APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003557-05.2021.4.03.6126
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA
APELANTE: PIACENTINI DO BRASIL CONSTRUCOES LTDA
Advogado do(a) APELANTE: FELIPE AZEVEDO MAIA - SP282915-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003557-05.2021.4.03.6126 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: PIACENTINI DO BRASIL CONSTRUCOES LTDA Advogado do(a) APELANTE: FELIPE AZEVEDO MAIA - SP282915-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pela impetrante contra sentença que denegou a segurança, concernente à pretensão de não se sujeitar à incidência da CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 relativamente a quaisquer valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior. Não houve condenação em honorários advocatícios, tendo em vista o disposto no art. 25 da Lei 12.016/2009. Em suas razões, a apelante alega, em síntese, que: (i) a instituição da CIDE se mostra inconstitucional, considerando (a) a inexistência de qualquer ação interventiva do Estado no domínio econômico; (b) a ausência de definição do grupo objeto da suposta ação interventiva; (c) a criação da referida contribuição apenas para fins arrecadatórios; e, (d) os Programas aos quais deverá ser destinada os recursos arrecadados com referida contribuição não guardam nenhuma vinculação com a Apelante; (ii) a CIDE-remessa ora discutida se trata de tributo que é pago sem que haja qualquer atividade da União de intervenção no domínio econômico; (iii) O que se verifica é que a destinação dos recursos é genérica e com finalidade diversificada, o que descaracteriza a CIDE remessa com o fundamento original e constitucional da Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico, sendo, portanto, inconstitucional; (iv) se trata de contribuição meramente arrecadatória, sem vínculo algum entre a arrecadação e a destinação dos recursos, sem destino aos Programas de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para apoio à inovação e sequer cumpre o papel social a qual foi devidamente criada, e que, portanto, descaracteriza a CIDE remessa com o fundamento original e constitucional da Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico; (v) é certo que os argumentos acima serão acolhidos, porém, ainda que não o sejam, mesmo assim deve ser reconhecida a ilegalidade inconstitucionalidade da incidência da CIDE Remessas instituída pela Lei n. 10.168/00, relativamente a quaisquer valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior a pessoas jurídicas contratadas residentes ou domiciliadas em países signatários do GATT, GATS e/ou TRIPS; (vi) os países signatários do GATT, em resumo, se comprometem a não estabelecer condições mais benéficas, inclusive tributação, nas relações jurídicas estabelecidas entre nacionais, em detrimento das relações jurídicas celebradas por nacionais com pessoas com sede ou domicílio no exterior, notadamente nas operações envolvendo produtos; (vii) Como no GATT, os países signatários do GATS, igualmente com base neste princípio do Tratamento Nacional, se comprometem a não estabelecer entre nacionais condições mais benéficas, inclusive sob o ponto de vista tributário, em detrimento das relações jurídicas celebradas por nacionais com pessoas com sede ou domicílio no exterior, no que tange a serviços e prestadores de serviços; (viii) Logo, tendo em vista que a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior ocorre em razão de operações com licença de uso, transferência de tecnologia, prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, dentre as demais contratações abrangidas na norma de incidência tributária (art. 2º da Lei nº 10.168/2000 e alterações), nota-se, portanto, que a CIDE-Remessas é exigida exclusivamente em função da origem dessas atividades e serviços, o que expõe de forma cabal a indevida discriminação aplicada a contratos firmados com residentes no exterior, bem como a ausência de prévia avaliação, à incidência tributária, sobre se tratarem ou não de serviços e atividades similares aos nacionais, ou da necessidade de sua proteção; (ix) Em vista do quanto dispõem o GATT, GATS e TRIPS, há de se concluir pela não incidência da CIDE-Remessa nas hipóteses de remessas envolvendo países signatários dos Acordos em questão, sob pena de violação ao Princípio do Tratamento Nacional, dentre outras normas legais e infraconstitucionais. Com contrarrazões, os autos subiram a este Tribunal. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo prosseguimento do feito. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003557-05.2021.4.03.6126 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: PIACENTINI DO BRASIL CONSTRUCOES LTDA Advogado do(a) APELANTE: FELIPE AZEVEDO MAIA - SP282915-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A apelação não comporta provimento. Discute-se a exigibilidade do recolhimento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre as remessas efetuadas em pagamento pela importação de direitos e serviços fornecidos por empresas estrangeiras. Cumpre observar inicialmente que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria (Constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE sobre remessas ao exterior, instituída pela Lei 10.168/2000, posteriormente alterada pela Lei 10.332/2001) nos autos do RE 928.943 (Tema 914), porém não determinou a suspensão nacional dos processos que versem sobre o tema. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE sobre remessas ao exterior foi instituída pela Lei 10.168/2000, sendo devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, caput). Seu objetivo é, em síntese, o de atender ao Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. Referido programa foi criado pela lei em apreço no intuito de estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo (art. 1º da Lei 10.168/2000). Busca-se, assim, dar maior concretude aos objetivos de promoção humanística, científica e tecnológica do País, na forma do disposto no art. 214, V, da Constituição Federal. A partir da edição da Lei 10.332/2001, referida contribuição passou a ser devida também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, § 2º, da Lei 10.168/2000, na redação dada pela Lei 10.332/2001). Embora previsto em dispositivo inserido na Ordem Social (e não na Ordem Econômica), o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e científico é de vital importância para o crescimento da economia nacional, conclusão que pode ser igualmente alcançada mediante análise sistemática da Constituição Federal. Acerca da correlação entre autonomia tecnológica e soberania econômica (art. 170, I, da Constituição Federal), colhe-se, na doutrina, a seguinte lição: A autonomia tecnológica é tema decorrente da soberania econômica, esta inaugurada com o constitucionalismo econômico e social. Prevista no Art. 170 da CRFB/88, inciso I, a Soberania Econômica Nacional intenciona garantir em pé de igualdade, no mercado internacional, a garantia do desenvolvimento brasileiro, que em conjunto com o artigo 219 prescreve que a autonomia tecnológica deve ser uma meta a ser atingida pela República Federativa do Brasil. A necessidade de autonomia e autodeterminação científica e tecnológica, decorrente da soberania econômica nacional, visa também garantir a expansão da economia e o acesso das presentes e futuras gerações ao conhecimento tecnológico. [...] Em que pese a Constituição ter reservado capítulos próprios e independentes para tratar da ordem econômica e da ciência e tecnologia, não é possível conceber esses dois segmentos dissociados, sobretudo pela dicção do próprio artigo 219, que menciona a participação imprescindível do mercado: “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”. (CIDE-Royalties; autor: Alex Taveira dos Santos; Editora Meraki; ebook; 2021; p. 18 e 79) Outrossim, conforme já decidiu este Tribunal, em precedente de relatoria do e. Desembargador Johonsom Di Salvo (Sexta Turma), não há que se cogitar de descompasso entre os setores econômicos atingidos pela tributação e o destino dos recursos: AGRAVO. TRIBUTÁRIO. CIDE TECNOLOGIA. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DA EXAÇÃO. DESNECESSIDADE DA REFERIBILIDADE DIRETA. INTERVENÇÃO. DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NACIONAL. CARÁTER EXTRAFISCAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS E DE ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA E SEMELHANTES. IRRF. RECURSO DESPROVIDO. [...] 2.Não há que se cogitar de inconstitucionalidade da exação em face de suposto descompasso entre os setores econômicos atingidos pela tributação e o destino dos recursos. A incidência tem por pressuposto onerar as atividades que se utilizam de tecnologia estrangeira justamente para investimento em tecnologia nacional, elemento essencial à atividade econômica de um país e que justifica a instituição da CIDE. Pelo mesmo motivo, não se considera que a finalidade da CIDE-tecnologia seja meramente educacional, sendo imprescindível o investimento em ciência e tecnologia para o sucesso econômico. [...] (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000083-43.2022.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 21/10/2022, Intimação via sistema DATA: 25/10/2022) A propósito da discussão em pauta, em especial quanto ao disposto nos arts. 1º e 2º da Lei 10.332/2001, oportuno destacar o seguinte excerto doutrinário: Dispõe o art. 1º da lei que o produto da contribuição é destinado ao Programa de Ciência e Tecnologia para o Agronegócio; ao Programa de Fomento à Pesquisa em Saúde; ao Programa de Biotecnologia e Recursos Genéticos – Genoma; ao Programa de Ciência e Tecnologia para o Setor Aeronáutico; e ao Programa de Inovação para Competitividade, com vistas ao incentivo do desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, por meio de financiamento de atividade de pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológico de interesse das áreas do agronegócio, da saúde, da biotecnologia e recursos genéticos, do setor aeronáutico e da inovação par a competitividade, nos termo do art. 2º da lei. Preservada a relação entre cobrança do tributo e destinação do seu proveito – vale dizer: aqueles que importam tecnologia contribuem para que seja gerada tecnologia nacional – o estímulo a este importante fator de produção é o principal efeito extrafiscal da exação. (Impostos e Contribuições Federais; autor: Marcus de Freitas Gouvêa; Editora Juspodivm; 2018; p. 769/770) - destaque nosso. Nesse contexto, em que se objetiva a intervenção no domínio econômico com o intuito de incentivar o avanço tecnológico, em sintonia com o princípio constitucional da soberania nacional (art 170, I, da CF), resta evidenciada a extrafiscalidade da CIDE criada pela Lei 10.168/2000, não havendo que se falar em mero intuito arrecadatório desta contribuição, tampouco em violação ao princípio da isonomia. Sobre essa questão: AGRAVO INTERNO. DIREITO TRIBUTÁRIO. CIDE-REMESSAS. CONSTITUCIONALIDADE. VINCULAÇÃO DIRETA ENTRE O CONTRIBUINTE E A DESTINAÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS: DESNECESSIDADE. POSSIBILIDADE DE INSTITUIÇÃO POR LEI ORDINÁRIA. LEGITIMIDADE DA BASE DE CÁLCULO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À ISONOMIA E AO GATT. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA AMPLIADO PARA ABRANGER CONTRATOS SEM TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA. RECURSO DESPROVIDO. [...] 7. A tese de quebra da isonomia também padece dado o caráter extrafiscal da contribuição, que tem como objetivo principal o desenvolvimento tecnológico do país, colocando-o em situação de competitividade e igualdade perante o mercado internacional, e norma do GATS, que permite tal diferenciação. Ou seja, ao fazer incidir a contribuição apenas sobre contratos firmados com residentes ou domiciliados no exterior pretende-se incentivar o desenvolvimento da tecnologia nacional, não havendo que se cogitar de violação à isonomia em relação às pessoas jurídicas que adquirem tecnologia nacional. [...] 9. Recurso desprovido. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007128-68.2022.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 16/06/2023, Intimação via sistema DATA: 16/06/2023) - destaque nosso. Em paralelo, a exigência da CIDE em apreço não viola o princípio do tratamento nacional, previsto no GATT, no GATS e no TRIPS, pois o fato gerador da CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 (remessas de royalties ao exterior) não foi objeto de específica deliberação nos acordos internacionais em apreço, de modo a incidir regularmente o disposto no art. 149, § 2º, II, da Constituição Federal (exigibilidade das contribuições de intervenção no domínio econômico sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços). A propósito do tema, esta Terceira Turma, em acórdão de relatoria do e. Desembargador Nery Junior, já se pronunciou no sentido de que os objetos dos aludidos tratados, frise-se, não se confundem com o previsto no art. 2º da Lei nº 10.168/00, devendo prevalecer no caso a norma do inciso II do § 2º do art. 149 da CF, acrescentado pela EC nº 33/01, segundo a qual as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, ali tratadas, incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004194-09.2018.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 15/07/2022, Intimação via sistema DATA: 22/07/2022 – trecho do voto condutor). Na linha do quanto já asseverado na presente decisão, a CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 tem o precípuo intuito de intervir no domínio econômico para incentivar a produção tecnológica e científica nacionais. Não objetiva, conforme observado na sentença, tornar-se um óbice à prestação de serviços por estrangeiros domiciliados em países signatários dos acordos internacionais em apreço, tampouco dificulta, no âmbito comercial, a implementação de tais acordos. Sob outro prisma, o Supremo Tribunal Federal tem pacífico entendimento no sentido de que a inexistência de referibilidade direta não desnatura as CIDE, estando, sua instituição “jungida aos princípios gerais da atividade econômica” – compreensão manifestada, inclusive, em julgamento submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 495 – RE 630.898). Inobstante, na referida hipótese, o STF tenha apreciado contribuição diversa, há precedentes da Suprema Corte específicos à CIDE em discussão nos presentes autos, nos quais restou assentada a desnecessidade de existência de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado pelas receitas tributárias arrecadadas. Nesse sentido: DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. LEI Nº 10.168/2000. DESNECESSIDADE DE VINCULAÇÃO DIRETA ENTRE O CONTRIBUINTE E O BENEFÍCIO PROPORCIONADO PELAS RECEITAS ARRECADADAS. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO 16.8.2006. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que a Lei nº 10.168/2000 instituiu contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE). Afigura-se, pois, desnecessária a edição de lei complementar para sua criação, assim como é prescindível, nos termos da jurisprudência desta Excelsa Corte, a existência de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado pelas receitas tributárias arrecadadas. Agravo regimental conhecido e não provido. (RE 632832 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 12/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 28-08-2014 PUBLIC 29-08-2014) - destaque nosso. Consoante decisão proferida no âmbito deste Tribunal, em acórdão de relatoria da e. Desembargadora Federal Mônica Nobre (Quarta Turma), ainda que a recorrente não usufrua diretamente dos reflexos da arrecadação da aludida contribuição e dos programas que com os recursos alcançados serão desenvolvidos, a sua condição de contribuinte se justifica pelo simples fato de ser, como toda sociedade, beneficiária do desenvolvimento econômico e tecnológico nacional (TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5004678-45.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 22/05/2023, Intimação via sistema DATA: 24/05/2023). Não se faz necessária, portanto, a existência de uma vinculação direta entre a impetrante/apelante e os Programas aos quais os recursos arrecadados serão destinados. Há que se ponderar, outrossim, que as empresas que hoje suportam o ônus de contribuir com a CIDE ora em discussão (contribuindo, por conseguinte, com o desenvolvimento tecnológico nacional), no futuro poderão também se beneficiar de uma tecnologia com preço mais acessível, produzida no Brasil. Identifica-se, portanto, a existência de referibilidade, ainda que indireta. Nesse sentido: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - CIDE - DESTINADA A FINANCIAR O PROGRAMA DE ESTÍMULO À INTERAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA PARA APOIO À INOVAÇÃO. ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTERNACIONAL. LEI N.º 10.168/2000. DESNECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR. NATUREZA DA CONTRIBUIÇÃO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. OBSERVÂNCIA. REFERIBILIDADE. [...] 10. Como "não se interpreta a Constituição em tiras", o seu art. 170 deve ser lido em conjugação com o restante dos dispositivos constitucionais. Daí que o Estado está autorizado a intervir na economia almejando dar concretude aos preceitos escritos no aludido artigo, e quando se prevê que possa fazê-lo utilizando a política tributária, nos moldes do art. 149, não se quer limitar a atuação estatal à alocação direta e canalizada de recursos para tais metas. Isto é, o Estado pode interferir na economia, de forma a promover os princípios da ordem econômica, mas esta intervenção pode ser instrumentalizada por vias outras, tais como a descrita pela Lei 10.168/00. Ademais, dentre os objetivos da ordem econômica vertidos no art. 170, está a redução das desigualdades regionais e sociais (inc. VII). A Lei 10.168/00 não desvia dessa aspiração, consoante se colhe do seu art. 6º. 11. A parte autora contrata suporte técnico de empresa estrangeira, enquadrando-se no grupo de empresas que não produz tecnologia internamente de modo suficiente à realização das suas atividades, revelando a necessidade de novos e maiores investimento. Estando presente a referibilidade objetiva e também por a lei não se referir exclusivamente ao pagamento de royalties, mas também à simples "prestação de assistência técnica", não há inconstitucionalidade neste enquadramento. Precedente deste Turma. 12. Em decisão no RE 396266/SC (Rel. Min. Carlos Velloso, 26.11.2003), o Supremo pronunciou-se pela primeira vez sobre a questão da referibilidade subjetiva como condição para a validade das CIDE. Embora enfatizando a necessidade de referibilidade objetiva da contribuição à intervenção pretendida, o Excelso Tribunal entendeu que, quanto à referibilidade subjetiva do tributo ao contribuinte, tais modalidades "não exigem vinculação direta do contribuinte ou a possibilidade de auferir benefícios com a aplicação dos recursos arrecadados". Em conclusão, prescindível a referibilidade direta em relação ao sujeito passivo da exação, porquanto a CIDE caracteriza-se, fundamentalmente, pelo seu aspecto finalístico, qual seja a intervenção do estado no domínio econômico, de modo a viabilizar os preceitos insculpidos no Título VII da CF (arts. 170 e segs.). 13. No caso dos autos, existe a referibilidade subjetiva indireta, explicada da seguinte forma: a empresa que se utiliza de assistência internacional, cuja tecnologia (específica) é inexistente no Brasil, deve suportar o ônus de contribuir para o desenvolvimento tecnológico nacional. E ela esta ligada também ao seguimento econômico beneficiado, pois poderá, no futuro, aproveitar-se de tal intervenção do Estado (tecnologia nacional mais barata, em tese). 14. Sentença mantida. (TRF4, AC 2007.70.09.002941-8, SEGUNDA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 19/11/2008) - destaque nosso. Cumpre salientar também que é firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido da incidência da CIDE sobre remessas de valores ao exterior para pagamentos relativos a contratos que versam sobre a prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, ainda que não impliquem transferência de tecnologia. Sobre o tema: TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO (CIDE) SOBRE REMESSAS PARA PAGAMENTO A FORNECEDORES DOMICILIADOS NO EXTERIOR: CONSTITUCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DO IRRF NA BASE DE CÁLCULO. 1. A Lei nº 10.168/2000 foi editada com base no permissivo constitucional (art. 149, caput, CF). O C. STF pacificou entendimento quanto à inexigência de lei complementar para instituição de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, bem como a desnecessidade de vinculação direta entre os benefícios dela decorrentes e o contribuinte. 2. A jurisprudência do E. STF decidiu pela legitimidade da cobrança da CIDE sobre as remessas efetuadas ao exterior para pagamento de prestação de serviços técnicos e de assistência técnica, incluídas aquelas que não impliquem transferência de tecnologia. 3. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) e o Imposto de Renda são tributos com hipótese de incidência e sujeito passivo diversos. Inexistência de bis in idem, mantendo-se o IRRF da base de cálculo da CIDE. 4. Agravo de instrumento não provido. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5023600-08.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 10/10/2022, DJEN DATA: 13/10/2022) - destaque nosso. Por fim, impende frisar que a análise da constitucionalidade da Lei 10.168/2000 e das alterações promovidas pela Lei 10.332/2001 será objeto de oportuna e definitiva deliberação pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do supracitado RE 928.943 (Tema 914), não se afigurando adequado, diante das ponderações tecidas na presente decisão, bem como do cenário jurisprudencial, doutrinário e legislativo acima explicitado, emitir juízo contrário à presunção de constitucionalidade das leis em apreço. Em face do exposto, nego provimento à apelação da impetrante. É como voto.
E M E N T A
DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CIDE. REMESSA DE ROYALTIES AO EXTERIOR. TEMA 914 DE REPERCUSSÃO GERAL. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO NACIONAL. LEIS 10.168/2000 E 10.332/2001. LEGITIMIDADE DA INCIDÊNCIA DA EXAÇÃO.
1. Discute-se a exigibilidade do recolhimento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre as remessas efetuadas em pagamento pela importação de direitos e serviços fornecidos por empresas estrangeiras.
2. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria (Constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE sobre remessas ao exterior, instituída pela Lei 10.168/2000, posteriormente alterada pela Lei 10.332/2001) nos autos do RE 928.943 (Tema 914), porém não determinou a suspensão nacional dos processos que versem sobre o tema.
3. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE sobre remessas ao exterior foi instituída pela Lei 10.168/2000, sendo devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, caput).
4. Seu objetivo é, em síntese, o de atender ao Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. Referido programa foi criado pela lei em apreço no intuito de estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo (art. 1º da Lei 10.168/2000). Busca-se, assim, dar maior concretude aos objetivos de promoção humanística, científica e tecnológica do País, na forma do disposto no art. 214, V, da Constituição Federal.
5. A partir da edição da Lei 10.332/2001, referida contribuição passou a ser devida também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º, § 2º, da Lei 10.168/2000, na redação dada pela Lei 10.332/2001).
6. Embora previsto em dispositivo inserido na Ordem Social (e não na Ordem Econômica), o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e científico é de vital importância para o crescimento da economia nacional, conclusão que pode ser igualmente alcançada mediante análise sistemática da Constituição Federal. Transcrição de excerto doutrinário acerca da correlação entre autonomia tecnológica e soberania econômica.
7. Conforme já decidiu este Tribunal, em precedente de relatoria do e. Desembargador Johonsom Di Salvo (Sexta Turma), não há que se cogitar de descompasso entre os setores econômicos atingidos pela tributação e o destino dos recursos (ApCiv 5000083-43.2022.4.03.6109). Transcrição de excerto doutrinário sobre a relação entre a cobrança do tributo e a destinação do seu proveito.
8. Nesse contexto, em que se objetiva a intervenção no domínio econômico com o intuito de incentivar o avanço tecnológico, em sintonia com o princípio constitucional da soberania nacional (art 170, I, da CF), resta evidenciada a extrafiscalidade da CIDE criada pela Lei 10.168/2000, não havendo que se falar em mero intuito arrecadatório, tampouco em violação ao princípio da isonomia. Precedente da 6ª Turma do TRF3.
9. A exigência da CIDE em apreço não viola o princípio do tratamento nacional, previsto no GATT, no GATS e no TRIPS, pois o fato gerador da CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 (remessas de royalties ao exterior) não foi objeto de específica deliberação nos acordos internacionais em apreço, de modo a incidir regularmente o disposto no art. 149, § 2º, II, da Constituição Federal (exigibilidade das contribuições de intervenção no domínio econômico sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços).
10. A propósito do tema, esta Terceira Turma, em acórdão de relatoria do e. Desembargador Nery Junior, já se pronunciou no sentido de que os objetos dos aludidos tratados, frise-se, não se confundem com o previsto no art. 2º da Lei nº 10.168/00, devendo prevalecer no caso a norma do inciso II do § 2º do art. 149 da CF, acrescentado pela EC nº 33/01, segundo a qual as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, ali tratadas, incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços (ApCiv 5004194-09.2018.4.03.6110 – trecho do voto condutor).
11. Na linha do quanto já asseverado na presente decisão, a CIDE instituída pela Lei 10.168/2000 tem o precípuo intuito de intervir no domínio econômico para incentivar a produção tecnológica e científica nacionais. Não objetiva, conforme observado na sentença, tornar-se um óbice à prestação de serviços por estrangeiros domiciliados em países signatários dos acordos internacionais em apreço, tampouco dificulta, no âmbito comercial, a implementação de tais acordos.
12. Sob outro prisma, o Supremo Tribunal Federal tem pacífico entendimento no sentido de que a inexistência de referibilidade direta não desnatura as CIDE, estando, sua instituição “jungida aos princípios gerais da atividade econômica” – compreensão manifestada, inclusive, em julgamento submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 495 – RE 630.898).
13. Inobstante, na referida hipótese, o STF tenha apreciado contribuição diversa, há precedentes da Suprema Corte específicos à CIDE em discussão nos presentes autos, nos quais restou assentada a desnecessidade de existência de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado pelas receitas tributárias arrecadadas. Precedente.
143. Consoante decisão proferida no âmbito deste Tribunal, em acórdão de relatoria da e. Desembargadora Federal Mônica Nobre (Quarta Turma), ainda que a recorrente não usufrua diretamente dos reflexos da arrecadação da aludida contribuição e dos programas que com os recursos alcançados serão desenvolvidos, a sua condição de contribuinte se justifica pelo simples fato de ser, como toda sociedade, beneficiária do desenvolvimento econômico e tecnológico nacional (AI 5004678-45.2023.4.03.0000).
15. Não se faz necessária, portanto, a existência de uma vinculação direta entre a impetrante/apelante e os Programas aos quais os recursos arrecadados serão destinados.
16. As empresas que hoje suportam o ônus de contribuir com a CIDE ora em discussão (contribuindo, por conseguinte, com o desenvolvimento tecnológico nacional), no futuro poderão também se beneficiar de uma tecnologia com preço mais acessível, produzida no Brasil. Existência de referibilidade, ainda que indireta. Precedente do TRF4.
17. É firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido da incidência da CIDE sobre remessas de valores ao exterior para pagamentos relativos a contratos que versam sobre a prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, ainda que não impliquem transferência de tecnologia. Precedente.
18. Por fim, impende frisar que a análise da constitucionalidade da Lei 10.168/2000 e das alterações promovidas pela Lei 10.332/2001 será objeto de oportuna e definitiva deliberação pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do supracitado RE 928.943 (Tema 914), não se afigurando adequado, diante das ponderações tecidas na presente decisão, bem como do cenário jurisprudencial, doutrinário e legislativo acima explicitado, emitir juízo contrário à presunção de constitucionalidade das leis em apreço.
19. Apelação da impetrante improvida.