Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004164-04.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: RAIZEN CENTRO-SUL S.A

Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A

APELADO: SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL - SENAR, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SAO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELADO: ELIZIANE DE SOUZA CARVALHO - DF14887-A, MAXCILENE NASCIMENTO DA SILVA - DF31821-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004164-04.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: BIOSEV S.A.

Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A

APELADO: SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL - SENAR, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SAO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELADO: ELIZIANE DE SOUZA CARVALHO - DF14887-A, MAXCILENE NASCIMENTO DA SILVA - DF31821-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):

Trata-se de apelação interposta por Biosev S/A contra a sentença que, nos autos do mandado de segurança impetrado contra o Delegado da Delegacia Especial da Receita Federal de Administração tributária – DERAT - em São Paulo/SP e o Presidente do Conselho Deliberativo do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR, objetivando assegurar “o direito líquido e certo da Impetrante de não incluir na base de cálculo da contribuição social a que alude o artigo 22-A da Lei n. 8.212/91, e seu adicional de 0,1% para o financiamento da aposentadoria especial e para o SAT/RAT, e da contribuição destinada ao SENAR, suas receitas decorrentes de atividades não típicas de agroindústria, isto é, sobre as atividades não abrangidas pelo “caput” do artigo 22-A em comento, tais como, mas não exclusivamente, a de revenda de bens tais como adquiridos de terceiros, com exceção das receitas decorrentes da comercialização de sucatas”, bem como assegurar o direito à repetição dos valores indevidamente recolhidos, julgou improcedente o pedido e denegou a segurança, extinguindo o processo nos termos do art. 487, I, do CPC.

Em suas razões recursais, sustenta a impetrante que a contribuição da agroindústria, prevista no art. 22-A da Lei nº 8.212/91, deve incidir apenas sobre as receitas provenientes de industrialização de produção própria ou adquirida de terceiros, sendo ilegal a posição da Receita Federal no sentido da incidência sobre outras receitas auferidas, como a revenda de combustíveis e a comercialização de energia. Defende a ilegalidade dos arts. 201-A e 201-B do Decreto nº 3.048/1999 e do art. 173 da Instrução Normativa da Receita Federal nº 971/2009, que ampliaram, sem amparo legal, a base de cálculo da contribuição em questão a fim de incluir as receitas não provenientes de atividade de industrialização.

Com as contrarrazões da União e do SENAR, subiram os autos a este E. Tribunal.

O Ministério Público Federal em 2º manifestou-se pelo prosseguimento do feito.

É o breve relatório.

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004164-04.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: BIOSEV S.A.

Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A

APELADO: SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL - SENAR, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SAO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELADO: ELIZIANE DE SOUZA CARVALHO - DF14887-A, MAXCILENE NASCIMENTO DA SILVA - DF31821-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):

Da admissibilidade do recurso

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à análise.

 

Da contribuição da agroindústria

A controvérsia cinge-se à base de cálculo da contribuição prevista no art. 22-A da Lei nº 8.212/91.

De um lado, a parte impetrante defende que a parte final do caput desse artigo, ao estabelecer que a contribuição da agroindústria incide “sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção”, remete à parte inicial do dispositivo, de modo que a receita bruta tributada seria apenas aquela decorrente de industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”. Logo, a contrário senso, a contribuição não poderia incidir sobre outras receitas da agroindústria que não sejam provenientes de industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”.

Cita, como exemplo de outras receitas não provenientes da atividade caracterizadora das agroindústrias, a revenda de combustíveis: em momentos de entressafra, a agroindústria, para manter o fornecimento aos seus clientes, precisa comprar e revender combustível. Não há nessa atividade a industrialização de produção própria ou de terceiros, já que o combustível é comprado pronto e revendido nas mesmas condições.

De outro, a União sustenta que o trecho inicial do artigo serve apenas para definir o conceito de agroindústria, isto é, quem é o sujeito passivo da obrigação tributária: agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”, e a parte final do caput, ao estabelecer que a contribuição da agroindústria incide “sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção”, não remete à parte inicial do artigo. Logo, a contribuição incidiria sobre a totalidade da receita bruta da agroindústria, isto é, sobre a receita bruta proveniente de toda e qualquer produção da agroindústria.

Pois bem.

De início, como a controvérsia posta nos autos é semântica, confira-se a redação do artigo discutido:

 

Art. 22A. A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas nos incisos I e II do art. 22 desta Lei, é de: (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001).

I - dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social; (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001).

II - zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade. (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001).

(...)

 

Conquanto o art. 22-A da Lei nº 8.212/91 não tenha sido redigido da maneira mais clara e didática, é possível se depreender da simples leitura do dispositivo que o legislador pretendeu, na primeira parte do artigo, delimitar o conceito de agroindústria e, na segunda, definir a base de cálculo da contribuição em questão.

E é certo que a segunda parte do artigo, na qual é definida a base de cálculo da contribuição como sendo “o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção”, não remete, expressamente, à atividade descrita no início do artigo como definidora da agroindústria: atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”. Para tanto, seria necessário que o legislador tivesse empregado expressões que destinadas a explicitar tal alusão, como, por exemplo, “dessa produção” ou “da mencionada produção” ou, ainda, “da produção que caracteriza as agroindústrias”.

Ao deixar de impor, de modo expresso, qualquer limitação à “produção” sobre a qual deve recair a contribuição, deve-se entender que o legislador almejou que a contribuição incidisse sobre a totalidade da receita bruta da agroindústria, isto é, sobre a receita bruta proveniente de toda e qualquer produção da agroindústria.

Ademais, não se pode olvidar que, em nosso ordenamento, adota-se a presunção de constitucionalidade e de legalidade das normas, de modo a preservar a validade das normas.

Nesse sentido, o §1º do art. 201-A do Decreto nº 3.048/99, sem inovar no ordenamento, cindiu a previsão do art. 22-A, caput, da Lei nº 8.212/91 a fim de torná-la mais clara e didática: (i) foi mantida no caput a definição de “agroindústria” e; (ii) foi transportada para o §1º a definição da base cálculo (“receita bruta”). Confira-se:

 

Art. 201-A. A contribuição devida pela agroindústria, definida como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas no inciso I do art. 201 e art. 202, é de: (Incluído pelo Decreto nº 4.032, de 2001)

I - dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social; e (Incluído pelo Decreto nº 4.032, de 2001)

II - zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos arts. 64 a 70, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade. (Incluído pelo Decreto nº 4.032, de 2001)

§ 1º Para os fins deste artigo, entende-se por receita bruta o valor total da receita proveniente da comercialização da produção própria e da adquirida de terceiros, industrializada ou não. (Incluído pelo Decreto nº 4.032, de 2001)

(...)

 

No mesmo sentido, manifestou-se a Receita Federal do Brasil na “Solução de Consulta COSIT nº 34, de 11 de abril de 2016” (Disponível em : http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=75494):

 

“CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS.

EMENTA: AGROINDÚSTRIA. REGIME SUBSTITUTIVO. ENQUADRAMENTO. BASE DE CÁLCULO.

Agroindústria é a produtora rural pessoa jurídica, que desenvolve atividades de produção rural e de industrialização da produção rural própria ou da produção rural própria e da adquirida de terceiros.

Produção rural são os produtos de origem animal ou vegetal, em estado natural ou submetidos a processos de beneficiamento ou de industrialização rudimentar, bem como os subprodutos e os resíduos obtidos por esses processos. “Industrialização”, para fins de enquadramento do produtor rural pessoa jurídica como agroindústria, é a atividade de beneficiamento, quando constituir parte da atividade econômica principal ou fase do processo produtivo, e concorrer, nessa condição, em regime de conexão funcional, para a consecução do objeto da sociedade.

Se a atividade exercida pela consulente preencher os elementos do conceito analítico de agroindústria, ainda que em dado mês não utilize madeira de produção própria, a mesma não deixará de ser, nesse mês específico, agroindústria.

A receita obtida com o exercício de atividade econômica diversa das atividades rural ou industrial, como aquela decorrente da revenda de mercadorias, integra a base de cálculo da contribuição social previdenciária substitutiva (incidente sobre a receita bruta), exceto no caso das operações praticadas pela consulente relativas à prestação de serviços a terceiros.

DISPOSITIVOS LEGAIS: arts. 22 e 22A da Lei nº 8.212, de 1991; art. 1º da Lei nº 10.256, de 2001; e arts. 3º, § 5º, 51, III, 52, III, 57 e 166 da Instrução Normativa RFB nº 971, de 2009.”

 

Nesse sentido, bem asseverou o MM. Magistrado a quo:

 

“Defende a impetrante, em síntese, a tese de que o termo “sua produção” utilizado pela lei para a determinação da base de cálculo do tributo se refere àquela oriunda da “industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”, isto é, à atividade típica de agroindústria, excluindo as demais.

Entretanto, tal argumento não se sustenta sequer à interpretação gramatical do dispositivo em tela, porquanto a lei não agregou qualquer predicativo ou atributivo ao termo “produção” – cuja receita bruta advinda da comercialização constitui a base de cálculo da contribuição do artigo 22-A da LOCSS – além do pronome possessivo “sua” a designar que se trata, evidentemente, do conjunto de produtos da própria contribuinte e não de outra agroindústria qualquer cuja receita bruta da comercialização constituirá a base de cálculo.

Note-se que a “industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros” é a atividade econômica que serve à determinação do sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte) do tributo previsto no artigo 22-A da LOCSS, isto é, para definir o que é agroindústria, e não para fixação da base de cálculo.

Isso porque, como o próprio caso da impetrante demonstra, nem toda produção da agroindústria será típica, podendo existir outras atividades que, enquanto ocasionais e/ou secundárias à atividade econômica principal, não descaracterizam a empresa agroindustrial como tal.

Observe-se que, como bem indicado pela autoridade fiscal, a própria legislação prevê a possibilidade de que a agroindústria desempenhe atividades distintas daquelas que a definem, estabelecendo em seus §§2º e 3º que a prestação de serviços a terceiro continua sujeita à contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salários e remuneração, excluindo-se a receita dessa atividade da base de cálculo da contribuição sobre a receita da comercialização da produção.

Assim, à míngua de qualquer outra adjetivação, a “produção” atinente à base de cálculo da contribuição do artigo 22-A da LOCSS é genérica, englobando tanto o produto típico agroindustrial quanto o atípico, à exceção da prestação de serviços a terceiros.

Por fim, levada às últimas consequências a tese da impetrante, dada a característica substitutiva da contribuição do artigo 22-A da Lei n. 8.212/1991 – no sentido de que só cabe a imposição tributária sobre a receita bruta da atividade típica agroindustrial, no que tange à parte atípica, tal como no caso da prestação de serviços dos §§2º e 3º do artigo 22-A, não ocorreria a substituição prevista no caput e, portanto, seria ela obrigada a recolher a contribuição sobre a folha de salários e remuneração dos trabalhadores e prestadores de serviços afetos à atividade atípica, o que a autoridade vinculada à Receita Federal já esclareceu que a impetrante não realiza.”

 

É o que basta para a manutenção da sentença.

Acrescente-se, ainda, que esse Relator vem entendendo que, para fins de FUNRURAL, a “receita bruta” abrange todos os custos operacionais, inclusive os tributários (como, ICMS e IPI), constituem o valor do produto, e, como tal, são parte integrante da receita (cf. 0000781-93.2012.4.03.6139 e 5000444-45.2017.4.03.6106).

Por todas as razões expostas, a sentença deve ser mantida.

 

Dispositivo

Ante o exposto, nego provimento à apelação da impetrante.

É como voto.

 

VOTO COMPLEMENTAR

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA: em complemento ao voto anteriormente apresentado, anoto que a questão quanto à base de cálculo da contribuição da agroindústria, com a inclusão da totalidade da receita bruta proveniente de qualquer produção, possui entendimento firmado no âmbito deste Colegiado sob a sistemática do julgamento com quórum estendido, na forma do art. 942 do CPC: 1ª Turma estendida: ApCiv 5006314-49.2018.403.6102, ApelRemNec 5001588-66.2017.403.6102.

Com essa complementação, ratifico o voto anteriormente apresentado.


O DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:

 

Peço vênia para divergir, em parte, do e. Relator para o efeito de dar parcial provimento à apelação para o fim de conceder parcialmente a segurança.

A impetrante, ora recorrente, pretende ver assegurado o direito que entende líquido e certo de a) “não incluir na base de cálculo da contribuição social a que alude o artigo 22-A da Lei n. 8.212/91, e seu adicional de 0,1% para o financiamento da aposentadoria especial e para o SAT/RAT, e da contribuição destinada ao SENAR, suas receitas decorrentes de atividades não típicas de agroindústria, isto é, sobre as atividades não abrangidas pelo ‘caput’ do artigo 22-A em comento, tais como, mas não exclusivamente, a de revenda de bens tais como adquiridos de terceiros, com exceção das receitas decorrentes da comercialização de sucatas” b) “reaver (não só, mas também mediante compensação administrativa, nos termos da legislação atualmente vigente e aplicável ou de outra que a venha substituí-la), os valores quando pagos indevidamente nos últimos cinco anos e a partir do ajuizamento desta ação”.

A temática posta no recurso diz com a incidência da denominada contribuição previdenciária da agroindústria, prevista no artigo 22-A da Lei nº 8.212/91 (com redação atribuída pela Lei nº 10.256/2001), em substituição à exação sobre a folha de salários, e, por consequência, também das contribuições destinadas ao SAT/RAT e ao SENAR, igualmente impugnadas nos autos.

A recorrente defende o direito de “recolher tais exações apenas sobre as receitas decorrentes da comercialização da produção típica da agroindústria, ou seja, sobre as receitas advindas de produção ‘cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros’”.

Aponta, também, a ilegalidade dos artigos 201-A e 201-B do Decreto nº 3.048/99 e 173 da Instrução Normativa RFB nº 971/2009.

A sentença recorrida denegou a segurança.

O e. Relator, por sua vez, nega provimento ao apelo da parte impetrante.

Pois bem.

Para melhor intelecção do tema, transcrevo o dispositivo cogitado:

 

Lei nº 8.212/91:

Art. 22-A. A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas nos incisos I e II do art. 22 desta Lei, é de:

I - dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social;

II - zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade.

§ 1º (VETADO)

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica às operações relativas à prestação de serviços a terceiros, cujas contribuições previdenciárias continuam sendo devidas na forma do art. 22 desta Lei.

§ 3º Na hipótese do § 2º, a receita bruta correspondente aos serviços prestados a terceiros será excluída da base de cálculo da contribuição de que trata o caput.

§ 4º O disposto neste artigo não se aplica às sociedades cooperativas e às agroindústrias de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e avicultura.

§ 5º O disposto no inciso I do art. 3º da Lei nº 8.315, de 23 de dezembro de 1991, não se aplica ao empregador de que trata este artigo, que contribuirá com o adicional de zero vírgula vinte e cinco por cento da receita bruta proveniente da comercialização da produção, destinado ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR).

§ 6º Não se aplica o regime substitutivo de que trata este artigo à pessoa jurídica que, relativamente à atividade rural, se dedique apenas ao florestamento e reflorestamento como fonte de matéria-prima para industrialização própria mediante a utilização de processo industrial que modifique a natureza química da madeira ou a transforme em pasta celulósica.

§ 7º Aplica-se o disposto no § 6º ainda que a pessoa jurídica comercialize resíduos vegetais ou sobras ou partes da produção, desde que a receita bruta decorrente dessa comercialização represente menos de um por cento de sua receita bruta proveniente da comercialização da produção.

 

Impõe-se, por primeiro, observar a dicção legal prevista para a espécie.

Nesse ponto, o artigo 22-A, caput da Lei nº 8.212/91 traz dois conceitos distintos: de um lado, o do sujeito passivo da contribuição e, de outro, a forma de incidência da exação, vale dizer, a base de cálculo do tributo.

Está sujeito à contribuição prevista no referido art. 22-A da Lei nº 8.212/91 o “produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”. Portanto, esse é o sujeito passivo da exação.

De outro norte, a base de cálculo do sujeito dessa contribuição é “o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção”, lembrando-se que “operações relativas à prestação de serviços a terceiros” continuam tributadas na forma do art. 22 da Lei nº 8.212/91 (art. 22-A, § 2º).

Tomado o elemento nuclear definido para o sujeito passivo da contribuição, tem-se que o art. 22-A, caput da Lei nº 8.212/91 admite que possa a empresa dedicada à agroindústria a) industrializar produção própria, b) desenvolver atividade de produção própria (sujeita ou não a posterior processo de industrialização) e c) adquirir de terceiros produção (sujeita ou não a posterior processo de industrialização).

Assim, por óbvio que a receita bruta, considerado o tipo definido para o sujeito passivo, é aquela derivada da comercialização tanto da produção própria (industrializada ou não), como da produção adquirida de terceiros (industrializada ou não). Essa é a inteligência que se extrai da norma.

Portanto, decompondo as várias hipóteses de incidência da contribuição cogitada, temos que pode ela ser exigida sobre o resultado auferido com:

1. a venda da produção própria da agroindústria;

2. a venda do produto obtido com a industrialização dessa produção própria;

3. a venda da produção adquirida de terceiros;

4. a venda do produto obtido com a industrialização da produção adquirida de terceiros.

 

Esse entendimento é firmado a partir da análise semântica do conteúdo normativo posto no art. 22-A, caput da Lei nº 8.212/91.

Vale recordar: o princípio da legalidade estrita ou cerrada – de máxima importância no Estado de Direito e ainda mais quando se debate na seara do Direito Tributário – impede que se dê interpretação ampliada ao mencionado art. 22-A, caput da Lei nº 8.212/91, de molde a se entender que os resultados econômicos obtidos com toda e qualquer atividade desenvolvida pela agroindústria possam ser tributados na forma do referido dispositivo.

O legislador, ao determinar a incidência dessa contribuição “sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção”, atrelou a hipótese de incidência ao núcleo de atividades típicas levadas a cabo pela empresa que se dedica à agroindústria, atividades essas expressamente conceituadas quando da descrição do sujeito passivo da exação, consoante acima explanado.

Tanto assim que, quando quis pontuar a hipótese de exceção (receitas auferidas com a prestação de serviços a terceiros), o legislador o fez de forma clara, inequivocamente posta no § 2º do art. 22-A da Lei nº 8.212/91.

Por conseguinte, se quisesse que a contribuição incidisse sobre toda e qualquer receita obtida pela agroindústria, teria igualmente deixado claro na dicção do dispositivo. Como não o fez, qualquer interpretação ampliativa acarreta, como já delineado, a violação ao princípio da estrita legalidade e, em grau último, a exigência indevida de tributo.

Com efeito, para além da tributação das receitas estritamente previstas no caput do art. 22-A da Lei nº 8.212/91, o legislador permite tão somente a exigência de contribuição, da empresa de agroindústria, sobre ingressos advindos da “prestação de serviços a terceiros”, o que se dará na forma do art. 22 da Lei nº 8.212/91 (art. 22-A, § 2º).

No tocante às demais disposições questionadas pela recorrente, postas em normas infralegais, impõe-se primeiramente a transcrição:

 

Decreto nº 3.048/1999 (com a redação do Decreto n. 4.032/2001):

Art. 201-A. A contribuição devida pela agroindústria, definida como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas no inciso I do art. 201 e art. 202, é de:

I - dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social; e

II - zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos arts. 64 a 70, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade.

§ 1º Para os fins deste artigo, entende-se por receita bruta o valor total da receita proveniente da comercialização da produção própria e da adquirida de terceiros, industrializada ou não.

§ 2o O disposto neste artigo não se aplica às operações relativas à prestação de serviços a terceiros, cujas contribuições previdenciárias continuam sendo devidas na forma do art. 201 e 202, obrigando-se a empresa a elaborar folha de salários e registros contábeis distintos.

§ 3o Na hipótese do § 2o, a receita bruta correspondente aos serviços prestados a terceiros não integram a base de cálculo da contribuição de que trata o caput.

§ 4º O disposto neste artigo não se aplica às sociedades cooperativas e às agroindústrias de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e avicultura.

§ 4o O disposto neste artigo não se aplica:

I - às sociedades cooperativas e às agroindústrias de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e avicultura; e

II - à pessoa jurídica que, relativamente à atividade rural, se dedique apenas ao florestamento e reflorestamento como fonte de matéria-prima para industrialização própria mediante a utilização de processo industrial que modifique a natureza química da madeira ou a transforme em pasta celulósica.

§ 5o Aplica-se o disposto no inciso II do § 4o ainda que a pessoa jurídica comercialize resíduos vegetais ou sobras ou partes da produção, desde que a receita bruta decorrente dessa comercialização represente menos de um por cento de sua receita bruta proveniente da comercialização da produção.

Art. 201-B. Aplica-se o disposto no artigo anterior, ainda que a agroindústria explore, também, outra atividade econômica autônoma, no mesmo ou em estabelecimento distinto, hipótese em que a contribuição incidirá sobre o valor da receita bruta dela decorrente.

 

Instrução Normativa RFB nº 971/2009:

Art. 173. A partir de 1º de novembro de 2001, a base de cálculo das contribuições devidas pela agroindústria é o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção própria e da adquirida de terceiros, industrializada ou não, exceto para as agroindústrias de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e avicultura e para as sociedades cooperativas.

Parágrafo único. Ocorre a substituição da contribuição tratada no caput, ainda que a agroindústria explore, também, outra atividade econômica autônoma, no mesmo ou em estabelecimento distinto, hipótese em que a contribuição incidirá sobre o valor da receita bruta decorrente da comercialização em todas as atividades, ressalvado o disposto no inciso I do art. 180 e observado o disposto nos arts. 170 e 171.” (grifei)

 

Entendo que os artigos 201-A do Decreto nº 3.048/99 e 173, caput da Instrução Normativa RFB nº 971/2009 só fazem repetir o comando legal insculpido no art. 22-A, caput da Lei nº 8.212/91, de modo que nenhuma mácula se colhe quanto aos mencionados dispositivos infralegais impugnados.

O mesmo não se pode concluir, contudo, quando se atenta para a redação dos artigos 201-B do Decreto nº 3.048/99 e 173, parágrafo único da Instrução Normativa RFB nº 971/2009.

Isso porque os referidos dispositivos preveem a incidência da contribuição sobre receita derivada da exploração, pela empresa de agroindústria, de outra atividade econômica autônoma, hipótese não autorizada pelo art. 22-A, caput da Lei nº 8.212/91.

Portanto, imperativo concluir que os artigos 201-B do Decreto nº 3.048/99 e 173, parágrafo único da Instrução Normativa RFB nº 971/2009 ferem de morte o princípio da legalidade ao fazerem incidir contribuição sobre a receita derivada de outras atividades econômicas da empresa estranhas às operações estritas da agroindústria, já que tal não se encontra excepcionado pela legislação de regência (Lei nº 8.212/91).

Assim, evidente que os mencionados dispositivos extrapolaram a mera alçada de regulamentação da norma, invadindo seara reservada pelo ordenamento nacional apenas à lei (em sentido estrito), com o que acabaram por criar tributo, o que não se admite por diploma de menor calibre.

Há de se reconhecer, por conseguinte, a inexigibilidade da contribuição posta nesses termos.

No caso concreto, a recorrente pretende afastar a contribuição previdenciária, bem como aquelas destinadas ao SAT/RAT e ao SENAR sobre “suas receitas decorrentes de atividades não típicas de agroindústria, isto é, sobre as atividades não abrangidas pelo “caput” do artigo 22-A em comento, tais como, mas não exclusivamente, a de revenda de bens tais como adquiridos de terceiros, com exceção das receitas decorrentes da comercialização de sucatas”.

Ora, o pedido mais lato, mais geral, pode ser acolhido, a fim de afastar a incidência das contribuições sobre quaisquer receitas obtidas com o desenvolvimento de atividades que não digam com (já que essas são as atividades típicas da agroindústria):

1. a venda da produção própria da agroindústria;

2. a venda do produto obtido com a industrialização dessa produção própria;

3. a venda da produção adquirida de terceiros;

4. a venda do produto obtido com a industrialização da produção adquirida de terceiros.

 

Qualquer atividade levada a cabo pela recorrente que escape a tais núcleos normativos não pode sofrer a tributação impugnada.

No entanto, especificamente no tocante ao produto obtido com a “revenda de bens tais como adquiridos de terceiros”, esse deve sujeitar-se à tributação ora questionada, já que perfaz a hipótese de incidência das contribuições.

Quanto aos valores indevidamente recolhidos pela recorrente, consoante acima arrazoado, assiste o direito à restituição das quantias correlatas.

Ressalto que, optando pela restituição (das parcelas pagas nos cinco anos que antecedem o ajuizamento da ação), essa se dará conforme tramitação administrativa em pedido a ser formulado perante a Secretaria da Receita Federal, já que, em se tratando de mandado de segurança em relação tributária, não se cogita da expedição de precatório, mas tão somente da possibilidade de reconhecimento do indébito, que será recuperado consoante a previsão fixada pela Administração.

Caso escolha o caminho da compensação, impende tecer algumas considerações.

Sabe-se que por força de alteração legislativa, houve a revogação do parágrafo único do artigo 26 da Lei nº 11.457/2007 pela Lei nº 13.670/2018.

Previa esse dispositivo legal (parágrafo único):

 

"O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não se aplica às contribuições sociais a que se refere o art. 2º desta Lei."

 

O referido artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, de seu turno, prevê:

 

"Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão."

 

A revogação do parágrafo único do artigo 26, portanto, significou autorização para que a compensação previdenciária pudesse ser realizada com outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, desde que observadas as condições previstas pelo art. 26-A da Lei nº 11.457/2007, dispositivo incluído pela Lei nº 13.670/2018, cujos termos são os que seguem:

 

"Art. 26-A. O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996:

I - aplica-se à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pela sujeito passivo que utilizar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), para apuração das referidas contribuições, observado o disposto no § 1º deste artigo;

II - não se aplica à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pelos demais sujeitos passivos; e 

III - não se aplica ao regime unificado de pagamento de tributos, de contribuições e dos demais encargos do empregador doméstico (Simples Doméstico). 

§ 1º  Não poderão ser objeto da compensação de que trata o inciso I do caput deste artigo:

I - o débito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei:

a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para a apuração das referidas contribuições; e

b) relativo a período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil concernente a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; e

II - o débito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil:

a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração de tributos com crédito concernente às contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei; e

b) com crédito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições.

§ 2º  A Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinará o disposto neste artigo."

 

Como se percebe pela dicção do dispositivo legal transcrito acima, para que o contribuinte possa compensar seus créditos com outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, diversas condições devem ser preenchidas. Essa possibilidade tem por mira contribuições sociais previstas pelo art. 11, parágrafo único, alíneas "a", "b", "c" da Lei nº 8.212/1991 e contribuições de terceiro, e o contribuinte deve se valer do recém-instituído e-Social, não podendo ser estendida aos demais sujeitos passivos de obrigações tributárias, nem mesmo para o empregador doméstico.

Portanto, a revogação do art. 74 da Lei nº 9.430/1996 não induz à conclusão de que qualquer crédito constituído antes do advento (e da adesão) ao e-Social possa ser objeto de compensação com quaisquer tributos administrados pela Receita Federal do Brasil; as condições impostas pela lei para tal modalidade de compensação são bem claras: não são compensáveis a) débitos apurados anteriormente ao e-Social e b) créditos das contribuições relativos a períodos anteriores. Em suma: só se admite a compensação indistinta de créditos novos com débitos novos, não se aplicando retroativamente à legislação.

Há, portanto, restrições que tomam em conta o período de apuração das contribuições sociais e de terceiros, sendo certo que para aquelas exações anteriores à utilização do e-Social (ou para exações posteriores que serão compensadas com tributos anteriores à utilização do e-Social), a compensação nos moldes do art. 74 da Lei nº 9.430/1996 igualmente não se revela viável.

No caso concreto, a ação foi ajuizada em 20 de fevereiro de 2018, sendo reconhecido o direito à compensação de valores recolhidos nos cinco anos anteriores, em período, portanto, anterior à inovação trazida pela Lei nº 13.670/2018. Assim, à luz do quanto acima fundamentado, mostra-se impertinente a autorização para que a compensação se dê de forma ampla, com quaisquer tributos administrados pela Receita Federal, permitindo-se o encontro de contas consoante previsto na legislação anterior, vale dizer, apenas entre créditos e débitos alusivos a contribuições previdenciárias. Os valores deverão ser atualizados desde o pagamento indevido pela Taxa SELIC, compreensiva de juros e correção monetária, consoante jurisprudência assente.

Face ao exposto, dou parcial provimento à apelação para o efeito de conceder, em parte, a segurança para o fim de a) reconhecer a inexigibilidade das contribuições discutidas neste feito recolhidas sobre receitas estranhas à venda/comercialização 1) da produção própria da agroindústria; 2) do produto obtido com a industrialização dessa produção própria; 3) da produção adquirida de terceiros; 4) do produto obtido com a industrialização da produção adquirida de terceiros e, por conseguinte, b) autorizar a repetição ou compensação nos termos acima delineados.

Sem condenação em verba honorária, indevida na espécie.

É como voto.

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004164-04.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: BIOSEV S.A.

Advogado do(a) APELANTE: HENRIQUE COUTINHO DE SOUZA - SP257391-A

APELADO: SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL - SENAR, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SAO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELADO: ELIZIANE DE SOUZA CARVALHO - DF14887-A, MAXCILENE NASCIMENTO DA SILVA - DF31821-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

VOTO-VISTA 

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS: Trata-se de apelação interposta pela Biosev S/A contra a r. sentença que julgou improcedente o pedido e denegou a segurança.

Em suas razões de apelação, a parte impetrante sustenta que a contribuição social a que se refere o artigo 22-A da Lei nº 8.212/91 deve incidir somente sobre as receitas da agroindústria advindas da comercialização da atividade típica da agroindústria, e não sobre a receita bruta das agroindústrias em atividades não agroindustriais e comerciais. Desta maneira, insurge-se contra os artigos 201-A e 201-B do Decreto nº 3.048 e contra o artigo 173 da Instrução Normativa RFB nº 971/2009, alegando que extrapolaram o conteúdo contido no artigo 22-A da Lei nº 8.212/91. Requer, assim, que seja reconhecido o direito líquido e certo da impetrante de não incluir na base de cálculo das contribuições sociais a que alude o artigo 22-A da Lei nº 8.212/91 suas receitas decorrentes de atividades não típicas da agroindústria, como a revenda de combustíveis e a comercialização de energia.

Após o voto do relator no sentido de negar provimento à apelação da parte impetrante e do voto do Desembargador Federal Wilson Zauhy no sentido de dar parcial provimento à apelação para o efeito de conceder, em parte, a segurança, vieram-me os autos com vista para melhor compreensão e análise dos fatos.

Pois bem.   

O mandado de segurança é ação constitucional que obedece a procedimento célere e encontra regulamentação básica no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal: "Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

Percebe-se, portanto, que, dentre outras exigências, é necessário que o direito cuja tutela se pretende seja líquido e certo.

Todavia, a conceituação de direito líquido e certo não se relaciona com a existência ou não de dúvida ou controvérsia, sob o prisma jurídico, em relação à existência do direito.

Assim, é líquido e certo o direito apurável sem a necessidade de dilação probatória, ou seja, quando os fatos em que se fundar o pedido puderem ser provados de forma incontestável no processo.

Insta consignar que o artigo 22-A da Lei nº 8.212/91 dispõe que:

"Art. 22-A. A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas nos incisos I e II do art. 22 desta Lei, é de:

(...)"

Ou seja, a contribuição é devida por aquele que exerce atividade econômica consistente na industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros.

E os artigos 201-A e 201-B do Decreto nº 3.048, bem como o artigo 173 da Instrução Normativa nº 971/09, que são as normas que a impetrante alega que violaram o seu direito líquido e certo, tratam da hipótese em que a agroindústria, além das atividades descritas no caput do artigo 22-A da Lei nº 8.212/91, exercem outras atividades econômicas autônomas no mesmo estabelecimento ou em estabelecimento distinto. Vejamos a redação das referidas normas:

Decreto n. 3.048/99

Art. 201-A.  A contribuição devida pela agroindústria, definida como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas no inciso I do art. 201 e art. 202, é de:

(...)

Art. 201-B.  Aplica-se o disposto no artigo anterior, ainda que a agroindústria explore, também, outra atividade econômica autônoma, no mesmo ou em estabelecimento distinto, hipótese em que a contribuição incidirá sobre o valor da receita bruta dela decorrente. (grifo nosso)

IN RFB n. 971/09

Art. 173. A partir de 1º de novembro de 2001, a base de cálculo das contribuições devidas pela agroindústria é o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção própria e da adquirida de terceiros, industrializada ou não, exceto para as agroindústrias de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e avicultura e para as sociedades cooperativas.

Parágrafo único. Ocorre a substituição da contribuição tratada no caput, ainda que a agroindústria explore, também, outra atividade econômica autônoma, no mesmo ou em estabelecimento distinto, hipótese em que a contribuição incidirá sobre o valor da receita bruta decorrente da comercialização em todas as atividades, ressalvado o disposto no inciso I do art. 180 e observado o disposto nos arts. 170 e 171. (grifo nosso)

Vale destacar que além do artigo 22-A da Lei nº 8.212/91, o qual deixa claro que a contribuição devida pela agroindústria incide sobre a comercialização de produção própria e de produção própria e adquirida de terceiros, o Decreto nº 3.048/99 e a Instrução Normativa RFB nº 971/09 regulamentam a matéria sem extrapolar tal previsão legal, não inovando ou trazendo base de cálculo maior do que a prevista na Lei nº 8.212/91, apenas estabelecendo maior especificidade, sendo, portanto, dotados de legalidade.

Como resultado, fica evidente que o recolhimento das contribuições deve ocorrer sobre a receita bruta da empresa decorrente da comercialização da produção própria e daquela adquirida por terceiros, mesmo que seja decorrente de atividades não típicas da agroindústria, mormente porquanto se trata de atividade econômica devidamente prevista no estatuto social da parte impetrante.

Ressalte-se que os parágrafos 2º e 3º do artigo 22-A da Lei nº 8.212/91 trazem a exceção sobre a qual não incide as contribuições em análise, qual seja, a receita bruta correspondente aos serviços prestados a terceiros, cujas contribuições previdenciárias continuam sendo devidas na forma do artigo 22 do mesmo diploma normativo.

Assim, se a única exceção é exaltada pelo legislador, conclui-se que as demais receitas auferidas pela agroindústria, compõem a base de cálculo das exações, inclusive a receita decorrente da comercialização de produtos que não se enquadram na atividade econômica típica da agroindústria

Destarte, não se verifica ofensa a direito líquido e certo da impetrante pelos impetrados, devendo-se manter a denegação da segurança prevista na r. sentença.

 Diante do exposto, acompanho o e. Relator.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO DA AGROINDÚSTRIA. ART. 22-A DA LEI Nº 8.212/91. BASE DE CÁLCULO. TOTALIDADE DA RECEITA BRUTA DA AGROINDÚSTRIA PROVENIENTE DE QUALQUER PRODUÇÃO. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.

1. Conquanto o art. 22-A da Lei nº 8.212/91 não tenha sido redigido da maneira mais clara e didática, é possível se depreender da simples leitura do dispositivo que o legislador pretendeu, na primeira parte do artigo, delimitar o conceito de agroindústria e, na segunda, definir a base de cálculo da contribuição em questão. E é certo que a segunda parte do artigo, na qual é definida a base de cálculo da contribuição como sendo “o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção”, não remete, expressamente, à atividade descrita no início do artigo como definidora da agroindústria: atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”. Para tanto, seria necessário que o legislador tivesse empregado expressões que destinadas a explicitar tal alusão, como, por exemplo, “dessa produção” ou “da mencionada produção” ou, ainda, “da produção que caracteriza as agroindústrias”. Ao deixar de impor, de modo expresso, qualquer limitação à “produção” sobre a qual deve recair a contribuição, deve-se entender que o legislador almejou que a contribuição incidisse sobre a totalidade da receita bruta da agroindústria, isto é, sobre a receita bruta proveniente de toda e qualquer produção da agroindústria.

2. Ademais, não se pode olvidar que, em nosso ordenamento, adota-se a presunção de constitucionalidade e de legalidade das normas, de modo a preservar a validade das normas.

3. Nesse sentido, o §1º do art. 201-A do Decreto nº 3.048/99, sem inovar no ordenamento, cindiu a previsão do art. 22-A, caput, da Lei nº 8.212/91 a fim de torná-la mais clara e didática: (i) foi mantida no caput a definição de “agroindústria” e; (ii) foi transportada para o §1º a definição da base cálculo (“receita bruta”). No mesmo sentido, manifestou-se a Receita Federal do Brasil na “Solução de Consulta COSIT nº 34, de 11 de abril de 2016”.

4. Acrescente-se, ainda, que esse Relator vem entendendo que, para fins de FUNRURAL, a “receita bruta” abrange todos os custos operacionais, inclusive os tributários (como, ICMS e IPI), constituem o valor do produto, e, como tal, são parte integrante da receita (cf. 0000781-93.2012.4.03.6139 e 5000444-45.2017.4.03.6106).

5. Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do Código de Processo Civil, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento à apelação da impetrante, nos termos do voto do senhor Desembargador Federal Hélio Nogueira (relator), acompanhado pelos votos dos senhores Desembargadores Federais Valdeci dos Santos, Herbert de Bruyn e Antonio Morimoto; vencido, em parte, o senhor Desembargador Federal Wilson Zauhy, que dava parcial provimento à apelação para o efeito de conceder, em parte, a segurança para o fim de a) reconhecer a inexigibilidade das contribuições discutidas neste feito recolhidas sobre receitas estranhas à venda/comercialização 1) da produção própria da agroindústria; 2) do produto obtido com a industrialização dessa produção própria; 3) da produção adquirida de terceiros; 4) do produto obtido com a industrialização da produção adquirida de terceiros e, por conseguinte, b) autorizar a repetição ou compensação nos termos delineados no seu voto, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.