Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5007150-19.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

PACIENTE: ALBERTO MAURICIO CALO
IMPETRANTE: JOAO BALTHAZAR DE MATOS, ALEXANDRE LOPES DE OLIVEIRA

Advogado do(a) IMPETRANTE: RAFAEL TUCHERMAN - SP206184-A
Advogados do(a) PACIENTE: ALEXANDRE LOPES DE OLIVEIRA - RJ81570, JOAO BALTHAZAR DE MATOS - RJ171106

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5007150-19.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

PACIENTE: ALBERTO MAURICIO CALO
IMPETRANTE: JOAO BALTHAZAR DE MATOS, ALEXANDRE LOPES DE OLIVEIRA

Advogados do(a) PACIENTE: ALEXANDRE LOPES DE OLIVEIRA - RJ81570, JOAO BALTHAZAR DE MATOS - RJ171106

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de habeas corpus, impetrado por Alexandre Lopes e João Balthazar de Matos em favor de ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, contra ato em tese praticado pelo Juízo da 6ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP nos autos de nº 5003557- 34.2021.4.03.6181, ato este consistente em recebimento de denúncia formulada em face do paciente e de outros.

Narra-se na inicial (ID 271458428), em apertado resumo, que o paciente foi denunciado na origem, juntamente com outros acusados, pela suposta prática de condutas amoldadas (de acordo com a exordial acusatória) aos artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei 7.492/86, pois, segundo se afirma, teria no período de novembro de 2014 a março de 2016 e em unidade de desígnios com os outros denunciados, gerido fraudulentamente instituição financeira, mantido em erro repartição pública competente, relativamente à situação financeira de instituição, prestando-lhe informações falsas, para dissimular quadro de grave insuficiência de capital.

Argumenta-se que a decisão que recebeu a denúncia se trata “de uma decisão genérica, não individualizada minimamente, que não enfrentou perfunctoriamente os argumentos defensivos, sendo ilegal e inconstitucional, eis que desfundamentada”.

Aduz-se que a denúncia careceria de justa causa, porquanto os documentos que a lastreariam em nada demonstrariam a participação do paciente nos delitos descritos. Não seria ele indiciado no inquérito e nem apontado como potencial responsável pelas condutas, seja no âmbito do procedimento administrativo promovido pelo Banco Central do Brasil (Bacen), seja no relatório final do inquérito policial prévio à instauração da ação penal.

Ademais, a denúncia seria inepta, pois “não houve descrição de atos concretos que possam correlacionar Alberto Caló a possíveis fraudes na condução de um banco do qual era sócio minoritário, com apenas 10% de participação, e somente responsável pela área jurídica”.

Outrossim, haveria excesso de acusação, havendo necessidade de correção quanto à classificação jurídica atribuída aos fatos na denúncia.

Forte nisso, requer-se a concessão da ordem, trancando-se a ação no que tange ao paciente. Alternativamente, requer-se a anulação da decisão que recebeu a denúncia, a fim de que outra seja prolatada.

Não foi deduzido pedido liminar.

Foram juntados documentos (IDs 271458428 a 271459043, 274161845 e 274161846). 

As informações foram prestadas pela autoridade impetrada (IDs 271621509 a 271621514).

Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem (ID 271770753).

É o relatório.

Em mesa.

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5007150-19.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

PACIENTE: ALBERTO MAURICIO CALO
IMPETRANTE: JOAO BALTHAZAR DE MATOS, ALEXANDRE LOPES DE OLIVEIRA

Advogado do(a) IMPETRANTE: RAFAEL TUCHERMAN - SP206184-A
Advogados do(a) PACIENTE: ALEXANDRE LOPES DE OLIVEIRA - RJ81570, JOAO BALTHAZAR DE MATOS - RJ171106

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O - V I S T A

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Habeas Corpus com pedido de liminar impetrado em favor de ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, contra ato praticado pelo Juízo da 6ª Vara Federal Criminal/SP (Dr. Nilson Martins Lopes Júnior) consistente no recebimento da denúncia nos autos da ação penal n.º 5003557-34.2021.403.6181.

 

Na sessão realizada em 27.07.2023, o e. Relator proferiu voto no sentido de conceder em parte a ordem de Habeas Corpus para trancar a ação penal apenas com relação à imputação do crime previsto no artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, prosseguindo-se no que tange aos demais delitos (arts. 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986).

 

Pedi vista dos autos para melhor aquilatar os fatos tratados no presente writ.  

 

Passo ao voto.  

 

1. Da não ocorrência de inépcia da denúncia.

 

O e. Relator José Lunardelli vislumbrou a inépcia da denúncia no que tange aos atos de gestão fraudulenta, porquanto seriam uma síntese genérica e abstrata daqueles que foram individualizados quando da narrativa dos crimes previstos nos artigos 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986.

 

Tem-se que na ação subjacente, o Banco Central do Brasil, por meio do ofício n.º 21373/218-BCB/Desup, em 24.10.2018, noticiou ao Ministério Público Federal a existência de indícios de irregularidades que teriam sido praticadas no âmbito do BANCO MÁXIMA S.A., consistentes na gestão fraudulenta da instituição financeira, mediante a simulação de valorização de investimento em empresa controlada para reduzir prejuízo contábil, resultando na apresentação de informações àquela autarquia federal e na publicação de demonstrações financeiras que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da instituição, além de apresentar informações incorretas referentes à apuração de requerimento de capital, de forma intencional e sistemática, para dissimular um quadro de grave insuficiência de capital, o que culminou com a instauração do IPL n.º 0058/2019-11 SR/PF/SP, com oferecimento de denúncia (ID 271458428) e subsequente recebimento desta peça acusatória aos 14.06.2021 (ID 271459033), cujos fatos foram assim sintetizados pelo r. juízo:

 

“Segundo consta da inicial acusatória, os denunciados, agindo com unidade de desígnios, geriram fraudulentamente instituição financeira, bem como mantiveram em erro repartição pública competente, relativamente à situação financeira da instituição financeira, prestando-lhe informações falsas. SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ ainda teriam feito inserir elemento falso em demonstrativos contábeis de instituição financeira.

Afirma o MPF que SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, agindo, respectivamente, na qualidade de Diretor Presidente e de Diretor Jurídico/Contábil do BANCO MÁXIMA teriam em tese simulado a valorização de investimento na empresa FC MAX PROMOTORA DE VENDAS S/A, controlada pelo próprio BANCO MÁXIMA, para reduzir prejuízos contábeis da instituição financeira, o que resultou na apresentação de informações e na publicação de demonstrações financeiras que não refletiam a real situação econômico-financeira do banco.

De fato, os denunciados SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ abriram o capital da empresa FC MAX PROMOTORA DE VENDAS S/A, criando, para tanto, o Fundo de Investimento em Participações – FIP RAVENA em 18.11.2014.

Em seguida, em 17.12.2014, SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, utilizando a totalidade das ações da FC MAX PROMOTORA DE VENDAS, subscreveram 8.684.701,65 cotas do FIP RAVENA pelo valor unitário de R$ 1,00, totalizando R$ 8.684.701,65. Dessa forma, a FC MAX PROMOTORA DE VENDAS deixou de ser contabilizada como um ativo permanente do BANCO MÁXIMA e passou a ser um ativo circulante, pertencendo a um Fundo de Investimento.

Logo após, em 26.12.2014, o FUNDO DE INVESTIMENTO MULTIMERCADO AQUILLA VEYRON subscreveu 680.196,23 cotas do FIP RAVENA pelo valor unitário de R$ 2,261986956, totalizando R$ 1.538.595,00.

Como consequência de tais operações, o BANCO MÁXIMA obteve um ganho em seus registros contábeis, registrando, em 31.12.2014, um ajuste a mercado sobre sua aplicação no referido fundo de R$ 10.469.053.54.

Entretanto, segundo afirma o Parquet Federal, o capital disponibilizado pelo AQUILLA VEYRON FIM para a compra das ações seria supostamente do próprio BANCO MÁXIMA, demonstrando que os denunciados SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ teriam em tese simulado a operação, triangulando com recursos do próprio banco.

Isso porque, em 28.11.2014, o BANCO MÁXIMA concedeu um empréstimo no valor de R$ 7.000.000,00 a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/A, empresa controlada pelo FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO AQUILLA RENDA. Desse montante, em 23.12.2014, R$2.000.000,00 foram transferidos pela QUEIMADOS ao AQUILLA VEYRON FIM, fundo que, em 26.12.2014, subscreveu ações do RAVENA FIP no valor de R$ 1.538.595,00, conforme narrado acima.

Por fim, em 16.03.2016, o BANCO MÁXIMA readquiriu, pelo valor unitário de R$ 2,23432123 as cotas do FIP RAVENA pertencentes ao AQUILLA VEYRON FIM, que por sua vez transferiu, no dia seguinte, o valor para o AQUILLA RENDA FII, com o qual a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS amortizou a dívida junto ao BANCO MÁXIMA.

Os fundos eram administrados pela FOCO DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS e geridos pela AQUILLA ASSET MANAGEMENT LTDA, ambas de responsabilidade de BENJAMIM BOTELHO DE ALMEIDA, na qualidade de sócio majoritário da FOCO DTVM e de administrador da AQUILLA ASSET.

Por sua vez, a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS era administrada por BENJAMIM BOTELHO DE ALMEIDA, GUSTAVO CLETO MARSILGLIA e OCTAVIO PIRES VAZ FILHO.

Além disso, entre janeiro de 2015 e março de 2016, SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ teriam, em tese, adotado manobras contábeis fraudulentas para dissimular grave insuficiência de capital, supostamente mediante inserção de informações falsas, concernentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de exposições patrimoniais aos riscos de crédito, riscos de mercado e risco operacional, em documentos contábeis apresentados ao BACEN.”

 

Vê-se, pois, que a denúncia contida nos autos subjacentes a este Habeas Corpus descreve em tese atos de gestão fraudulenta (além de ter sido imputado os tipos dos artigos 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986) do ora paciente, sendo certo que caberá, oportunamente, após a instrução processual, a apreciação da absorção ou não dos delitos previstos nos artigos 6º e 10 do referido diploma legal pelo delito de gestão fraudulenta.

 

Do que se pode denotar da denúncia é a narrativa de supostas irregularidades na boa condução da gestão da instituição financeira pelo paciente, mediante a simulação de valorização de investimento em empresa controlada para reduzir prejuízo contábil, colocando em grave risco terceiros e a própria instituição financeira, permitindo o exercício da ampla defesa.

 

Ademais, a inicial acusatória descreveu a autoria do paciente ALBERTO MAURÍCIO CALÓ em razão da condução da instituição financeira nas operações anteriormente mencionadas e que seriam configuradoras da materialidade delitiva, tendo se respaldado não só no Relatório do Banco Central que apontou sua condição de Diretor Estatutário do BANCO MÁXIMA S.A e detentor de 10% de suas ações, mas também nos demais elementos probatórios coligidos na fase inquisitorial, os quais demonstrariam o seu poder de mando na condução das atividades enquanto Diretor Jurídico/Contábil, tomando decisões supostamente espúrias que teriam orientado os rumos da instituição financeira, no período de novembro de 2014 a março de 2016.

 

Nesse sentido, descreve a denúncia que o paciente teria atuado em desacordo com os princípios e as normas de boa gestão e lealdade em função das práticas de simulação de valorização de investimento em empresa controlada (FC-MAX Promotora de Vendas S.A.) para reduzir prejuízo contábil do BANCO MÁXIMA S.A. Tais ações teriam resultado na publicação de demonstrações financeiras e na apresentação de informações ao Banco Central que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da instituição, com assunção de riscos incompatíveis com a sua estrutura de capital e prestação de informações incorretas àquela autarquia, de forma intencional e sistemática, para dissimular sua grave insuficiência de capital.

 

Além disso, a denúncia descreve que no período de janeiro de 2015 a março de 2016 o BANCO MÁXIMA S.A., na pessoa do paciente e de outros, teria assumido riscos muito superiores àqueles compatíveis com a sua estrutura de capital, apresentando informações incorretas referentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de suas exposições patrimoniais ao risco de crédito, risco de mercado e risco operacional, de forma a dissimular um quadro de grave insuficiência de capital.

 

Outrossim, da análise da documentação tem-se que o ora paciente não se tratava efetivamente de sócio minoritário. Como bem pontuado no voto do E. Relator “os documentos demonstram que o paciente atuava na administração da instituição financeira juntamente com o corréu Saul Dutra Sabbá, tanto que assinou documentos enviados ao Bacen para prestação das informações requeridas, participou de diversas assembleias gerais extraordinárias nas quais eram aprovados os demonstrativos contábeis e assinou suas atas, integrou comitê de crédito do banco, responsável pela análise acerca das concessões de crédito, além de ter sido apontado como um dos responsáveis na comunicação de indícios de crime enviada pelo departamento de supervisão bancária do Bacen ao Ministério Público Federal.”

 

Registre-se, neste momento, que a Lei n.º 6.404, de 15.12.1976, que dispôs sobre as sociedades por ações, prescreve os deveres e responsabilidades dos administradores no exercício de suas funções (dever de diligência, de lealdade, de informar e responsabilidade – artigos 153 e seguintes), visando a proteção dos investidores e do próprio Sistema Financeiro Nacional.

Assim, a par das sanções administrativas previstas pelo descumprimento do dever de lealdade na condução da instituição,  em tendo sido o paciente ALBERTO MAURÍCIO CALÓ denunciado pelo Ministério Público Federal por atos que seriam configuradores em tese de crime de gestão fraudulenta (além dos artigos 6º e 10 da Lei n.º 7.492/1986), na condição de Diretor Jurídico/Contábil do BANCO MÁXIMA S.A à época dos fatos, deve se submeter também ao processo judicial validamente instaurado para apuração de condutas que configurariam os crimes descritos na denúncia.

 

2. Objetividade jurídica dos crimes estampados nos artigos 4º, “caput”, 6º e 10º, todos da Lei n.º 7.492/1986.

 

Foram descritos na denúncia também condutas que, para além do artigo 4º, caput, da Lei n.º 7.492/1986, amoldam-se, em tese, aos crimes tipificados nos artigos 6º e 10 da lei excogitada. Todavia, eventual consunção entre tais artigos e o de gestão fraudulenta, que possui pena mais grave, só poderá ser objeto de deliberação após a instrução probatória por ocasião do ato de sentenciamento do feito, levando-se em consideração a objetividade jurídica de cada um dos tipos, o elemento anímico e as provas produzidas que ensejarão, ou não, a condenação do paciente.

 

A objetividade jurídica do tipo de gestão fraudulenta exige que “haja a utilização de ardil ou de astúcia, imbricada com a má-fé, no intuito de dissimular o real objetivo de um ato ou negócio jurídico, cujo propósito seja o de ludibriar as autoridades monetárias ou mesmo aquelas com quem mantém eventual relação jurídica. A má-fé, nesse contexto, é elemento essencial para a configuração da fraude” (Habeas Corpus n.º 285.587/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15.03.2016, DJe de 28.03.2016).

 

O bem jurídico do tipo previsto no artigo 6° da Lei n° 7.492/1986 “pretende resguardar a confiança inerente às relações jurídicas e negociais existentes entre os agentes em atuação no sistema financeiro (sócios das instituições financeiras, investidores e os órgãos públicos que atuam na fiscalização do mercado), protegendo-os, ainda, contra potenciais prejuízos decorrentes da omissão ou prestação de informações falsas acerca das operações financeiras. Na forma omissiva o sujeito ativo, através de informação falsa ou da omissão de informação verdadeira, induz a erro o sujeito passivo fazendo com que represente de maneira equivocada ou até mesmo ignore a realidade. Na forma comissiva por omissão, o autor deve se revestir da posição de garante, ou seja, deve possuir o dever de revelar a informação adequada” (TRF/2 - ACR n.° 2000.51.01.509117-8, Rel. Des. Fed. Sergio Schwaitzer, 6ª T., vu, DJU 15.02.2005).

 

O legislador intentou assegurar ao “sócio, investidor ou à repartição pública competente” o acesso às informações acerca dos aspectos operacionais e financeiros da instituição financeira, fazendo-se necessária a presença da vontade livre e consciente do agente de praticar o tipo objetivo.

 

O bem jurídico dirige-se, pois, “ao perigo que representa para a solidez material e moral do sistema financeiro, existente no descontrole das autoridades, o qual deriva da sonegação ou da falsidade de informações sobre a situação financeira de instituições financeiras ou sobre determinada operação realizada, que se comunicadas fidedigna e integralmente, e a tempo, à autoridade central, poderiam ser contornadas, regularizadas e saneadas, em prol do interesse público convergente” (STF - Agravo de Instrumento de Decisão que não admitiu Recurso Extraordinário n.º 807874/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, decisão monocrática, DJe 06.09.2010).

 

Neste julgado, que negou seguimento ao Agravo acima citado (CPC, art. 557, caput), a eminente Relatora Min. Ellen Gracie, teceu valiosas considerações sobre o tipo do artigo 6°, como segue:

 

“No caso, quando as distribuidoras não registraram tais operações de títulos no SELIC, violaram obrigação geral de informação fidedigna e completa, conforme determinado pelo BACEN, sobre dados necessários ao desempenho de suas funções de controle e fiscalização, conforme disposto no art. 37 da Lei n. 4.595/1964. A tutela jurídico-penal desta obrigação, outrossim, é a do art. 6º da Lei n. 7.492/1986, e a repartição pública responsável por regular e fiscalizar o sistema financeiro e as repercussões de sua utilização na atividade econômica e financeira como um todo, padeceu com a omissão do registro das operações, omissão essa que foi essencial para permitir a utilização do sistema à margem da legalidade, com repercussão na área fiscal.

A complexidade com que o sistema financeiro nacional como um todo opera no sistema econômico nacional, justifica que a autoridade central esteja aparelhada para funcionar e controlar as diversas atividades financeiras e suas repercussões nas diversas áreas da macroeconomia, razão pela qual é plenamente justificável a tutela penal da fidedignidade e integralidade das informações sobre situação financeira de instituições financeiras e de suas operações, o que permite que o BACEN seja, assim, a primeira via de contato na aferição da regularidade da atividade econômico/financeira geral a bem do interesse de todos. Por essa razão, é que se tem como legítima e constitucional a tutela penal do art. 6º da Lei n. 7.492/1986, que se tem por violado, que é uma tutela mais antecipada que a do art. 4º, porque já atua no campo do perigo abstrato, presumindo-se que o descontrole da autoridade fiscalizadora, derivado da sonegação e da falsidade das informações, dada a natureza complexa do sistema financeiro, já é capaz de possibilitar afetação ao sistema como um todo.”

 

 

Apesar de os tipos penais dos artigos 4°, “caput”, e 6°, ambos da Lei n.º 7.492/1986, objetivarem a reprimenda de condutas distintas, a gestão fraudulenta possui uma fórmula linguística mais ampla, abarcando, por vezes, conduta que se insere no artigo 6º, condensando tais bens jurídicos numa cláusula de fechamento (STJ, Habeas Corpus nº 351.960-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, v.u., DJe de 26.06.2017). Desse modo, pelo princípio da subsidiariedade, pode haver a punição apenas a título de gestão fraudulenta, uma vez ser este o delito mais gravemente apenado na lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, contudo, como se afirmou precedentemente, esta situação só será possível de ser mensurada após a instrução probatória, por ocasião da prolação da sentença.

 

De seu turno, a objetividade jurídica do artigo 10 da Lei n.º 7.492/1986 é a garantia da solvência das instituições financeiras e a credibilidade dos agentes do sistema, a veracidade das informações que devem permear os negócios travados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, e, neste específico tipo, objetiva-se a proteção dos investidores e dos credores das instituições financeiras, as quais devem conferir transparência às demonstrações contábeis de forma a ter-se ciência de sua situação financeira. Além disso, a própria fé pública dos demonstrativos contábeis das instituições financeiras.

 

Tal qual se dá em relação à possibilidade de consunção entre o artigo 6º e o artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, deverá, de igual modo, ser procedido a referido exame no que tange ao artigo 10 por ocasião da sentença considerando todo o acervo probatório que venha a ser coligido ao longo da instrução processual.

 

3. Elementos subjetivos dos tipos penais imputados.

 

Considerando-se a distinção da objetividade jurídica de cada um dos delitos irrogados na exordial incoativa, a sentença que venha a ser proferida deverá se voltar também à perquirição do elemento subjetivo dos tipos a fim de verificar a pertinência, ou não, da imputação, bem como se se poderia considerar a consunção entre eles, não sendo a atual fase processual em que se encontra o feito o momento para tal proceder.

 

Manoel Pedro Pimentel ao discorrer sobre o tema considerou em relação ao artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, que:

 

“Diante da opção do legislador por um tipo penal genérico, habitualmente impróprio e praticado de forma livre, algumas ações fraudulentas que venham a caracterizá-lo também podem apresentar correspondência com outros tipos objetivos descritos pela Lei 7.492/86, como os crimes previstos nos artigos 5º, 6º, 7º, 9, 10 e 11, gerando ao intérprete diversos problemas relacionados ao conflito aparente entre esses tipos penais.

A dificuldade para a adoção dos critérios tradicionais reside no fato de que não estamos diante de um crime complexo ou de progressão criminosa, nem mesmo perante tipos penais especializadores de condutas, mas de uma tipificação genérica mais grave (art. 4º), executada mediante fraudes que também caracterizam crimes específicos menos graves, mas com maiores exigências típicas, inclusive a superveniência de resultado, o que aliás difere da estruturação comum dos tipos penais em relação de necessariedade.

Destaca-se, ainda, que poderá haver identidade entre os bens jurídicos tutelados pelas normas referidas e o art. 4º, de forma que, também por esse critério, muitas vezes não é possível solucionar o concurso aparente.

A partir dessas premissas, a solução dogmaticamente mais correta para o conflito entre esses tipos exige especialmente a análise do elemento subjetivo da ação, ou seja, se o dolo do agente está direcionado à realização específica de uma infração penal (por exemplo, a apropriação de recursos do cliente – art. 5º) ou se a intenção do autor revela a vontade de empregar fraudes na gestão fraudulenta de modo prolongado no exercício da administração da instituição financeira” (Crimes contra o sistema financeiro nacional [livro eletrônico]: comentários à lei 7.492, de 16.6.86. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020).

 

Como se vê, não se pode entrever na fase do recebimento da denúncia a possibilidade de se discorrer sobre o dolo dos agentes, matéria que demanda ultrapassar a fase da instrução probatória, pois tal comprovação é inerente ao desenvolvimento processual, sendo, portanto, mais um reforço a validar a coexistência nesta fase da imputação dos delitos tipificados nos artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei n.º 7.492/1986. 

 

5. Considerações finais.

 

Considerados todos os aspectos acima delineados, tem-se que a fase processual em que se encontra o feito que ensejou a interposição do presente Habeas Corpus não permite, s.m.j., impedir que a acusação possa produzir provas que lastreiem os argumentos já descritos na denúncia e que se basearam no procedimento administrativo levado a efeito pelas autoridades monetárias e no inquérito policial, com plena observância do contraditório, sendo assegurada ao paciente a ampla defesa.

 

A exordial acusatória descreve, para além da materialidade delitiva, a autoria do paciente ALBERTO MAURÍCIO CALÓ em razão da condução da instituição financeira nas operações sobreditas. O Relatório do Banco Central, que subsidiou o oferecimento da denúncia, aponta que ele ocupa o cargo de Diretor Estatutário do BANCO MÁXIMA S.A, desde 22.11.2007, sendo detentor de 10% de suas ações e os demais elementos de provas inseridos na ação penal evidenciariam, em tese, que ele ostentaria um poder de mando na instituição bem maior do que apenas um sócio minoritário.

 

Tais atos teriam sido perpetrados de novembro de 2014 a março de 2016, sendo certo que todos eles, por si sós e isoladamente considerados, possuem o condão de resultar risco demasiado de prejuízo a terceiros (com ameaça à própria integridade financeira da instituição).

 

Está-se, portanto, como acima narrado, diante da imputação pelo Ministério Público Federal de tipos distintos (artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei n.º 7.492/1986), com objetividades jurídicas distintas, com resultados pretendidos diversos e com elementos anímicos a serem posteriormente aferidos (em tese, ludibriar e enganar terceiros, causando risco à instituição financeira, aos credores e ao Sistema Financeiro Nacional).

 

Por fim, na esteira do entendimento jurisprudencial das Cortes Superiores, só seria possível o trancamento da ação penal se se divisasse de plano e sem necessidade de dilação probatória a completa ausência de prova de materialidade delitiva, de indícios de autoria e atipicidade da conduta ou ainda a presença de alguma causa configuradora da extinção da punibilidade, o que não se verifica na hipótese.

Ante o exposto, peço vênia ao e. Relator para divergir de suas judiciosas considerações e voto por denegar a ordem.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5007150-19.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

PACIENTE: ALBERTO MAURICIO CALO
IMPETRANTE: JOAO BALTHAZAR DE MATOS, ALEXANDRE LOPES DE OLIVEIRA

Advogados do(a) PACIENTE: ALEXANDRE LOPES DE OLIVEIRA - RJ81570, JOAO BALTHAZAR DE MATOS - RJ171106

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Examino o conteúdo da impetração.

Imputa-se ao paciente, na ação principal, suposta participação em atos de gestão fraudulenta, indução e/ou manutenção de repartição pública em erro quanto à situação financeira de instituição financeira e inserção de elementos falsos ou omissão de informação exigida em demonstrativos contábeis (arts. 4º, caput, 6º e 10, da Lei 7.492/86). De acordo com a exordial, o paciente ocupava o cargo de diretor jurídico/contábil do Banco Máxima e teria participado de triangulação de recursos destinada a gerar ganho artificial e contábil para fins de elaboração de demonstrativo financeiro elaborado em fins de 2014. Entre janeiro de 2015 e março de 2016, o paciente, acompanhado do diretor-presidente do Banco Máxima e de outros corréus, teria adotado manobras contábeis fraudulentas para dissimular grave insuficiência de capital, com a inserção de informações falsas em documentos contábeis apresentados ao Bacen.

Transcrevo excertos pertinentes da denúncia:

No período de novembro de 2014 a março de 2016, em São Paulo/SP, SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, auxiliados materialmente por BENJAMIM BOTELHO DE ALMEIDA, GUSTAVO CLETO MARSIGLIA e OCTÁVIO PIRES VAZ FILHO, todos agindo de maneira livre e consciente e com unidade de desígnios, geriram fraudulentamente instituição financeira e mantiveram em erro repartição pública competente relativamente à situação financeira de instituição financeira, prestando-lhe informações falsas.

Ademais, nas mesmas circunstâncias, SAUL DUTRA SABBA e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ, ambos agindo de maneira livre e consciente e com unidade de desígnios, fizeram inserir elemento falso ou omitiram elemento exigido pela legislação, em demonstrativos contábeis de instituição financeira.

Com efeito, o Banco Central do Brasil (“BACEN”) instaurou o Processo Eletrônico nº 129612, no qual descortinou a ocorrência de diversos crimes financeiros praticados por SAUL DUTRA SABBA (“SAUL”) e ALBERTO MAURÍCIO CALÓ (“ALBERTO”), administradores do BANCO MÁXIMA S/A (“BANCO MÁXIMA”).

Em síntese, o BACEN descortinou que SAUL e ALBERTO agindo, respectivamente, na qualidade de Diretor Presidente e Diretor Jurídico/Contábil do BANCO MÁXIMA: i) simularam a valorização de investimento na empresa FC MAX PROMOTORA DE VENDAS S/A (“FC MAX”), controlada pelo BANCO MÁXIMA, para reduzir prejuízos contábeis do Banco, o que resultou na apresentação de informações e na publicação de demonstrações financeiras que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da Instituição Financeira; ii) adotaram manobras contábeis fraudulentas para dissimular grave insuficiência de capital, mediante inserção de informações falsas, concernentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de exposições patrimoniais aos riscos de crédito, riscos de mercado e risco operacional, em documentos contábeis apresentados ao BACEN.

De fato, restou apurado que SAUL e ABERTO, na qualidade de gestores atuantes nas áreas administrativas e contábil do BANCO MÁXIMA, movidos pela intenção de captar recursos e novos investidores para poderem ampliar o número de lojas da empresa FC MAX – a qual atuava no setor de turismo e era controlada e administrada pelo BANCO MÁXIMA, decidiram abrir o capital da FC MAX, criando, para tanto, o Fundo de Investimento em Participações - FIP Ravena, em 18 de novembro de 2014.

Em 17 de dezembro de 2014, SAUL e ALBERTO, gestores do BANCO MÁXIMA, utilizando a totalidade das ações da FC MAX, subscreveram 8.684.701,65 cotas do FIP Ravena pelo valor unitário de R$1,00, totalizando o montante de R$ 8.684.701,65. Desta forma, a FC MAX foi incorporada pelo Fundo Ravena, deixando de ser contabilizada nos demonstrativos financeiros como um ativo permanente a um Fundo de Investimento.

Ato contínuo, SAUL e ALBERTO na mesma condição de administradores do BANCO MÁXIMA e no intuito de dissimular sua situação contábil, decidiram fazer uma nova oferta pública, sob o pretexto de captar mais recursos e investidores. Deste modo, em 26 de dezembro de 2014, o Fundo de Investimento Multimercado FIM Aquilla Veyron, subscreveu 680.196,23 cotas do FIP Ravena, pelo valor unitário de R$ 2.261.986,56, alcançando a cifra total de R$ 1.538.595,00.

Com esse subterfúgio, o valor da cota do FIP Ravena oscilou artificialmente para cima e o BANCO MÁXIMA obteve um ganho em seus registros contábeis, registrando em seu demonstrativo financeiro de 31 de dezembro de 2014, um ajuste a mercado sobre sua aplicação no referido Fundo de R$ 10.469.053,54, mascarando, assim, sua saúde financeira.

Entretanto, a simulação foi percebida pelo BACEN, o que levou, dentre outros motivos, à proposta de instauração de processo administrativo em desfavor do BANCO MÁXIMA S/A e seus administradores, em Parecer, datado de 01.02.2017, no qual seu subscritor apontou que:

[...]

Ocorre que, o BACEN descobriu que o capital disponibilizado pelo Aquilla Veyron FIM para a compra de tais ações era, na verdade, do próprio BANCO MÁXIMA, o que demonstra que SAUL e ALBERTO simularam a operação, ou seja, triangularam com recursos do próprio BANCO MÁXIMA, culminando na apresentação de informações e na publicação de demonstrações financeiras que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da Instituição Financeira e mascarou seus demonstrativos.

 De fato, desvendou-se que, no ano de 2014, o BANCO MÁXIMA concedeu, em 28 de novembro, um empréstimo para capital de giro no valor de R$7 milhões de reais a QUEIMADOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/A, empresa controlada pelo Fundo de Investimentos Imobiliários –FII Aquilla Renda.

Desse montante, a QUEIMADOS transferiu, em 23 de dezembro, a título de pagamento de cotas do Fundo, R$ 2 milhões de reais oriundos do empréstimo efetuado pelo próprio BANCO MÁXIMA, para a conta do Aquilla Veyron FIM, o qual, por sua vez, no dia 26 de dezembro, utilizou R$ 1.538.595,00 para subscrever as mencionadas cotas do Ravena FIP.

Posteriormente, em 16 de março de 2016, o BANCO MÁXIMA readquiriu, pelo valor unitário da cota de R$2,23432123, totalizando o quantum de R$ 1.519.776,88, as mesmas cotas do FIP Ravena pertencentes ao Aquilla Veyron FIM, o qual transferiu, no dia seguinte, para o Aquilla Veyron FII, o dinheiro da venda, com o qual a QUEIMADOS amortizou sua dívida junto ao Banco.

Destaque-se que os três Fundos eram administrados pela FOCO DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES IMOBILIÁRIOS e geridos pela AQUILLA ASSET Management Ltda, ambas de responsabilidade de BENJAMIM BOTELHO DE ALMEIDA (“BENJAMIM”), na condição de sócio majoritário da primeira empresa e administrador da segunda.

Por sua vez, a QUEIMADOS NEGÓCIO IMOBILIÁRIO S/A também era administrada por BENJAMIM, além de GUSTAVO CLATO MARSIGLIA (“GUSTAVO”) e OCTÁVIO PIRES VAZ FILHO (”OCTÁVIO”), seus representantes legais. Ao analisar a fraude no parecer acima mencionado, o BACEN deduziu:

[...]

Enfim, consoante a autarquia concluiu, SAUL e ALBERTO, sócios, administradores e responsáveis pela área contábil da referia instituição financeira, simularam a valorização de investimento na empresa FC MAX Promotora de Vendas S/A, controlada pelo BANCO MÁXIMA, para reduzir prejuízo contábil, e efetuaram escrituração em desobediência às normas contábeis, de modo que as demonstrações financeiras não refletiram com fidedignidade e clareza sua real situação econômico-financeira.

Também BENJAMIM, GUSTAVO e OCTÁVIO atuaram nessa trama criminosa, auxiliando SAUL e ALBERTO na prática de atos de gestão fraudulenta e na manutenção do BACEN em erro, mediante prestação de informações falsas relativamente à situação financeira do BANCO MÁXIMA. De fato, a FOCO DTVM era a administradora dos fundos de investimentos geridos pela AQUILLA ASSET, empresas que, embora distintas, tinham BENJAMIM como controlador da FOCO DTVM e administrador da AQUILLA ASSET em novembro de dezembro de 2014.

E, nessa qualidade e por manter contato com o BANCO MÁXIMA, BENJAMIM estruturou a operação e passou para GUSTAVO e OCTÁVIO as diretrizes para a negociação do empréstimo de valores do Banco para a QUEIMADOS, por eles assinado, com a posterior utilização de uma parcela desses recursos para ao Fundo Aquilla Veyron FIM adquirir cotas superfaturadas do Ravena FIP, com o dinheiro transferido pela própria instituição financeira.

Paralelamente, o Banco Central do Brasil também constatou que, no período de janeiro de 2015 a março de 2016, SAUL e ALBERTO, na condição de gestores do BANCO MÁXIMA, adotaram manobras contábeis fraudulentas para dissimular a grave insuficiência de capital, inserindo informações falsas em documentos apresentados à autarquia, concernentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de exposições patrimoniais aos riscos de crédito, de mercado e operacional.

[...]

Nesse contexto, verificou-se que, para compensar a elevação do risco decorrente da forte expansão dos negócios de seu Conglomerado Prudencial em face de prejuízos recorrentes e da consequente redução de seu patrimônio líquido, SAUL e ALBERTO, na mesma qualidade de administradores e responsáveis pela área contábil do BANCO MÁXIMA, empregaram, de forma intencional e sistemática, os seguintes artifícios: i) aplicação de fatores de ponderação, de mitigadores de risco e de metodologia de apuração em desacordo com a regulamentação em vigor; ii) omissão, no cálculo da exposição ao risco sujeita à variação do preço de ações, de posições significativas.

[...]

Enfim, SAUL e ALBERTO, detentores de poder de gestão no BANCO MÁXIMA, em franca violação às normas constantes nas Resoluções nº 3883/2010, Resolução nº 4.193/2013, Circular nº 3.644.2013, Circular nº 3.638/2013 e Circular nº 3.398/2008, empregaram artifícios com a finalidade de apurar parcelas dos ativos ponderados de risco (RWA) significativamente inferiores aos montantes que seriam obtidos com a correta aplicação das normas de regulamentação do BACEN. E, com essas manobras de inserções de informações falsas nos Demonstrativos de Limites Operacionais – DLO apresentados à autarquia, ocultaram a gravidade e o tamanho da insuficiência de capital da instituição financeira para suportar seu perfil patrimonial.

Deste modo, SAUL e ALBERTO dissimularam um quadro de grave insuficiência de capital do BANCO MÁXIMA, prestando informações falsas referentes à apuração do capital regulamentar e evitando as restrições impostas pela regulação em vigor quanto à remuneração de seus diretores e acionistas.

 A denúncia imputa ao ora paciente a participação nos fatos na condição de diretor jurídico/contábil do Banco Máxima.  

A defesa alega que a denúncia careceria de justa causa, porquanto os documentos que a lastreariam em nada demonstrariam a participação do paciente nos delitos descritos. Não seria ele indiciado no inquérito e nem apontado como potencial responsável pelas condutas, seja no âmbito do procedimento administrativo promovido pelo Banco Central do Brasil (Bacen), seja no relatório final do inquérito policial prévio à instauração da ação penal.

Sustentam, ainda, que a denúncia seria inepta, pois “não houve descrição de atos concretos que possam correlacionar Alberto Caló a possíveis fraudes na condução de um banco do qual era sócio minoritário, com apenas 10% de participação, e somente responsável pela área jurídica”. Além disso, a decisão que a recebeu também seria genérica e não teria enfrentado todos os argumentos defensivos trazidos, carecendo de fundamentação.

Postos os contornos fáticos que envolvem a impetração, prossigo ao seu exame.

Entendo assistir parcial razão aos impetrantes, pelas razões que passo a expor.

De saída, pontuo que a análise deve se dar quanto à moldura dada pela própria inicial; cognição mais abrangente fugiria ao escopo do habeas corpus, sede em que não se permite dilação probatória.

Quanto à conduta típica prevista em abstrato no art. 4º, caput, da Lei 7.492/86, pode-se conceituar o ato (ou série de atos) de gestão fraudulenta como o(s) ato(s) de gestão que se caracteriza(m) por expedientes de fraude ou engodo, em desacordo com as normas que regem a boa governança e a regularidade das instituições financeiras, de modo a burlar um ou mais enunciados normativos que compõem o plexo regulatório atinente a instituições financeiras, enganando e iludindo as autoridades regulatórias e/ou os próprios mecanismos de controle interno de uma instituição.

Trata-se, a gestão fraudulenta, de manobra ilícita, conduzida por pessoas com efetivos poderes de gestão (administração/direção) sobre uma instituição financeira ou parte dela, de modo a fraudar ou adulterar a correta gestão da pessoa jurídica ou de uma sua parcela.

A detida análise dos fatos narrados na denúncia revela a sua inépcia especificamente no que concerne à configuração do tipo penal previsto no art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/86.

Da análise da exordial acusatória se depreende a completa ausência da narração de uma suposta política de gestão baseada na fraude, razão pela qual inviável reconhecer a prática, sequer em tese, de atos amoldados no tipo de gestão fraudulenta.

Isso porque se constata, nitidamente, que os atos em tese descritos como caracterizadores do crime de gestão fraudulenta, nada mais são do que uma síntese genérica e abstrata daqueles que foram individualizados quando da narrativa dos crimes previstos nos arts. 6º e 10, da mesma Lei 7.492/86.

A fraude teria consistido, resumidamente, em uma específica triangulação de recursos visando aumentar o resultado contábil e criar ganhos artificiais ao Banco Máxima, com o objetivo de melhorar seu resultado contábil. Da conduta teria decorrido, ainda, a apresentação ao Bacen de informações e demonstrativos financeiros que não refletiam a real situação econômico-financeira do banco.

Segundo narra a denúncia, houve a subscrição, pela instituição financeira, em dezembro de 2014, de 8.684.701,65 cotas do Ravena Fundo de Investimento em Participações – RAVENA FIP, no valor unitário de R$1,00, utilizando-se da totalidade das ações da empresa FC-MAX Promotora de Vendas S.A., subsidiária do Banco Máxima. Até então as ações da FC-MAX eram contabilizadas nos demonstrativos financeiros do banco como ativo permanente (no valor de R$ 9.159.084,33). Após a criação e subscrição das cotas do RAVENA FIP, o Banco Máxima continuou a ser proprietário integral da empresa FC-MAX Promotora de Vendas S.A., por meio do fundo RAVENA FIP, atuando como intermediário, de forma que a participação do banco na empresa FC-MAX (que era registrada como ativo permanente na rubrica contábil “participações em coligadas e controladas”) passou a ser contabilizada como ativo circulante, na rubrica “cotas de fundo em participação”.

Paralelamente, em novembro de 2014, o Banco Máxima teria emprestado a quantia de R$1.538.595,00 a empresa Queimados Negócios Imobiliários S.A., controlada integralmente pelo fundo AQUILLA VEYRON FII. Na sequência, o referido fundo teria utilizado essa mesma quantia (R$1.538.595,00) para subscrever 680.196,23 cotas do RAVENA FIP (que pertencia 100% do Banco Máxima), pelo valor unitário de cota de R$2,261.986, passando o fundo a possuir 7,3% das cotas do RAVENA FIP. A aquisição das cotas do RAVENA FIP pelo fundo AQUILLA VEYRON FII foi concretizada com recursos do próprio Banco Máxima, que cedeu o dinheiro dias antes. 

A aquisição de algumas cotas do RAVENA FIP pelo fundo AQUILLA VEYRON FII pelo valor unitário de R$2,261986 importou em uma valorização artificial de 126%, patrocinada com recursos do próprio banco. Em decorrência disso, o Banco Máxima registrou em seu demonstrativo financeiro de 31/12/2014 lucro contábil superior a R$ 10 milhões relativo a um “ajuste a mercado” positivo de sua aplicação em cotas do RAVENA FIP. Constou, ainda, que a administradora dos fundos era a FOCO DTVM e a gestora a AQUILLA ASSET MANAGEMENTE LTDA.  

Tal prática teria possibilitado a realização de ajuste a mercado que simulou a valorização de investimento feito na empresa FC-MAX com o objetivo de melhorar seu resultado contábil e reduzir prejuízos da instituição financeira no ano de 2014.

In casu, tem-se a narrativa de um ato fraudulento consistente em triangulação de recursos, que visava aumentar o resultado contábil e criar ganhos artificiais, ato que indubitavelmente tem sua relevância e deve ter reflexos na seara penal, mas que, em verdade, se trata da narrativa de uma única fraude, não havendo na denúncia sequer a descrição de que essa fraude específica constituiria uma política, um método de ação da instituição financeira e de sua direção. Política é método, estrutura finalística de agir dentro de uma corporação, e não há isso apontado no presente caso.

Aponta-se a existência de uma insuficiência de capital indicada ao Banco Máxima pelo Bacen que foi corrigida por uma fraude, que é um ato juridicamente relevante, mas que não se revela suficiente para a configuração de toda uma política de gestão ou de um método de ação adotado sistematicamente pela direção da instituição financeira.

Saliento, uma vez mais que, excepcionalmente, um ato de fraude pode ser considerado como gestão fraudulenta quando, por si só, é suficiente para constituir uma política inteira, de forma estruturada. Porém, vê-se de pronto que não é o caso dos autos, pois a denúncia narra a suposta existência de fraude em uma operação específica, sem descrever como se demonstra, por meio dessa suposta operação, um ato que configuraria, por si, método fraudulento de gestão.

Nesse sentido, colaciono julgado do E. Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSUAL. CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. TRANCAMENTO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS. CONCESSÃO.

1. O crime do art. 4º, caput da Lei nº 7.492/1986 (gestão fraudulenta) é de mão própria e, pois, somente pode ser cometido por quem tenha poder de direção, conforme, aliás, rol expressamente previsto no art. 25.

2. Além disso exige para a sua consumação a existência de habitualidade, ou seja, de uma sequência de atos, na direção da instituição financeira, perpetrados com dolo, visando a obtenção de vantagem indevida em prejuízo da pessoa jurídica.

3. A descrição de um só ato, isolado no tempo, não legitima denúncia pelo delito de gestão fraudulenta, como ocorre na espécie, onde o ora paciente está imbricado como mero partícipe, estranho aos quadros da instituição financeira, por ter efetivado uma operação na bolsa de valores, em mesa de corretora.

5. Habeas corpus concedido para trancar a Ação Penal n.º 2003.51.01503779-3, em curso perante a 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ, em relação ao ora paciente, PAULO MÁRIO PEREIRA DE MELLO. (HC n. 101.381/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 27/9/2011, DJe de 13/10/2011.) – G.n.

A conexão dessa específica operação de triangulação de recursos com eventuais outras condutas praticadas no mesmo contexto fático poderia, se o caso, caracterizar a efetiva política de condução da instituição financeira; porém, tal conexão não foi feita, sequer no plano narrativo, pelo órgão acusatório.

Não há dúvida, portanto, que a denúncia narra a prática de uma fraude que visava dissimular a situação financeira desfavorável em que o banco se encontrava em razão dos prejuízos anteriormente experimentados, e não a prática reiterada e habitual de atos fraudulentos que constituiriam verdadeira política institucional adotada pelo paciente e demais coautores na condução da gestão financeira do banco, que seria a princípio apta a configurar o crime previsto no art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/86.

Nesse ponto, observo que o art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/86 é claro ao dispor sobre “gestão” fraudulenta, e não sobre “ato” fraudulento, do que decorre a necessidade da descrição, na inicial acusatória, para sua configuração, de um conjunto de atos que caracterize verdadeira política de comando da instituição financeira, com a especificação do estilo de agir na condução da administração da instituição financeira. Um ato fraudulento, ainda que tomado em diversas etapas, como o descrito na inicial acusatória, poderá, eventualmente, configurar outros delitos, mas não o de gestão fraudulenta.

Entendo, portanto, que a gestão fraudulenta não se trata de qualquer descumprimento do rígido (e necessário) plexo normativo que regula a atuação das instituições financeiras. Trata-se de algo mais grave do que isso: de série de atos (ou, excepcionalmente, de ato isolado de gestão com impactos globais na instituição) que comprometa concretamente, de maneira relevante, a confiabilidade global da instituição ou sua capacidade geral de honrar e administrar seus compromissos financeiros.

Nesse sentido, a própria Lei 7.492/86 criminaliza expressamente atos singulares de fraude praticados no âmbito da gestão de instituições financeiras, a exemplo da capitulação jurídica trazida na inicial acusatória, que imputa ao paciente também a prática dos crimes previstos nos arts. 6º e 10. A gestão fraudulenta seria, assim, um tipo síntese, muito específico, que abarca aquilo que se torna política ou o próprio modo de conduzir uma instituição financeira.

Os mencionados tipos penais assim dispõem:

Art. 6º Induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

  Art. 10. Fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela legislação, em demonstrativos contábeis de instituição financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos de valores mobiliários:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

Tem-se, portanto, que os crimes previstos nos arts. 6º e 10 podem, eventualmente, ter sido perpetrados de forma autônoma e dissociada da conduta delituosa inserta no art. 4º, “caput”, todos da Lei 7.492/86, independentemente de haver, em contexto conexo, crime de gestão fraudulenta envolvendo os mesmos gestores (total ou parcialmente).

E, considerando os documentos juntados aos autos, não há como concluir, especialmente neste momento processual e em sede de habeas corpus, pela existência de forte probabilidade de que todo o teor denunciado na origem esteja abarcado na imputação prévia de gestão fraudulenta vertida nos autos, de forma que a apuração da suposta prática dos referidos delitos pelo paciente deve prosseguir.

A alegação da defesa no sentido de que a denúncia careceria de justa causa, porquanto os documentos que a lastreariam em nada demonstrariam a participação do paciente na prática dos delitos previstos nos arts. 6º e 10, ambos da Lei 7.492/86, deve ser afastada, tendo em vista que os elementos juntados na apuração prévia dão conta de que o paciente atuava como diretor jurídico à época dos fatos, não sendo possível de plano e sem análise aprofundada dos elementos de prova afastar sua participação e ciência das operações que propiciaram a suposta elaboração fraudulenta de demonstrativo do Banco Máxima e a indução a erro das autoridades competentes.

A ausência da assinatura do paciente nos documentos do procedimento administrativo conduzido pelo Bacen não elide, por si, a existência de justa causa. Pontuo que as esferas administrativa, civil e penal são distintas e autônomas, não havendo vinculação entre elas (ressalvadas exceções legais ligadas à demonstração de inexistência de fato ou comprovação de não ter sido um réu seu autor).

Nesse ponto, destaco que os documentos contábeis e financeiros, que são eminentemente técnicos, foram assinados pelos responsáveis das áreas de contabilidade e de análise de riscos do banco. No entanto, da detida análise da farta documentação apresentada com a inicial acusatória é possível constatar que o paciente não se tratava de mero sócio minoritário que atuava apenas na área jurídica do banco.

Os documentos demonstram que o paciente atuava na administração da instituição financeira juntamente com o corréu Saul Dutra Sabbá, tanto que assinou documentos enviados ao Bacen para prestação das informações requeridas, participou de diversas assembleias gerais extraordinárias nas quais eram aprovados os demonstrativos contábeis e assinou suas atas, integrou comitê de crédito do banco, responsável pela análise acerca das concessões de crédito, além de ter sido apontado como um dos responsáveis na comunicação de indícios de crime enviada pelo departamento de supervisão bancária do Bacen ao Ministério Público Federal.

Há de se enfatizar também que os elementos probatórios mínimos que serviram de base para o oferecimento da denúncia em relação aos crimes previsto nos arts. 6º e 10, ambos da Lei 7.492/86 serão submetidos ao contraditório e à ampla defesa, no curso da instrução criminal.

Em relação a tais crimes, as alegações trazidas pela defesa não foram constatadas de plano, através da prova pré-constituída, ressaltando-se que o exame aprofundado de provas é inviável em sede de habeas corpus, conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. DECISÃO MANTIDA. COMANDO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA E LAVAGEM DE CAPITAIS. OPERAÇÃO SHARKS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. NÃO CONSTATADA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. NÃO CONFIGURAÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Somente é possível o trancamento de ação penal por meio de habeas corpus de maneira excepcional, quando de plano, sem a necessidade de análise fático-probatória, se verifique a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade ou de indícios da autoria ou, ainda, a ocorrência de alguma causa extintiva da punibilidade. É certa, ainda, a possibilidade de trancamento da persecução penal nos casos em que a denúncia for inepta, não atendendo o que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal - CPP, o que não impede a propositura de nova ação desde que suprida a irregularidade.

In casu, a denúncia preenche os requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal, descrevendo, suficientemente as condutas imputadas ao agravante de integrar e promover organização criminosa e de lavagem de dinheiro, apresentando os elementos de prova que serviram para a formação da opinio delicti, possibilitando o exercício da ampla defesa e do contraditório. Assim, havendo indícios suficientes de autoria delitiva e materialidade, como bem apontado pela Corte a quo, diante do extenso conjunto probatórios dos autos principais, onde constam mais de 8 mil páginas, mostra-se prematuro falar em trancamento da ação penal.

2. Quanto à alegada ocorrência de bis in idem, registre-se que, consoante asseverado pelo Tribunal de origem, o processo ao qual o agravante responde perante o Juízo da Comarca de Presidente Venceslau/SP (processo n. 0002529-47.2013.8.26.0483) diz respeito a conduta delituosa tipificada no art. 288, parágrafo único, do Código Penal, e abarca período distinto e anterior ao da ação penal discutida nos presentes autos, em que o recorrente fora denunciado como incurso no artigo 2º, c.c. os seus §§ 2º, 3º e inc. III e V do § 4º, da Lei n. 12.850/13 e no artigo 1º da Lei n. 9.613/98. Tais circunstâncias, neste primeiro momento da ação penal, afastam a existência de unidade fática e, por isso, impede o trancamento da ação penal pretendido.

3. No tocante à apontada irregularidade nas provas e quebra de cadeia de custódia, o Tribunal de origem afirmou não haver nenhuma evidência concreta de falhas procedimentais nas provas dos autos, sendo certo que o recorrente, por outro lado, não logrou demonstrar de plano as ilegalidades suscitadas. Dessa maneira, acolher o pleito defensivo, demandaria, necessariamente, a análise aprofundada de todos os elementos de prova, procedimento que não se mostra possível pela via estreita do habeas corpus e do recurso em habeas corpus.

4. Esta Corte Superior tem o entendimento de que, somente configura constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa, apto a ensejar o relaxamento da prisão cautelar, a mora que decorra de ofensa ao princípio da razoabilidade, consubstanciada em desídia do Poder Judiciário ou da acusação, jamais sendo aferível apenas a partir da mera soma aritmética dos prazos processuais. Na hipótese, não restou caracterizada a existência de mora na tramitação do processo que justifique o relaxamento da prisão preventiva, porquanto este tem seguido seu trâmite regular.

Extrai-se das informações prestadas pelas instâncias ordinárias, bem como do andamento processual da ação originária no sítio eletrônico do Tribunal estadual, que a insatisfação da defesa com a relativa delonga na conclusão do feito não pode ser atribuída ao Juízo, mas às suas peculiaridades, considerando a complexidade do processo, no qual se apura a prática dos delitos de organização criminosa armada e lavagem de dinheiro, com pluralidade réus - 19 -, representados por advogados distintos, demandando a realização de diversas diligências. Em 29/6/2022, o Juízo procedeu à reanálise da necessidade da manutenção da prisão cautelar do recorrente, nos termos do art. 316, parágrafo único, do CPP, entendendo que permanecem incólumes os pressupostos fáticos e jurídicos para manutenção da custódia cautelar do acusado; destacando, inclusive, que o mandado prisional ainda não fora cumprido, já tendo sido determinada a sua inclusão na Difusão Vermelha da Interpol. A audiência de instrução de julgamento foi realizada em 11/8/2022.

Ademais, não se pode ignorar o fato extraordinário da pandemia do vírus Covid-19, que levou os Tribunais do País a suspenderem os prazos e as atividades presenciais, por longos períodos, sendo necessária a readequação das atividades de instituições públicas e privadas em âmbito mundial.

5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no RHC n. 158.368/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/12/2022, DJe de 22/12/2022.) – G.n.

 

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ESTELIONATO, FALSIDADE IDEOLÓGICA, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. EXCEPCIONALIDADE DO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA SUFICIENTES. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. "Não há, no Regimento Interno do STJ, previsão para a intimação prévia do advogado para ser cientificado do julgamento de agravo regimental, que será apresentado em mesa, tampouco previsão da possibilidade de sustentação oral" (AgRg na APn n. 702/AP, Corte Especial, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 16/6/2016).

2. Extrai-se dos autos que o paciente e outros 11 (onze) corréus foram denunciados pela suposta prática de crimes de estelionato, falsidade ideológica, organização criminosa e crime contra a economia popular. Segundo a denúncia, consta do caderno investigatório que a ODEBRECHT AMBIENTAL/SANEATINS, de março de 2012 a maio de 2015, firmou diversos pactos com o objetivo de alienar, com termo futuro, bens vinculados ao serviço público de fornecimento de água e tratamento de esgoto do município de Palmas, os quais são inalienáveis por força de lei. Tais negócios teriam sido realizados de forma fraudulenta, mantendo em erro o Estado do Tocantins, causando dano ao patrimônio público.

3. Esta Corte Superior pacificou o entendimento segundo o qual, em razão da excepcionalidade do trancamento da ação penal, tal medida é possível somente quando ficar demonstrado - de plano e sem necessidade de dilação probatória - a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade. É certa, ainda, a possibilidade de trancamento da persecução penal nos casos em que a denúncia for inepta, não atendendo o que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal - CPP, o que não impede a propositura de nova ação, desde que suprida a irregularidade.

4. Na espécie, não se identifica flagrante ilegalidade apta a ensejar a açodada interrupção da ação penal em relação ao agravante, porquanto as teses veiculadas no mandamus demandam esforço interpretativo, mostrando-se necessária a instrução penal, sob o crivo do contraditório, para que possam ser analisadas.

5. "Segundo jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, a propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos e suficientes de autoria e materialidade. A certeza será comprovada ou afastada durante a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio do in dubio pro societate" (AgRg no RHC 130.300/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 27/10/2020).

6. Por derradeiro, consigno que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 589.109/TO (DJe 19/3/2021), conexo ao presente writ, decidiu que os indícios de autoria apresentados na peça acusatória, relativamente ao corréu, eram suficientes para deflagrar a ação penal e que a análise da presença ou não do elemento subjetivo do tipo, no que diz respeito ao conhecimento das cláusulas de inalienabilidade dos imóveis, situa-se no campo probatório incompatível com a via mandamental.

7. Agravo ao qual se nega provimento.

(AgRg no HC n. 589.111/TO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 13/4/2021, DJe de 16/4/2021.) – G.n.

Ademais, a falta de indiciamento formal ou imputação específica em relatório policial não constitui dado que exclua a formulação de denúncia, notadamente porque a formação da opinio delicti não está adstrita às conclusões de outros agentes públicos, mas sim à existência de elementos probatórios iniciais que denotem a ocorrência de crime no contexto apurado. Aqui, as infrações narradas não excluem prima facie, ao menos em primeira análise, que haja os delitos previstos nos arts. 6º e 10, ambos da Lei 7.492/86, narrados na exordial, que se lastreia em elementos previamente colhidos.

O argumento de que a denúncia não teria individualizado de forma suficiente a atuação do paciente também deve ser afastado, sobretudo porque tratando-se de crime de autoria coletiva praticado no âmbito da pessoa jurídica, não se pode exigir que o órgão de acusação tenha, no momento de oferecimento da denúncia, condições de individualizar de maneira minudente a conduta de cada corréu, eis que tal participação somente será delineada ao cabo da instrução criminal.

Logo, inviável se falar em trancamento da ação penal porque, ao contrário do suscitado, há indícios de participação do paciente e lastro probatório mínimo a autorizar o prosseguimento da ação penal.

Assim, pelos fundamentos expostos, ainda que não se reconheça a ausência de justa causa em relação aos delitos previstos nos arts. 6º e 10 da Lei 7.492/86, entendo que não há substrato fático descrito na denúncia, nem mesmo em tese e se comprovada ao longo da ação principal toda a narrativa ministerial, para a imputação específica do crime de gestão fraudulenta.

Ante o exposto, concedo em parte a ordem de habeas corpus, para trancar a ação penal apenas com relação à imputação do crime previsto no art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta), prosseguindo-se no que tange aos demais delitos (arts. 6º e 10, ambos da Lei 7.492/86).

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. ARTIGOS 4º, “CAPUT”, 6º E 10 DA LEI N.º 7.492/1986. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO JUÍZO A QUO. NÃO OCORRÊNCIA DE INÉPCIA DA PEÇA VESTIBULAR NO QUE TANGE AOS ATOS DE GESTÃO FRAUDULENTA. DISTINÇÃO DA OBJETIVIDADE JURÍDICA DE CADA UM DOS DELITOS IRROGADOS NA EXORDIAL INCOATIVA. SENTENÇA QUE VENHA A SER PROFERIDA DEVERÁ SE VOLTAR TAMBÉM À PERQUIRIÇÃO SE SE PODERIA CONSIDERAR A CONSUNÇÃO ENTRE CADA UM DOS TIPOS PENAIS. SÓ SERIA POSSÍVEL O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL SE SE DIVISASSE DE PLANO E SEM NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA A COMPLETA AUSÊNCIA DE PROVA DE MATERIALIDADE DELITIVA, DE INDÍCIOS DE AUTORIA E ATIPICIDADE DA CONDUTA OU AINDA A PRESENÇA DE ALGUMA CAUSA CONFIGURADORA DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, O QUE NÃO SE VERIFICA NA HIPÓTESE. ORDEM DENEGADA.

- A denúncia contida nos autos subjacentes a este Habeas Corpus descreve em tese atos de gestão fraudulenta (além de ter sido imputado os tipos dos artigos 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986) do ora paciente, sendo certo que caberá, oportunamente, após a instrução processual, a apreciação da absorção ou não dos delitos previstos nos artigos 6º e 10 do referido diploma legal pelo delito de gestão fraudulenta.

- Do que se pode denotar da denúncia é a narrativa de supostas irregularidades na boa condução da gestão da instituição financeira pelo paciente, mediante a simulação de valorização de investimento em empresa controlada para reduzir prejuízo contábil, colocando em grave risco terceiros e a própria instituição financeira, permitindo tal descrição o exercício da ampla defesa. Ademais, a inicial acusatória descreveu a autoria do paciente ALBERTO MAURÍCIO CALÓ em razão da condução da instituição financeira nas operações e que seriam configuradoras da materialidade delitiva, tendo se respaldado não só no Relatório do Banco Central que apontou sua condição de Diretor Estatutário do BANCO MÁXIMA S.A e detentor de 10% de suas ações, mas também nos demais elementos probatórios coligidos na fase inquisitorial, os quais demonstrariam o seu poder de mando na condução das atividades enquanto Diretor Jurídico/Contábil, tomando decisões supostamente espúrias que teriam orientado os rumos da instituição financeira, no período de novembro de 2014 a março de 2016.

- Descreve a denúncia que o paciente teria atuado em desacordo com os princípios e as normas de boa gestão e lealdade em função das práticas de simulação de valorização de investimento em empresa controlada (FC-MAX Promotora de Vendas S.A.) para reduzir prejuízo contábil do BANCO MÁXIMA S.A. Tais ações teriam resultado na publicação de demonstrações financeiras e na apresentação de informações ao Banco Central que não refletiam com fidedignidade a real situação econômico-financeira da instituição, com assunção de riscos incompatíveis com a sua estrutura de capital e prestação de informações incorretas àquela autarquia, de forma intencional e sistemática, para dissimular sua grave insuficiência de capital. Além disso, a denúncia descreve que no período de janeiro de 2015 a março de 2016 o BANCO MÁXIMA S.A., na pessoa do paciente e de outros, teria assumido riscos muito superiores àqueles compatíveis com a sua estrutura de capital, apresentando informações incorretas referentes à apuração do requerimento de capital para cobertura de suas exposições patrimoniais ao risco de crédito, risco de mercado e risco operacional, de forma a dissimular um quadro de grave insuficiência de capital.

- Paciente que não se tratava efetivamente de sócio minoritário. Ele atuava na administração da instituição financeira juntamente com o corréu Saul Dutra Sabbá, tanto que assinou documentos enviados ao Bacen para prestação das informações requeridas, participou de diversas assembleias gerais extraordinárias nas quais eram aprovados os demonstrativos contábeis e assinou suas atas, integrou comitê de crédito do banco, responsável pela análise acerca das concessões de crédito, além de ter sido apontado como um dos responsáveis na comunicação de indícios de crime enviada pelo departamento de supervisão bancária do Bacen ao Ministério Público Federal.

- A Lei n.º 6.404, de 15.12.1976, que dispôs sobre as sociedades por ações, prescreve os deveres e responsabilidades dos administradores no exercício de suas funções (dever de diligência, de lealdade, de informar e responsabilidade – artigos 153 e seguintes), visando a proteção dos investidores e do próprio Sistema Financeiro Nacional.

- A par das sanções administrativas previstas pelo descumprimento do dever de lealdade na condução da instituição,  em tendo sido o paciente ALBERTO MAURÍCIO CALÓ denunciado pelo Ministério Público Federal por atos que seriam configuradores em tese de crime de gestão fraudulenta (além dos artigos 6º e 10, ambos da Lei n.º 7.492/1986), na condição de Diretor Jurídico/Contábil do BANCO MÁXIMA S.A à época dos fatos, deve se submeter também ao processo judicial validamente instaurado para apuração de condutas que configurariam os crimes descritos na denúncia.

- Foram descritas na denúncia condutas que, para além do artigo 4º, caput, da Lei n.º 7.492/1986, amoldam-se, em tese, aos crimes tipificados nos artigos 6º e 10, ambos da lei excogitada. Todavia, eventual consunção entre tais artigos e o de gestão fraudulenta, que possui pena mais grave, só poderá ser objeto de deliberação após a instrução probatória por ocasião do ato de sentenciamento do feito, levando-se em consideração a objetividade jurídica de cada um dos tipos, o elemento anímico e as provas produzidas que ensejarão, ou não, a condenação do paciente.

- A objetividade jurídica do tipo de gestão fraudulenta exige que “haja a utilização de ardil ou de astúcia, imbricada com a má-fé, no intuito de dissimular o real objetivo de um ato ou negócio jurídico, cujo propósito seja o de ludibriar as autoridades monetárias ou mesmo aquelas com quem mantém eventual relação jurídica. A má-fé, nesse contexto, é elemento essencial para a configuração da fraude” (Habeas Corpus n.º 285.587/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15.03.2016, DJe de 28.03.2016).

- O bem jurídico do tipo previsto no artigo 6° da Lei n° 7.492/1986 “pretende resguardar a confiança inerente às relações jurídicas e negociais existentes entre os agentes em atuação no sistema financeiro (sócios das instituições financeiras, investidores e os órgãos públicos que atuam na fiscalização do mercado), protegendo-os, ainda, contra potenciais prejuízos decorrentes da omissão ou prestação de informações falsas acerca das operações financeiras. Na forma omissiva o sujeito ativo, através de informação falsa ou da omissão de informação verdadeira, induz a erro o sujeito passivo fazendo com que represente de maneira equivocada ou até mesmo ignore a realidade. Na forma comissiva por omissão, o autor deve se revestir da posição de garante, ou seja, deve possuir o dever de revelar a informação adequada” (TRF/2 - ACR n.° 2000.51.01.509117-8, Rel. Des. Fed. Sergio Schwaitzer, 6ª T., vu, DJU 15.02.2005). O legislador intentou assegurar ao “sócio, investidor ou à repartição pública competente” o acesso às informações acerca dos aspectos operacionais e financeiros da instituição financeira, fazendo-se necessária a presença da vontade livre e consciente do agente de praticar o tipo objetivo. O bem jurídico dirige-se, pois, “ao perigo que representa para a solidez material e moral do sistema financeiro, existente no descontrole das autoridades, o qual deriva da sonegação ou da falsidade de informações sobre a situação financeira de instituições financeiras ou sobre determinada operação realizada, que se comunicadas fidedigna e integralmente, e a tempo, à autoridade central, poderiam ser contornadas, regularizadas e saneadas, em prol do interesse público convergente” (STF - Agravo de Instrumento de Decisão que não admitiu Recurso Extraordinário n.º 807874/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, decisão monocrática, DJe 06.09.2010).

- Apesar de os tipos penais dos artigos 4°, “caput”, e 6°, ambos da Lei n.º 7.492/1986, objetivarem a reprimenda de condutas distintas, a gestão fraudulenta possui uma fórmula linguística mais ampla, abarcando, por vezes, conduta que se insere no artigo 6º, condensando tais bens jurídicos numa cláusula de fechamento (STJ, Habeas Corpus nº 351.960-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, v.u., DJe de 26.06.2017). Desse modo, pelo princípio da subsidiariedade, pode haver a punição apenas a título de gestão fraudulenta, uma vez ser este o delito mais gravemente apenado na lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, contudo, como se afirmou precedentemente, esta situação só será possível de ser mensurada após a instrução probatória, por ocasião da prolação da sentença.

- A objetividade jurídica do artigo 10 da Lei n.º 7.492/1986 é a garantia da solvência das instituições financeiras e a credibilidade dos agentes do sistema, a veracidade das informações que devem permear os negócios travados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, e, neste específico tipo, objetiva-se a proteção dos investidores e dos credores das instituições financeiras, as quais devem conferir transparência às demonstrações contábeis de forma a ter-se ciência de sua situação financeira. Além disso, a própria fé pública dos demonstrativos contábeis das instituições financeiras. Tal qual se dá em relação à possibilidade de consunção entre o artigo 6º e o artigo 4º, “caput”, da Lei n.º 7.492/1986, deverá, de igual modo, ser procedido a referido exame no que tange ao artigo 10 por ocasião da sentença considerando todo o acervo probatório que venha a ser coligido ao longo da instrução processual.

- Considerando-se a distinção da objetividade jurídica de cada um dos delitos irrogados na exordial incoativa, a sentença que venha a ser proferida deverá se voltar também à perquirição do elemento subjetivo dos tipos a fim de verificar a pertinência, ou não, da imputação, bem como se se poderia considerar a consunção entre eles, não sendo a atual fase processual em que se encontra o feito o momento para tal proceder.

- Não se pode entrever na fase do recebimento da denúncia a possibilidade de se discorrer sobre o dolo dos agentes, matéria que demanda ultrapassar a fase da instrução probatória, pois tal comprovação é inerente ao desenvolvimento processual, sendo, portanto, mais um reforço a validar a coexistência nesta fase da imputação dos delitos tipificados nos artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei n.º 7.492/1986. 

- A fase processual em que se encontra o feito que ensejou a interposição do presente Habeas Corpus não permite impedir que a acusação possa produzir provas que lastreiem os argumentos já descritos na denúncia e que se basearam no procedimento administrativo levado a efeito pelas autoridades monetárias e no inquérito policial, com plena observância do contraditório, sendo assegurada ao paciente a ampla defesa.

- A exordial acusatória descreve, para além da materialidade delitiva, a autoria do paciente ALBERTO MAURÍCIO CALÓ em razão da condução da instituição financeira nas operações sobreditas. O Relatório do Banco Central, que subsidiou o oferecimento da denúncia, aponta que ele ocupa o cargo de Diretor Estatutário do BANCO MÁXIMA S.A, desde 22.11.2007, sendo detentor de 10% de suas ações e os demais elementos de provas inseridos na ação penal evidenciariam, em tese, que ele ostentaria um poder de mando na instituição bem maior do que apenas um sócio minoritário.

- Tais atos teriam sido perpetrados de novembro de 2014 a março de 2016, sendo certo que todos eles, por si sós e isoladamente considerados, possuem o condão de resultar risco demasiado de prejuízo a terceiros (com ameaça à própria integridade financeira da instituição).

- Está-se diante da imputação pelo Ministério Público Federal de tipos distintos (artigos 4º, “caput”, 6º e 10, todos da Lei n.º 7.492/1986), com objetividades jurídicas distintas, com resultados pretendidos diversos e com elementos anímicos a serem posteriormente aferidos (em tese, ludibriar e enganar terceiros, causando risco à instituição financeira, aos credores e ao Sistema Financeiro Nacional).

- Na esteira do entendimento jurisprudencial das Cortes Superiores, só seria possível o trancamento da ação penal se se divisasse de plano e sem necessidade de dilação probatória a completa ausência de prova de materialidade delitiva, de indícios de autoria e atipicidade da conduta ou ainda a presença de alguma causa configuradora da extinção da punibilidade, o que não se verifica na hipótese.

- Ordem denegada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Des. Fed. Fausto De Sanctis, a Décima Primeira Turma, por maioria, decidiu, denegar a ordem, nos termos do voto do Des. Fed. Fausto De Sanctis, acompanhado pelo Des. Fed. Nino Toldo, vencido o Des. Fed. José Lunardelli que concedia em parte a ordem de habeas corpus, para trancar a ação penal apenas com relação à imputação do crime previsto no art. 4º, caput, da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta), prosseguindo-se no que tange aos demais delitos (arts. 6º e 10, ambos da Lei 7.492/86), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.