APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0023252-22.2014.4.03.0000
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: ACIR FILLO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: THIAGO SILVA MACHADO - SP227932-A
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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0023252-22.2014.4.03.0000 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: ACIR FILLO DOS SANTOS Advogado do(a) APELADO: THIAGO SILVA MACHADO - SP227932-A R E L A T Ó R I O O Exmo Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator): O Ministério Público Federal denunciou ACIR FILLO DOS SANTOS, nascido em 13.03.1972, como incurso, por três vezes, no art. 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67, em concurso material (ID 138250835 - Pág. 2/5): (...) Consta do incluso inquérito policial que, nos anos-calendários de 2013, 2014 e 2015, e quando no exercício do cargo de Prefeito do Município de Ferraz de Vasconcelos, ACIR DOS SANTOS, com vontade livre e consciente, aplicou indevidamente recursos advindo do FUNDEB (...). A denúncia foi recebida em 30.01.2020 (ID 138250856 - Pág. 4). Após regular instrução, sobreveio sentença absolvendo o denunciado (ID 138250948 - Pág. 1/8), nos seguintes termos: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Acir dos Santos pela prática, em tese, do delito previsto no artigo 1º, III, do Decreto-lei n. 201/1967, por 3 (três) vezes, em concurso material (art. 69, CP). De acordo com a peça acusatória (Id. 23849611, pp. 1-4), no ano de 2013, o município de Ferraz de Vasconcelos recebeu recursos do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) no valor de R$ 72.317.526,50 (setenta e dois milhões, trezentos e dezessete mil, quinhentos e vinte e seis reais e cinquenta centavos) para serem aplicados no exercício financeiro corrente. Em que pese informação diversa fornecida pelo município, após fiscalização, constatou-se que havia sido aplicado somente um percentual de 85,17%, em desatendimento ao mínimo de 95%. O setor de cálculos do TCE/SP acolheu parcialmente as razões de defesa do denunciado, mas o valor foi elevado somente para 90,36%, percentual ainda em desacordo com a legislação, como se verifica do processo TC-1959/026/13. Ainda, conforme processo TC-000432/026/14, no exercício 2014 houve aplicação de somente 87,27% dos recursos recebidos pelo FUNDEB, também em inobservância ao percentual mínimo regulado pela legislação. Ademais, no processo TC-2524-026/15, verificou-se que, no exercício 2015, o município aplicou apenas 80,83% do valor recebido do FUNDEB, bem como não manteve conta única e específica para o recebimento desses recursos, tudo em desacordo com a Lei n. 11.494/2007. Conforme narrado na exordial, Acir dos Santos movimentou tais valores por meio de conta geral do município, nos 3 (três) exercícios financeiros. (...) Assim, o direito penal deve apenas se ocupar de situações que não são resolvidas por outros ramos do direito. No caso concreto, o direito penal está sendo utilizado como “prima ratio”. Com efeito, as imputações veiculas na peça acusatória são todas calcadas em pareceres de rejeição de contas formulados pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Referidos pareceres do Tribunal de Contas do Estado se confirmados pelo legislativo municipal de Ferraz de Vasconcelos, SP, possuiriam o condão de tornar o Prefeito, ora réu, inelegível. As imputações efetuadas são de aplicação indevida de verbas públicas, em razão do não atingimento do índice de 95%, mas sim dos índices de 90,36% (2013 – Id. 23855640, p. 4-Id. 23855643), 87,27% (2014 – Id. 23850214, p. 21-Id. 23850215, p. 11) e 80,83% (2015 – Id. 25799411, pp. 18-59), sendo certo que essas imputações aparentemente pressuporiam que o Prefeito, ora réu, tivesse deliberadamente determinado a aplicação das diferenças apuradas em fim diverso do previsto em lei. A denúncia não cogita de desvio das verbas em proveito próprio, tampouco cogita de desvio das verbas em proveito alheio. Assim, difícil vislumbrar que o Prefeito tivesse ciência da não aplicação do percentual total de 95% das verbas do FUNDEB; ou mesmo da existência de dolo na conduta do réu, na condição de Prefeito. Dessa maneira, considerando que não existe responsabilidade objetiva na esfera penal, não há como ser julgado procedente o pedido veiculado na denúncia. Em face do expendido, JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA para ABSOLVER ACIR DOS SANTOS, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, dos fatos que lhe foram imputados na denúncia. Tendo em vista a sucumbência da pretensão punitiva estatal, não é devido o pagamento das custas. Após o trânsito em julgado, oficiem-se às autoridades policiais, para fins de estatísticas e antecedentes criminais, e ulteriormente arquivem-se os autos. A presente sentença servirá como ofício, e poderá ser objeto de comunicação, preferencialmente por meio eletrônico. Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Apela o Ministério Público Federal postulando “a reforma da r. sentença (...), a fim de que o réu Acir dos Santos seja condenado pela prática do crime previsto no art. 1º, III, do Decreto-Lei nº 201/1967, por três vezes, na forma do art. 69 do Código Penal” (ID 138250949). Afirma “nos anos-calendário de 2013, 2014 e 2015, e quando no exercício do cargo de Prefeito do Município de Ferraz de Vasconcelos, Acir dos Santos, com vontade livre e consciente, aplicou indevidamente recursos advindos do Fundeb”. No ano de 2013 “a fiscalização do TCE/SP verificou que o acusado Acir dos Santos havia aplicado (após as glosas – fls. 14/19 do Ap. IV) tão somente a quantia de R$ 61.591.231,15 (sessenta e um milhões, quinhentos e noventa e um mil, duzentos e trinta e um reais e quinze centavos), valor que representava o percentual de 85,17%, (...) afrontado a norma do § 2º do art. 21 da Lei 11.494/2007, que prevê a aplicação do percentual mínimo de 95%’. “No âmbito do TCE/SP, o réu apresentou alegações de defesa. O Setor de Cálculos acolheu parcialmente as razões para, no ponto receitas/despesas FUNDEB, elevar/validar o índice de aplicação de 90,17% até 31/12/2013”. “Com relação ao Processo TC-000432/026/14, os Conselheiros do TCE/SP aprovaram parecer desfavorável à aprovação das contas da Prefeitura Municipal de Ferraz de Vasconcelos, no exercício de 2014, (...) os motivos que ensejaram a desaprovação das contas foram, dentre outros, a aplicação de apenas 87,27% do FUNDEB recebido no exercício, em inobservância ao disposto no art. 21 da Lei nº 11.494/2007”. “No Processo TC-2524/026/15, os Conselheiros do TCE/SP aprovaram parecer desfavorável à aprovação das contas da Prefeitura Municipal de Ferraz de Vasconcelos, no exercício de 2015, com determinação de fiscalização (...)". "Acerca do FUNDEB, verificou-se que, no exercício de 2015, o Município havia recebido de tal fundo R$ 79.181.495,74 (setenta e nove milhões, cento e oitenta e um mil, quatrocentos e noventa e cinco reais e setenta e quatro centavos) e aplicado apenas R$ 64.061.438,11 (sessenta e quatro milhões, sessenta e um mil, quatrocentos e trinta e oito reais e onze centavos)"; “havia aplicado apenas 80,83% do FUNDEB, não observando o mínimo de 95%”. Aduz que "o acusado Acir dos Santos deixou de proceder à abertura de conta para a movimentação dos recursos diferidos do FUNDEB, movimentando tais valores por meio de conta geral do Município, nos três exercícios financeiros (2013, 2014 e 2015). Com isso, o réu violou o previsto nos arts. 17 e 19 da Lei 11.494/2007 e o disposto no Comunicado SDG nº 07/2009, que preveem a abertura de conta única e específica". Requer a “não aplicação do princípio da subsidiariedade”, pois “no presente caso, é patente que os demais meios estatais de controle social falharam” e "eventual aplicação de penalidade de natureza político-administrativa pelo Poder Legislativo na espécie não tem o condão de afastar a responsabilidade penal do réu, em razão da independência das instâncias". Alega que as “provas da autoria dolosa da prática do crime tipificado no art. 1º, III, do Decreto-Lei nº 201/1967, por três vezes, na forma do art. 69 do Código Penal pelo réu Acir dos Santos são robustas”. Afirma que “não tendo como afastar as conclusões técnicas exaradas pelo Tribunal de Contas, o acusado se valeu de alegação genérica de perseguição política, sem nenhuma base probatória. No mais, as ‘glosas’ realizadas pelo Tribunal de Contas ocorreram justamente em razão de as verbas do FUNDEB terem sido dispendidas de forma irregular"; e “quanto à tentativa de imputar a responsabilidade por atos de sua gestão a seu sucessor, as testemunhas afirmaram não se recordar do vice-prefeito ter assumido interinamente a Prefeitura durante a gestão do réu, o que demonstra que, se isso ocorreu, foi por curto período, o que não isenta o réu de sua responsabilidade”. Argumenta que “o próprio réu reconheceu em Juízo conhecer a legislação aplicável ao FUNDEB, o que demonstra que ele agiu com dolo, restando afastada responsabilidade objetiva no caso”, e “como afirmado pela testemunha Cláudio Ramos Moreira em Juízo desde o ano de 2013 os vereadores já vinham formulando requerimentos de informações acerca da aplicação das verbas do FUNDEB ao acusado, que não as respondia (o que evidencia que o réu tinha plena ciência das irregularidades na aplicação de tais verbas)”. Alega que “em relação a esse desvio, importa frisar que ele não está adstrito, necessariamente, ao proveito próprio ou alheio, como pretendeu fundamentar o Juízo a quo. O simples fato de ter havido aplicação em percentual inferior ao previsto na legislação e sem a abertura de conta específica utilizando-se a conta geral do Município, já é suficiente para caracterizar o delito do art. 1º, III, do Decreto-Lei nº 201/67. Isso porque, ao contrário do crime do inciso I da referida lei, não se exige proveito do agente ou de terceiro, sendo esta a razão do apenamento reduzido”. Vieram contrarrazões do réu pela manutenção da sentença (ID 138250955). Em parecer, o Parquet Federal manifestou-se pelo provimento do recurso (ID 142156457). Os autos foram redistribuídos a minha relatoria em 06.03.2023, em razão da criação da unidade judidicária. É o relatório. Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0023252-22.2014.4.03.0000 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: ACIR FILLO DOS SANTOS Advogado do(a) APELADO: THIAGO SILVA MACHADO - SP227932-A V O T O O Exmo Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator): A imputação da denúncia é de aplicação indevida do dinheiro recebido do Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação -, pelo réu, na qualidade de Prefeito Municipal de Ferraz de Vansconcelos/SP, nos anos de 2013, 2014 e 2015, amparada em decisões do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo desaprovadoras das contas municipais nos exercícios respectivos. O magistrado de primeiro grau absolveu o denunciado sob o fundamento de que o direito penal estaria sendo utilizado como “prima ratio”, pois as condutas levariam, caso confirmadas as irregularidades na aplicação da receita Fundeb, à censura do legislativo municipal e pena de inelegibilidade; bem assim sob o fundamento da ausência de dolo para o cometimento do delito, pela ausência de ciência da não aplicação do percentual total de 95% das verbas do Fundeb, não cogitando a denúncia de desvio das verbas em proveito próprio ou em proveito alheio. Confira-se o excerto da sentença: (...) Assim, o direito penal deve apenas se ocupar de situações que não são resolvidas por outros ramos do direito. No caso concreto, o direito penal está sendo utilizado como “prima ratio”. Com efeito, as imputações veiculas na peça acusatória são todas calcadas em pareceres de rejeição de contas formulados pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Referidos pareceres do Tribunal de Contas do Estado se confirmados pelo legislativo municipal de Ferraz de Vasconcelos, SP, possuiriam o condão de tornar o Prefeito, ora réu, inelegível. As imputações efetuadas são de aplicação indevida de verbas públicas, em razão do não atingimento do índice de 95%, mas sim dos índices de 90,36% (2013 – Id. 23855640, p. 4-Id. 23855643), 87,27% (2014 – Id. 23850214, p. 21-Id. 23850215, p. 11) e 80,83% (2015 – Id. 25799411, pp. 18-59), sendo certo que essas imputações aparentemente pressuporiam que o Prefeito, ora réu, tivesse deliberadamente determinado a aplicação das diferenças apuradas em fim diverso do previsto em lei. A denúncia não cogita de desvio das verbas em proveito próprio, tampouco cogita de desvio das verbas em proveito alheio. Assim, difícil vislumbrar que o Prefeito tivesse ciência da não aplicação do percentual total de 95% das verbas do FUNDEB; ou mesmo da existência de dolo na conduta do réu, na condição de Prefeito. Dessa maneira, considerando que não existe responsabilidade objetiva na esfera penal, não há como ser julgado procedente o pedido veiculado na denúncia. Em face do expendido, JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA para ABSOLVER ACIR DOS SANTOS, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, dos fatos que lhe foram imputados na denúncia. Tendo em vista a sucumbência da pretensão punitiva estatal, não é devido o pagamento das custas. Após o trânsito em julgado, oficiem-se às autoridades policiais, para fins de estatísticas e antecedentes criminais, e ulteriormente arquivem-se os autos. A presente sentença servirá como ofício, e poderá ser objeto de comunicação, preferencialmente por meio eletrônico. Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Aprecio as teses recursais, por tópicos. Da tipificação legal, da materialidade, da autoria e do dolo O tipo penal imputado ao acusado é de seguinte teor: DECRETO-LEI Nº 201, DE 27 DE FEVEREIRO DE 1967. Dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências. Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (...) Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; (...) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos. O emprego irregular da verba destinada ao município de Ferraz de Vasconcelos/SP, na gestão do denunciado, nos anos de 2013, 2014 e 2015 é atestada pela decisões do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, o qual avaliou o emprego da receita em despesas não correspondentes à finalidade expressa e autorizada pela Lei 11.494/2007, vigente à época dos fatos. Na oportunidade da apreciação das contas municipais, o Tribunal de Contas estadual glosou determinadas despesas realizadas com o dinheiro do Fundeb, ao entendimento de que a utilização do numerário para o pagamento de pessoal em desvio de função (servidores que não compunham a pasta Educação), para a realização de reformas e pinturas, por exemplo, dentre outros, estaria em desconformidade com o art. 21 da Lei 11.494/2007, que demanda o uso “em ações consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica pública”. Dessa forma, o Tribunal de Contas desaprovou as contas municipais nos três exercícios mencionados. O enquadramento jurídico dos fatos comporta duas modalidades de prática: desvio ou aplicação indevida de rendas ou verbas públicas. No mesmo sentido, a doutrina abalizada sobre o assunto: Tipo Objetivo O crime consiste em: “desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas”. As condutas são desviar, que consiste em dar uma destinação diversa da devida, ou aplicar indevidamente, que consiste em dar aplicação aos valores, mas em destinação diversa daquela prevista. Ao contrário do crime do inciso I, não se exige proveito do agente ou de terceiro estranho à administração, sendo esta a razão do apenamento mais reduzido. Bem por isso: “Não importa que os recursos tenham sido aplicados em outro fim público, pois, diferentemente da apropriação ou do peculato, o crime é de desvio das verbas públicas” (TRF3, Inq. 199960000066250, Nabarrete, OE, 25.3.04). Júnior, José Paulo B. Crimes Federais. Disponível em: Minha Biblioteca, (11th edição). Editora Saraiva, 2017. Destarte, assiste razão à Acusação ao argumentar que “em relação a esse desvio, importa frisar que ele não está adstrito, necessariamente, ao proveito próprio ou alheio, como pretendeu fundamentar o Juízo a quo. O simples fato de ter havido aplicação em percentual inferior ao previsto na legislação e sem a abertura de conta específica utilizando-se a conta geral do Município, já é suficiente para caracterizar o delito do art. 1º, III, do Decreto-Lei nº 201/67. Isso porque, ao contrário do crime do inciso I da referida lei, não se exige proveito do agente ou de terceiro, sendo esta a razão do apenamento reduzido”. Nessa linha, a conduta imputada ao acusado amolda-se ao tipo penal do art. 1º, III, do Decreto 201/67, na modalidade aplicar indevidamente verba pública. Além disso, a prova documental é robusta e harmônica a comprovar a materialidade delitiva, especialmente os procedimentos instaurados no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a quem compete a aferição da regularidade do emprego das receitas municipais, como no caso concreto. De fato, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo desaprovou a gestão do réu nos exercícios 2013, 2014 e 2015 na aplicação das verbas oriundas do Fundeb, dentre outras rubricas, consoante IDs 138250612 - Pág. 21/24, 138250613 - Pág. 1/11, 138250614 - Pág. 4/18, 138250806 - Pág. 104/120, 138250820 - Pág. 18/59. Por outro lado, a autoria é demonstrada pela gestão do réu, na condição de Prefeito Municipal, a quem incumbe, com a ajuda dos Secretários Municipais, incluído o Secretário da Educação, o emprego e a destinação das verbas públicas, nos limites da autorização legislativa. É dizer, o réu, como administrador público municipal detinha a competência para a aplicação do dinheiro recebido do Fundeb e, nessa condição de gestor, o empregou de maneira irregular. Logo, responde pelo ato praticado. Em interrogatório, Acir dos Santos confirma que assinava os expedientes juntamente com os Secretários Municipais, seus auxiliares, embora tenha alegado que o volume de ofícios assinados por dia era muito grande e dificultava o conhecimento e a lembrança de todo os teores. Observe-se que o ato de assinar e autorizar, como sói ocorre com todo administrador, é ato típico de gestão, de comando, porque a assinatura do Chefe do Executivo Municipal em documento ou ato normativo consiste no próprio ato de destinação da verba pública, sem o qual inexistiria a possibilidade do gasto do dinheiro. A alegação de que seu afastamento do cargo eletivo, em dezembro de 2015, o isentaria da responsabilidade penal neste exercício soa desproporcional, primeiro porque o afastamento por apenas vinte dias da gestão municipal em 2015 não o isentaria da responsabilidade dos demais onze meses e dez dias, segundo porque a prova testemunhal foi uníssona em relatar que o Vice-Prefeito, a quem o acusado atribui a derrocada das contas, não o substituiu no exercício do mandato durante 2015. O dolo na conduta do acusado é demonstrado pela prova colhida em juízo, no sentido de que o réu assinava os ofícios e expedientes da Prefeitura Municipal de Ferraz de Vasconcelos, em conjunto com o Secretário da Educação, referentes à discriminação do uso das verbas recebidas do Fundeb, revelando a tomada de decisões para a competência administrativa respectiva, devidamente concretizada em ações irregulares. Com efeito, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo desaprovou o uso do dinheiro do Fundeb e “glosou” parte dele, por aplicação irregular do numerário, em programas e despesas desvinculadas da pasta Educação ou não permitidas para a utilização da verba Fundeb. De outro vértice, descabe falar em aplicação do princípio da subsidiariedade, porquanto a tutela político-administrativa referente à desaprovação de contas pelo legislativo municipal e a imposição de inelegibilidade ao réu para futuros pleitos eleitorais é insuficiente para a proteção de bens jurídicos visados pela tutela penal para o caso dos autos. Com efeito, a resposta penal ao emprego indevido de verbas públicas objetiva determinar a observância da probidade e da moralidade administrativas, considerando que o gestor público, em especial o gestor municipal que vê de perto as necessidades da população local, tem em suas mãos a possibilidade e o dever público de transformar socialmente as carências e imperfeições que atingem negativamente o sistema educacional local usando adequamente o dinheiro recebido para tal finalidade. Este o ensinamento da doutrina: BEM JURÍDICO O bom andamento da administração pública, tanto em seu aspecto patrimonial quanto de respeito à moralidade administrativa (STF, HC 85184, M. Aurélio, 1ª T., u., 15.3.05; STJ, Pet. 1301, Arnaldo, 5ª T., u., 6.2.01). Júnior, José Paulo B. Crimes Federais. Disponível em: Minha Biblioteca, (11th edição). Editora Saraiva, 2017 É dizer, tornar inelegível o gestor transgressor, apenas, seria consequência de diminuta monta, em comparação ao dano ou ao agravamento do dano gerados com a deficiência administrativa daquele no emprego de verba especialmente destinada à educação, inapta a promover a devida resposta estatal ao problema. Seria despiciendo frisar que a conduta comprovada nos autos encontra tipificação penal. Logo, há muito o legislador compreendeu a necessidade da resposta estatal sancionatória criminal ao comportamento atribuído ao acusado. Logo, a reforma da sentença é de rigor. À luz do conjunto probatório produzido, julgo procedente a pretensão condenatória formulada na denúncia. Da dosimetria da pena DECRETO-LEI Nº 201, DE 27 DE FEVEREIRO DE 1967. Dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências. Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (...) Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; (...) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos. Para o delito cometido no ano de 2013: Na primeira fase da dosimetria, considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal verifico a desfavorabilidade de duas delas. O emprego indevido de dinheiro destinado à educação constitui circunstância desfavorável na prática delitiva, pois a inapta gestão municipal da verba pública atinge parcela vulnerável da população - crianças em estágio de alfabetização - privando-as da adequada formação educacional e cultural, matizes do desenvolvimento social. Além disso, as consequências do delito são desfavoráveis, dada a expressiva quantia monetária que deixou de ser aplicada na Pasta Educação, tomando-se o parâmetro de R$ 72.317.526,50 (setenta e dois milhões, trezentos e dezessete mil, quinhentos e vinte e seis reais e cinquenta centavos) destinados ao Município de Ferraz de Vasconcelos no ano de 2013. Por outro lado, os registros criminais constantes dos autos não revelam condenação criminal definitiva e, por isso, não podem ser tomados como maus antecedentes, em consonância com o enunciado de Súmula nº 444 do STJ. Assim, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 1 (um) ano de detenção. Na segunda fase da dosimetria nada a computar. Na terceira fase da dosimetria nada a computar, pelo que torno definitiva a pena 1 (um) ano de detenção. Para o delito cometido no ano de 2014: Na primeira fase da dosimetria, considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal verifico a desfavorabilidade de uma delas. O emprego indevido de dinheiro destinado à educação constitui circunstância desfavorável na prática delitiva, pois a inapta gestão municipal da verba pública atinge parcela vulnerável da população - crianças em estágio de alfabetização - privando-as da adequada formação educacional e cultural, matizes do desenvolvimento social. Não há informação nos autos do valor destinado à educação para o Município de Ferraz de Vasconcelos no ano de 2014. Por outro lado, os registros criminais constantes dos autos não revelam condenação criminal definitiva e, por isso, não podem ser tomados como maus antecedentes, em consonância com o enunciado de Súmula nº 444 do STJ. Assim, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 6 (seis) meses de detenção. Na segunda fase da dosimetria nada a computar. Na terceira fase da dosimetria nada a computar, pelo que torno definitiva a pena de 6 (seis) meses de detenção. Para o delito cometido no ano de 2015: Na primeira fase da dosimetria, considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal verifico a desfavorabilidade de duas delas. O emprego indevido de dinheiro destinado à educação constitui circunstância desfavorável na prática delitiva, pois a inapta gestão municipal da verba pública atinge parcela vulnerável da população - crianças em estágio de alfabetização - privando-as da adequada formação educacional e cultural, matizes do desenvolvimento social. Além disso, as consequências do delito são desfavoráveis, dada a expressiva quantia monetária que deixou de ser aplicada na Pasta Educação, tomando-se o parâmetro de R$ 79.181.495,74 (setenta e nove milhões, cento e oitenta e um mil, quatrocentos e noventa e cinco reais e setenta e quatro centavos) destinados ao Município de Ferraz de Vasconcelos no ano de 2015. Por outro lado, os registros criminais constantes dos autos não revelam condenação criminal definitiva e, por isso, não podem ser tomados como maus antecedentes, em consonância com o enunciado de Súmula nº 444 do STJ. Assim, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 1 (um) ano de detenção. Na segunda fase da dosimetria nada a computar. Na terceira fase da dosimetria nada a computar, pelo que torno definitiva a pena 1 (um) ano de detenção. Do concurso de delitos Reconheço a prática de três condutas criminosas, nos anos de 2013, 2014 e 2015, em continuidade delitiva, tendo-se em vista o preenchimento dos requisitos do art. 71 do CP, quais sejam, crimes da mesma espécie, cometidos em condições de tempo (dado que a aplicação das verbas públicas é aferida anualmente), de lugar, e maneira de execução semelhantes, permitindo-se imputar um como continuação do outro. Desse modo, aplico a pena maior - 1 ano de detenção - agravada de 1/5, por serem três condutas criminosas, resultando a pena em 1 ano, 2 meses e 12 dias de detenção. Regime de cumprimento de pena O regime de cumprimento da sanção privativa de liberdade é o aberto, dada a quantidade da pena, a primariedade do réu e, embora haja duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, são insuficientes para a imposição de regime mais rigoroso, com fundamento no art. 33, §2º, ‘c’ e §3º do CP. Da substituição da pena de detenção por penas restritivas de direito Entendo preenchidos os requisitos do art. 44 do CP para a substituição da pena detentiva por restritivas de direito, à vista da quantidade da pena, da ausência de violência ou grave ameaça à pessoa, da primariedade do réu e, embora haja duas circunstâncias judidicias desfavoráveis, são insuficientes para a negativa do benefício. Nesse prisma, substituo a pena de 1 ano, 2 meses e 12 dias de detenção por prestação pecuniária de 3 (três) salários-mínimos e prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser definida pelo Juízo das Execuções. Viável a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, descabido o sursis. Da possibilidade de recurso em liberdade As provas dos autos não sinalizam a necessidade de segregação cautelar, de modo de que o acusado tem o direito de recorrer em liberdade do édito condenatório. Do dispositivo Pelo exposto, dou provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar Acir Fillo dos Santos, qualificado nos autos, como incurso, por três vezes, no art. 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67, em continuidade delitiva, à 1 ano, 2 meses e 12 dias de detenção, em regime inicial aberto, substituída por penas restritivas de direito. É como voto.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0023252-22.2014.4.03.0000
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: ACIR FILLO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: THIAGO SILVA MACHADO - SP227932-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Pedi vista dos autos para melhor analisar os elementos nele contidos, em especial no que se refere ao elemento subjetivo. Após exame detido dos autos, peço vênia para divergir em parte do voto do e. Relator, pelas razões e nos limites seguintes.
Conforme exposto pelo Relator, as imputações existentes em desfavor do réu ACIR DOS SANTOS nos autos são de prática, por três vezes, do delito tipificado no art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67. Teria ele aplicado recursos do FUNDEB em finalidade diversa da prevista, no exercício do cargo de Prefeito Municipal de Ferraz de Vasconcelos/SP. Os fatos seriam relativos aos anos de 2013 a 2015.
A prova da materialidade se encontra, principalmente, nos relatórios e pareceres do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) relativos aos exercícios de 2013-2015 do Município de Ferraz de Vasconcelos. Extrai-se do apurado pela Corte de Contas que, do total de recursos recebidos/retidos via FUNDEB pelo Município, os seguintes percentuais foram gastos na área de educação básica (setor a que estão vinculados tais recursos):
- 2013: 90,36% do total (p. 106 do apenso IV – ID 138250806);
- 2014: 87,27% do total (p. 23 do ID 138250612 – fl. 138 do inquérito policial, na numeração dos autos físicos);
- 2015: 80,83% do total (p. 39 do apenso III – ID 138250805).
Diante das regras legais de utilização dos recursos recebidos via FUNDEB (Lei 11.494/07, vigente até o ano de 2020, vigendo desde então a Lei 14.113/20), especialmente no art. 21 da Lei 11.494/07, devem ser aplicados, nos fins legais, ao menos 95% dos valores anualmente recebidos. Os (até) 5% restantes podem ser utilizados até o final do primeiro trimestre do exercício seguinte, mediante abertura de crédito adicional (art. 21, § 2º). Devido a isso, o parâmetro utilizado pelo TCE foi o de exigir a comprovação de que foram gastos, nas finalidades legais (manutenção e desenvolvimento da educação básica pública e valorização dos trabalhadores em educação – Lei 11.494/07, art. 2º), ao menos 95% das verbas vinculadas ao FUNDEB recebidas a cada exercício. Como se vê, esse percentual não foi atingido em nenhum dos três exercícios referidos na denúncia.
Quanto aos anos de 2013 e 2014, entendo que não há elementos bastantes para se atestar o dolo na execução da conduta. Os percentuais aplicados nesses anos (90,36% e 87,27%, respectivamente) em relação ao total de verbas recebidas via FUNDEB se revela bastante próximo do valor imposto em lei. Inclusive, o Município de Ferraz de Vasconcelos recorreu com relação ao parecer do TCE relativo a 2013 (pp. 106 e ss. do ID 138250806), buscando a consideração de outros gastos como adequados às finalidades das verbas. O pleito foi negado, mas tratou-se de defesa do ente que não era despida de verossimilhança. Foi requerido o cômputo de verbas gastas no setor de educação mas não vinculadas, contabilmente, ao FUNDEB, o que teria ocorrido por equívoco de escrituração. Além disso, de outras despesas, como de coleta de lixo das escolas. O pleito foi rejeitado ao argumento de que “em se tratando de recursos vinculados, não se mostra cabível a pretensão de integralizar a aplicação de recursos do FUNDEB com gastos custeados por outras fontes de recursos” (p. 114 do ID 138250806).
Explique-se: em outra irregularidade contábil, os recursos do FUNDEB não eram mantidos em conta específica, mas sim na conta geral do Município. Portanto, aumenta-se a chance de confusões na discriminação das fontes de custeio. Não consta que tal confusão tenha partido de um comando específico (ainda que sub-reptício) do réu; ao contrário, aparentemente o Município já tinha um histórico de graves problemas em suas contas, tendo em vista que os pareceres da Corte de Contas já haviam sido desfavoráveis nos anos de 2010, 2011 e 2012 (anos anteriores à assunção do cargo de Prefeito pelo réu), conforme informação contida em relatório do TCE, trecho de p. 76 do ID 138250806).
Portanto, não há dados que permitam presumir responsabilidade direta do então Prefeito Municipal ou dolo de desviar a finalidade de verbas, observada a pequena proporção de descumprimento, tendo em vista que: (a) Houve dispêndio em gastos conexos que poderiam ser entendidos como legítimos (mormente por um agente político sem expertise técnica específica na execução orçamentária);
(b) O Município já ostentava problemas diversos no cumprimento da legislação financeira desde antes do mandato do ora réu, o que torna verossímil a tese de ausência de dolo por parte do gestor (na medida em que havia aparentes problemas estruturais no aparato burocrático de auxílio ao mandatário eleito).
Diversa se afigura a situação com relação ao ano de 2015. Nele, a execução adequada de recursos do FUNDEB caiu para o patamar de 80,83% (p. 36 do ID 138250820 – relatório do julgamento do TCE-SP referente às contas de Ferras de Vasconcellos no ano de 2015).
A discrepância é de ordem substancialmente superior à dos demais anos, a envolver recursos da ordem de R$ 15,1 milhões de reais. Ademais, trata-se já do terceiro ano de gestão, o que traz maior experiência e capacidade de acompanhamento pelo gestor eleito, além de alertas acerca da necessidade de regularização de deficiências contábeis ou orçamentárias. Acrescente-se que o julgamento do TCE-SP relativo às contas do primeiro ano de mandato do réu ocorreu em 2015, de modo que, dali em diante, havia inequívoco posicionamento do órgão de contas especializado acerca de erros e inconsistências nos gastos de verbas recebidas via FUNDEB.
Acerca dos vultosos montantes envolvidos (tendo-se em conta que se trata de Município de população inferior a 200 mil habitantes), cabe destacar que o Município inscreveu restos a pagar, à conta do FUBDEB, em valor superior a R$ 14,5 milhões de reais (embora não tenham sido quitadas tais despesas até a data limite prevista na Lei de regência, qual seja, a de encerramento do primeiro trimestre do ano seguinte – 31.03.2016). Não bastasse tal irregularidade, nota-se que os valores em questão não haviam sido reservados pelo Município. Isso porque a conta geral da cidade contava com saldo de R$ 442,29 em 31.12.2015, e era nessa conta que eram (indevidamente) mantidos os valores recebidos via FUNDEB. Disso se extrai que, em verdade, houve um adiamento de altíssimos valores, com os correspondentes recursos sendo gastos em finalidades alheias à manutenção e desenvolvimento da educação básica (às quais se vincula a totalidade das verbas do FUNDEB, nos termos da lei). Tal dado, em montante desse relevo, somado aos demais elementos que apontei, torna clara a ocorrência de dolo, ao menos na modalidade eventual, porquanto o gestor desviou parcela substancial dos valores vinculados (valores superiores a quinze milhões de reais), recebidos via FUNDEB, para outros setores. Tais dados constam das pp. 51-52 do ID 138250820).
Cito, a propósito, a conclusão contida no voto da Conselheira Relatora da tomada de contas (p. 52 do ID 138250820):
Assim, se a Municipalidade não mantinha conta específica para a gestão dos recursos do FUNDEB, transferindo à conta geral e, como visto e será analisado adiante, em franco déficit da execução financeira e falta de disponibilidade de recursos para quitação de dívida de curto prazo, conclui-se que os valores recebidos do FUNDEB foram utilizados para toda sorte de pagamentos – deixando de ser reservados à sua finalidade específica.
Assim, e comprovadas materialidade e autoria quanto à conduta – no que acompanho o voto do e. Relator -, deve o réu ser condenado no que tange à prática de conduta amoldada ao art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67, especificamente quanto ao ano de 2015; acolho, nessa medida, o apelo ministerial.
Registro que também acompanho o voto de Sua Excelência quanto à rejeição da tese de exclusão de responsabilidade decorrente do afastamento do Prefeito, porquanto tal fato se deu em dezembro de 2015, quando já ocorrido desvio de uso das verbas em sua maior parte (especialmente ao se levar em conta que a maioria dos recursos é destinada à folha salarial dos profissionais da educação, o que em si demonstra que os onze meses anteriores já compõem a grande maioria dos valores que deveriam ter sido gastos nas finalidades afetas ao FUNDEB e não o foram, nos termos acima).
Visto isso, passo à feitura da dosimetria penal.
Na primeira fase da dosimetria, acompanho o Relator quanto ao reconhecimento de dois fatores negativos na conduta examinada: o fato de se tratar de verbas destinadas à manutenção e desenvolvimento da educação básica, o que implica desvio de destinação que atinge crianças em primeira infância exatamente em etapa essencial de sua formação e desenvolvimento; o montante dos recursos aplicados de forma indevida, mais de catorze milhões de reais. No entanto, considerando que tal valor absoluto corresponde a 20% do total de recursos recebidos pelo Município via FUNDEB, bem como que o Município cumpriu, mesmo no ano de 2015, o piso global de gastos em Educação (aplicação de 26,75%, sendo o piso de 25% - informações contidas na apuração do TCE-SP, p. 37 do ID 138250820), considerado que cada uma dessas circunstâncias é apta a ensejar a majoração da pena em um patamar de metade sobre o mínimo legal. Nesse tocante, divirjo do e. Relator, majorando em menor escala a pena-base.
Posto isso, e ausentes outros fatores de modificação positiva ou negativa da reprimenda, fixo-a, ao fim da primeira fase, no patamar de 06 (seis) meses de detenção.
Inexistem agravantes ou atenuantes no caso concreto, ou causas de aumento e diminuição; dessa feita, torno a pena definitiva no montante de 06 (seis) meses de detenção.
O regime inicial de cumprimento deve ser o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, c, do Código Penal, inexistindo circunstâncias negativas de tal gravidade que ensejem a imposição excepcional de regime mais gravoso (art. 33, § 3º, do Código Penal), mormente diante do quantum da pena aplicada.
Presentes os requisitos legais, deve a pena privativa ser substituída por pena restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal. Visto isso, e ponderada a gravidade concreta da conduta, estabeleço a pena de prestação pecuniária, no montante de 03 (três) salários mínimos, acompanhando o valor estipulado no voto do e. Relator.
Ante o exposto, e pedindo vênia para divergir em parte do e. Relator, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para condenar o réu ACIR DOS SANTOS, devido à prática do delito tipificado no art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67 (ano de 2015), à pena de 06 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, nos termos acima.
É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 1º, III, DECRETO 201/67. APLICAÇÃO INDEVIDA DE VERBAS PÚBLICAS DESTINADAS À EDUCAÇÃO. FUNDEB. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. DOLO PRESENTE. DOSIMETRIA DA PENA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A imputação da denúncia é de aplicação indevida do dinheiro recebido do Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação -, pelo réu, na qualidade de Prefeito Municipal de Ferraz de Vansconcelos/SP, nos anos de 2013, 2014 e 2015, amparada em decisões do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo desaprovadoras das contas municipais nos exercícios respectivos.
2. O emprego irregular da verba destinada ao município de Ferraz de Vasconcelos/SP, na gestão do denunciado, nos anos de 2013, 2014 e 2015 é atestada pela decisões do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, o qual avaliou o emprego da receita em despesas não correspondentes à finalidade expressa e autorizada pela Lei 11.494/2007, vigente à época dos fatos.
3. A conduta imputada ao acusado amolda-se ao tipo penal do art. 1º, III, do Decreto 201/67, na modalidade aplicar indevidamente verba pública.
4. A prova documental é robusta e harmônica a comprovar a materialidade delitiva, especialmente os procedimentos instaurados no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a quem compete a aferição da regularidade do emprego das receitas municipais, como no caso concreto.
5. A autoria é demonstrada pela gestão do réu, na condição de Prefeito Municipal, a quem incumbe, com a ajuda dos Secretários Municipais, incluído o Secretário da Educação, o emprego e a destinação das verbas públicas, nos limites da autorização legislativa.
6. O dolo na conduta do acusado é demonstrado pela prova colhida em juízo, no sentido de que o réu assinava os ofícios e expedientes da Prefeitura Municipal de Ferraz de Vansconcelos, em conjunto com o Secretário da Educação, referentes à discriminação do uso das verbas recebidas do Fundeb, revelando a tomada de decisões para a competência administrativa respectiva, devidamente concretizada em ações irregulares.
7. Descabe falar em aplicação do princípio da subsidiariedade, porquanto a tutela político-administrativa referente à desaprovação de contas pelo legislativo municipal e a imposição de inelegibilidade ao réu para futuros pleitos eleitorais é insuficiente para a proteção de bens jurídicos visados pela tutela penal para o caso dos autos.
8. A resposta penal ao emprego indevido de verbas públicas objetiva determinar a observância da probidade e da moralidade administrativas, considerando que o gestor público, em especial o gestor municipal que vê de perto as necessidades da população local, tem em suas mãos a possibilidade e o dever público de transformar socialmente as carências e imperfeições que atingem negativamente o sistema educacional local usando adequamente o dinheiro recebido para tal finalidade.
9. Dosimetria da pena: o emprego indevido de dinheiro destinado à educação constitui circunstância desfavorável na prática delitiva, pois a inapta gestão municipal da verba pública atinge parcela vulnerável da população - crianças em estágio de alfabetização - privando-as da adequada formação educacional e cultural, matizes do desenvolvimento social. As consequências do delito são desfavoráveis, dada a expressiva quantia monetária que deixou de ser aplicada na Pasta Educação.
10. Reconhecida a prática de três condutas criminosas, nos anos de 2013, 2014 e 2015, em continuidade delitiva, tendo-se em vista o preenchimento dos requisitos do art. 71 do CP, quais sejam, crimes da mesma espécie, cometidos em condições de tempo (dado que a aplicação das verbas públicas é aferida anualmente), de lugar, e maneira de execução semelhantes, permitindo-se imputar um como continuação do outro.
11. A maior pena maior - 1 ano de detenção - é agravada de 1/5, por serem três condutas criminosas, resultando a pena em 1 ano, 2 meses e 12 dias de detenção.
12. O regime de cumprimento da sanção privativa de liberdade é o aberto, dada a quantidade da pena, a primariedade do réu e, embora haja duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, são insuficientes para a imposição de regime mais rigoroso, com fundamento no art. 33, §2º, ‘c’ e §3º do CP.
13. Preenchidos os requisitos do art. 44 do CP para a substituição da pena detentiva por restritivas de direito, à vista da quantidade da pena, da ausência de violência ou grave ameaça à pessoa, da primariedade do réu e, embora haja duas circunstâncias judidicias desfavoráveis, são insuficientes para a negativa do benefício.
14. Apelação provida. Condenação de Acir Fillo dos Santos, qualificado nos autos, como incurso, por três vezes, no art. 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67, em continuidade delitiva, à 1 ano, 2 meses e 12 dias de detenção, em regime inicial aberto, substituída por penas restritivas de direito.