuneração que lhe seria devida no cargo de Assistente em Cincia e Tecnologia - Almoxarife", relativamente ao período em que atuôu em desvio de função, ou seja, entre 26/03/2001 e 31/12/2009, bem como os reflexos nas demais verbas salariais, conforme requerido na inicial, e observando-se a prescrição dos valores anteriores a 25/08/2009.

4. Incabível a modificação do julgado para determinação da incidência do art. 1º-F da Lei n° 9.494/1997, como pretende a União, ante a sua inconstitucionalidade.

5. Honorários advocatícios devidos pela União majorados para R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais), valor a ser devidamente atualizado até o pagamento.

6. Apelação e reexame necessário não providos.

(TRF da 3ª Região, Apelação/Remessa Necessária nº 0004533-16.2014.4.03.6103/SP, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy, Primeira Turma, 19/05/2020)

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. AUXILIAR E ASSISTENTE. LEI 8.691/1993. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DESVIO DE FUNÇÃO. ALEGAÇÃO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE TÍPICA DE ASSISTENTE - TRATORISTA. DESVIO DE FUNÇÃO CARACTERIZADO.

- O fim da Administração Pública é atender ao interesse público, pelo que a definição normativa das atividades de servidores deve (em alguns casos) dar margem a que a consecução de um mesmo procedimento seja confiada a mais de um servidor (ainda que em cargos diversos), sendo inviável delineamento normativo estanque da atividade pública e de seus servidores;

- A aplicação da Súmula nº 378 do STJ enseja que seja feita análise do caso concreto, verificando-se dois elementos: 1º) verificação abstrata das atribuições estabelecidas por atos normativos para o cargo em concreto e para o cargo paradigma; 2º) verificação concreta de tarefas exercidas pelo servidor em relação ao cargo para qual foi concursado.

- As carreiras do quadro do Centro Técnico Aeroespacial inicialmente eram disciplinadas pela CLT, e posteriormente pela Lei nº 8.112/90. Também foi editada a Lei nº 8.691/1993 para dispor sobre o Plano de Carreiras para a área de Ciência e Tecnologia da Administração Federal, difere os cargos mas não descreve as atribuições de cada um deles.

- Na análise das descrições trazidas no Manual de Descrição de Cargos CTA/IAE de 06/05/1983 eram estabelecidos grupos de cargos, de acordo com a complexidade de atuação, mas tais denominações não encontram correspondência direta com os termos “assistente” e “auxiliar” instituídos pela Lei nº 8.691/1993. As Portarias nº 4.116 de 02/10/1992 e CTA nº 58/DIR, de 20/10/1992 migraram os antigos cargos às novas classificações da lei, sendo o cargo de Ajudante geral enquadrado como Auxiliar, e o de Tratorista como Assistente.

- No caso dos autos, verifica-se, de todo o acervo probatório, verifica-se gradual avanço na complexidade das atribuições cominadas ao autor no exercício de seu cargo, inicialmente de Ajudante Geral, e depois reclassificado para Auxiliar, sendo-lhe atribuídas funções típicas de Assistente – Tratorista.

- Não importa, para fins de verificação de direito a indenização, que o autor só tenha concluído o Ensino Médio em 2013. Importa apenas o fato que a Administração usou sua força de trabalho indevidamente desde 1997. Fosse a discussão sobre o direito a reenquadramento do autor, seria impeditivo o fato de ele não contar com o grau de escolaridade exigido; mas como já se consignou, não é possível realizar-se o reenquadramento em diferente cargo independentemente de aprovação no devido concurso público, versando a discussão aqui, apenas, sobre a necessidade de indenizar-se o servidor público.

- A Súmula nº 378 do STJ versa sobre questão atinente aos autos. Com efeito, o enunciado dispõe: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes”. Da análise supra, no caso concreto reconhece-se a ocorrência de fato do desvio de função pleiteado, motivo pelo qual há ensejo para aplicação da referida Súmula e reconhecimento do direito à indenização.

- Apelação não provida.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0005645-54.2013.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 23/04/2021, DJEN DATA: 30/04/2021)

No mais, o fato de a parte-autora ter exercido funções junto ao TRE/SP em decorrência de procedimento legal legítimo com sua requisição nos termos do Código Eleitoral e da Lei nº 6.999/82 não desvirtua a necessidade de que haja compatibilidade entre os cargos intercambiados. Em se verificando discrepâncias na natureza das funções desempenhadas, é mister reconhecer desvio de função que enseja o pagamento de indenização.

A alegação da União de que não haveria prova de que atividades a autora de fato exercia em seu cargo de origem para se verificar  o efetivo desvio de função não pode ser acolhida. O argumento da União parte do princípio que, já em seu cargo de origem, a autora atuava em desvio de função – basta uma simples leitura das atribuições legais do cargo de Auxiliar de Serviços Gerais para se verificar que não são previstas quaisquer atividades administrativas, técnicas ou burocráticas. Fosse esse o caso, caberia o ônus da prova à União e, de qualquer forma, o fato de atuar em desvio de função em seu cargo de origem não desobrigaria a União a indenização em se verificando que no cargo de destino também as atividades desempenhadas não correspondiam às atribuições previstas legalmente ao cargo em que nomeada.

Por fim, anoto que eventuais outros argumentos trazidos nos autos ficam superados e não são suficientes para modificar a conclusão baseada nos fundamentos ora expostos.

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação para declarar que a autora trabalhou em desvio de função durante todo o período de sua requisição eleitoral e condenar a União ao pagamento das diferenças remuneratórias entre o cargo de Auxiliar de Serviços Gerais do Município de Mogi das Cruzes/SP e o cargo de Técnico Judiciário do TRE/SP, com as respectivas progressões e demais consectários aplicáveis à espécie, corrigidos nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, observada a prescrição quinquenal.

Nos termos do art. 85, §3º do CPC, condeno a parte-ré ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante que for apurado na fase de cumprimento de sentença (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. AUXILIAR DE SERVIÇOS GERAIS. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DESVIO DE FUNÇÃO. ALEGAÇÃO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE TÍPICA DE TÉCNICO JUDICIÁRIO. REQUISIÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL.

- A jurisprudência do E. STJ reconhece que, em caso de desvio de função de servidor público, a responsabilidade pelo pagamento da indenização correspondente é do órgão cedente. Contudo, o caso em questão não trata exatamente de servidor público cedido, mas requisitado por força de lei – no caso, a requisição de que trata tanto o Código Eleitoral quanto a Lei nº 6.999/82.

- A aplicação da Súmula nº 378 do STJ enseja que seja feita análise do caso concreto, verificando-se dois elementos: 1º) verificação abstrata das atribuições estabelecidas por atos normativos para o cargo em concreto e para o cargo paradigma; 2º) verificação concreta de tarefas exercidas pelo servidor em relação ao cargo para qual foi concursado.

- A jurisprudência se firmou no sentido de que a requisição feita nos moldes do Código Eleitoral e da Lei nº 6.999/82 é legítima, mesmo que por longos períodos.

- No caso dos autos, depreende-se que o cargo originário (auxiliar de serviços gerais) e o cargo de destino (técnico judiciário) não guardam quaisquer similaridades no que se refere nas funções atribuídas a cada um deles. Enquanto o primeiro é caracterizado eminentemente por atividades de limpeza e auxílio a atividades braçais, o segundo tem como principais atribuições tarefas de cunho administrativo e organizacional no âmbito do Poder Judiciário.

- O fato de a parte-autora ter exercido funções junto ao TRE/SP em decorrência de procedimento legal legítimo com sua requisição nos termos do Código Eleitoral e da Lei nº 6.999/82 não desvirtua a necessidade de que haja compatibilidade entre os cargos intercambiados. Em se verificando discrepâncias na natureza das funções desempenhadas, é mister reconhecer desvio de função que enseja o pagamento de indenização.

- A alegação da União de que não haveria prova de que atividades a autora de fato exercia em seu cargo de origem para se verificar o efetivo desvio de função não pode ser acolhida. O fato de, se fosse o caso, atuar em desvio de função em seu cargo de origem não desobrigaria a União a indenização em se verificando que no cargo de destino também as atividades desempenhadas não correspondiam às atribuições previstas legalmente ao cargo em que nomeada.

- Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.