Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001631-63.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: ANDRE RICARDO GODOY DE SOUZA, DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI, JULIANA KEIKO MAKIYAMA, CESAR LUIZ DE OLIVEIRA JANOTI
PACIENTE: SAUL DUTRA SABBA

Advogados do(a) PACIENTE: ANDRE RICARDO GODOY DE SOUZA - SP337379-A, CESAR LUIZ DE OLIVEIRA JANOTI - RJ136141-A, DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI - SP106067-A, JULIANA KEIKO MAKIYAMA - SP331853-A, RICARDO KUPPER PAGES - SP266986-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001631-63.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: ANDRE RICARDO GODOY DE SOUZA, DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI, JULIANA KEIKO MAKIYAMA, CESAR LUIZ DE OLIVEIRA JANOTI
PACIENTE: SAUL DUTRA SABBA

Advogados do(a) PACIENTE: ANDRE RICARDO GODOY DE SOUZA - SP337379-A, CESAR LUIZ DE OLIVEIRA JANOTI - RJ136141-A, DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI - SP106067, JULIANA KEIKO MAKIYAMA - SP331853

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de habeas corpus, com pedido de concessão de provimento liminar, impetrado em favor de SAUL DUTRA SABBÁ, contra ato praticado pelo Juízo da 6ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP no bojo da ação penal de nº 5003557- 34.2021.4.03.6181, ato este consistente em recebimento de denúncia formulada em face do paciente e de outras pessoas.

 Narra-se na inicial (ID 269309889), em apertado resumo, que o paciente foi denunciado na origem, juntamente com outros acusados, pela suposta prática de condutas amoldadas (de acordo com a exordial acusatória) aos artigos 4º, caput, 6º e 10, ambos da Lei 7.492/86, pois teria “entre novembro de 2014 e março de 2016, gerido fraudulentamente o BANCO MÁXIMA, do qual era Diretor-Presidente, e, também no mesmo espaço temporal e no contexto desses mesmos atos de gestão, supostamente mantido em erro repartição pública competente quanto à situação financeira do Banco, prestando-lhe periódicas informações falsas, inclusive simulando a valorização de determinado investimento realizado na empresa FC MAX PROMOTORA DE VENDAS S/A, com o único propósito de reduzir prejuízos contábeis do Banco”.

Argumenta-se a existência de “bis in idem”, “uma vez que o Paciente já responde a processo-crime anterior sobre o mesmo suposto comportamento ilícito juridicamente qualificado pelo Parquet Federal”. Narra-se que há um interregno de apenas quatro meses entre os fatos pelos quais foi o paciente condenado na ação penal de nº 5041756-94.2021.4.02.5101 e os fatos tratados na ação penal de nº 503557-34.2021.4.03.6181.

Aduz-se que a autoridade apontada como coatora “embora não tenha negado – mesmo porque seria impossível fazê-lo – a semelhança entre os fatos e a consequente mesma imputação penal em ambos os casos por gestão fraudulenta de instituição financeira, indeferiu a exceção de litispendência formulada pela defesa do Paciente”, o que constituiria constrangimento ilegal em vista do entendimento dos Tribunais Superiores no sentido de que “em razão da sua característica dogmática de crime acidentalmente habitual (ou habitual impróprio), não é possível a dupla perseguição em Juízo por alegada gestão fraudulenta de instituição financeira”.

Sustenta-se, ainda, que a denúncia elencaria uma variedade de tipos penais em relação a um mesmo contexto fático, do que decorreria excesso acusatório, pois “condutas-meio, que constituiriam, ao fim e ao cabo, a suposta gestão fraudulenta imputada, são autonomamente pinçadas e coloridas como se não fizessem parte do contexto acusatório da gestão da instituição financeira que o Paciente dirigia à época”. Estariam presentes os requisitos para concessão de tutela imediata.

Forte nisso, requereu-se o deferimento de liminar, para suspender a tramitação do feito de origem com relação ao paciente, até julgamento final deste habeas corpus; e, no mérito, a concessão da ordem, trancando-se a ação no que tange ao paciente.

 Foram juntados diversos documentos (IDs 269309895 a 269313939).

 O pedido liminar foi parcialmente deferido para suspender o curso da ação penal nº 5003557-34.2021.4.03.6181, em trâmite perante 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, com relação ao paciente apenas no que se refere ao crime previsto no art. 4º, caput, da Lei 7.492/86 (ID 269325983).

As informações foram prestadas pela autoridade impetrada (IDs 270218633 a 270217981).

Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem, revogando-se a decisão de deferimento parcial da liminar (ID 270287565).

A defesa do paciente apresentou pedido de reconsideração da decisão liminar para o fim de suspender integralmente a ação penal em relação ao paciente, estendendo-se os efeitos da liminar também em relação às imputações dos crimes previstos nos arts. 6º e 10, ambos da Lei 7.492/86 (ID 274611487).

O pedido foi indeferido através da decisão de ID 274986076.

É o relatório.

Em mesa.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001631-63.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: ANDRE RICARDO GODOY DE SOUZA, DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI, JULIANA KEIKO MAKIYAMA, CESAR LUIZ DE OLIVEIRA JANOTI
PACIENTE: SAUL DUTRA SABBA

Advogados do(a) PACIENTE: ANDRE RICARDO GODOY DE SOUZA - SP337379-A, CESAR LUIZ DE OLIVEIRA JANOTI - RJ136141-A, DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI - SP106067-A, JULIANA KEIKO MAKIYAMA - SP331853, RICARDO KUPPER PAGES - SP266986-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O - VISTA

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

 

Trata-se de Habeas Corpus com pedido de liminar impetrado em favor de SAUL DUTRA SABBÁ, contra ato praticado pelo Juízo da 6ª Vara Federal Criminal/SP (Dr. Nilson Martins Lopes Júnior) consistente no recebimento da denúncia nos autos da ação penal n.º 5003557-34.2021.403.6181.

 

Na sessão realizada em 27.07.2023, o e. Relator proferiu voto no sentido de conceder em parte a ordem de Habeas Corpus para trancar a ação penal apenas com relação à imputação do crime previsto no artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, prosseguindo-se no que tange aos demais delitos (arts. 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986).

 

Pedi vista dos autos para melhor aquilatar os fatos tratados no presente writ.  

 

 

Passo ao voto.  

 

 

1. Da não ocorrência de bis in idem com a ação penal n.º 5041756-94.2021.402.5101 que tramitou perante o Rio de Janeiro/RJ.

 

Na ação penal sentenciada (n.º 5041756-94.2021.402.5101 do Rio de Janeiro) o órgão acusatório ofereceu denúncia em desfavor do ora paciente SAUL DUTRA SABBÁ, imputando-lhe as penas do artigo 4º, “caput”, e artigo 17, ambos da Lei n.º 7.492/1986, em concurso material. A denúncia, em síntese, narrou que o ora paciente enquanto Diretor Presidente do BANCO MÁXIMA S.A. teria efetivado sucessivas operações de crédito em favor do GRUPO MARSANS de forma fraudulenta, tendo praticado atos simulando a saúde financeira dessas empresas e induzindo a erros os demais diretores, de modo a possibilitar a concessão de créditos em valores crescentes, em prejuízo patrimonial do BANCO MÁXIMA S.A. e da própria credibilidade do Sistema Financeiro Nacional. Dessa forma, foi condenado pela prática do crime de gestão fraudulenta, em razão de atos praticados no período de 2010 a junho 2014, restando absorvido o delito do artigo 17 da Lei n.º 7.492/1986.

 

Já na ação subjacente, o Banco Central do Brasil, por meio do ofício n.º 21373/218-BCB/Desup, em 24.10.2018, noticiou ao Ministério Público Federal a existência de indícios de irregularidades que teriam sido praticadas no âmbito do BANCO MÁXIMA S.A., consistentes na gestão fraudulenta da instituição financeira, mediante a simulação de valorização de investimento em empresa controlada para reduzir prejuízo contábil, resultando na apresentação de informações àquela autarquia federal e na publicação de demonstrações financeiras que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da instituição, além de apresentar informações incorretas referentes à apuração de requerimento de capital, de forma intencional e sistemática, para dissimular um quadro de grave insuficiência de capital (ID 2693112711 – fl. 17), o que culminou com a instauração do IPL n.º 0058/2019-11 SR/PF/SP (ID 2693112711 - fl. 13), com oferecimento de denúncia (ID 269313932 – fls. 36 e seguintes) e subsequente recebimento desta peça acusatória aos 14.06.2021 (ID 269313932 –fls 29/30), cujos fatos foram assim sintetizados pelo r. juízo:

 

“Segundo consta da inicial acusatória, os denunciados, agindo com unidade de desígnios, geriram fraudulentamente instituição financeira, bem como mantiveram em erro repartição pública competente, relativamente à situação financeira da instituição financeira, prestando-lhe informações falsas. SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ ainda teriam feito inserir elemento falso em demonstrativos contábeis de instituição financeira.

Afirma o MPF que SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, agindo, respectivamente, na qualidade de Diretor Presidente e de Diretor Jurídico/Contábil do BANCO MÁXIMA teriam em tese simulado a valorização de investimento na empresa FC MAX PROMOTORA DE VENDAS S/A, controlada pelo próprio BANCO MÁXIMA, para reduzir prejuízos contábeis da instituição financeira, o que resultou na apresentação de informações e na publicação de demonstrações financeiras que não refletiam a real situação econômico-financeira do banco.

De fato, os denunciados SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ abriram o capital da empresa FC MAX PROMOTORA DE VENDAS S/A, criando, para tanto, o Fundo de Investimento em Participações – FIP RAVENA em 18.11.2014.

Em seguida, em 17.12.2014, SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, utilizando a totalidade das ações da FC MAX PROMOTORA DE VENDAS, subscreveram 8.684.701,65 cotas do FIP RAVENA pelo valor unitário de R$ 1,00, totalizando R$ 8.684.701,65. Dessa forma, a FC MAX PROMOTORA DE VENDAS deixou de ser contabilizada como um ativo permanente do BANCO MÁXIMA e passou a ser um ativo circulante, pertencendo a um Fundo de Investimento.

Logo após, em 26.12.2014, o FUNDO DE INVESTIMENTO MULTIMERCADO AQUILLA VEYRON subscreveu 680.196,23 cotas do FIP RAVENA pelo valor unitário de R$ 2,261986956, totalizando R$ 1.538.595,00.

Como consequência de tais operações, o BANCO MÁXIMA obteve um ganho em seus registros contábeis, registrando, em 31.12.2014, um ajuste a mercado sobre sua aplicação no referido fundo de R$ 10.469.053.54.

Entretanto, segundo afirma o Parquet Federal, o capital disponibilizado pelo AQUILLA VEYRON FIM para a compra das ações seria supostamente do próprio BANCO MÁXIMA, demonstrando que os denunciados SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ teriam em tese simulado a operação, triangulando com recursos do próprio banco.

Isso porque, em 28.11.2014, o BANCO MÁXIMA concedeu um empréstimo no valor de R$ 7.000.000,00 a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/A, empresa controlada pelo FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO AQUILLA RENDA. Desse montante, em 23.12.2014, R$2.000.000,00 foram transferidos pela QUEIMADOS ao AQUILLA VEYRON FIM, fundo que, em 26.12.2014, subscreveu ações do RAVENA FIP no valor de R$ 1.538.595,00, conforme narrado acima.

Por fim, em 16.03.2016, o BANCO MÁXIMA readquiriu, pelo valor unitário de R$ 2,23432123 as cotas do FIP RAVENA pertencentes ao AQUILLA VEYRON FIM, que por sua vez transferiu, no dia seguinte, o valor para o AQUILLA RENDA FII, com o qual a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS amortizou a dívida junto ao BANCO MÁXIMA.

Os fundos eram administrados pela FOCO DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS e geridos pela AQUILLA ASSET MANAGEMENT LTDA, ambas de responsabilidade de BENJAMIM BOTELHO DE ALMEIDA, na qualidade de sócio majoritário da FOCO DTVM e de administrador da AQUILLA ASSET.

Por sua vez, a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS era administrada por BENJAMIM BOTELHO DE ALMEIDA, GUSTAVO CLETO MARSILGLIA e OCTAVIO PIRES VAZ FILHO.

Além disso, entre janeiro de 2015 e março de 2016, SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ teriam, em tese, adotado manobras contábeis fraudulentas para dissimular grave insuficiência de capital, supostamente mediante inserção de informações falsas, concernentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de exposições patrimoniais aos riscos de crédito, riscos de mercado e risco operacional, em documentos contábeis apresentados ao BACEN.”

 

Vê-se, pois, que a denúncia contida nos autos subjacentes a este Habeas Corpus descreve em tese atos de gestão fraudulenta (além de ter sido imputado os tipos dos artigos 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986) do ora paciente que são distintos dos atos de gestão fraudulenta contidos nos autos da ação penal n.º 5041756-94.2021.402.5101 do Rio de Janeiro pelos quais fora condenado, além de os períodos também serem distintos, com propósitos que não se assemelhariam. Referida sentença considerou absorvido o crime tipificado no artigo 17 da Lei n.º 7.492/1986 pelo crime de gestão fraudulenta, sendo certo que no feito sob exame, que motivou a impetração do presente Habeas Corpus, caberá, oportunamente, após a instrução processual, a apreciação da absorção ou não dos delitos previstos nos artigos 6º e 10 do referido diploma legal pelo delito de gestão fraudulenta.

 

Portanto, os fatos narrados em ambas as denúncias não são os mesmos, já que se trata de contratos distintos com pessoas jurídicas diversas, em períodos e desígnios também distintos, havendo coincidência apenas no tocante à interveniência do BANCO MÁXIMA S.A.

 

O entendimento do e. Relator foi no sentido de que a reiteração da alegada gestão fraudulenta não poderia constituir uma pluralidade de delitos, e sim mero desdobramento da habitualidade perpetrada e objeto de condenação no juízo federal do Rio de Janeiro, de modo que não poderia haver concurso de crimes, mas crime único.

 

No entanto, s.m.j., se o delito de gestão fraudulenta (crime habitual impróprio ou acidentalmente habitual) pode se aperfeiçoar com um único ato isolado, com maior razão a apontada reiteração de atos a serem analisados no caso concreto também possa ensejar a consecução de diversos delitos. Tudo dependerá da finalidade almejada e da produção de lesões distintas.

 

Nesta linha de raciocínio, se houver diversos atos de gestão que envolvam operações distintas, em períodos diversos e modo de consecução e dolo igualmente díspares, e considerados isoladamente puderem resultar risco ou prejuízo a terceiros e à própria instituição financeira, não haverá que se falar em crime único, mas sim em concurso de crimes.

 

Neste sentido também pontou o Ministro Rogerio Schietti Cruz na relatoria do Habeas Corpus (HC n.º 444.389/SP, Sexta Turma, julgado em 22.09.2020, DJe de 30.09.2020) conquanto tenha ao final aderido ao entendimento dos demais julgadores da Sexta Turma do C. STJ que firmaram compreensão (observando precedente do C. STF) de que no delito habitual impróprio ou acidentalmente habitual, entre os quais se insere a gestão temerária (e também a fraudulenta), um único ato é capaz de consumar o crime, muito embora a reiteração de atos não constitua delito autônomo, mas mero desdobramento desta habitualidade, de modo que a reiteração não corresponde ao concurso de crimes. O eminente Ministro reservou capítulo próprio de seu voto para externar seu posicionamento, conforme transcrição que segue:

 

“III. Crimes habituais e habituais impróprios: ressalva de entendimento pessoal

 

Os chamados crimes habituais pressupõem a prática de uma pluralidade de atos que, isoladamente, não constitui relevante penal. Isso significa que, para a configuração desse tipo de delito é necessário um comportamento que denote a prática reiterada e contínua de várias ações, que podem ser traduzidas como um estilo de vida do agente, como ocorre, por exemplo, com o exercício ilegal da medicina (art. 282 do CP) e o curandeirismo (art. 284 do CP).

 

Logo, pune-se, nessa hipótese, o conjunto de condutas habitualmente desenvolvidas e não somente uma delas, que é considerada atípica (v.g., MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2011, p. 201). A reiteração de atos, de que devem ser considerados em sua totalidade, portanto, é essencial à configuração do delito habitual.

 

Ao lado do crime habitual insere-se o chamado delito habitual impróprio ou acidentalmente habitual. Neste caso, um único ato ou conduta é capaz de consumar o delito. Parte da doutrina afirma que muito embora um único ato seja capaz de consumá-lo, a reiteração de atos não constituiria delito autônomo, e sim mero desdobramento dessa habitualidade, de modo que a reiteração não constituiria o concurso de crimes.

 

Penso, contudo, que tal entendimento não é o mais adequado. Ora, se o delito pode se aperfeiçoar com um único ato, não é possível afirmar, de modo genérico, que a realização de diferentes atos não pode constituir uma pluralidade de delitos. A própria definição sobre o que vem a ser crime habitual impróprio, que pode configurar o delito com uma única conduta, acaba por contrariar essa ideia.

 

Deveras, a principal característica do crime habitual é a necessidade de reiteração de atos irrelevantes, mas que em sua totalidade, é considerado crime. Mas, se no habitual impróprio, um único ato pode configurar o delito, por óbvio que a reiteração de atos também pode ensejar diversos delitos, a depender da finalidade almejada e da produção de lesões distintas.

 

Nessa perspectiva, se houver diversos atos de gestão, voltados para a concessão de múltiplos financiamentos, em tempo e modo distintos uns dos outros, mas todos esses financiamentos, por si sós e isoladamente considerados, possam resultar risco demasiado de ocasionar prejuízo a terceiros (com ameaça própria integridade financeira da instituição), não há como compreender como crime único, mas como crimes autônomos cometidos em concurso.

 

Na direção do que afirmou Walter Coelho ‘os crimes habituais impróprios nada têm de habituais; são crimes instantâneos, em que a reiteração pode ser circunstância agravante do crime, ou, quando não, implicar continuidade delitiva’ (Teoria geral do crime. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991, p.116).

 

No mesmo sentido: RUIVO, Marcelo Almeida. Criminalidade financeira: contribuição à compreensão da gestão fraudulenta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011; Ney Fayet Júnior. Do crime continuado. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2015; QUEIROZ, Paulo de Souza. Crime habitual impróprio. (Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/crime-habitual-improprio Acesso em: 12 set 2020).

 

É bom registrar que entendimento diverso pode ensejar a violação de princípios basilares do direito penal, como o da culpabilidade. Exemplificativamente, suponhamos que uma pessoa, que por um único ato de gestão produto de aventurança, colocou em risco a integridade financeira de uma instituição, situação que poderia lhe render a condenação por um único crime de gestão temerária.

 

De igual forma, se entendermos que a reiteração de atos (conexos ou não) não constitui delito autônomo, aquele indivíduo, que por anos, agiu de modo temerário em diversos contratos financeiros, os quais, mesmo considerado isoladamente, já se traduziriam em alta probabilidade de prejuízo à instituição financeira e a terceiros, também seria condenado por um único delito de gestão temerária.

 

Por todo o exposto, registro meu pensamento pessoal de que o crime de gestão temerária admite o concurso de crimes, a depender da situação verificada no caso concreto, tal como ocorreu na hipótese dos autos.”

 

Em simetria com estes argumentos aos quais sempre defendi, ressalte-se, como bem pontuado pelo r. juízo a quo no decisum da Exceção de Litispendência n.º 5004925-44.2022.403.6181 (ID 270217981), que “a alegação de que se trataria de crime habitual impróprio não significa que em tese o acusado não poderia praticá-lo mais de uma vez”.

 

Nesta ordem de ideias há que se registrar que não houve conduta irregular do órgão ministerial ao oferecer denúncias distintas de crimes de gestão fraudulenta do paciente na condição de Diretor Presidente do BANCO MÁXIMA S.A., já que os fatos apurados no Rio de Janeiro de 2010 a junho de 2014 não se assemelham aos atos de gestão descritos nos autos subjacentes (novembro de 2014 a março de 2016).

 

2. Da não ocorrência de inépcia da denúncia.

 

Por outro lado, o e. Relator José Lunardelli também vislumbrou a inépcia da denúncia no que tange aos atos de gestão fraudulenta, porquanto seriam uma síntese genérica e abstrata daqueles que foram individualizados quando da narrativa dos crimes previstos nos artigos 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986.

 

No entanto, do que se pode denotar da denúncia é a narrativa de supostas irregularidades na boa condução da gestão da instituição financeira pelo paciente, mediante a simulação de valorização de investimento em empresa controlada para reduzir prejuízo contábil, colocando em grave risco terceiros e a própria instituição financeira, permitindo o exercício da ampla defesa.

 

Ademais, a inicial acusatória descreveu a autoria do paciente SAUL DUTRA SABBÁ em razão da condução da instituição financeira nas operações anteriormente mencionadas e que seriam configuradoras da materialidade delitiva, tendo se respaldado não só no Relatório do Banco Central que apontou sua condição de controlador do BANCO MÁXIMA S.A e ocupando a posição de Diretor Presidente (ID 269312712 –fl. 180), mas também nos demais elementos probatórios coligidos na fase inquisitorial, os quais demonstrariam o seu poder de mando na condução das atividades, tomando decisões supostamente espúrias que teriam orientado os rumos da instituição financeira, no período de novembro de 2014 a março de 2016.

 

Nesse sentido, descreve a denúncia que o paciente teria atuado em desacordo com os princípios e as normas de boa gestão e lealdade em função das práticas de simulação de valorização de investimento em empresa controlada (FC-MAX Promotora de Vendas S.A.) para reduzir prejuízo contábil do BANCO MÁXIMA S.A. Tais ações teriam resultado na publicação de demonstrações financeiras e na apresentação de informações ao Banco Central que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da instituição, com assunção de riscos incompatíveis com a sua estrutura de capital e prestação de informações incorretas àquela autarquia, de forma intencional e sistemática, para dissimular sua grave insuficiência de capital.

 

Além disso, a denúncia descreve que no período de janeiro de 2015 a março de 2016 o BANCO MÁXIMA S.A., na pessoa do paciente e de outros, teria assumido riscos muito superiores àqueles compatíveis com a sua estrutura de capital, apresentando informações incorretas referentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de suas exposições patrimoniais ao risco de crédito, risco de mercado e risco operacional, de forma a dissimular um quadro de grave insuficiência de capital.

 

Registre-se, neste momento, que a Lei n.º 6.404, de 15.12.1976, que dispôs sobre as sociedades por ações, prescreve os deveres e responsabilidades dos administradores no exercício de suas funções (dever de diligência, de lealdade, de informar e responsabilidade – artigos 153 e seguintes), visando a proteção dos investidores e do próprio Sistema Financeiro Nacional.

Ademais, na esteira do parágrafo único do artigo 116, “o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”, respondendo, nos termos do artigo 117 do mencionado diploma legal, “pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder”.

Assim, a par das sanções administrativas previstas pelo descumprimento da função social e do dever de lealdade na condução da instituição, que, inclusive, motivou a sanção de inabilitação para o exercício de cargos de direção na administração ou gerência em instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (ID 269313364 – fl. 81),  em tendo sido o paciente SAUL DUTRA SABBÁ denunciado pelo Ministério Público Federal por atos que seriam configuradores em tese de crime de gestão fraudulenta (além dos artigos 6º e 10 da Lei n.º 7.492/1986), na condição de Diretor Presidente do BANCO MÁXIMA S.A à época dos fatos, deve se submeter também ao processo judicial validamente instaurado para apuração de condutas que configurariam os crimes descritos na denúncia.

 

3. Objetividade jurídica dos crimes estampados nos artigos 4º, “caput”, 6º e 10º, todos da Lei n.º 7.492/1986.

 

Foram descritos na denúncia também condutas que, para além do artigo 4º, caput, da Lei n.º 7.492/1986, amoldam-se, em tese, aos crimes tipificados nos artigos 6º e 10 da lei excogitada de molde a permitir a instauração da ação penal no juízo federal de São Paulo. Todavia, como já se afirmou precedentemente, eventual consunção entre tais artigos e o de gestão fraudulenta, que possui pena mais grave, só poderá ser objeto de deliberação após a instrução probatória por ocasião do ato de sentenciamento do feito, levando-se em consideração a objetividade jurídica de cada um dos tipos, o elemento anímico e as provas produzidas que ensejarão, ou não, a condenação do paciente.

 

A objetividade jurídica do tipo de gestão fraudulenta exige que “haja a utilização de ardil ou de astúcia, imbricada com a má-fé, no intuito de dissimular o real objetivo de um ato ou negócio jurídico, cujo propósito seja o de ludibriar as autoridades monetárias ou mesmo aquelas com quem mantém eventual relação jurídica. A má-fé, nesse contexto, é elemento essencial para a configuração da fraude” (Habeas Corpus n.º 285.587/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15.03.2016, DJe de 28.03.2016).

 

O bem jurídico do tipo previsto no artigo 6° da Lei n° 7.492/1986 “pretende resguardar a confiança inerente às relações jurídicas e negociais existentes entre os agentes em atuação no sistema financeiro (sócios das instituições financeiras, investidores e os órgãos públicos que atuam na fiscalização do mercado), protegendo-os, ainda, contra potenciais prejuízos decorrentes da omissão ou prestação de informações falsas acerca das operações financeiras. Na forma omissiva o sujeito ativo, através de informação falsa ou da omissão de informação verdadeira, induz a erro o sujeito passivo fazendo com que represente de maneira equivocada ou até mesmo ignore a realidade. Na forma comissiva por omissão, o autor deve se revestir da posição de garante, ou seja, deve possuir o dever de revelar a informação adequada” (TRF/2 - ACR n.° 2000.51.01.509117-8, Rel. Des. Fed. Sergio Schwaitzer, 6ª T., vu, DJU 15.02.2005).

 

O legislador intentou assegurar ao “sócio, investidor ou à repartição pública competente” o acesso às informações acerca dos aspectos operacionais e financeiros da instituição financeira, fazendo-se necessária a presença da vontade livre e consciente do agente de praticar o tipo objetivo.

 

O bem jurídico dirige-se, pois, “ao perigo que representa para a solidez material e moral do sistema financeiro, existente no descontrole das autoridades, o qual deriva da sonegação ou da falsidade de informações sobre a situação financeira de instituições financeiras ou sobre determinada operação realizada, que se comunicadas fidedigna e integralmente, e a tempo, à autoridade central, poderiam ser contornadas, regularizadas e saneadas, em prol do interesse público convergente” (STF - Agravo de Instrumento de Decisão que não admitiu Recurso Extraordinário n.º 807874/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, decisão monocrática, DJe 06.09.2010).

 

Neste julgado, que negou seguimento ao Agravo acima citado (CPC, art. 557, caput), a eminente Relatora Min. Ellen Gracie, teceu valiosas considerações sobre o tipo do artigo 6°, como segue:

 

“No caso, quando as distribuidoras não registraram tais operações de títulos no SELIC, violaram obrigação geral de informação fidedigna e completa, conforme determinado pelo BACEN, sobre dados necessários ao desempenho de suas funções de controle e fiscalização, conforme disposto no art. 37 da Lei n. 4.595/1964. A tutela jurídico-penal desta obrigação, outrossim, é a do art. 6º da Lei n. 7.492/1986, e a repartição pública responsável por regular e fiscalizar o sistema financeiro e as repercussões de sua utilização na atividade econômica e financeira como um todo, padeceu com a omissão do registro das operações, omissão essa que foi essencial para permitir a utilização do sistema à margem da legalidade, com repercussão na área fiscal.

A complexidade com que o sistema financeiro nacional como um todo opera no sistema econômico nacional, justifica que a autoridade central esteja aparelhada para funcionar e controlar as diversas atividades financeiras e suas repercussões nas diversas áreas da macroeconomia, razão pela qual é plenamente justificável a tutela penal da fidedignidade e integralidade das informações sobre situação financeira de instituições financeiras e de suas operações, o que permite que o BACEN seja, assim, a primeira via de contato na aferição da regularidade da atividade econômico/financeira geral a bem do interesse de todos. Por essa razão, é que se tem como legítima e constitucional a tutela penal do art. 6º da Lei n. 7.492/1986, que se tem por violado, que é uma tutela mais antecipada que a do art. 4º, porque já atua no campo do perigo abstrato, presumindo-se que o descontrole da autoridade fiscalizadora, derivado da sonegação e da falsidade das informações, dada a natureza complexa do sistema financeiro, já é capaz de possibilitar afetação ao sistema como um todo.”

 

 

Apesar de os tipos penais dos artigos 4°, “caput”, e 6°, ambos da Lei n.º 7.492/1986, objetivarem a reprimenda de condutas distintas, a gestão fraudulenta possui uma fórmula linguística mais ampla, abarcando, por vezes, conduta que se insere no artigo 6º, condensando tais bens jurídicos numa cláusula de fechamento (STJ, Habeas Corpus nº 351.960-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, v.u., DJe de 26.06.2017). Desse modo, pelo princípio da subsidiariedade, pode haver a punição apenas a título de gestão fraudulenta, uma vez ser este o delito mais gravemente apenado na lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, contudo, como se afirmou precedentemente, esta situação só será possível de ser mensurada após a instrução probatória, por ocasião da prolação da sentença.

 

De seu turno, a objetividade jurídica do artigo 10 da Lei n.º 7.492/1986 é a garantia da solvência das instituições financeiras e a credibilidade dos agentes do sistema, a veracidade das informações que devem permear os negócios travados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, e, neste específico tipo, objetiva-se a proteção dos investidores e dos credores das instituições financeiras, as quais devem conferir transparência às demonstrações contábeis de forma a ter-se ciência de sua situação financeira. Além disso, a própria fé pública dos demonstrativos contábeis das instituições financeiras.

 

Tal qual se dá em relação à possibilidade de consunção entre o artigo 6º e o artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, deverá, de igual modo, ser procedido a referido exame no que tange ao artigo 10 por ocasião da sentença considerando todo o acervo probatório que venha a ser coligido ao longo da instrução processual.

 

4. Elementos subjetivos dos tipos penais imputados.

 

Considerando-se a distinção da objetividade jurídica de cada um dos delitos irrogados na exordial incoativa, a sentença que venha a ser proferida deverá se voltar também à perquirição do elemento subjetivo dos tipos a fim de verificar a pertinência, ou não, da imputação, bem como se se poderia considerar a consunção entre eles, não sendo a atual fase processual em que se encontra o feito o momento para tal proceder.

 

Manoel Pedro Pimentel ao discorrer sobre o tema considerou em relação ao artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, que:

 

“Diante da opção do legislador por um tipo penal genérico, habitualmente impróprio e praticado de forma livre, algumas ações fraudulentas que venham a caracterizá-lo também podem apresentar correspondência com outros tipos objetivos descritos pela Lei 7.492/86, como os crimes previstos nos artigos 5º, 6º, 7º, 9, 10 e 11, gerando ao intérprete diversos problemas relacionados ao conflito aparente entre esses tipos penais.

A dificuldade para a adoção dos critérios tradicionais reside no fato de que não estamos diante de um crime complexo ou de progressão criminosa, nem mesmo perante tipos penais especializadores de condutas, mas de uma tipificação genérica mais grave (art. 4º), executada mediante fraudes que também caracterizam crimes específicos menos graves, mas com maiores exigências típicas, inclusive a superveniência de resultado, o que aliás difere da estruturação comum dos tipos penais em relação de necessariedade.

Destaca-se, ainda, que poderá haver identidade entre os bens jurídicos tutelados pelas normas referidas e o art. 4º, de forma que, também por esse critério, muitas vezes não é possível solucionar o concurso aparente.

A partir dessas premissas, a solução dogmaticamente mais correta para o conflito entre esses tipos exige especialmente a análise do elemento subjetivo da ação, ou seja, se o dolo do agente está direcionado à realização específica de uma infração penal (por exemplo, a apropriação de recursos do cliente – art. 5º) ou se a intenção do autor revela a vontade de empregar fraudes na gestão fraudulenta de modo prolongado no exercício da administração da instituição financeira” (Crimes contra o sistema financeiro nacional [livro eletrônico]: comentários à lei 7.492, de 16.6.86. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020).

 

Como se vê, não se pode entrever na fase do recebimento da denúncia a possibilidade de se discorrer sobre o dolo dos agentes, matéria que demanda ultrapassar a fase da instrução probatória, pois tal comprovação é inerente ao desenvolvimento processual, sendo, portanto, mais um reforço a validar a coexistência nesta fase da imputação dos delitos tipificados nos artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei n.º 7.492/1986. 

 

5. Considerações finais.

 

Considerados todos os aspectos acima delineados, tem-se que a fase processual em que se encontra o feito que ensejou a interposição do presente Habeas Corpus não permite, s.m.j., impedir que a acusação possa produzir provas que lastreiem os argumentos já descritos na denúncia e que se basearam no procedimento administrativo levado a efeito pelas autoridades monetárias e no inquérito policial, com plena observância do contraditório, sendo assegurada ao paciente a ampla defesa.

 

A exordial acusatória descreve, para além da materialidade delitiva, a autoria do paciente SAUL DUTRA SABBÁ em razão da condução da instituição financeira nas operações sobreditas. O Relatório do Banco Central, que subsidiou o oferecimento da denúncia, aponta sua condição de controlador do BANCO MÁXIMA S.A, sendo detentor de 89,99% do capital votante e ocupando a posição de Diretor Presidente, desde 26.07.2006 (ID 269312712 –fl. 180).

 

Tais atos teriam sido perpetrados (de novembro de 2014 a março de 2016) em tempo e modo distintos em cotejo com os fatos descritos na denúncia do Rio de Janeiro (de 2010 a junho de 2014) que culminaram com condenação do ora paciente, sendo certo que todos eles, por si sós e isoladamente considerados, possuem o condão de resultar risco demasiado de prejuízo a terceiros (com ameaça à própria integridade financeira da instituição).

 

Está-se, portanto, como acima narrado, diante da imputação pelo Ministério Público Federal de tipos distintos (artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei n.º 7.492/1986), com objetividades jurídicas distintas, que teriam sido perpetrados em períodos distintos, com resultados pretendidos diversos e com elementos anímicos a serem posteriormente aferidos (em tese, ludibriar e enganar terceiros, causando risco à instituição financeira, aos credores e ao Sistema Financeiro Nacional, sendo certo que no feito que tramitou no Rio de Janeiro os contratos diziam respeito a outras pessoas jurídicas).

 

Não há, pois, neste momento processual, compreender como crime único, ante a possibilidade de se estar diante de crimes autônomos cometidos em concurso, diante da relevância, per se, das condutas isoladamente em tese praticadas, sendo, inclusive, possível, na eventual hipótese de condenação a unificação de penas na fase de execução.

 

Por fim, na esteira do entendimento jurisprudencial das Cortes Superiores, só seria possível o trancamento da ação penal se se divisasse de plano e sem necessidade de dilação probatória a completa ausência de prova de materialidade delitiva, de indícios de autoria e atipicidade da conduta ou ainda a presença de alguma causa configuradora da extinção da punibilidade, o que não se verifica na hipótese.

 

Ante o exposto, peço vênia ao e. Relator para divergir de suas judiciosas considerações e voto por denegar a ordem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001631-63.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: ANDRE RICARDO GODOY DE SOUZA, DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI, JULIANA KEIKO MAKIYAMA, CESAR LUIZ DE OLIVEIRA JANOTI
PACIENTE: SAUL DUTRA SABBA

Advogados do(a) PACIENTE: ANDRE RICARDO GODOY DE SOUZA - SP337379-A, CESAR LUIZ DE OLIVEIRA JANOTI - RJ136141-A, DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI - SP106067-A, JULIANA KEIKO MAKIYAMA - SP331853, RICARDO KUPPER PAGES - SP266986-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O    V I S T A

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

 Trata-se de Habeas Corpus com pedido de liminar impetrado em favor de SAUL DUTRA SABBÁ, contra ato praticado pelo Juízo da 6ª Vara Federal Criminal/SP (Dr. Nilson Martins Lopes Júnior) consistente no recebimento da denúncia nos autos da ação penal n.º 5003557-34.2021.403.6181.

 

Na sessão realizada em 27.07.2023, o e. Relator proferiu voto no sentido de conceder em parte a ordem de Habeas Corpus para trancar a ação penal apenas com relação à imputação do crime previsto no artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, prosseguindo-se no que tange aos demais delitos (arts. 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986).

 

Pedi vista dos autos para melhor aquilatar os fatos tratados no presente writ.  

 

 

Passo ao voto.  

 

 

1. Da não ocorrência de bis in idem com a ação penal n.º 5041756-94.2021.402.5101 que tramitou perante o Rio de Janeiro/RJ.

 

Na ação penal sentenciada (n.º 5041756-94.2021.402.5101 do Rio de Janeiro) o órgão acusatório ofereceu denúncia em desfavor do ora paciente SAUL DUTRA SABBÁ, imputando-lhe as penas do artigo 4º, “caput”, e artigo 17, ambos da Lei n.º 7.492/1986, em concurso material. A denúncia, em síntese, narrou que o ora paciente enquanto Diretor Presidente do BANCO MÁXIMA S.A. teria efetivado sucessivas operações de crédito em favor do GRUPO MARSANS de forma fraudulenta, tendo praticado atos simulando a saúde financeira dessas empresas e induzindo a erros os demais diretores, de modo a possibilitar a concessão de créditos em valores crescentes, em prejuízo patrimonial do BANCO MÁXIMA S.A. e da própria credibilidade do Sistema Financeiro Nacional. Dessa forma, foi condenado pela prática do crime de gestão fraudulenta, em razão de atos praticados no período de 2010 a junho 2014, restando absorvido o delito do artigo 17 da Lei n.º 7.492/1986.

 

Já na ação subjacente, o Banco Central do Brasil, por meio do ofício n.º 21373/218-BCB/Desup, em 24.10.2018, noticiou ao Ministério Público Federal a existência de indícios de irregularidades que teriam sido praticadas no âmbito do BANCO MÁXIMA S.A., consistentes na gestão fraudulenta da instituição financeira, mediante a simulação de valorização de investimento em empresa controlada para reduzir prejuízo contábil, resultando na apresentação de informações àquela autarquia federal e na publicação de demonstrações financeiras que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da instituição, além de apresentar informações incorretas referentes à apuração de requerimento de capital, de forma intencional e sistemática, para dissimular um quadro de grave insuficiência de capital (ID 2693112711 – fl. 17), o que culminou com a instauração do IPL n.º 0058/2019-11 SR/PF/SP (ID 2693112711 - fl. 13), com oferecimento de denúncia (ID 269313932 – fls. 36 e seguintes) e subsequente recebimento desta peça acusatória aos 14.06.2021 (ID 269313932 –fls 29/30), cujos fatos foram assim sintetizados pelo r. juízo:

 

“Segundo consta da inicial acusatória, os denunciados, agindo com unidade de desígnios, geriram fraudulentamente instituição financeira, bem como mantiveram em erro repartição pública competente, relativamente à situação financeira da instituição financeira, prestando-lhe informações falsas. SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ ainda teriam feito inserir elemento falso em demonstrativos contábeis de instituição financeira.

Afirma o MPF que SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, agindo, respectivamente, na qualidade de Diretor Presidente e de Diretor Jurídico/Contábil do BANCO MÁXIMA teriam em tese simulado a valorização de investimento na empresa FC MAX PROMOTORA DE VENDAS S/A, controlada pelo próprio BANCO MÁXIMA, para reduzir prejuízos contábeis da instituição financeira, o que resultou na apresentação de informações e na publicação de demonstrações financeiras que não refletiam a real situação econômico-financeira do banco.

De fato, os denunciados SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ abriram o capital da empresa FC MAX PROMOTORA DE VENDAS S/A, criando, para tanto, o Fundo de Investimento em Participações – FIP RAVENA em 18.11.2014.

Em seguida, em 17.12.2014, SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, utilizando a totalidade das ações da FC MAX PROMOTORA DE VENDAS, subscreveram 8.684.701,65 cotas do FIP RAVENA pelo valor unitário de R$ 1,00, totalizando R$ 8.684.701,65. Dessa forma, a FC MAX PROMOTORA DE VENDAS deixou de ser contabilizada como um ativo permanente do BANCO MÁXIMA e passou a ser um ativo circulante, pertencendo a um Fundo de Investimento.

Logo após, em 26.12.2014, o FUNDO DE INVESTIMENTO MULTIMERCADO AQUILLA VEYRON subscreveu 680.196,23 cotas do FIP RAVENA pelo valor unitário de R$ 2,261986956, totalizando R$ 1.538.595,00.

Como consequência de tais operações, o BANCO MÁXIMA obteve um ganho em seus registros contábeis, registrando, em 31.12.2014, um ajuste a mercado sobre sua aplicação no referido fundo de R$ 10.469.053.54.

Entretanto, segundo afirma o Parquet Federal, o capital disponibilizado pelo AQUILLA VEYRON FIM para a compra das ações seria supostamente do próprio BANCO MÁXIMA, demonstrando que os denunciados SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ teriam em tese simulado a operação, triangulando com recursos do próprio banco.

Isso porque, em 28.11.2014, o BANCO MÁXIMA concedeu um empréstimo no valor de R$ 7.000.000,00 a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/A, empresa controlada pelo FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO AQUILLA RENDA. Desse montante, em 23.12.2014, R$2.000.000,00 foram transferidos pela QUEIMADOS ao AQUILLA VEYRON FIM, fundo que, em 26.12.2014, subscreveu ações do RAVENA FIP no valor de R$ 1.538.595,00, conforme narrado acima.

Por fim, em 16.03.2016, o BANCO MÁXIMA readquiriu, pelo valor unitário de R$ 2,23432123 as cotas do FIP RAVENA pertencentes ao AQUILLA VEYRON FIM, que por sua vez transferiu, no dia seguinte, o valor para o AQUILLA RENDA FII, com o qual a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS amortizou a dívida junto ao BANCO MÁXIMA.

Os fundos eram administrados pela FOCO DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS e geridos pela AQUILLA ASSET MANAGEMENT LTDA, ambas de responsabilidade de BENJAMIM BOTELHO DE ALMEIDA, na qualidade de sócio majoritário da FOCO DTVM e de administrador da AQUILLA ASSET.

Por sua vez, a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS era administrada por BENJAMIM BOTELHO DE ALMEIDA, GUSTAVO CLETO MARSILGLIA e OCTAVIO PIRES VAZ FILHO.

Além disso, entre janeiro de 2015 e março de 2016, SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ teriam, em tese, adotado manobras contábeis fraudulentas para dissimular grave insuficiência de capital, supostamente mediante inserção de informações falsas, concernentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de exposições patrimoniais aos riscos de crédito, riscos de mercado e risco operacional, em documentos contábeis apresentados ao BACEN.”

 

Vê-se, pois, que a denúncia contida nos autos subjacentes a este Habeas Corpus descreve em tese atos de gestão fraudulenta (além de ter sido imputado os tipos dos artigos 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986) do ora paciente que são distintos dos atos de gestão fraudulenta contidos nos autos da ação penal n.º 5041756-94.2021.402.5101 do Rio de Janeiro pelos quais fora condenado, além de os períodos também serem distintos, com propósitos que não se assemelhariam. Referida sentença considerou absorvido o crime tipificado no artigo 17 da Lei n.º 7.492/1986 pelo crime de gestão fraudulenta, sendo certo que no feito sob exame, que motivou a impetração do presente Habeas Corpus, caberá, oportunamente, após a instrução processual, a apreciação da absorção ou não dos delitos previstos nos artigos 6º e 10 do referido diploma legal pelo delito de gestão fraudulenta.

 

Portanto, os fatos narrados em ambas as denúncias não são os mesmos, já que se trata de contratos distintos com pessoas jurídicas diversas, em períodos e desígnios também distintos, havendo coincidência apenas no tocante à interveniência do BANCO MÁXIMA S.A.

 

O entendimento do e. Relator foi no sentido de que a reiteração da alegada gestão fraudulenta não poderia constituir uma pluralidade de delitos, e sim mero desdobramento da habitualidade perpetrada e objeto de condenação no juízo federal do Rio de Janeiro, de modo que não poderia haver concurso de crimes, mas crime único.

 

No entanto, s.m.j., se o delito de gestão fraudulenta (crime habitual impróprio ou acidentalmente habitual) pode se aperfeiçoar com um único ato isolado, com maior razão a apontada reiteração de atos a serem analisados no caso concreto também possa ensejar a consecução de diversos delitos. Tudo dependerá da finalidade almejada e da produção de lesões distintas.

 

Nesta linha de raciocínio, se houver diversos atos de gestão que envolvam operações distintas, em períodos diversos e modo de consecução e dolo igualmente díspares, e considerados isoladamente puderem resultar risco ou prejuízo a terceiros e à própria instituição financeira, não haverá que se falar em crime único, mas sim em concurso de crimes.

 

Neste sentido também pontou o Ministro Rogerio Schietti Cruz na relatoria do Habeas Corpus (HC n.º 444.389/SP, Sexta Turma, julgado em 22.09.2020, DJe de 30.09.2020) conquanto tenha ao final aderido ao entendimento dos demais julgadores da Sexta Turma do C. STJ que firmaram compreensão (observando precedente do C. STF) de que no delito habitual impróprio ou acidentalmente habitual, entre os quais se insere a gestão temerária (e também a fraudulenta), um único ato é capaz de consumar o crime, muito embora a reiteração de atos não constitua delito autônomo, mas mero desdobramento desta habitualidade, de modo que a reiteração não corresponde ao concurso de crimes. O eminente Ministro reservou capítulo próprio de seu voto para externar seu posicionamento, conforme transcrição que segue:

 

“III. Crimes habituais e habituais impróprios: ressalva de entendimento pessoal

 

Os chamados crimes habituais pressupõem a prática de uma pluralidade de atos que, isoladamente, não constitui relevante penal. Isso significa que, para a configuração desse tipo de delito é necessário um comportamento que denote a prática reiterada e contínua de várias ações, que podem ser traduzidas como um estilo de vida do agente, como ocorre, por exemplo, com o exercício ilegal da medicina (art. 282 do CP) e o curandeirismo (art. 284 do CP).

 

Logo, pune-se, nessa hipótese, o conjunto de condutas habitualmente desenvolvidas e não somente uma delas, que é considerada atípica (v.g., MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2011, p. 201). A reiteração de atos, de que devem ser considerados em sua totalidade, portanto, é essencial à configuração do delito habitual.

 

Ao lado do crime habitual insere-se o chamado delito habitual impróprio ou acidentalmente habitual. Neste caso, um único ato ou conduta é capaz de consumar o delito. Parte da doutrina afirma que muito embora um único ato seja capaz de consumá-lo, a reiteração de atos não constituiria delito autônomo, e sim mero desdobramento dessa habitualidade, de modo que a reiteração não constituiria o concurso de crimes.

 

Penso, contudo, que tal entendimento não é o mais adequado. Ora, se o delito pode se aperfeiçoar com um único ato, não é possível afirmar, de modo genérico, que a realização de diferentes atos não pode constituir uma pluralidade de delitos. A própria definição sobre o que vem a ser crime habitual impróprio, que pode configurar o delito com uma única conduta, acaba por contrariar essa ideia.

 

Deveras, a principal característica do crime habitual é a necessidade de reiteração de atos irrelevantes, mas que em sua totalidade, é considerado crime. Mas, se no habitual impróprio, um único ato pode configurar o delito, por óbvio que a reiteração de atos também pode ensejar diversos delitos, a depender da finalidade almejada e da produção de lesões distintas.

 

Nessa perspectiva, se houver diversos atos de gestão, voltados para a concessão de múltiplos financiamentos, em tempo e modo distintos uns dos outros, mas todos esses financiamentos, por si sós e isoladamente considerados, possam resultar risco demasiado de ocasionar prejuízo a terceiros (com ameaça própria integridade financeira da instituição), não há como compreender como crime único, mas como crimes autônomos cometidos em concurso.

 

Na direção do que afirmou Walter Coelho ‘os crimes habituais impróprios nada têm de habituais; são crimes instantâneos, em que a reiteração pode ser circunstância agravante do crime, ou, quando não, implicar continuidade delitiva’ (Teoria geral do crime. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991, p.116).

 

No mesmo sentido: RUIVO, Marcelo Almeida. Criminalidade financeira: contribuição à compreensão da gestão fraudulenta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011; Ney Fayet Júnior. Do crime continuado. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2015; QUEIROZ, Paulo de Souza. Crime habitual impróprio. (Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/crime-habitual-improprio Acesso em: 12 set 2020).

 

É bom registrar que entendimento diverso pode ensejar a violação de princípios basilares do direito penal, como o da culpabilidade. Exemplificativamente, suponhamos que uma pessoa, que por um único ato de gestão produto de aventurança, colocou em risco a integridade financeira de uma instituição, situação que poderia lhe render a condenação por um único crime de gestão temerária.

 

De igual forma, se entendermos que a reiteração de atos (conexos ou não) não constitui delito autônomo, aquele indivíduo, que por anos, agiu de modo temerário em diversos contratos financeiros, os quais, mesmo considerado isoladamente, já se traduziriam em alta probabilidade de prejuízo à instituição financeira e a terceiros, também seria condenado por um único delito de gestão temerária.

 

Por todo o exposto, registro meu pensamento pessoal de que o crime de gestão temerária admite o concurso de crimes, a depender da situação verificada no caso concreto, tal como ocorreu na hipótese dos autos.”

 

Em simetria com estes argumentos aos quais sempre defendi, ressalte-se, como bem pontuado pelo r. juízo a quo no decisum da Exceção de Litispendência n.º 5004925-44.2022.403.6181 (ID 270217981), que “a alegação de que se trataria de crime habitual impróprio não significa que em tese o acusado não poderia praticá-lo mais de uma vez”.

 

Nesta ordem de ideias há que se registrar que não houve conduta irregular do órgão ministerial ao oferecer denúncias distintas de crimes de gestão fraudulenta do paciente na condição de Diretor Presidente do BANCO MÁXIMA S.A., já que os fatos apurados no Rio de Janeiro de 2010 a junho de 2014 não se assemelham aos atos de gestão descritos nos autos subjacentes (novembro de 2014 a março de 2016).

 

2. Da não ocorrência de inépcia da denúncia.

 

Por outro lado, o e. Relator José Lunardelli também vislumbrou a inépcia da denúncia no que tange aos atos de gestão fraudulenta, porquanto seriam uma síntese genérica e abstrata daqueles que foram individualizados quando da narrativa dos crimes previstos nos artigos 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986.

 

No entanto, do que se pode denotar da denúncia é a narrativa de supostas irregularidades na boa condução da gestão da instituição financeira pelo paciente, mediante a simulação de valorização de investimento em empresa controlada para reduzir prejuízo contábil, colocando em grave risco terceiros e a própria instituição financeira, permitindo o exercício da ampla defesa.

 

Ademais, a inicial acusatória descreveu a autoria do paciente SAUL DUTRA SABBÁ em razão da condução da instituição financeira nas operações anteriormente mencionadas e que seriam configuradoras da materialidade delitiva, tendo se respaldado não só no Relatório do Banco Central que apontou sua condição de controlador do BANCO MÁXIMA S.A e ocupando a posição de Diretor Presidente (ID 269312712 –fl. 180), mas também nos demais elementos probatórios coligidos na fase inquisitorial, os quais demonstrariam o seu poder de mando na condução das atividades, tomando decisões supostamente espúrias que teriam orientado os rumos da instituição financeira, no período de novembro de 2014 a março de 2016.

 

Nesse sentido, descreve a denúncia que o paciente teria atuado em desacordo com os princípios e as normas de boa gestão e lealdade em função das práticas de simulação de valorização de investimento em empresa controlada (FC-MAX Promotora de Vendas S.A.) para reduzir prejuízo contábil do BANCO MÁXIMA S.A. Tais ações teriam resultado na publicação de demonstrações financeiras e na apresentação de informações ao Banco Central que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da instituição, com assunção de riscos incompatíveis com a sua estrutura de capital e prestação de informações incorretas àquela autarquia, de forma intencional e sistemática, para dissimular sua grave insuficiência de capital.

 

Além disso, a denúncia descreve que no período de janeiro de 2015 a março de 2016 o BANCO MÁXIMA S.A., na pessoa do paciente e de outros, teria assumido riscos muito superiores àqueles compatíveis com a sua estrutura de capital, apresentando informações incorretas referentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de suas exposições patrimoniais ao risco de crédito, risco de mercado e risco operacional, de forma a dissimular um quadro de grave insuficiência de capital.

 

Registre-se, neste momento, que a Lei n.º 6.404, de 15.12.1976, que dispôs sobre as sociedades por ações, prescreve os deveres e responsabilidades dos administradores no exercício de suas funções (dever de diligência, de lealdade, de informar e responsabilidade – artigos 153 e seguintes), visando a proteção dos investidores e do próprio Sistema Financeiro Nacional.

Ademais, na esteira do parágrafo único do artigo 116, “o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”, respondendo, nos termos do artigo 117 do mencionado diploma legal, “pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder”.

Assim, a par das sanções administrativas previstas pelo descumprimento da função social e do dever de lealdade na condução da instituição, que, inclusive, motivou a sanção de inabilitação para o exercício de cargos de direção na administração ou gerência em instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (ID 269313364 – fl. 81),  em tendo sido o paciente SAUL DUTRA SABBÁ denunciado pelo Ministério Público Federal por atos que seriam configuradores em tese de crime de gestão fraudulenta (além dos artigos 6º e 10 da Lei n.º 7.492/1986), na condição de Diretor Presidente do BANCO MÁXIMA S.A à época dos fatos, deve se submeter também ao processo judicial validamente instaurado para apuração de condutas que configurariam os crimes descritos na denúncia.

 

3. Objetividade jurídica dos crimes estampados nos artigos 4º, “caput”, 6º e 10º, todos da Lei n.º 7.492/1986.

 

Foram descritos na denúncia também condutas que, para além do artigo 4º, caput, da Lei n.º 7.492/1986, amoldam-se, em tese, aos crimes tipificados nos artigos 6º e 10 da lei excogitada de molde a permitir a instauração da ação penal no juízo federal de São Paulo. Todavia, como já se afirmou precedentemente, eventual consunção entre tais artigos e o de gestão fraudulenta, que possui pena mais grave, só poderá ser objeto de deliberação após a instrução probatória por ocasião do ato de sentenciamento do feito, levando-se em consideração a objetividade jurídica de cada um dos tipos, o elemento anímico e as provas produzidas que ensejarão, ou não, a condenação do paciente.

 

A objetividade jurídica do tipo de gestão fraudulenta exige que “haja a utilização de ardil ou de astúcia, imbricada com a má-fé, no intuito de dissimular o real objetivo de um ato ou negócio jurídico, cujo propósito seja o de ludibriar as autoridades monetárias ou mesmo aquelas com quem mantém eventual relação jurídica. A má-fé, nesse contexto, é elemento essencial para a configuração da fraude” (Habeas Corpus n.º 285.587/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15.03.2016, DJe de 28.03.2016).

 

O bem jurídico do tipo previsto no artigo 6° da Lei n° 7.492/1986 “pretende resguardar a confiança inerente às relações jurídicas e negociais existentes entre os agentes em atuação no sistema financeiro (sócios das instituições financeiras, investidores e os órgãos públicos que atuam na fiscalização do mercado), protegendo-os, ainda, contra potenciais prejuízos decorrentes da omissão ou prestação de informações falsas acerca das operações financeiras. Na forma omissiva o sujeito ativo, através de informação falsa ou da omissão de informação verdadeira, induz a erro o sujeito passivo fazendo com que represente de maneira equivocada ou até mesmo ignore a realidade. Na forma comissiva por omissão, o autor deve se revestir da posição de garante, ou seja, deve possuir o dever de revelar a informação adequada” (TRF/2 - ACR n.° 2000.51.01.509117-8, Rel. Des. Fed. Sergio Schwaitzer, 6ª T., vu, DJU 15.02.2005).

 

O legislador intentou assegurar ao “sócio, investidor ou à repartição pública competente” o acesso às informações acerca dos aspectos operacionais e financeiros da instituição financeira, fazendo-se necessária a presença da vontade livre e consciente do agente de praticar o tipo objetivo.

 

O bem jurídico dirige-se, pois, “ao perigo que representa para a solidez material e moral do sistema financeiro, existente no descontrole das autoridades, o qual deriva da sonegação ou da falsidade de informações sobre a situação financeira de instituições financeiras ou sobre determinada operação realizada, que se comunicadas fidedigna e integralmente, e a tempo, à autoridade central, poderiam ser contornadas, regularizadas e saneadas, em prol do interesse público convergente” (STF - Agravo de Instrumento de Decisão que não admitiu Recurso Extraordinário n.º 807874/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, decisão monocrática, DJe 06.09.2010).

 

Neste julgado, que negou seguimento ao Agravo acima citado (CPC, art. 557, caput), a eminente Relatora Min. Ellen Gracie, teceu valiosas considerações sobre o tipo do artigo 6°, como segue:

 

“No caso, quando as distribuidoras não registraram tais operações de títulos no SELIC, violaram obrigação geral de informação fidedigna e completa, conforme determinado pelo BACEN, sobre dados necessários ao desempenho de suas funções de controle e fiscalização, conforme disposto no art. 37 da Lei n. 4.595/1964. A tutela jurídico-penal desta obrigação, outrossim, é a do art. 6º da Lei n. 7.492/1986, e a repartição pública responsável por regular e fiscalizar o sistema financeiro e as repercussões de sua utilização na atividade econômica e financeira como um todo, padeceu com a omissão do registro das operações, omissão essa que foi essencial para permitir a utilização do sistema à margem da legalidade, com repercussão na área fiscal.

A complexidade com que o sistema financeiro nacional como um todo opera no sistema econômico nacional, justifica que a autoridade central esteja aparelhada para funcionar e controlar as diversas atividades financeiras e suas repercussões nas diversas áreas da macroeconomia, razão pela qual é plenamente justificável a tutela penal da fidedignidade e integralidade das informações sobre situação financeira de instituições financeiras e de suas operações, o que permite que o BACEN seja, assim, a primeira via de contato na aferição da regularidade da atividade econômico/financeira geral a bem do interesse de todos. Por essa razão, é que se tem como legítima e constitucional a tutela penal do art. 6º da Lei n. 7.492/1986, que se tem por violado, que é uma tutela mais antecipada que a do art. 4º, porque já atua no campo do perigo abstrato, presumindo-se que o descontrole da autoridade fiscalizadora, derivado da sonegação e da falsidade das informações, dada a natureza complexa do sistema financeiro, já é capaz de possibilitar afetação ao sistema como um todo.”

 

 

Apesar de os tipos penais dos artigos 4°, “caput”, e 6°, ambos da Lei n.º 7.492/1986, objetivarem a reprimenda de condutas distintas, a gestão fraudulenta possui uma fórmula linguística mais ampla, abarcando, por vezes, conduta que se insere no artigo 6º, condensando tais bens jurídicos numa cláusula de fechamento (STJ, Habeas Corpus nº 351.960-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, v.u., DJe de 26.06.2017). Desse modo, pelo princípio da subsidiariedade, pode haver a punição apenas a título de gestão fraudulenta, uma vez ser este o delito mais gravemente apenado na lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, contudo, como se afirmou precedentemente, esta situação só será possível de ser mensurada após a instrução probatória, por ocasião da prolação da sentença.

 

De seu turno, a objetividade jurídica do artigo 10 da Lei n.º 7.492/1986 é a garantia da solvência das instituições financeiras e a credibilidade dos agentes do sistema, a veracidade das informações que devem permear os negócios travados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, e, neste específico tipo, objetiva-se a proteção dos investidores e dos credores das instituições financeiras, as quais devem conferir transparência às demonstrações contábeis de forma a ter-se ciência de sua situação financeira. Além disso, a própria fé pública dos demonstrativos contábeis das instituições financeiras.

 

Tal qual se dá em relação à possibilidade de consunção entre o artigo 6º e o artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, deverá, de igual modo, ser procedido a referido exame no que tange ao artigo 10 por ocasião da sentença considerando todo o acervo probatório que venha a ser coligido ao longo da instrução processual.

 

4. Elementos subjetivos dos tipos penais imputados.

 

Considerando-se a distinção da objetividade jurídica de cada um dos delitos irrogados na exordial incoativa, a sentença que venha a ser proferida deverá se voltar também à perquirição do elemento subjetivo dos tipos a fim de verificar a pertinência, ou não, da imputação, bem como se se poderia considerar a consunção entre eles, não sendo a atual fase processual em que se encontra o feito o momento para tal proceder.

 

Manoel Pedro Pimentel ao discorrer sobre o tema considerou em relação ao artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, que:

 

“Diante da opção do legislador por um tipo penal genérico, habitualmente impróprio e praticado de forma livre, algumas ações fraudulentas que venham a caracterizá-lo também podem apresentar correspondência com outros tipos objetivos descritos pela Lei 7.492/86, como os crimes previstos nos artigos 5º, 6º, 7º, 9, 10 e 11, gerando ao intérprete diversos problemas relacionados ao conflito aparente entre esses tipos penais.

A dificuldade para a adoção dos critérios tradicionais reside no fato de que não estamos diante de um crime complexo ou de progressão criminosa, nem mesmo perante tipos penais especializadores de condutas, mas de uma tipificação genérica mais grave (art. 4º), executada mediante fraudes que também caracterizam crimes específicos menos graves, mas com maiores exigências típicas, inclusive a superveniência de resultado, o que aliás difere da estruturação comum dos tipos penais em relação de necessariedade.

Destaca-se, ainda, que poderá haver identidade entre os bens jurídicos tutelados pelas normas referidas e o art. 4º, de forma que, também por esse critério, muitas vezes não é possível solucionar o concurso aparente.

A partir dessas premissas, a solução dogmaticamente mais correta para o conflito entre esses tipos exige especialmente a análise do elemento subjetivo da ação, ou seja, se o dolo do agente está direcionado à realização específica de uma infração penal (por exemplo, a apropriação de recursos do cliente – art. 5º) ou se a intenção do autor revela a vontade de empregar fraudes na gestão fraudulenta de modo prolongado no exercício da administração da instituição financeira” (Crimes contra o sistema financeiro nacional [livro eletrônico]: comentários à lei 7.492, de 16.6.86. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020).

 

Como se vê, não se pode entrever na fase do recebimento da denúncia a possibilidade de se discorrer sobre o dolo dos agentes, matéria que demanda ultrapassar a fase da instrução probatória, pois tal comprovação é inerente ao desenvolvimento processual, sendo, portanto, mais um reforço a validar a coexistência nesta fase da imputação dos delitos tipificados nos artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei n.º 7.492/1986. 

 

5. Considerações finais.

 

Considerados todos os aspectos acima delineados, tem-se que a fase processual em que se encontra o feito que ensejou a interposição do presente Habeas Corpus não permite, s.m.j., impedir que a acusação possa produzir provas que lastreiem os argumentos já descritos na denúncia e que se basearam no procedimento administrativo levado a efeito pelas autoridades monetárias e no inquérito policial, com plena observância do contraditório, sendo assegurada ao paciente a ampla defesa.

 

A exordial acusatória descreve, para além da materialidade delitiva, a autoria do paciente SAUL DUTRA SABBÁ em razão da condução da instituição financeira nas operações sobreditas. O Relatório do Banco Central, que subsidiou o oferecimento da denúncia, aponta sua condição de controlador do BANCO MÁXIMA S.A, sendo detentor de 89,99% do capital votante e ocupando a posição de Diretor Presidente, desde 26.07.2006 (ID 269312712 –fl. 180).

 

Tais atos teriam sido perpetrados (de novembro de 2014 a março de 2016) em tempo e modo distintos em cotejo com os fatos descritos na denúncia do Rio de Janeiro (de 2010 a junho de 2014) que culminaram com condenação do ora paciente, sendo certo que todos eles, por si sós e isoladamente considerados, possuem o condão de resultar risco demasiado de prejuízo a terceiros (com ameaça à própria integridade financeira da instituição).

 

Está-se, portanto, como acima narrado, diante da imputação pelo Ministério Público Federal de tipos distintos (artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei n.º 7.492/1986), com objetividades jurídicas distintas, que teriam sido perpetrados em períodos distintos, com resultados pretendidos diversos e com elementos anímicos a serem posteriormente aferidos (em tese, ludibriar e enganar terceiros, causando risco à instituição financeira, aos credores e ao Sistema Financeiro Nacional, sendo certo que no feito que tramitou no Rio de Janeiro os contratos diziam respeito a outras pessoas jurídicas).

 

Não há, pois, neste momento processual, compreender como crime único, ante a possibilidade de se estar diante de crimes autônomos cometidos em concurso, diante da relevância, per se, das condutas isoladamente em tese praticadas, sendo, inclusive, possível, na eventual hipótese de condenação a unificação de penas na fase de execução.

 

Por fim, na esteira do entendimento jurisprudencial das Cortes Superiores, só seria possível o trancamento da ação penal se se divisasse de plano e sem necessidade de dilação probatória a completa ausência de prova de materialidade delitiva, de indícios de autoria e atipicidade da conduta ou ainda a presença de alguma causa configuradora da extinção da punibilidade, o que não se verifica na hipótese.

 

Ante o exposto, peço vênia ao e. Relator para divergir de suas judiciosas considerações e voto por denegar a ordem.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001631-63.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: ANDRE RICARDO GODOY DE SOUZA, DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI, JULIANA KEIKO MAKIYAMA, CESAR LUIZ DE OLIVEIRA JANOTI
PACIENTE: SAUL DUTRA SABBA

Advogados do(a) PACIENTE: ANDRE RICARDO GODOY DE SOUZA - SP337379-A, CESAR LUIZ DE OLIVEIRA JANOTI - RJ136141-A, DAVID MARQUES MUNIZ RECHULSKI - SP106067-A, JULIANA KEIKO MAKIYAMA - SP331853

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Examino o conteúdo da impetração.

Imputa-se ao paciente, na ação principal, suposta participação em atos de gestão fraudulenta de instituição financeira, indução e/ou manutenção de repartição pública em erro quanto à situação financeira de instituição financeira e inserção de elementos falsos ou omissão de informação exigida em demonstrativos contábeis (arts. 4º, caput, 6º e 10, da Lei 7.492/86). Narra-se que o paciente ocupou o cargo de diretor-presidente do Banco Máxima, tendo sido apurada a existência de irregularidades praticadas no âmbito da instituição financeira consistentes, dentre outras, na simulação de valorização de investimento em empresa controlada para reduzir prejuízo contábil, resultando na apresentação de informações falsas ao Bacen para dissimular quadro de grave insuficiência de capital.

Transcrevo excertos pertinentes da denúncia (ID 269313932):

No período de novembro de 2014 a março de 2016, em São Paulo/SP, SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, auxiliados materialmente por BENJAMIM BOTELHO DE ALMEIDA, GUSTAVO CLETO MARSIGLIA e OCTÁVIO PIRES VAZ FILHO, todos agindo de maneira livre e consciente e com unidade de desígnios, geriram fraudulentamente instituição financeira e mantiveram em erro repartição pública competente relativamente à situação financeira de instituição financeira, prestando-lhe informações falsas.

Ademais, nas mesmas circunstâncias, SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, ambos agindo de maneira livre e consciente e com unidade de desígnios, fizeram inserir elemento falso ou omitiram elemento exigido pela legislação, em demonstrativos contábeis de instituição financeira.

Com efeito, o Banco Central do Brasil (“BACEN”) instaurou o Processo Eletrônico nº 129612, no qual descortinou a ocorrência de diversos crimes financeiros praticados por SAUL DUTRA SABBA (“SAUL”) e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ (“ALBERTO”), administradores do BANCO MÁXIMA S/A (“BANCO MÁXIMA”).

Em síntese, o BACEN descortinou que SAUL e ALBERTO agindo, respectivamente, na qualidade de Diretor Presidente e Diretor Jurídico/Contábil do BANCO MÁXIMA: i) simularam a valorização de investimento na empresa FC MAX PROMOTORA DE VENDAS S/A (“FC MAX”), controlada pelo BANCO MÁXIMA, para reduzir prejuízos contábeis do Banco, o que resultou na apresentação de informações e na publicação de demonstrações financeiras que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da Instituição Financeira; ii) adotaram manobras contábeis fraudulentas para dissimular grave insuficiência de capital, mediante inserção de informações falsas, concernentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de exposições patrimoniais aos riscos de crédito, riscos de mercado e risco operacional, em documentos contábeis apresentados ao BACEN.

De fato, restou apurado que SAUL e ABERTO, na qualidade de gestores atuantes nas áreas administrativas e contábil do BANCO MÁXIMA, movidos pela intenção de captar recursos e novos investidores para poderem ampliar o número de lojas da empresa FC MAX – a qual atuava no setor de turismo e era controlada e administrada pelo BANCO MÁXIMA, decidiram abrir o capital da FC MAX, criando, para tanto, o Fundo de Investimento em Participações - FIP Ravena, em 18 de novembro de 2014.

Em 17 de dezembro de 2014, SAUL e ALBERTO, gestores do BANCO MÁXIMA, utilizando a totalidade das ações da FC MAX, subscreveram 8.684.701,65 cotas do FIP Ravena pelo valor unitário de R$1,00, totalizando o montante de R$ 8.684.701,65. Desta forma, a FC MAX foi incorporada pelo Fundo Ravena, deixando de ser contabilizada nos demonstrativos financeiros como um ativo permanente a um Fundo de Investimento.

Ato contínuo, SAUL e ALBERTO na mesma condição de administradores do BANCO MÁXIMA e no intuito de dissimular sua situação contábil, decidiram fazer uma nova oferta pública, sob o pretexto de captar mais recursos e investidores. Deste modo, em 26 de dezembro de 2014, o Fundo de Investimento Multimercado FIM Aquilla Veyron, subscreveu 680.196,23 cotas do FIP Ravena, pelo valor unitário de R$ 2.261.986,56, alcançando a cifra total de R$ 1.538.595,00.

Com esse subterfúgio, o valor da cota do FIP Ravena oscilou artificialmente para cima e o BANCO MÁXIMA obteve um ganho em seus registros contábeis, registrando em seu demonstrativo financeiro de 31 de dezembro de 2014, um ajuste a mercado sobre sua aplicação no referido Fundo de R$ 10.469.053,54, mascarando, assim, sua saúde financeira.

Entretanto, a simulação foi percebida pelo BACEN, o que levou, dentre outros motivos, à proposta de instauração de processo administrativo em desfavor do BANCO MÁXIMA S/A e seus administradores, em Parecer, datado de 01.02.2017, no qual seu subscritor apontou que:

[...]

Ocorre que, o BACEN descobriu que o capital disponibilizado pelo Aquilla Veyron FIM para a compra de tais ações era, na verdade, do próprio BANCO MÁXIMA, o que demonstra que SAUL e ALBERTO simularam a operação, ou seja, triangularam com recursos do próprio BANCO MÁXIMA, culminando na apresentação de informações e na publicação de demonstrações financeiras que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da Instituição Financeira e mascarou seus demonstrativos.

 De fato, desvendou-se que, no ano de 2014, o BANCO MÁXIMA concedeu, em 28 de novembro, um empréstimo para capital de giro no valor de R$7 milhões de reais a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/A, empresa controlada pelo Fundo de Investimentos Imobiliários –FII Aquilla Renda.

Desse montante, a QUEIMADOS transferiu, em 23 de dezembro, a título de pagamento de cotas do Fundo, R$ 2 milhões de reais oriundos do empréstimo efetuado pelo próprio BANCO MÁXIMA, para a conta do Aquilla Veyron FIM, o qual, por sua vez, no dia 26 de dezembro, utilizou R$ 1.538.595,00 para subscrever as mencionadas cotas do Ravena FIP.

Posteriormente, em 16 de março de 2016, o BANCO MÁXIMA readquiriu, pelo valor unitário da cota de R$2,23432123, totalizando o quantum de R$ 1.519.776,88, as mesmas cotas do FIP Ravena pertencentes ao Aquilla Veyron FIM, o qual transferiu, no dia seguinte, para o Aquilla Veyron FII, o dinheiro da venda, com o qual a QUEIMADOS amortizou sua dívida junto ao Banco.

Destaque-se que os três Fundos eram administrados pela FOCO DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES IMOBILIÁRIOS e geridos pela AQUILLA ASSET Management Ltda, ambas de responsabilidade de BENJAMIM BOTELHO DE ALMEIDA (“BENJAMIM”), na condição de sócio majoritário da primeira empresa e administrador da segunda.

Por sua vez, a QUEIMADOS NEGÓCIO IMOBILIÁRIO S/A também era administrada por BENJAMIM, além de GUSTAVO CLATO MARSIGLIA (“GUSTAVO”) e OCTÁVIO PIRES VAZ FILHO (”OCTÁVIO”), seus representantes legais. Ao analisar a fraude no parecer acima mencionado, o BACEN deduziu:

[...]

Enfim, consoante a autarquia concluiu, SAUL e ALBERTO, sócios, administradores e responsáveis pela área contábil da referia instituição financeira, simularam a valorização de investimento na empresa FC MAX Promotora de Vendas S/A, controlada pelo BANCO MÁXIMA, para reduzir prejuízo contábil, e efetuaram escrituração em desobediência às normas contábeis, de modo que as demonstrações financeiras não refletiram com fidedignidade e clareza sua real situação econômico-financeira.

Também BENJAMIM, GUSTAVO e OCTÁVIO atuaram nessa trama criminosa, auxiliando SAUL e ALBERTO na prática de atos de gestão fraudulenta e na manutenção do BACEN em erro, mediante prestação de informações falsas relativamente à situação financeira do BANCO MÁXIMA. De fato, a FOCO DTVM era a administradora dos fundos de investimentos geridos pela AQUILLA ASSET, empresas que, embora distintas, tinham BENJAMIM como controlador da FOCO DTVM e administrador da AQUILLA ASSET em novembro de dezembro de 2014.

E, nessa qualidade e por manter contato com o BANCO MÁXIMA, BENJAMIM estruturou a operação e passou para GUSTAVO e OCTÁVIO as diretrizes para a negociação do empréstimo de valores do Banco para a QUEIMADOS, por eles assinado, com a posterior utilização de uma parcela desses recursos para ao Fundo Aquilla Veyron FIM adquirir cotas superfaturadas do Ravena FIP, com o dinheiro transferido pela própria instituição financeira.

Paralelamente, o Banco Central do Brasil também constatou que, no período de janeiro de 2015 a março de 2016, SAUL e ALBERTO, na condição de gestores do BANCO MÁXIMA, adotaram manobras contábeis fraudulentas para dissimular a grave insuficiência de capital, inserindo informações falsas em documentos apresentados à autarquia, concernentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de exposições patrimoniais aos riscos de crédito, de mercado e operacional.

[...]

Nesse contexto, verificou-se que, para compensar a elevação do risco decorrente da forte expansão dos negócios de seu Conglomerado Prudencial em face de prejuízos recorrentes e da consequente redução de seu patrimônio líquido, SAUL e ALBERTO, na mesma qualidade de administradores e responsáveis pela área contábil do BANCO MÁXIMA, empregaram, de forma intencional e sistemática, os seguintes artifícios: i) aplicação de fatores de ponderação, de mitigadores de risco e de metodologia de apuração em desacordo com a regulamentação em vigor; ii) omissão, no cálculo da exposição ao risco sujeita à variação do preço de ações, de posições significativas.

[...]

Enfim, SAUL e ALBERTO, detentores de poder de gestão no BANCO MÁXIMA, em franca violação às normas constantes nas Resoluções nº 3883/2010, Resolução nº 4.193/2013, Circular nº 3.644.2013, Circular nº 3.638/2013 e Circular nº 3.398/2008, empregaram artifícios com a finalidade de apurar parcelas dos ativos ponderados de risco (RWA) significativamente inferiores aos montantes que seriam obtidos com a correta aplicação das normas de regulamentação do BACEN. E, com essas manobras de inserções de informações falsas nos Demonstrativos de Limites Operacionais – DLO apresentados à autarquia, ocultaram a gravidade e o tamanho da insuficiência de capital da instituição financeira para suportar seu perfil patrimonial.

Deste modo, SAUL e ALBERTO dissimularam um quadro de grave insuficiência de capital do BANCO MÁXIMA, prestando informações falsas referentes à apuração do capital regulamentar e evitando as restrições impostas pela regulação em vigor quanto à remuneração de seus diretores e acionistas.

A defesa alega que o paciente é réu em duas ações penais concernentes a um mesmo suposto crime de gestão fraudulenta, quais sejam, a ação penal nº 5003557-34.2021.4.03.6181, que é objeto dessa impetração e tramita na 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, e a ação penal nº 5041756-94.2021.4.02.5101, em trâmite perante a 2ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ, que é precedente e já foi, inclusive, sentenciada, tendo sido o paciente condenado à pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão, além do pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa, sendo o valor de cada dia-multa equivalente a 5 (cinco) salários mínimos vigentes ao tempo do fato (ID 269313938).

Argumentam que o paciente está sendo acusado em duplicidade pelo mesmo delito, com mesmo contexto fático, uma vez que as duas acusações seriam provenientes de um mesmo crime de gestão fraudulenta, de forma que a reiteração não configuraria pluralidade de delitos e sim crime único, já que se trataria de crime habitual impróprio.

A alegação de “bis in idem” foi deduzida em primeiro grau na exceção de litispendência nº 5004925-44.2022.4.03.6181 que foi rejeitada, tendo o MM. Juízo impetrado assim se manifestado (ID 269313936):

Consta da denúncia dos autos n. 5041756-94.2021.4.02.5101, que tramita na 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que SAUL DUTRA SABBÁ teria supostamente efetuado sucessivas operações de crédito em favor do GRUPO MARSANS de forma fraudulenta, uma vez que praticou atos para simular a saúde financeira dessas empresas e induzir a erro os demais diretores e membros do comitê de crédito, possibilitando a concessão de créditos em valores crescentes, em prejuízo do patrimônio do Banco Máxima S.A. e da credibilidade do sistema financeiro. Dessa forma, foi denunciado pela suposta prática do crime de gestão fraudulenta (art. 4º, caput, da Lei n.º 7.492/86), em razão de atos praticados no período de 2010 a 2014.

Por sua vez, nos autos nº 5003557-34.2021.4.03.6181, que tramitam perante esta Vara, o Ministério Público Federal denunciou SAUL DUTRA SABBÁ pela prática dos crimes capitulados nos arts. 4º, caput, e 6ºda Lei 7.492/86. Consta que o SAUL DUTRA SABBÁ teria, entre novembro de 2014 e março de 2016, supostamente gerido fraudulentamente o Banco Máxima e mantido em erro o BACEN, quanto à situação financeira do Banco, prestando-lhe diversas informações falsas.

Percebe-se assim que os fatos mencionados nas denúncias são diversos, pois ocorreram em diferentes períodos, com a participação de pessoas distintas e desígnios distintos.

Verifico apenas uma coincidência parcial apenas no que se refere à capitulação legal apresentada pelo MPF nas denúncias (art. 4º, caput, da Lei n.º 7.492/86), porém, os acusados em seu conjunto e os fatos narrados são distintos. Além disso, ressalto que não há impedimento para que o juízo, ao final da instrução, atribua definição jurídica diversa da capitulação legal da denúncia na forma do artigo 383 do CPP.

Ademais, a alegação de que se trataria de crime habitual impróprio não significa que em tese o acusado não poderia praticá-lo mais de uma vez. E quanto a questão sobre eventual unificação de penas, em tese pode ser apreciada pelo juízo da execução.

Ante o exposto, indefiro a exceção de litispendência apresentada, por não reconhecer a litispendência alegada.

Postos os contornos fáticos que envolvem a impetração, prossigo ao seu exame.

Entendo assistir parcial razão aos impetrantes, pelas razões que passo a expor.

De saída, pontuo que a análise deve se dar quanto à moldura dada pela própria inicial; cognição mais abrangente fugiria ao escopo do habeas corpus, sede em que não se permite dilação probatória, como bem se lembra no parecer da d. Procuradoria Regional da República (ID 270287565).

A questão central trazida no presente writ a ser analisada é, portanto, a relativa à inserção, ou não, dos atos que configurariam o crime de gestão fraudulenta narrado na inicial no mesmo contexto fático daquele pelo qual o paciente já foi condenado nos autos da ação penal nº 5041756-94.2021.4.02.5101, em trâmite perante a 2ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ.

Cito o enunciado do tipo penal:

Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira:

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.

Quanto à conduta típica prevista em abstrato no art. 4º, caput, da Lei 7.492/86, pode-se conceituar o ato (ou série de atos) de gestão fraudulenta como o(s) ato(s) de gestão que se caracteriza(m) por expedientes de fraude ou engodo, em desacordo com as normas que regem a boa governança e a regularidade das instituições financeiras, de modo a burlar um ou mais enunciados normativos que compõem o plexo regulatório atinente a instituições financeiras, enganando e iludindo as autoridades regulatórias e/ou os próprios mecanismos de controle interno de uma instituição.

Trata-se, a gestão fraudulenta, de manobra ilícita, conduzida por pessoas com efetivos poderes de gestão (administração/direção) sobre uma instituição financeira ou parte dela, de modo a fraudar ou adulterar a correta gestão da pessoa jurídica ou de uma sua parcela.

Compulsando os autos, em especial os documentos e relatórios oriundos do Bacen, que deram origem à presente investigação, bem como a sentença proferida nos autos da ação penal nº 5041756-94.2021.4.02.5101/RJ, especificamente no que se refere à imputação do crime de gestão fraudulenta (art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/86), verifico a aparente existência de litispendência parcial.

Naquela ação penal, as condutas delitivas imputadas ao paciente na inicial acusatória foram assim transcritas na sentença pelo magistrado (ID 269313938):

"I. DAS APURAÇÕES O inquérito policial que instrui a presente denúncia foi instaurado com base no Procedimento Investigatório Crimina1 n.º 1.30.001.002860/2016-592 , autuado a partir de representação do Banco Central do Brasil (BACEN), instruída com a proposta de comunicação PT n.º 1501611969 e o Procedimento Administrativo Punitivo n.º 15016112793 , no qual foram detectados indícios das seguintes irregularidades na gestão do Banco Máxima S.A., situado no Rio de Janeiro/RJ4 : (I) concessão de empréstimo a seu controlador, valendo-se de pessoa interposta; e (II) gestão fraudulenta da instituição financeira, tendo em vista o apoio financeiro ao GRUPO MARSANS, entre os anos de 2010 e 2014, sem observância dos princípios da seletividade, liquidez e garantia. A cópia integral digitalizada do Procedimento Administrativo Punitivo n.º 1501611279 foi encaminhada pelo BACEN em mídia física (fl. 230 do IPL físico), por meio do Ofício n.º 056808/2018- BCB/Aspar/GATPC/Diadi/Coadi-05, de 05/12/2018 (Evento 1/AP-INQPOL2/fls. 318-321)

O Procedimento Administrativo Punitivo n.º 1501611279 foi definitivamente julgado por meio do Acórdão CRSFN n.º 16/2017, de 23/05/2017, proferido pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), nos autos do Processo n.º 10372.000527/2016-35, ao apreciar os recursos interpostos pelos autuados. Segundo consta, o CRSFN, por unanimidade, conheceu dos recursos interpostos para:

“1. com relação ao recorrente BANCO MÁXIMA S.A., pelo cometimento da infração consistente na condução de seus negócios em desacordo com os princípios e as normas de boa técnica bancária, negar-lhe provimento, mantendo: 1. pela concessão de empréstimo vedado a pessoa física impedida de operar com a instituição, mediante interposição de terceiro, a penalidade de multa no valor de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais); 2. pelo cometimento da infração consistente na realização de operações de crédito sem observância dos princípios da seletividade, da garantia e da liquidez, a penalidade de multa no valor de R$100.000,00 (cem mil reais); 2. com relação ao recorrente SAUL DUTRA SABBÁ, pelo cometimento da infração consistente na condução dos negócios do Banco Máxima em desacordo com os princípios e as normas de boa técnica bancária, conduta caracterizada pela concessão de empréstimo vedado a pessoa física impedida de operar com a instituição, mediante interposição de terceiro, e pela realização de operações de crédito sem observância dos princípios da seletividade, da garantia e da liquidez, negar-lhe provimento, mantendo a penalidade de inabilitação, pelo prazo de 10 (dez) anos, para o exercício de cargos de direção na administração ou gerência em instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; 3. com relação ao recorrente ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, pelo cometimento da infração consistente na condução dos negócios do Banco Máxima em desacordo com os princípios e as normas de boa técnica bancária, conduta caracterizada pela concessão de empréstimo vedado a pessoa física impedida de operar com a instituição, mediante interposição de terceiro, e pela realização de operações de crédito sem observância dos princípios da seletividade, da garantia e da liquidez, dar-lhe provimento parcial, reduzindo o período de inabilitação para o exercício de cargos de direção na administração ou gerência em instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil de 10 (dez) anos para 5 (cinco) anos; 4. com relação ao recorrente CRISTIANO FERREIRA ABDALLA, pela imputação da infração consistente na condução dos negócios do Banco Máxima em desacordo com os princípios e as normas de boa técnica bancária, conduta caracterizada pela realização de operações de crédito sem observância aos princípios da seletividade, da garantia e da liquidez, dar-lhe provimento, tendo em vista a total improcedência das acusações, convertendo a penalidade de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em arquivamento”.(Evento 1/AP-INQPOL2/fls. 330-331)

II. FATO 01 (a rt. 17, caput , da Lei n.º 7.492/866 )

No dia 18/06/2012, o Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ, na qualidade de Controlador e Diretor-Presidente do Banco Máxima S.A., e RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO – correntista do Banco Máxima S.A. e amigo pessoal do Denunciado –, concorreram para que o primeiro recebesse crédito da própria instituição financeira, a partir da emissão da Cédula de Crédito Bancário (CCB) n.º 0836/2012, no valor de R$2.038.320,43 (dois milhões, trinta e oito mil, trezentos e vinte reais e quarenta e três centavos), mediante prévio ajuste de vontades. Com efeito, a concessão de empréstimo ao controlador do BANCO MÁXIMA – o Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ7 –, em violação ao disposto no art. 34, inciso I, da Lei 4.595/19648 , ocorreu no dia 18/06/2012, quando foi formalizada a Cédula de Crédito Bancário (CCB) n.º 0836/20129 , por meio da qual o BANCO MÁXIMA S.A. – representado no ato por Carolina Matos Costa Bayão – concedeu o empréstimo de R$2.038.320,43 a RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO, montante depositado na conta bancária n.º 101779-5, aberta pelo último no BANCO MÁXIMA S.A., em 15/06/201210.

O empréstimo foi concedido pelos integrantes do Comitê de Crédito do Banco Máxima11 – Saulo Sapir Sabbá12 , Alberto Maurício Caló13 e SAUL DUTRA SABBÁ –, mesmo contra a posição da área de análise de crédito, expressamente inserida na Proposta de Limite de Crédito (PLC), assinada pelos três integrantes do referido Comitê, segundo a qual: “Em função da fragilidade das garantias na operação, somos desfavoráveis ao crédito proposto”.

A garantia oferecida por RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO para a obtenção do empréstimo consistiu na alienação fiduciária de 6.200 ações ordinárias da empresa Promoterra Cia de Urbanismo e Desenvolvimentos S.A., correspondente a 98% do limite aprovado, e de ações ordinárias da AMBEV, PETROBRAS e VALE, equivalentes a 13% do referido limite, conforme previsto na PLC.

Com a aprovação do empréstimo, a garantia da CCB n.º 0836/2012 foi formalizada por meio do Instrumento Particular de Alienação Fiduciária de Ações em Garantia n.º 1829/201215, de 18/06/2012, no qual RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO declarou que seria o titular legítimo das 6.200 ações ordinárias da empresa PROMOTERRA, assim como através do Primeiro Aditivo do referido Instrumento Particular de Alienação Fiduciária de Ações em Garantia n.º 1829/2012, efetuado em 25/06/2012.

Para comprovar a titularidade das 6.200 ações ordinárias da empresa PROMOTERRA, RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO apresentou um Contrato de Compra e Venda de Ações e Outras Avenças, celebrado em 14/06/2012, com o Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ – sem reconhecimento de firma em cartório, sem testemunhas e contendo cláusula de confidencialidade –, por meio do qual o último teria vendido essas ações ao primeiro, pelo valor de R$ 2.000.000,0017.

Ocorre que o valor da venda dessas ações somente foi transferido por RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO ao Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ no dia 19/06/2012, ou seja, justamente um dia após o BANCO MÁXIMA S.A. depositar o valor do empréstimo (R$2.038.320,43) na conta bancária aberta por RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO na própria instituição (conta n.º 101779-5), sendo que o valor pago (R$ 2.000.000,00) corresponde exatamente ao valor líquido do empréstimo, após o desconto de IOF.

Além disso, conquanto a cláusula 3.1. do Contrato de Compra e Venda de Ações e Outras Avenças tenha estabelecido que o negócio deveria ser formalizado com a respectiva anotação no Livro de Registro de Ações Nominativas da empresa PROMOTERRA, esse registro jamais foi efetuado, constando apenas a aquisição das ações pelo Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ, conforme informado pelo Departamento Jurídico do Banco Máxima S.A., em setembro de 201419 .

Nesse cenário, percebe-se que a CCB n.º 0836/2012 permaneceu cerca de 02 (dois) anos sem efetiva garantia de pagamento – repise-se que o valor das 6.200 ações ordinárias da empresa PROMOTERRA correspondiam a 98% do empréstimo –, período em que o BANCO MÁXIMA S.A. sequer solicitou a substituição ou reforço das garantias a RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO, ou promoveu alguma medida executiva.

Em 03/06/2014, o saldo devedor foi amortizado no montante de R$800.000,00, restando a quantia de R$1.887.603,4220 . Contudo, os recursos utilizados para a referida amortização partiram do próprio BANCO MÁXIM A S.A., por meio de investimento indireto em empresa de terceiros.

Com efeito, em 11/04/2014, o BANCO MÁXIMA S.A. integralizou R$1.000.000,00 em quotas do Máxima Private Equity III Fundo de Investimento em Participações (CNPJ n.º 14.576.983/0001-13 – "Máxima PE III FIP"), do qual era quotista único21. Com esta aplicação, o Máxima PE III FIP adquiriu opções de compra de ações da empresa WSB World Sports e Business S.A. (CNPJ n.º 18.142.753/0001-5) perante a empresa HBusiness Bank Ltda (CNPJ n.º 05.600.331/0001-86 – "HBusiness"), depositando o pagamento correspondente na conta n.º 1023043, mantida pela HBusiness no próprio Banco Máxima S.A.

Ato contínuo, em 02/06/2014, a empresa HBusiness transferiu R$808.300,00 da referida conta n.º 1023043 para a conta-corrente n.º 117501, que possuía na agência 2766 do Banco Bradesco, e realizou, na mesma data, uma transferência com valor idêntico para a conta-corrente n.º 4045777, mantida por RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO, na agência 0026-4 do Banco Bradesco. No dia seguinte (03/06/2014), RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO utilizou esses recursos – oriundos da integralização das quotas do Máxima PE III FIP pelo Banco Máxima S.A. – para realizar a amortização de R$800.000,00 da dívida decorrente da CCB n.º 0836/2012.

Em seguida, no dia 18/06/2014, a dívida decorrente da CCB n.º 0836/2012 foi renegociada nos termos da PLC assinada somente pelo Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ 24 , possibilitando o alongamento do saldo devedor (R$1.902.375,69) por mais 36 (trinta e seis) meses (de 18/06/2014 a 18/06/2017), a concessão de carência de 01 (um ano) para pagamento de principal e juros, e o parcelamento em 24 prestações mensais, conforme consta no Primeiro Termo Aditivo à CCB n.º 1836/201225 . Além disso, essa renegociação permitiu que a garantia do contrato fosse reduzida à ações e quotas equivalentes a apenas 12,6% do valor renegociado, desobrigando RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO da apresentação de garantias em substituição às 6.200 ações da empresa PROMOTERRA26 , medida que ignorou o teor do parecer da área de análise de risco, a qual se manifestara pela inclusão de garantias reais ao contrato.

Após essa renegociação, o saldo devedor da CCB n.º 0836/2012 foi mais uma vez amortizado, no montante de R$473.86 0,4127, em 04/12/2014. Entretanto, a referida amortização foi efetuada com recursos do próprio Controlador do BANCO MÁXIM A S.A., o Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ, uma vez que, em 25/11/2014 ele transferira R$500.000,00 de sua conta n.º 001949-3, da agência 7041, do Banco Itaú, para a conta-corrente n.º 4045777, mantida por RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO, na agência 0026-4 do Banco Bradesco, conforme demonstram os respectivos extratos bancários. Com esse montante, RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO conseguiu realizar a amortização, mediante transferência de R$473.860,41 para a conta n.º 101779-5, mantida por ele no Banco Máxima S.A. e vinculada à CCB n.º 0836/2012. Desse modo, forçoso reconhecer que o contrato de compra e venda de ações da empresa PROMOTERRA, a CCB n.º 0836/2012 e o Instrumento Particular de Alienação Fiduciária de Ações em Garantia n.º 1829/2012 (e seus respectivos aditivos) foram firmados por RICARDO LUIS ABERASTAIN ORO e pelo Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ com o claro intuito de dissimular a concessão de crédito pelo BANCO MÁXIMA a este último, controlador da instituição financeira, contornando a vedação prevista no art. 34, inciso I, da Lei 4.595/1964.

III. FATO 02 (art. 4º, caput, da Lei n.º 7.492/86)

No período de 2010 a 2014, o BANCO MÁXIMA S.A. efetuou diversas operações de apoio financeiro às empresas Expandir Participações S.A. (CNPJ n.º 09.372.578/0001-43) e Graça Aranha RJ Participações S.A. (CNPJ n.º 12.107.005/0001- 05), ambas integrantes do GRUPO MARSANS30, seja de forma direta – sem a adequada análise do risco do crédito e das garantias oferecidas, para a concessão de empréstimos e subscrição de debêntures conversíveis –, seja de forma indireta – para a concessão de empréstimo através de pessoa jurídica interposta –, o que provocou o registro de perdas relevantes, especialmente diante da deteriorada situação econômico financeira do referido grupo que culminou com a decretação de sua falência em setembro de 2014.

Inicialmente, entre os anos de 2010 e 2012, o BANCO MÁXIMA S.A. concedeu crédito diretamente àquelas empresas da seguinte forma:

(i) através de sucessivas operações de crédito em favor da Expandir Participações S.A

Além dessas operações, o BANCO MÁXIMA S.A. atuou como originador de créditos para a Expandir Participações S.A.34 e como assessor na emissão adicional de debêntures da Graça Aranha RJ Participações S.A.35, que totalizaram R$14.350.000,00 e foram cedidos ou subscritos por outros investidores. Nesse cenário, de acordo com o Sistema de Informações de Crédito (SCR) do BACEN36, entre dezembro de 2010 e junho de 2011, a exposição do BANCO MÁXIMA S.A. ao risco de crédito da Expandir Participações S.A. aumentou de R$700.000,00 – representada por um contrato de conta garantida (n.º 101576-8) com garantias formadas por um fluxo de recebíveis (50% de cobertura) e aval do controlador – para R$ 9.134.000,00, exposição equivalente a 11,7% do PL do Banco e representada por 13 (treze) Cédulas de Crédito Bancário (CCB) – de n.º 0815/2011 ao n.º 0827/2011 – e um contrato de conta garantida (n.º 101639-0), com garantias menos líquidas (constituídas por quotas representativas do capital de empresas do GRUPO MARSANS37), apesar do parecer desfavorável da análise de crédito na PLC datada de 06/06/2011.

Nos meses de julho e agosto de 2011, essa dívida da Expandir Participações S.A. no montante de R$9.134.000,00 – que não sofreu amortização alguma – foi liquidada com recursos oriundos de debêntures conversíveis emitidas pela empresa Graça Aranha RJ Participações S.A. por meio do Instrumento Particular de Escritura da 1ª Emissão de Debêntures Subordinadas, Conversíveis em Ações, para Colocação Privada39 , conforme demonstra o extrato da conta de cada uma dessas empresas junto ao Banco Máxima S.A.

Essas debêntures conversíveis foram subscritas pelo próprio Banco Máxima S.A., por decisão exclusiva de seu controlador SAUL DUTRA SABBÁ, conforme informado pelo Diretor Estatuário Alberto Maurício Caló ao BACEN 41 – afrontando o estabelecido no art. 8º, parágrafo único, do Estatuto Social do Banco42 –, no valor total de R$13.000.000,0043, depositado na conta da Graça Aranha RJ Participações S.A. em duas parcelas, nos dias 07/07/2011 e 05/08/2011, ocasiões em que os recursos foram imediatamente transferidos para a conta da Expandir Participações S.A.

Note-se que as referidas debêntures nunca foram registradas pelo Banco Máxima S.A. em central de registro e liquidação, conforme determina o art. 1º da Resolução n.º 3.307/200544, ressaltando que o Banco Itaú Unibanco – mandatário e escriturador de debêntures – recusou-se a fazer este registro, alegando que sua área de Compliance não havia aprovado a empresa Graça Aranha RJ Participações S.A. para os serviços de Banco Mandatário e Escriturador de Debêntures.

Apesar disso, o Banco Máxima S.A. manteve a liquidação da dívida da Expandir Participações S.A. – oriunda de crédito direto –, “substituindo-a” pela subscrição das debêntures emitidas pela Graça Aranha RJ Participações S.A., o que, mais uma vez, aumentou a exposição ao risco de crédito do Banco Máxima S.A. ao GRUPO MARSANS, para R$13.000.000,00. Além disso, essa operação proporcionou a obtenção de recursos adicionais pelo GRUPO MARSANS – cerca de R$3.700.000,00, resultante da diferença entre a dívida da Expandir Participações S.A. (R$9.134.000,00) e o valor da aquisição das debêntures (R$13.000.000,00) –, o alongamento do prazo de vencimento do débito original – de 03/2014 (vencimento das 13 Cédulas de Crédito Bancário, de n.º 0815/2011 a n.º 0827/2011) para julho de 2015 (vencimento das debêntures) – e a redução da garantia inicialmente oferecida, que passou a corresponder apenas à participação de 30% no Capital da empresa Graça Aranha RJ Participações S.A. (equivalente ao valor das debêntures subscritas pelo Banco Máxima S.A., caso convertidas em ações).

Em setembro de 2011 – apenas 02 (dois) meses após a subscrição das debêntures –, o BANCO MÁXIMA S.A. decidiu novamente conceder crédito à Expandir Participações S.A. – apesar de parecer desfavorável da análise de crédito –, através de outras 06 (seis) CCBs (de n.º 0881/2011 ao n.º 0886/2011), perfazendo a quantia de R$3.000.000,0047, com carência de 12 (doze) meses, pagamento em 12 (doze) parcelas e garantias constituídas por alienação fiduciária de ações ordinárias da Graça Aranha RJ Participações S.A.48. Dentre essas CCBs, cinco delas (de n.º 0881/2011 ao n.º 0885/2011, no valor total de R$ 2.500.000,00) foram integradas à carteira do Máxima Fundo de Investimento Multimercado Crédito Privado 2 (CNPJ n.º 12.553.726/0001-30 – "Máxima FIM CP2")49 , cujo quotista único é o próprio Banco Máxima S.A., que manteve, assim, o risco das operações.

A concessão de crédito à Expandir Participações S.A. por meio dessas 06 (seis) CCBs (de n.º 0881/2011 ao n.º 0886/2011) elevou a exposição do Banco Máxima S.A. ao GRUPO MARSANS para o patamar de R$17.155.000,00, em 30/12/2011 – equivalente a 23,5% de seu PLA50 –, sendo que a cobertura do risco permaneceu sendo apenas o direito de participação no capital da Graça Aranha RJ Participações S.A, com a eventual conversão das debêntures em ações.

No dia 22/08/2012, antes do término do prazo de carência das CCBs de n.º 0881/2011 ao n.º 0885/2011 – mantidas na carteira do “Máxima FIM CP2” – o Comitê de Crédito do Banco Máxima S.A. (composto apenas por Saulo Sapir Sabbá e pelo Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ) 51 aprovou nova PLC para a empresa Expandir Participações S.A., emitindo a CCB n.º 0841/201252, no valor de R$500.000,00, sem garantias e com pagamento em parcela única e prazo de vencimento em um ano (28/08/2013)53. Essa operação ampliou o apoio financeiro ao GRUPO MARSANS, novamente ignorando o parecer desfavorável da análise de crédito, que destacara a deteriorada situação econômico-financeira da empresa e a ausência de garantias.

Note-se que a aquisição dessas debêntures tornaria o Banco Máxima S.A. um real sócio do GRUPO MARSANS caso fossem convertidas em ações, pois a Graça Aranha RJ Participações S.A. era a holding do GRUPO MARSANS, conforme declarado pela defesa46 . Desse modo, o Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ pretendia, de fato, destinar mais recursos ao GRUPO MARSANS por meio da subscrição de debentures, para concretizar essa sociedade, independentemente do aumento do risco de prejuízo sofrido pelo BANCO MÁXIMA S.A., o que justifica o fato de ter decidido aprovar a operação sem o voto dos demais diretores.

Em 29/10/2012, novamente contrariando parecer desfavorável da área de risco, o Comitê de Crédito do Banco Máxima S.A. – com anuência apenas do Denunciado SAUL DUTRA SABB Á e de Saulo SapirSabbá55 – decidiu renegociar as 05 (cinco) CCBs mantidas na carteira do “Máxima FIM CP2” (de n.º 0881/2011 ao n.º 0885/2011), sob novas condições, com pagamento em parcela única e sem acréscimo de garantias56. De acordo com o BACEN, o registro das referidas CCBs não foi atualizado na central de registro e liquidação após a repactuação, “motivo pelo qual o administrador do Máxima FIM CP257, detentor destes títulos, reconheceu contabilmente provisão para estes ativos em função do atraso. Este aprovisionamento chegou a 100%, em 30.6.2013”.

[...]

O Banco Máxima S.A. tentou ainda simular uma suposta diminuição do risco de inadimplência da Arbor Consultoria e Assessoria Contábil Ltda, mediante a celebração dos Instrumentos Particulares de Alienação Fiduciária de Quotas em Garantia n.º 1801/2014 e n.º 1802/2014, registrados em cartório em julho de 2014 e vinculados, respectivamente, às CCBs n.º 0801/2014 e n.º 0802/2014. Através desses instrumentos, a empresa GFD Investimentos Ltda (CNPJ n.º 10.806.670/0001-53) – empresa que também pertencia ao GRUPO MARSANS, ou seja, sem condições financeiras de cobrir eventual inadimplência da Arbor – alienou fiduciariamente em favor do Banco Máxima S.A. 18,62% de suas quotas de emissão do Condomínio Web Hotel Salvador Iguatemi, como garantia de pagamento de cada CCB.

Contudo, as referidas alienações fiduciárias sequer haviam sido inseridas na avaliação de risco realizada para a aprovação da PLC que ensejou a celebração das CCBs n.º 0801/2014 e n.º 0802/2014. Além disso, as mesmas quotas do Web Hotel Salvador já haviam sido apresentadas ao Banco Máxima S.A. como garantia das 13 (treze) CCBs concedidas à Expandir Participações S.A. (de n.º 0815/2011 ao n.º 0827/2011), que restaram “liquidadas” mediante recursos do próprio Banco Máxima S.A., oriundos da aquisição de debêntures emitidos pela Graça Aranha RJ Participações S.A.

Desse modo, verifica-se que os R$4.000.000,00 formalmente emprestados pelo Banco Máxima S..A. à Arbor Consultoria e Assessoria Contábil Ltda., por meio das CCBs n.º 0801/2014 e n.º 0802/2014, tinham o GRUPO MARSANS como real beneficiário, o que foi reforçado pelas declarações prestadas pela Controladora da Arbor Consultoria e Assessoria Contábil Ltda., Meire Bomfim da Silva Poza76, perante a Polícia Federal77 e a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito instaurada com a finalidade de investigar irregularidades envolvendo a empresa Petróleo Brasileiro S.A. (CPMI-Petrobrás)

Nas duas oportunidades, Meire Bomfim da Silva Poza afirmou que a Arbor Consultoria e Assessoria Contábil Ltda. contratou os empréstimos perante o Banco Máxima S.A., a pedido do Denunciado SAUL DUTRA SABB Á e do real controlador do GRUPO MARSANS (Alberto Youssef), para contornar a impossibilidade de concessão de crédito às empresas do Grupo.

Assim, com a celebração das CCBs n.º 0801/2014 e n.º 0802/2014 e dos Instrumentos Particulares de Alienação Fiduciária de Quotas em Garantia n.º 1801/2014 e n.º 1802/2014, o Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ tentou dissimular o aumento da exposição do Banco Máxima S.A. ao risco de crédito do GRUPO MARSANS, enquanto destinava mais recursos para o Grupo.

[...]

V. ADEQUAÇÃO TÍPICA

Assim agindo, o Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ praticou os crimes previstos nos arts. 4º, caput, e 17, caput93, da Lei n.º 7.492/86, em concurso material.

As sucessivas operações de crédito em favor do GRUPO MARSANS foram promovidas pelo Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ de forma fraudulenta, uma vez que não apenas ignorou o grande risco de inadimplência das empresas do Grupo, como praticou atos para simular a saúde financeira dessas empresas e induzir a erro os demais diretores e membros do comitê de crédito – tais como utilização de novas operações de crédito para liquidação das anteriores –, possibilitando a concessão de créditos em valores crescentes, em prejuízo do patrimônio do Banco Máxima S.A. e da credibilidade do sistema financeiro.

Desse modo, os diversos atos praticados pelo Denunciado SAUL DUTRA SABBÁ na condução das operações de crédito em favor do GRUPO MARSAN no período de 2010 a 2014 configuraram o delito de gestão fraudulenta (art. 4º, caput, da Lei n.º 7.492/86), que, além de ser classificado como crime habitual impróprio, também é considerado crime formal, de modo que se consuma independentemente da ocorrência de dano. 

Com efeito, tanto uma quanto outra ação penal voltam-se a apurar – ao menos em parte – a responsabilidade criminal do paciente pela suposta prática do crime tipificado no art. 4º, “caput”, da Lei nº 7.492/86, quando atuava como diretor-presidente do Banco Máxima, no período compreendido entre os anos de 2010 a 2016.

Conforme se extrai dos autos, o paciente exerceu a função de diretor-presidente do Banco Máxima entre os anos de 2006 a 2017, de forma ininterrupta. Os períodos, portanto, não seriam distintos, e sim comporiam o mesmo interregno no qual teriam sido praticados diversos atos que consistiriam na conduta descrita no art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/86. A ação penal já sentenciada refere-se a período imediatamente anterior (de 2010 a junho de 2014) ao tratado na ação penal que deu origem ao presente habeas corpus (novembro de 2014 a março de 2016). 

Ainda que os fatos narrados nas duas ações penais não sejam os mesmos, já que se referem a contratos distintos com pessoas jurídicas também distintas, a análise dos autos revela que, na essência, em ambas as denúncias, a narrativa quanto ao crime de gestão fraudulenta é a de que o paciente, durante a sua gestão como diretor-presidente, atuou em desacordo com os princípios e as normas de boa gestão, em prejuízo ao patrimônio do Banco Máxima e da credibilidade do sistema financeiro.

Da leitura de ambas as denúncias, se extrai a narrativa de diversos atos tomados pelo paciente, em concurso com outras pessoas, que consistiram em práticas irregulares, utilizando-se de expedientes que envolviam fraude, ardil, má-fé e meio enganoso, situando-se no mesmo contexto fático.

Não obstante o entendimento de que seria possível a configuração do crime de gestão fraudulenta mediante apenas uma conduta, desde que esta se caracterize como relevante ou determinante a ponto de configurar parte da gestão da instituição, seja por seu caráter direcionador, por sua magnitude ou por seus efeitos programados, no presente caso, os expedientes irregulares adotados pelo paciente durante todo o período em que esteve à frente da gestão do banco devem ser vistos como práticas criminosas habituais dirigidas ao engano de clientes, investidores, fiscalização, entre outros, e não como crimes de gestão fraudulenta distintos.

A reiteração de atos, portanto, deve ser considerada como mero desdobramento da habitualidade, e não como uma pluralidade delitos, como ocorreu no presente caso, não se tratando de concurso de delitos, e sim de crime único.

Pontuo que a jurisprudência dos Tribunais Superiores se consolidou no sentido de que tanto o crime de gestão temerária quanto o crime de gestão fraudulenta de instituição financeira são classificados como crime habitual impróprio ou acidentalmente habitual, de forma que embora um único ato seja capaz de consumar o delito de gestão fraudulenta (desde que possua aptidão para constituir uma política de gestão com impacto global na instituição) a reiteração de atos não constitui crime autônomo, e sim desdobramento da habitualidade.

Colaciono os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. GESTÃO FRAUDULENTA. CRIME HABITUAL IMPRÓPRIO. CONDUTA QUE SE MANTEVE POR MAIS DE DOIS ANOS. AUMENTO DA PENA-BASE. MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA. POSSIBILIDADE. ESCOLHA DA FRAÇÃO DE MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. EXAME DO CASO CONCRETO. 1. O crime de gestão fraudulenta é considerado delito habitual impróprio, em que uma só ação tem relevância para configurar o tipo, ainda que a sua reiteração não configure pluralidade de crimes. 2. Assim, sendo incontroverso que as condutas da recorrida se estenderam por período superior a dois anos, mostra-se justa e adequada a valoração negativa de sua culpabilidade e, logo, a a majoração da sanção inicial. 3. No caso, embora a Corte de origem, ao estabelecer a fração de aumento da pena inicial, não tenha observado a orientação consolidada no âmbito do STJ no sentido de que a ponderação das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal não é uma mera operação aritmética, adotando critério cuja natureza é puramente objetiva, não se verifica, à luz do caso concreto, a necessidade de imposição de uma fração de aumento superior àquela adotada na instância ordinária. 4. Agravo regimental a que se dá parcial provimento apenas para restabelecer a consideração negativa da culpabilidade da agravada, readequando-se a pena que lhe foi aplicada. (STJ - AgRg no REsp: 1398829 SC 2013/0284698-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 17/03/2015, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/03/2015) – G.n.

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. GESTÃO FRAUDULENTA. COMPROVAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. ATOS DE GESTÃO. CRIME HABITUAL IMPRÓPRIO. EMPRÉSTIMO VEDADO. MATERIALIDADE. PENA. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. MODUS OPERANDI E CONSEQUÊNCIAS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. É firme o entendimento jurisprudencial de que o crime de gestão fraudulenta se classifica como habitual impróprio, de modo que basta uma única ação para que se configure.

2. Constatado o poder de gestão do acusado, com base no material cognitivo, não há como infirmar tal premissa sem que se faça nova incursão probatória.

Incidência da Súmula n. 7 do STJ.

3. O modus operandi e as graves consequências do delito, que culminaram com a necessidade de intervenção oficial na instituição financeira, justificam a fixação da pena acima do mínimo legal.

4. Agravo regimental não provido, com determinação de imediato cumprimento da pena. (AgRg no AREsp n. 486.689/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe de 2/8/2019.) – G.n.

 

HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. TRF3. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (LEI N. 7.492/1986). GESTÃO TEMERÁRIA (ART. 4º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA MESMA LEI). ADMINISTRADOR DO BANESPA. BIS IN IDEM CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO.

1. O crime de gestão temerária de instituição financeira caracteriza-se como crime acidentalmente habitual, razão pela qual, embora um único ato seja suficiente para a configuração do crime, a sua reiteração não configura pluralidade de delitos. Precedentes do STJ e do STF.

2. Na hipótese dos autos, mesmo sendo praticados os atos de gestão temerária em situações distintas e com aparentes finalidades diversas, de rigor a aplicação do posicionamento jurisprudencial consolidado, tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o crime de gestão temerária de instituição financeira (art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986) é habitual impróprio ou acidentalmente habitual, pois um único ato pode ser suficiente para a configuração do crime, mas a repetição de atos não configura pluralidade de delitos.

3. Existindo a condenação anterior, transitada em julgado, do ora paciente Nelson Mancini Nicolau, também pela gestão temerária como administrador da mesma instituição, Banespa, segundo narram as denúncias, em datas próximas, com todos os atos praticados no mesmo exercício, no ano de 2006, configura-se o alegado bis in idem, envolvendo a Ação Penal n. 2006.03.00.026541-0, já transitada em julgado, e a Ação Penal n. 2006.03.00.008798-1, objeto do REsp n. 1. 352.043/SP.

4. Ordem concedida para reconhecer o bis in idem e absolver o ora paciente Nelson Mancini Nicolau, nos termos do art. 386, VI, do CPP, das imputações constantes da Ação Penal n. 2006.03.00.008798-1. (HC n. 391.053/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 30/5/2019, DJe de 2/8/2019.) – G.n.

 

Observo que não transcorreu longo lapso temporal entre as denúncias, já que ambas foram oferecidas no ano de 2021, com diferença de apenas seis dias (13 de maio de 2021 e 19 de maio de 2021), sendo que àquela época os fatos que foram desmembrados e deram origem a duas ações penais distintas já eram conhecidos pelo órgão acusatório, tratando-se de gestão ininterrupta da mesma instituição financeira, vale dizer, de uma mesma política institucional conduzida por uma mesma pessoa. Os vários atos que em tese compõem uma mesma política institucional de fraude têm de estar abarcados no mesmo crime de gestão fraudulenta, não podendo o órgão acusatório fracionar artificialmente as condutas, como ocorreu no presente caso.  

Por se tratar de crime habitual impróprio (ou acidentalmente habitual), as práticas fraudulentas, tomadas ao longo dos anos no exercício do mesmo cargo e com um nexo de unidade (que as torna, em tese, uma política de condução da instituição, isto é, uma “gestão” de tipo “fraudulento”), não podem ser utilizadas para a configuração de diversos crimes de gestão fraudulenta, procedendo-se a um artificial recorte temporal (artificial porque carente de justificativa fática e jurídica para a divisão).

Assim, existindo condenação anterior do ora paciente, pela gestão fraudulenta da mesma instituição financeira – Banco Máxima –, segundo narram as denúncias, em datas muito próximas, com todos os atos praticados no período compreendido entre os anos de 2010 a 2016, nos quais o paciente atuou de forma ininterrupta como diretor-presidente da instituição financeira, configura-se o alegado “bis in idem”, envolvendo a ação penal nº 5041756-94.2021.4.02.5101/RJ, já sentenciada, e a ação penal nº 5003557-34.2021.4.03.6181/SP, objeto do presente habeas corpus.

Anoto que a prática de atos fraudulentos por diversas vezes, na condução da gestão de um mesmo banco, e por um período bastante longo, o que demonstra desrespeito para com a ordem jurídica, constitui circunstância que poderia, se o caso, ser considerada na fase da dosimetria penal, para exasperação de eventual pena, mas não como suposta base para a divisão da conduta em si, que permanece una, dada a abrangência estrutural da expressão “gestão fraudulenta”.

Para além disso, ainda que não fosse o caso de se reconhecer a existência de litispendência parcial quanto ao crime de gestão fraudulenta em relação ao paciente, a detida análise dos fatos narrados na denúncia revela a sua inépcia especificamente em relação à configuração do tipo penal previsto no art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/86.

Da análise da exordial acusatória se depreende a completa ausência da narração de uma suposta política de gestão baseada na fraude, razão pela qual inviável reconhecer a prática, sequer em tese, de atos moldados especificamente no tipo de gestão fraudulenta.

Isso porque se constata que os atos descritos como caracterizadores do crime de gestão fraudulenta, nada mais são do que uma síntese genérica e abstrata daqueles que foram individualizados quando da narrativa dos crimes previstos nos arts. 6º e 10, da mesma Lei 7.492/86.

A fraude teria consistido, resumidamente, em uma específica triangulação de recursos visando aumentar o resultado contábil e criar ganhos artificiais ao Banco Máxima, com o objetivo de melhorar seu resultado contábil. Da conduta teria decorrido, ainda, a apresentação ao Bacen de informações e demonstrativos financeiros que não refletiam a real situação econômico-financeira do banco.

Segundo narra a denúncia, houve a subscrição, pela instituição financeira, em dezembro de 2014, de 8.684.701,65 cotas do Ravena Fundo de Investimento em Participações – RAVENA FIP, no valor unitário de R$1,00, utilizando-se da totalidade das ações da empresa FC-MAX Promotora de Vendas S.A., subsidiária do Banco Máxima. Até então as ações da FC-MAX eram contabilizadas nos demonstrativos financeiros do banco como ativo permanente (no valor de R$ 9.159.084,33). Após a criação e subscrição das cotas do RAVENA FIP, o Banco Máxima continuou a ser proprietário integral da empresa FC-MAX Promotora de Vendas S.A., por meio do fundo RAVENA FIP, atuando como intermediário, de forma que a participação do banco na empresa FC-MAX (que era registrada como ativo permanente na rubrica contábil “participações em coligadas e controladas”) passou a ser contabilizada como ativo circulante, na rubrica “cotas de fundo em participação”.

Paralelamente, em novembro de 2014, o Banco Máxima teria emprestado a quantia de R$1.538.595,00 a empresa Queimados Negócios Imobiliários S.A., controlada integralmente pelo fundo AQUILLA VEYRON FII. Na sequência, o referido fundo teria utilizado essa mesma quantia (R$1.538.595,00) para subscrever 680.196,23 cotas do RAVENA FIP (que pertencia 100% do Banco Máxima), pelo valor unitário de cota de R$2,261.986, passando o fundo a possuir 7,3% das cotas do RAVENA FIP. A aquisição das cotas do RAVENA FIP pelo fundo AQUILLA VEYRON FII foi concretizada com recursos do próprio Banco Máxima, que cedeu o dinheiro dias antes.  

A aquisição de algumas cotas do RAVENA FIP pelo fundo AQUILLA VEYRON FII pelo valor unitário de R$2,261986 importou em uma valorização artificial de 126%, patrocinada com recursos do próprio banco. Em decorrência disso, o Banco Máxima registrou em seu demonstrativo financeiro de 31/12/2014 lucro contábil superior a R$ 10 milhões relativo a um “ajuste a mercado” positivo de sua aplicação em cotas do RAVENA FIP. Constou, ainda, que a administradora dos fundos era a FOCO DTVM e a gestora a AQUILLA ASSET MANAGEMENTE LTDA.   

Tal prática teria possibilitado a realização de ajuste a mercado que simulou a valorização de investimento feito na empresa FC-MAX com o objetivo de melhorar seu resultado contábil e reduzir prejuízos da instituição financeira no ano de 2014.

Ademais, teria o paciente, ainda, adotado, entre janeiro de 2015 e março de 2016, manobras contábeis para dissimular grave insuficiência de capital, com inserção de informações falsas em documentos contábeis apresentados ao Bacen.

In casu, tem-se a narrativa de um ato fraudulento consistente em triangulação de recursos, que visava aumentar o resultado contábil e criar ganhos artificiais, ato que indubitavelmente tem sua relevância e deve ter reflexos na seara penal, mas que, em verdade, se trata da narrativa de uma única fraude, não havendo na denúncia sequer a descrição de que essa fraude específica constituiria uma política, um método de ação da instituição financeira e de sua direção. Política é método, estrutura finalística de agir dentro de uma corporação, e não há isso apontado no presente caso.

Aponta-se a existência de uma insuficiência de capital indicada ao Banco Máxima pelo Bacen que foi corrigida por uma fraude, que é um ato juridicamente relevante, mas que não se revela suficiente para a configuração de toda uma política de gestão ou de um método de ação adotado sistematicamente pela direção da instituição financeira.

Saliento, uma vez mais que, excepcionalmente, um ato de fraude pode ser considerado como gestão fraudulenta quando, por si só, é suficiente para constituir uma política inteira, de forma estruturada. Porém, vê-se de pronto que não é o caso dos autos, pois a denúncia narra a suposta existência de fraude em uma operação específica, sem descrever como se demonstra, por meio dessa suposta operação, um ato que configuraria, por si, método fraudulento de gestão.

Nesse sentido, colaciono julgado do E. Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSUAL. CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. TRANCAMENTO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS. CONCESSÃO.

1. O crime do art. 4º, caput da Lei nº 7.492/1986 (gestão fraudulenta) é de mão própria e, pois, somente pode ser cometido por quem tenha poder de direção, conforme, aliás, rol expressamente previsto no art. 25.

2. Além disso exige para a sua consumação a existência de habitualidade, ou seja, de uma sequência de atos, na direção da instituição financeira, perpetrados com dolo, visando a obtenção de vantagem indevida em prejuízo da pessoa jurídica.

3. A descrição de um só ato, isolado no tempo, não legitima denúncia pelo delito de gestão fraudulenta, como ocorre na espécie, onde o ora paciente está imbricado como mero partícipe, estranho aos quadros da instituição financeira, por ter efetivado uma operação na bolsa de valores, em mesa de corretora.

5. Habeas corpus concedido para trancar a Ação Penal n.º 2003.51.01503779-3, em curso perante a 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ, em relação ao ora paciente, PAULO MÁRIO PEREIRA DE MELLO. (HC n. 101.381/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 27/9/2011, DJe de 13/10/2011.) – G.n.

 

A conexão dessa específica operação de triangulação de recursos com eventuais outras condutas praticadas no mesmo contexto fático poderia, se o caso, caracterizar a efetiva política de condução da instituição financeira; porém, essa necessária correlação não foi feita, sequer no plano narrativo, pelo órgão acusatório.

Não há dúvida, portanto, que a denúncia narra a prática de uma fraude que visava dissimular a situação financeira desfavorável em que o banco se encontrava em razão dos prejuízos anteriormente experimentados, e não a prática reiterada e habitual de atos fraudulentos que constituiriam uma verdadeira política institucional adotada pelo paciente e pelos demais coautores na condução da gestão financeira do banco, que seria a princípio apta a configurar o crime previsto no art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/86.

Nesse ponto, observo que o art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/86 é claro ao dispor sobre “gestão” fraudulenta, e não sobre “ato” fraudulento, do que decorre a necessidade da descrição, na inicial acusatória, para sua configuração, de um conjunto de atos que caracterize verdadeira política de comando da instituição financeira, com a especificação do estilo de agir na condução da administração da instituição financeira. Um ato fraudulento, ainda que tomado em diversas etapas, como o descrito na inicial acusatória, poderá, eventualmente, configurar outros delitos, mas não o de gestão fraudulenta.

Entendo, portanto, que a gestão fraudulenta não se trata de qualquer descumprimento do rígido (e necessário) plexo normativo que regula a atuação das instituições financeiras. Trata-se de algo mais grave do que isso: de série de atos (ou, excepcionalmente, de ato isolado de gestão com impactos globais na instituição) que comprometa concretamente, e de maneira relevante, a confiabilidade global da instituição ou sua capacidade geral de honrar e administrar seus compromissos financeiros.

Nesse sentido, a própria Lei 7.492/86 criminaliza expressamente atos singulares de fraude praticados no âmbito da gestão de instituições financeiras, a exemplo da capitulação jurídica trazida na inicial acusatória, que imputa ao paciente também a prática dos crimes previstos nos arts. 6º e 10. A gestão fraudulenta seria, assim, um tipo síntese, muito específico, que abarca aquilo que se torna política ou o próprio modo de conduzir uma instituição financeira.

Os mencionados tipos penais assim dispõem:

Art. 6º Induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Art. 10. Fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela legislação, em demonstrativos contábeis de instituição financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos de valores mobiliários:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

Tem-se, portanto, que os crimes previstos nos arts. 6º e 10 podem, eventualmente, ter sido perpetrados de forma autônoma e dissociada da conduta delituosa inserta no art. 4º, “caput”, todos da Lei 7.492/86, independentemente de haver, em contexto conexo, crime de gestão fraudulenta envolvendo os mesmos gestores (total ou parcialmente).

E, considerando os documentos juntados aos autos, não há como concluir, especialmente neste momento processual e em sede de habeas corpus, pela existência de forte probabilidade de que todo o teor denunciado na origem esteja abarcado na imputação prévia de gestão fraudulenta vertida nos autos, de forma que a apuração da suposta prática dos referidos delitos pelo paciente deve prosseguir, não havendo falar-se em falta de justa causa, diante da existência de lastro probatório mínimo a embasar e justificar o prosseguimento da persecução penal.

Há de se enfatizar também que os elementos probatórios mínimos que serviram de base para o oferecimento da denúncia em relação aos crimes previsto nos arts. 6º e 10, ambos da Lei 7.492/86 serão submetidos ao contraditório e à ampla defesa, no curso da instrução criminal.

Ademais, em relação a tais crimes, as alegações trazidas pela defesa não foram constatadas de plano, através da prova pré-constituída, ressaltando-se que o exame aprofundado de provas é inviável em sede de habeas corpus, conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. DECISÃO MANTIDA. COMANDO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA E LAVAGEM DE CAPITAIS. OPERAÇÃO SHARKS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. NÃO CONSTATADA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. NÃO CONFIGURAÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Somente é possível o trancamento de ação penal por meio de habeas corpus de maneira excepcional, quando de plano, sem a necessidade de análise fático-probatória, se verifique a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade ou de indícios da autoria ou, ainda, a ocorrência de alguma causa extintiva da punibilidade. É certa, ainda, a possibilidade de trancamento da persecução penal nos casos em que a denúncia for inepta, não atendendo o que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal - CPP, o que não impede a propositura de nova ação desde que suprida a irregularidade.

In casu, a denúncia preenche os requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal, descrevendo, suficientemente as condutas imputadas ao agravante de integrar e promover organização criminosa e de lavagem de dinheiro, apresentando os elementos de prova que serviram para a formação da opinio delicti, possibilitando o exercício da ampla defesa e do contraditório. Assim, havendo indícios suficientes de autoria delitiva e materialidade, como bem apontado pela Corte a quo, diante do extenso conjunto probatórios dos autos principais, onde constam mais de 8 mil páginas, mostra-se prematuro falar em trancamento da ação penal.

2. Quanto à alegada ocorrência de bis in idem, registre-se que, consoante asseverado pelo Tribunal de origem, o processo ao qual o agravante responde perante o Juízo da Comarca de Presidente Venceslau/SP (processo n. 0002529-47.2013.8.26.0483) diz respeito a conduta delituosa tipificada no art. 288, parágrafo único, do Código Penal, e abarca período distinto e anterior ao da ação penal discutida nos presentes autos, em que o recorrente fora denunciado como incurso no artigo 2º, c.c. os seus §§ 2º, 3º e inc. III e V do § 4º, da Lei n. 12.850/13 e no artigo 1º da Lei n. 9.613/98. Tais circunstâncias, neste primeiro momento da ação penal, afastam a existência de unidade fática e, por isso, impede o trancamento da ação penal pretendido.

3. No tocante à apontada irregularidade nas provas e quebra de cadeia de custódia, o Tribunal de origem afirmou não haver nenhuma evidência concreta de falhas procedimentais nas provas dos autos, sendo certo que o recorrente, por outro lado, não logrou demonstrar de plano as ilegalidades suscitadas. Dessa maneira, acolher o pleito defensivo, demandaria, necessariamente, a análise aprofundada de todos os elementos de prova, procedimento que não se mostra possível pela via estreita do habeas corpus e do recurso em habeas corpus.

4. Esta Corte Superior tem o entendimento de que, somente configura constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa, apto a ensejar o relaxamento da prisão cautelar, a mora que decorra de ofensa ao princípio da razoabilidade, consubstanciada em desídia do Poder Judiciário ou da acusação, jamais sendo aferível apenas a partir da mera soma aritmética dos prazos processuais. Na hipótese, não restou caracterizada a existência de mora na tramitação do processo que justifique o relaxamento da prisão preventiva, porquanto este tem seguido seu trâmite regular.

Extrai-se das informações prestadas pelas instâncias ordinárias, bem como do andamento processual da ação originária no sítio eletrônico do Tribunal estadual, que a insatisfação da defesa com a relativa delonga na conclusão do feito não pode ser atribuída ao Juízo, mas às suas peculiaridades, considerando a complexidade do processo, no qual se apura a prática dos delitos de organização criminosa armada e lavagem de dinheiro, com pluralidade réus - 19 -, representados por advogados distintos, demandando a realização de diversas diligências. Em 29/6/2022, o Juízo procedeu à reanálise da necessidade da manutenção da prisão cautelar do recorrente, nos termos do art. 316, parágrafo único, do CPP, entendendo que permanecem incólumes os pressupostos fáticos e jurídicos para manutenção da custódia cautelar do acusado; destacando, inclusive, que o mandado prisional ainda não fora cumprido, já tendo sido determinada a sua inclusão na Difusão Vermelha da Interpol. A audiência de instrução de julgamento foi realizada em 11/8/2022.

Ademais, não se pode ignorar o fato extraordinário da pandemia do vírus Covid-19, que levou os Tribunais do País a suspenderem os prazos e as atividades presenciais, por longos períodos, sendo necessária a readequação das atividades de instituições públicas e privadas em âmbito mundial.

5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no RHC n. 158.368/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/12/2022, DJe de 22/12/2022.) – G.n.

 

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ESTELIONATO, FALSIDADE IDEOLÓGICA, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. EXCEPCIONALIDADE DO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA SUFICIENTES. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. "Não há, no Regimento Interno do STJ, previsão para a intimação prévia do advogado para ser cientificado do julgamento de agravo regimental, que será apresentado em mesa, tampouco previsão da possibilidade de sustentação oral" (AgRg na APn n. 702/AP, Corte Especial, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 16/6/2016).

2. Extrai-se dos autos que o paciente e outros 11 (onze) corréus foram denunciados pela suposta prática de crimes de estelionato, falsidade ideológica, organização criminosa e crime contra a economia popular. Segundo a denúncia, consta do caderno investigatório que a ODEBRECHT AMBIENTAL/SANEATINS, de março de 2012 a maio de 2015, firmou diversos pactos com o objetivo de alienar, com termo futuro, bens vinculados ao serviço público de fornecimento de água e tratamento de esgoto do município de Palmas, os quais são inalienáveis por força de lei. Tais negócios teriam sido realizados de forma fraudulenta, mantendo em erro o Estado do Tocantins, causando dano ao patrimônio público.

3. Esta Corte Superior pacificou o entendimento segundo o qual, em razão da excepcionalidade do trancamento da ação penal, tal medida é possível somente quando ficar demonstrado - de plano e sem necessidade de dilação probatória - a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade. É certa, ainda, a possibilidade de trancamento da persecução penal nos casos em que a denúncia for inepta, não atendendo o que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal - CPP, o que não impede a propositura de nova ação, desde que suprida a irregularidade.

4. Na espécie, não se identifica flagrante ilegalidade apta a ensejar a açodada interrupção da ação penal em relação ao agravante, porquanto as teses veiculadas no mandamus demandam esforço interpretativo, mostrando-se necessária a instrução penal, sob o crivo do contraditório, para que possam ser analisadas.

5. "Segundo jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, a propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos e suficientes de autoria e materialidade. A certeza será comprovada ou afastada durante a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio do in dubio pro societate" (AgRg no RHC 130.300/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 27/10/2020).

6. Por derradeiro, consigno que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 589.109/TO (DJe 19/3/2021), conexo ao presente writ, decidiu que os indícios de autoria apresentados na peça acusatória, relativamente ao corréu, eram suficientes para deflagrar a ação penal e que a análise da presença ou não do elemento subjetivo do tipo, no que diz respeito ao conhecimento das cláusulas de inalienabilidade dos imóveis, situa-se no campo probatório incompatível com a via mandamental.

7. Agravo ao qual se nega provimento.

(AgRg no HC n. 589.111/TO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 13/4/2021, DJe de 16/4/2021.) – G.n.

Assim, ainda que não fosse o caso de se reconhecer a existência de “bis in idem” em relação ao contexto fático narrado nos autos nº 5041756-94.2021.4.02.5101/RJ, especificamente quanto ao paciente, entendo que não há substrato fático descrito na denúncia, nem mesmo em tese e se comprovada ao longo da ação principal toda a narrativa ministerial, para a específica imputação do crime de gestão fraudulenta.

Ante o exposto, concedo em parte a ordem de habeas corpus, para trancar a ação penal apenas com relação à imputação do crime previsto no art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta), prosseguindo-se no que tange aos demais delitos (arts. 6º e 10, ambos da Lei 7.492/86).

É como voto.


E M E N T A

 

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. ARTIGOS 4º, “CAPUT”, 6º E 10 DA LEI N.º 7.492/1986. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO JUÍZO A QUO. NÃO OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. FATOS NARRADOS EM AMBAS AS DENÚNCIAS NÃO SÃO OS MESMOS. CONTRATOS DISTINTOS COM PESSOAS JURÍDICAS DIVERSAS. PERÍODOS E DESÍGNIOS TAMBÉM DISTINTOS. COINCIDÊNCIA APENAS NO TOCANTE À INTERVENIÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DELITO DE GESTÃO FRAUDULENTA. CRIME HABITUAL IMPRÓPRIO OU ACIDENTALMENTE HABITUAL. APERFEIÇOAMENTO COM UM ÚNICO ATO ISOLADO. REITERAÇÃO DE ATOS TAMBÉM PODE ENSEJAR A CONSECUÇÃO DE DIVERSOS DELITOS. NÃO OCORRÊNCIA DE INÉPCIA DA PEÇA VESTIBULAR NO QUE TANGE AOS ATOS DE GESTÃO FRAUDULENTA. DISTINÇÃO DA OBJETIVIDADE JURÍDICA DE CADA UM DOS DELITOS IRROGADOS NA EXORDIAL INCOATIVA. SENTENÇA QUE VENHA A SER PROFERIDA DEVERÁ SE VOLTAR TAMBÉM À PERQUIRIÇÃO SE SE PODERIA CONSIDERAR A CONSUNÇÃO ENTRE CADA UM DOS TIPOS PENAIS. SÓ SERIA POSSÍVEL O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL SE SE DIVISASSE DE PLANO E SEM NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA A COMPLETA AUSÊNCIA DE PROVA DE MATERIALIDADE DELITIVA, DE INDÍCIOS DE AUTORIA E ATIPICIDADE DA CONDUTA OU AINDA A PRESENÇA DE ALGUMA CAUSA CONFIGURADORA DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, O QUE NÃO SE VERIFICA NA HIPÓTESE. ORDEM DENEGADA.

- Da não ocorrência de bis in idem com a ação penal n.º 5041756-94.2021.402.5101 que tramitou perante o Rio de Janeiro/RJ. A denúncia contida nos autos subjacentes a este Habeas Corpus descreve em tese atos de gestão fraudulenta (além de ter sido imputado os tipos dos artigos 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986) do ora paciente que são distintos dos atos de gestão fraudulenta contidos nos autos da ação penal n.º 5041756-94.2021.402.5101 do Rio de Janeiro pelos quais fora condenado, além de os períodos também serem distintos, com propósitos que não se assemelhariam. Referida sentença considerou absorvido o crime tipificado no artigo 17 da Lei n.º 7.492/1986 pelo crime de gestão fraudulenta, sendo certo que no feito sob exame, que motivou a impetração do presente Habeas Corpus, caberá, oportunamente, após a instrução processual, a apreciação da absorção ou não dos delitos previstos nos artigos 6º e 10 do referido diploma legal pelo delito de gestão fraudulenta. Os fatos narrados em ambas as denúncias não são os mesmos, já que se trata de contratos distintos com pessoas jurídicas diversas, em períodos e desígnios também distintos, havendo coincidência apenas no tocante à interveniência do BANCO MÁXIMA S.A.

- Se o delito de gestão fraudulenta (crime habitual impróprio ou acidentalmente habitual) pode se aperfeiçoar com um único ato isolado, com maior razão a apontada reiteração de atos a serem analisados no caso concreto também possa ensejar a consecução de diversos delitos. Tudo dependerá da finalidade almejada e da produção de lesões distintas. Nesta linha de raciocínio, se houver diversos atos de gestão que envolvam operações distintas, em períodos diversos e modo de consecução e dolo igualmente díspares, e considerados isoladamente puderem resultar risco ou prejuízo a terceiros e à própria instituição financeira, não haverá que se falar em crime único, mas sim em concurso de crimes. Neste sentido também pontou o Ministro Rogerio Schietti Cruz na relatoria do Habeas Corpus (HC n.º 444.389/SP, Sexta Turma, julgado em 22.09.2020, DJe de 30.09.2020) conquanto tenha ao final aderido ao entendimento dos demais julgadores da Sexta Turma do C. STJ que firmaram compreensão (observando precedente do C. STF) de que no delito habitual impróprio ou acidentalmente habitual, entre os quais se insere a gestão temerária (e também a fraudulenta), um único ato é capaz de consumar o crime, muito embora a reiteração de atos não constitua delito autônomo, mas mero desdobramento desta habitualidade, de modo que a reiteração não corresponde ao concurso de crimes.

- Não houve conduta irregular do órgão ministerial ao oferecer denúncias distintas de crimes de gestão fraudulenta do paciente na condição de Diretor Presidente do BANCO MÁXIMA S.A., já que os fatos apurados no Rio de Janeiro de 2010 a junho de 2014 não se assemelham aos atos de gestão descritos nos autos subjacentes (novembro de 2014 a março de 2016).

- Da não ocorrência de inépcia da denúncia no que tange aos atos de gestão fraudulenta. Do que se pode denotar da denúncia é a narrativa de supostas irregularidades na boa condução da gestão da instituição financeira pelo paciente, mediante a simulação de valorização de investimento em empresa controlada para reduzir prejuízo contábil, colocando em grave risco terceiros e a própria instituição financeira, permitindo tal descrição o exercício da ampla defesa. Ademais, a inicial acusatória descreveu a autoria do paciente SAUL DUTRA SABBÁ em razão da condução da instituição financeira nas operações e que seriam configuradoras da materialidade delitiva, tendo se respaldado não só no Relatório do Banco Central que apontou sua condição de controlador do BANCO MÁXIMA S.A e ocupando a posição de Diretor Presidente, mas também nos demais elementos probatórios coligidos na fase inquisitorial, os quais demonstrariam o seu poder de mando na condução das atividades, tomando decisões supostamente espúrias que teriam orientado os rumos da instituição financeira, no período de novembro de 2014 a março de 2016. Descreve a denúncia que o paciente teria atuado em desacordo com os princípios e as normas de boa gestão e lealdade em função das práticas de simulação de valorização de investimento em empresa controlada (FC-MAX Promotora de Vendas S.A.) para reduzir prejuízo contábil do BANCO MÁXIMA S.A. Tais ações teriam resultado na publicação de demonstrações financeiras e na apresentação de informações ao Banco Central que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da instituição, com assunção de riscos incompatíveis com a sua estrutura de capital e prestação de informações incorretas àquela autarquia, de forma intencional e sistemática, para dissimular sua grave insuficiência de capital. Além disso, a denúncia descreve que no período de janeiro de 2015 a março de 2016 o BANCO MÁXIMA S.A., na pessoa do paciente e de outros, teria assumido riscos muito superiores àqueles compatíveis com a sua estrutura de capital, apresentando informações incorretas referentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de suas exposições patrimoniais ao risco de crédito, risco de mercado e risco operacional, de forma a dissimular um quadro de grave insuficiência de capital.

- A Lei n.º 6.404, de 15.12.1976, que dispôs sobre as sociedades por ações, prescreve os deveres e responsabilidades dos administradores no exercício de suas funções (dever de diligência, de lealdade, de informar e responsabilidade – artigos 153 e seguintes), visando a proteção dos investidores e do próprio Sistema Financeiro Nacional.

- Na esteira do parágrafo único do artigo 116, “o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”, respondendo, nos termos do artigo 117 do mencionado diploma legal, “pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder”.

- A par das sanções administrativas previstas pelo descumprimento da função social e do dever de lealdade na condução da instituição, que, inclusive, motivou a sanção de inabilitação para o exercício de cargos de direção na administração ou gerência em instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil,  em tendo sido o paciente SAUL DUTRA SABBÁ denunciado pelo Ministério Público Federal por atos que seriam configuradores em tese de crime de gestão fraudulenta (além dos artigos 6º e 10 da Lei n.º 7.492/1986), na condição de Diretor Presidente do BANCO MÁXIMA S.A à época dos fatos, deve se submeter também ao processo judicial validamente instaurado para apuração de condutas que configurariam os crimes descritos na denúncia.

- Foram descritas na denúncia também condutas que, para além do artigo 4º, caput, da Lei n.º 7.492/1986, amoldam-se, em tese, aos crimes tipificados nos artigos 6º e 10 da lei excogitada de molde a permitir a instauração da ação penal no juízo federal de São Paulo. Todavia, como já se afirmou precedentemente, eventual consunção entre tais artigos e o de gestão fraudulenta, que possui pena mais grave, só poderá ser objeto de deliberação após a instrução probatória por ocasião do ato de sentenciamento do feito, levando-se em consideração a objetividade jurídica de cada um dos tipos, o elemento anímico e as provas produzidas que ensejarão, ou não, a condenação do paciente.

- A objetividade jurídica do tipo de gestão fraudulenta exige que “haja a utilização de ardil ou de astúcia, imbricada com a má-fé, no intuito de dissimular o real objetivo de um ato ou negócio jurídico, cujo propósito seja o de ludibriar as autoridades monetárias ou mesmo aquelas com quem mantém eventual relação jurídica. A má-fé, nesse contexto, é elemento essencial para a configuração da fraude” (Habeas Corpus n.º 285.587/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15.03.2016, DJe de 28.03.2016).

- O bem jurídico do tipo previsto no artigo 6° da Lei n° 7.492/1986 “pretende resguardar a confiança inerente às relações jurídicas e negociais existentes entre os agentes em atuação no sistema financeiro (sócios das instituições financeiras, investidores e os órgãos públicos que atuam na fiscalização do mercado), protegendo-os, ainda, contra potenciais prejuízos decorrentes da omissão ou prestação de informações falsas acerca das operações financeiras. Na forma omissiva o sujeito ativo, através de informação falsa ou da omissão de informação verdadeira, induz a erro o sujeito passivo fazendo com que represente de maneira equivocada ou até mesmo ignore a realidade. Na forma comissiva por omissão, o autor deve se revestir da posição de garante, ou seja, deve possuir o dever de revelar a informação adequada” (TRF/2 - ACR n.° 2000.51.01.509117-8, Rel. Des. Fed. Sergio Schwaitzer, 6ª T., vu, DJU 15.02.2005). O legislador intentou assegurar ao “sócio, investidor ou à repartição pública competente” o acesso às informações acerca dos aspectos operacionais e financeiros da instituição financeira, fazendo-se necessária a presença da vontade livre e consciente do agente de praticar o tipo objetivo. O bem jurídico dirige-se, pois, “ao perigo que representa para a solidez material e moral do sistema financeiro, existente no descontrole das autoridades, o qual deriva da sonegação ou da falsidade de informações sobre a situação financeira de instituições financeiras ou sobre determinada operação realizada, que se comunicadas fidedigna e integralmente, e a tempo, à autoridade central, poderiam ser contornadas, regularizadas e saneadas, em prol do interesse público convergente” (STF - Agravo de Instrumento de Decisão que não admitiu Recurso Extraordinário n.º 807874/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, decisão monocrática, DJe 06.09.2010).

- Apesar de os tipos penais dos artigos 4°, “caput”, e 6°, ambos da Lei n.º 7.492/1986, objetivarem a reprimenda de condutas distintas, a gestão fraudulenta possui uma fórmula linguística mais ampla, abarcando, por vezes, conduta que se insere no artigo 6º, condensando tais bens jurídicos numa cláusula de fechamento (STJ, Habeas Corpus nº 351.960-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, v.u., DJe de 26.06.2017). Desse modo, pelo princípio da subsidiariedade, pode haver a punição apenas a título de gestão fraudulenta, uma vez ser este o delito mais gravemente apenado na lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, contudo, como se afirmou precedentemente, esta situação só será possível de ser mensurada após a instrução probatória, por ocasião da prolação da sentença.

- A objetividade jurídica do artigo 10 da Lei n.º 7.492/1986 é a garantia da solvência das instituições financeiras e a credibilidade dos agentes do sistema, a veracidade das informações que devem permear os negócios travados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, e, neste específico tipo, objetiva-se a proteção dos investidores e dos credores das instituições financeiras, as quais devem conferir transparência às demonstrações contábeis de forma a ter-se ciência de sua situação financeira. Além disso, a própria fé pública dos demonstrativos contábeis das instituições financeiras. Tal qual se dá em relação à possibilidade de consunção entre o artigo 6º e o artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, deverá, de igual modo, ser procedido a referido exame no que tange ao artigo 10 por ocasião da sentença considerando todo o acervo probatório que venha a ser coligido ao longo da instrução processual.

- Considerando-se a distinção da objetividade jurídica de cada um dos delitos irrogados na exordial incoativa, a sentença que venha a ser proferida deverá se voltar também à perquirição do elemento subjetivo dos tipos a fim de verificar a pertinência, ou não, da imputação, bem como se se poderia considerar a consunção entre eles, não sendo a atual fase processual em que se encontra o feito o momento para tal proceder.

- Não se pode entrever na fase do recebimento da denúncia a possibilidade de se discorrer sobre o dolo dos agentes, matéria que demanda ultrapassar a fase da instrução probatória, pois tal comprovação é inerente ao desenvolvimento processual, sendo, portanto, mais um reforço a validar a coexistência nesta fase da imputação dos delitos tipificados nos artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei n.º 7.492/1986. 

- A fase processual em que se encontra o feito que ensejou a interposição do presente Habeas Corpus não permite impedir que a acusação possa produzir provas que lastreiem os argumentos já descritos na denúncia e que se basearam no procedimento administrativo levado a efeito pelas autoridades monetárias e no inquérito policial, com plena observância do contraditório, sendo assegurada ao paciente a ampla defesa.

- A exordial acusatória descreve, para além da materialidade delitiva, a autoria do paciente SAUL DUTRA SABBÁ em razão da condução da instituição financeira nas operações sobreditas. O Relatório do Banco Central, que subsidiou o oferecimento da denúncia, aponta sua condição de controlador do BANCO MÁXIMA S.A, sendo detentor de 89,99% do capital votante e ocupando a posição de Diretor Presidente, desde 26.07.2006.

- Tais atos teriam sido perpetrados (de novembro de 2014 a março de 2016) em tempo e modo distintos em cotejo com os fatos descritos na denúncia do Rio de Janeiro (de 2010 a junho de 2014) que culminaram com condenação do ora paciente, sendo certo que todos eles, por si sós e isoladamente considerados, possuem o condão de resultar risco demasiado de prejuízo a terceiros (com ameaça à própria integridade financeira da instituição).

- Está-se diante da imputação pelo Ministério Público Federal de tipos distintos (artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei n.º 7.492/1986), com objetividades jurídicas distintas, que teriam sido perpetrados em períodos distintos, com resultados pretendidos diversos e com elementos anímicos a serem posteriormente aferidos (em tese, ludibriar e enganar terceiros, causando risco à instituição financeira, aos credores e ao Sistema Financeiro Nacional, sendo certo que no feito que tramitou no Rio de Janeiro os contratos diziam respeito a outras pessoas jurídicas).

- Não há neste momento processual, compreender como crime único, ante a possibilidade de se estar diante de crimes autônomos cometidos em concurso, diante da relevância, per se, das condutas isoladamente em tese praticadas, sendo, inclusive, possível, na eventual hipótese de condenação a unificação de penas na fase de execução.

- Na esteira do entendimento jurisprudencial das Cortes Superiores, só seria possível o trancamento da ação penal se se divisasse de plano e sem necessidade de dilação probatória a completa ausência de prova de materialidade delitiva, de indícios de autoria e atipicidade da conduta ou ainda a presença de alguma causa configuradora da extinção da punibilidade, o que não se verifica na hipótese.

- Denegada a ordem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Des. Fed. Fausto De Sanctis, a Décima Primeira Turma, por maioria, decidiu denegar a ordem, nos termos do voto do Des. Fed. Fausto De Sanctis, acompanhado pelo Des. Fed. Nino Toldo, vencido o Relator Des. Fed. José Lunardelli que concedia em parte a ordem de habeas corpus, para trancar a ação penal apenas com relação à imputação do crime previsto no art. 4º, caput, da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta), prosseguindo-se no que tange aos demais delitos (arts. 6° e 10, ambos da Lei 7.492/86), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.