Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção

REVISÃO CRIMINAL (12394) Nº 5011426-93.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

REQUERENTE: WILMER VIANA, ANTONIO AUGUSTO PEREIRA JUNIOR, MARCO ANDRE DA COSTA JARDIM, GEORGE LINCOLN ALVES FRANCO

Advogados do(a) REQUERENTE: ANTONIO AUGUSTO PEREIRA JUNIOR - BA74235, LASARO MOREIRA DA SILVA - DF65642, WILMER VIANA JUNIOR - SP386777-A

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção
 

REVISÃO CRIMINAL (12394) Nº 5011426-93.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

REQUERENTE: WILMER VIANA, ANTONIO AUGUSTO PEREIRA JUNIOR, MARCO ANDRE DA COSTA JARDIM, GEORGE LINCOLN ALVES FRANCO

Advogado do(a) REQUERENTE: LASARO MOREIRA DA SILVA - DF65642

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de revisão criminal ajuizada por Marcos André da Costa Jardim, Wilmer Viana, Antonio Augusto Pereira Júnior e George Lincoln Alves Franco contra acórdão da 2ª Turma do Tribunal, proferido nos Autos n. 0002475-49.2000.403.6000, que condenou os requentes à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão pela prática do delito do art. 1º, I, a, c. c. § 4º, I, da Lei n. 9.455/97.

Alega-se, em síntese, o que segue:

a) transitado em julgado o acórdão que julgou parcialmente procedente a apelação, os requerentes ajuizaram a primeira revisão criminal com base em fatos novos, a saber, depoimentos de testemunhas não ouvidas na instrução criminal (Revisão Criminal n. 0018764-53.2016.4.03.0000, de minha relatoria, Id n. 273466866, p. 18);

b) julgada improcedente a revisão criminal, os requerentes tiveram conhecimento de fatos novos que autorizam o ajuizamento desta segunda revisão criminal, conforme dispõe o art. 621, I e III, do Código de Processo Penal;

c) na condição de Agentes da Polícia Federal, os requerentes foram acusados de tortura durante abordagem policial, embora as declarações das vítimas não estejam comprovadas e o exame de corpo de delito indique lesões bastante inferiores ao alegado, além de ter sido encontrada apenas 1 (uma) cápsula de bala no local dos fatos (disparo acidental);

d) no curso da ação penal, Paulo, uma das supostas vítimas, entregou ao Juízo Federal de Dourados (MS) uma gravação de ameaça que teria sofrido para que retirasse a acusação, porém o Ministério Público Federal requereu que a prova fosse desentranhada dos autos;

e) somente agora a defesa teve conhecimento de que o Ministério Público Federal instaurou o PIC n. 1.21.001.000165/2006-90, para apurar a ocorrência de coação no curso do processo, inclusive com degravação dos áudios que resultaram em documento apócrifo do qual constaria conversa de Paulo com Vicente, um ex-policial militar conhecido seu;

f) o PIC n. 1.21.001.000165/2006-90 não observou os princípios do contraditório e da ampla defesa (apenas Paulo e um vizinho foram ouvidos) e, em 12.11.08, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo seu arquivamento;

g) decorrido 1 (um) mês do arquivamento, o Ministério Público Federal apresentou alegações finais na Ação Penal n. 0002475-49.2000.403.6000, com juntada de partes do PIC n. 1.21.001.000165/2006-90, o que resultou em prejuízo à defesa;

h) a matéria foi objeto de análise na apelação criminal, oportunidade em que erroneamente se acolheu a alegação de ausência de ofensa ao princípio do contraditório;

i) ocorre que a dinâmica dos fatos demonstra que o Ministério Público Federal agiu com a intenção de causar surpresa processual, em violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa;

j) ao contrário do que constou no voto do Desembargador Federal Henrique Herkenhoff, relator da apelação criminal, a defesa não teve acesso ao PIC n. 1.21.001.000165/2006-90, distribuído perante a Justiça Federal de Naviraí como Autos n. 2009.60.06.000053-5, para investigação de crime contra a Administração Pública praticado pelo próprio denunciante Paulo Malaquias da Silva;

k) o Ministério Público Federal selecionou apenas partes do PIC n. 1.21.001.000165/2006-90, deles extraindo o contexto mais desfavorável aos réus, sendo certo que o conhecimento da promoção de arquivamento “daria subsídios aos policiais em sua defesa, desqualificando as acusações de ameaças alegadas na abordagem e que não se confirmaram”;

l) violação à Súmula Vinculante n. 14, do Supremo Tribunal Federal, bem com aos precedentes dos Tribunais Superiores;

m) houve, ainda, ofensa ao art. 400 do Código de Processo Penal, uma vez que os requerentes “foram os primeiros a serem ouvidos em juízo e todas as demais testemunhas se seguiram, não concedendo aos primeiros o direito de autodefesa sobre nada do que foi trazido em seguida pelas testemunhas de acusação”;

n) do exposto, pode-se concluir que a condenação dos requerentes foi contrária a texto expresso em lei penal (CPP, art. 621, I), além de violar direitos e garantias constitucionais;

o) sem prejuízo das alegações supra, a revisão criminal também encontra fundamento no art. 621, III, do Código de Processo Penal;

p) para a condenação dos requerentes, “as gravações foram utilizadas como prova da existência do crime de tortura, porque se havia uma coação no curso do processo, é porque os fatos eram verdadeiros”, ocorre que a coação nunca existiu, o que foi omitido pela ardilosamente pelo Ministério Público Federal com a intenção de não fragilizar a acusação, inclusive eventual desclassificação para o crime de abuso de autoridade;

q) aponta trechos do voto do Desembargador Federal Henrique Herkenhoff e do voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello (HC n. 120.711);

r) postula-se absolvição dos requerentes e, alternativamente, a decretação da nulidade da ação penal, a partir da decisão que encerrou a instrução criminal, não conhecidos os pedidos anteriores, requer-se a desclassificação para a conduta prevista no art. 4º, a e b, da Lei n. 4.898/65, em vigor à época dos fatos (Id n. 273466852).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Pedro Barbosa Pereira Neto, ressaltou que se trata da segunda revisão criminal ajuizada pelos requerentes, razão pela qual deve ser conhecida somente no ponto em que fundada em provas novas (CPP, 622, parágrafo único). Aduz que a alegada prova nova, consistente no arquivamento do PIC em relação à coação no curso do processo, constou do acórdão que julgou a apelação criminal (Id n. 273466858, p. 3). A decisão que acolheu a promoção de arquivamento é datada de 2009 (Id n. 273467437, p. 45), o que infirma a alegação de que não seria do conhecimento dos requerentes. Ademais, a prática do crime de tortura é anterior ao suposto crime de coação no curso do processo, razão pela qual o arquivamento em relação a este não é elemento suficiente à demonstração de inocência em relação ao crime de tortura. Nesses termos, a revisão criminal deve ser conhecida apenas em parte e, na parte conhecida, a ela deve ser negado provimento (Id n. 274660539).

É o relatório.

À  revisão, nos termos regimentais.

 

 


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V O T O

 

 

 

Revisão criminal. Conhecimento. Em que pese a manifestação da Ilustre Procuradoria Regional da República no sentido de que a revisão criminal deve ser conhecida apenas no que diz respeito ao arquivamento do procedimento investigatório criminal referente à coação no curso do processo, conheço-a na integralidade porque o pleito dos requerentes funda-se em suposta condenação contrária a texto expresso da lei e na existência de novas provas de inocência ou que autorizam a diminuição de pena (CPP, arts. 621, I e III), alegações que se confundem com o mérito da revisão criminal.

Segue breve relato das decisões proferidas por este Tribunal na apelação e na revisão criminal anteriormente ajuizada.

Apelação Criminal n. 0002475-49.2000.4.03.6000. Em 09.02.10, a 2ª Turma do Tribunal negou provimento à apelação dos réus e, de ofício, reduziu para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão a pena que lhes foi aplicada pela prática do delito do art. 1º, I, a, e § 4º, I, da Lei n. 9.455/97, bem como deu parcial provimento ao recurso da acusação para fixar o regime inicial fechado de cumprimento de pena:

PENAL E PROCESSUAL. CRIME DE TORTURA PRATICADO POR POLICIAIS FEDERAIS: ART. 1º. I, "A" e § 4º, I, DA LEI 9455/97. INÉPCIA DA DENÚNCIA: PRECLUSÃO. GRAVAÇÃO DE CONVERSAS TELEFÔNICAS: DESNECESSIDADE DE PERÍCIA. UTILIZAÇÃO EM DEFESA PRÓPRIA POR UM DOS INTERLOCUTORES: PROVA LÍCITA. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO: VALIDADE. CONFRONTO DE PROVAS: NEGATIVAS DESARRAZOADAS DA DEFESA E CONTRADIÇÕES NOS DEPOIMENTOS DE UM DOS RÉUS. PROVA DA ACUSAÇÃO COERENTE E HARMÔNICA: DEPOIMENTO DAS VÍTIMAS E PROVA TESTEMUNHAL. AUTORIA DELITIVA COMPROVADA. CONDENAÇÕES MANTIDAS. DOSIMETRIA DAS PENAS: CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS: DE OFÍCIO, REDUÇÃO DAS PENAS-BASE AO MÍNIMO LEGAL. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA.

1 - Proferida sentença condenatória, considera-se operada a preclusão com relação a supostos vícios da inicial acusatória. Preliminar de inépcia da denúncia não conhecida.

2 - O uso de conversas gravadas por um dos interlocutores, ainda que sem conhecimento ou autorização do outro, é legal, sobretudo se utilizada para defesa própria em investigação criminal e aliada a outros meios de prova. Precedentes do STF e STJ.

3 - Desnecessária a realização de perícia nas gravações, quando não não foi utilizada como prova da materialidade do crime de tortura, atestada por laudo de exame de lesões corporais existente nos autos.

4 - Réus condenados pela prática do crime previsto no art. 1º, I, "a" e § 4º, inciso I, da Lei nº 9455/97, por terem, valendo-se da condição de agentes da polícia federal e a pretexto de estarem agindo no interesse das atribuições daquele cargo, praticado, com união de esforços e divisão de tarefas, sob um mesmo desígnio, violência física e graves ameaças contra duas vítimas, no intuito de constrangê-las a confessar condutas ilícitas e prestar-lhes informações sobre pretensos comparsas. Ameaça consistente no disparo de arma de fogo, afirmando-se a uma das vítimas, que estava vendada, que seu comparsa havia sido assassinado e ela também o seria, se não confessasse o crime de descaminho e prestasse informações quanto ao caminhão que transportava as mercadorias, que ela estaria escoltando.

5 - Materialidade delitiva atestada por fotografias das vítimas, laudo de exame de coro de delito concluindo que sofreram lesões corporais compatíveis com a data dos fatos, e exame do local das agressões. Cápsula deflagrada encontrada no local apontado pelas vítimas.

6 - Nos crimes de tortura, não é o caso de simplesmente preferir aprioristicamente a versão da vítima ou a do acusado, sendo necessário sopesar racionalmente a idoneidade de cada uma delas e confrontá-las com as demais provas produzidas.

7 - Os depoimentos das vítimas foram coerentes e harmônicos, corroborados pelo depoimento coincidente da testemunha de defesa, promotor de Justiça que atendeu as vítimas após as agressões, pelo reconhecimento fotográfico dos réus e gravações de conversas telefônicas corroborando as ameaças feitas pelos policiais após os atos de tortura.

8 - O reconhecimento fotográfico é válido quando observadas as regras dispostas nos incisos I, II e IV do art. 226 do CPP e corroborado por outras provas.

9 - As provas da defesa resumiram-se às declarações dos réus, que confirmaram sua presença no local, a abordagem das vítimas em uma estrada e sua condução a um local ermo onde, segundo eles, apenas iriam submetê-los a interrogatório, negando apenas prática de atos de tortura ou qualquer tipo de agressão, e prova testemunhal consistente em testemunhas não presenciais, que apenas se manifestaram a respeito de acontecimentos que teriam ocorrido após os fatos.

10 - A alegação de que o disparo de arma de fogo foi acidental, já por si inverossímil, perde credibilidade pela incoerência dos depoimentos dos acusados e pelo providencial desaparecimento da arma, que assim não foi submetida a exame pericial.

11 - Do confronto entre a negativa desarrazoada dos réus quanto aos atos de violência, as inconsistências e contradições existentes em suas declarações apontando para a existência de irregularidades na operação efetuada, com as declarações dos ofendidos e das testemunhas que se mostram coerentes e harmônicos entre si e com as demais provas, verifica-se que a acusação apresentou elementos com o poder probatório necessário a extirpar qualquer dúvida sobre a materialidade e autoria do delito imputado aos réus.

12 - Condenações mantidas.

13 - Sendo os réus primários e de bons antecedentes, e sendo favoráveis as outras circunstâncias judiciais, não se justifica a fixação da pena-base acima do mínimo legal ao fundamento de ser intensa a culpabilidade, diante da utilização de tortura física e psicológica na prática do delito, circunstâncias essas elementares do tipo penal increpado. O motivo da tortura (o afã de apurar conduta criminosa), dentre todos os possíveis, é o menos difícil de tolerar, embora absolutamente incapaz de justificar tal conduta. Fato isolado na vida dos acusados. Consequências as mínimas possíveis para crime de tal natureza.

14 - De ofício, reduzida a penas-base dos réus para o mínimo legal (dois anos de reclusão), acrescida em ¼ pela aplicação da causa de aumento de pena prevista no parágrafo 4º, I, da Lei 9455/97, totalizando a pena privativa de liberdade de dois anos e seis meses de reclusão.

15 - A perda do cargo e a interdição para exercer outro são penas acessórias do crime de tortura, e não efeitos da condenação, não cabendo juízo discricionário sobre elas, que devem ser aplicadas obrigatoriamente em caso de condenação.

16 - A Lei 9455/97, específica para os crimes de tortura, revogou anterior determinação da Lei 8072/90, e determinou, no § 7º do art. 1º, que o condenado pelos crimes nela previstos iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado. Com o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1ºda Lei 8072/90 pelo STF, e tendo em vista o vácuo legislativo deixado por essa decisão e, tendo o delito sido praticado em 11.02.2000, quando em vigor a Lei de Execuções penais, e tendo a Lei 11.464 entrado em vigor em 29 de março de 2007, aplica-se ao caso o artigo 112 da LEP, exigindo-se, para a progressão, o cumprimento de ao menos um sexto da pena.

17 - Preliminar de inépcia da inicial não conhecida. Rejeitada a prejudicial de nulidade da sentença.

18- Apelação dos réus a que se nega provimento. De ofício, reduzidas as penas para dois anos e seis meses de reclusão.

19 - Apelação ministerial a que se dá provimento, para fixar o regime inicial fechado para o cumprimento das penas dos condenados, possibilitada a progressão nos termos da Lei de Execuções Penais. (Id n. 273466858)

 

Em cumprimento à decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para o crime de tortura e determinou a reavaliação da matéria, a 2ª Turma do Tribunal negou provimento ao recurso da acusação, para manter o regime inicial aberto fixado na sentença.

Em face de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no HC n. 120.711, a 2ª Turma do Tribunal, em 20.02.15, deu parcial provimento ao recurso da defesa a fim de reduzir para 1/6 (um sexto) a da causa de aumento de pena do artigo 1º, §4º, inciso I, da Lei n. 9.455/97. Vencido o Ministro Marco Aurélio, na parte em que afastava a perda dos cargos. A pena dos réus restou fixada em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.

Revisão Criminal n. 0018764-53.2016.4.03.0000. Os requerentes alegaram, em síntese, que a condenação é contrária à evidência dos autos, que não praticaram a conduta delitiva e que os depoimentos das vítimas são contraditórios e irreais. Postularam a absolvição e, alternativamente, a desclassificação da conduta para o delito de abuso de autoridade.

Em 16.02.17, a 4ª Seção do Tribunal julgou improcedente a revisão criminal, conforme ementa que segue:

PENAL. PROCESSO PENAL, REVISÃO CRIMINAL. LEI N. 9.455/91, ART. lº, I, A, C. C. o § 4º, I. AUTORIA E MATERIALIDADE. PROVAS AMPLA E PORMENORIZADAMENTE ANALISADAS. CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. PERDA DE CARGO PUBLICO. INTERDIÇÃO DE EXERCÍCIO. CRIME DE TORTURA. EFEITO AUTOMÁTICO.

I. As provas documentais e testemunhais a que aludem os requerentes foram ampla e pormenorizadamente apreciadas tanto pelo Juízo a quo como por este Tribunal quando do julgamento dos recursos dos réus, não havendo os revisionandos logrado comprovar a imprestabilidade de tais provas, do que é evidência o fato de não fundarem seu pedido revisional no inciso II do art. 621 do Código de Processo Penal. Cingem-se, assim, a negar os fatos e aduzir que os depoimentos das vítimas seriam inverídicos, irreais e contraditórios, alegações que já foram afastadas pela 2ª Turma desta Corte, insta apontar, pois objetos de seus recursos de apelação.

2. A condenação não se funda somente nas declarações das vítimas, como quer fazer crer a defesa, mas sim em todos os demais elementos de prova que foram juntados aos autos, inclusive exame de corpo de delito, diligências efetuadas pela Polícia Civil que lograram encontrar a cápsula deflagrada no lugar apontado pelas vítimas e nas inconsistências das próprias declarações dos réus. Por esse mesmo motivo, não há falar em desclassificação da conduta dos requerentes para abuso de autoridade, nos termos do art. 4º da Lei n. 4.898/65, uma vez que, após ampla consideração dos fatos narrados na denúncia, firmou-se a convicção do Magistrado a quo e desta Corte acerca de sua classificação jurídica, a qual sequer foi objeto de recurso por parte dos réus em sua apelação (fls. 1.211/1.213).

3. No que tange à alegada existência de novas provas a apontar para a inocência dos requerentes, como bem apontado pela Procuradoria Regional da República (fls. 62175), trata-se de acontecimentos e declarações extrajudiciais acerca de circunstâncias que meramente tangenciam os fatos objeto deste feito, mas que não têm o condão de comprovar a inocorrência do crime ou sequer de lançar dúvidas acerca das conclusões que levaram à condenação dos réus.

4. Trata-se de uma das hipóteses em que a própria norma de direito material estabelece a obrigatoriedade da perda do cargo público, prevendo inclusive a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada, como efeito automático da condenação (...).

5. Restou evidenciada a quebra de confiança da Administração, valendo-se os revisionandos da possível impunidade que adviria do próprio cargo que ocupavam, atentando contra princípios administrativos e deveres de honestidade, legalidade e lealdade às instituições. Veja-se que a conduta pela qual foram condenados (tortura para fins de obtenção de informações) é especialmente grave quando praticada por agentes a quem o Estado confiou o combate às atividades ilícitas e a defesa do interesse público e da população. A jurisprudência é firme no sentido de ser cabível e aconselhável a perda de cargo público por parte de agentes policiais quando as condutas forem consideradas graves e incompatíveis com a manutenção dos réus nos seus cargos em decorrência da quebra da confiança da Administração (...).

6. Revisão criminal julgada improcedente. (Id n. 273466866, pp. 19/20).

 

Passo à análise da presente revisão criminal, ora levada a julgamento.

Revisão Criminal n. 5011426.93.2023.4.03.0000. Os requerentes alegam que a sentença condenatória é contrária a texto expresso de lei (CPP, art. 621, I) e que após a sua prolação, a defesa teve conhecimento de novas provas de inocência dos acusados (CPP, art. 621, III).

No que diz respeito ao disposto no art. 621, I, do Código de Processo Penal, aduzem os requerentes que somente agora tiveram conhecimento de que o Ministério Público Federal instaurou procedimento investigatório criminal (PIC n. 1.21.001.000165/2006-90), para apurar a ocorrência de coação no curso do processo, inclusive com degravação de áudios que resultaram em documento apócrifo do qual constaria conversa da suposta vítima Paulo com Vicente, um ex-policial militar conhecido seu. O PIC n. 1.21.001.000165/2006-90 não observou os princípios do contraditório e da ampla defesa e malgrado ciente de seu arquivamento, o Ministério Público Federal ocultou o fato ao manifestar-se na ação penal relativa à prática de tortura. Selecionou partes do PIC n. 1.21.001.000165/2006-90 e deles extraiu o contexto mais desfavorável aos réus, em alegações finais que causaram surpresa processual. Ressaltam os requerentes que não haviam tido acesso ao PIC n. 1.21.001.000165/2006-90, o que resultou em prejuízo à defesa porque o arquivamento em relação à coação no curso do processo desqualificaria a acusação de prática de tortura. Apontam violação a dispositivos legais e constitucionais, assim como à Súmula Vinculante n. 14, do Supremo Tribunal Federal.

A alegada ilicitude da degravação de conversas de uma das vítimas com terceiros, assim como a sua juntada aos autos pelo Ministério Público Federal, foram objeto de análise pela 2ª Turma, por ocasião do julgamento da apelação criminal. Confira-se o seguinte trecho do voto do Desembargador Federal Relator Henrique Herkenhoff:

A defesa requer também a decretação de nulidade da sentença, por ofensa aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, diante da utilização de prova ilícita (degravação de conversas entre uma das vítimas com terceiros), não submetida a perícia e obtida unilateralmente pelo órgão acusador.

A juntada de documentos pode ser feita a qualquer tempo no processo, na forma do artigo 400 do CPP, não havendo que se falar em prejuízo, se é dada à parte contrária a oportunidade de se manifestar sobre eles.

E, diga-se de passagem, como a prova consistia em gravação de conversa relacionada à ação penal, ela não poderia ter sido juntada em ocasião anterior.

A prova mencionada consiste em um CD e uma fita cassete contendo gravações de diálogos mantidos entre um indivíduo de nome Vicente com a vítima Paulo, bem como entre este e um delegado de polícia, entregues pela vítima ao Juízo Federal de Dourados/MS (onde a ação tramitava inicialmente), encaminhada ao Ministério Público Federal que, por sua vez, remeteu-as ao Juízo de Naviraí, e estão juntadas no apenso (fl. 571).

O Ministério Público Federal solicitou cópia da degravação para instauração de procedimento investigatório criminal a fim de apurar a prática do crime de coação no curso do processo, pedido deferido a fl. 867.

Por ocasião do oferecimento das alegações finais, o órgão acusador mencionou trechos dos diálogos mantidos, ressaltando que serviriam como prova para a acusação, e o MM. Juiz, na sentença, fez referência às conversas, utilizando-as como um dos meios de prova da ocorrência do crime de tortura.

Esses fatos estão documentados nos autos, a defesa teve conhecimento e a oportunidade de se manifestar sobre a prova, como o fez nas suas alegações finais, fato rechaçado pela sentença. Assim, sendo, não ocorreu a alegada lesão ao princípio do contraditório.

No âmbito processual penal, meios de provas são os instrumentos pessoais ou materiais aptos a trazer ao processo a convicção da existência ou inexistência de um fato (“Vicente Greco Filho, in "Manual de Processo Penal"), ou seja, são os modos pelos quais podemos obter a autenticidade de certos atos.

O Código de Processo Penal dispõe, nos artigos 332 e 383:

Artigo 332:" Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa."

Artigo 383:" Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outras espécies, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquela contra quem lhe foi produzida lhe admitir a conformidade."

A Constituição Federal explicita que são inadmissíveis os meios de provas obtidos por meio ilícito, razão pela qual discute-se a admissibilidade da utilização da degravação de conversas telefônicas como meio de prova lícito.

Atualmente, os Tribunais Superiores firmaram entendimento no sentido de que, ao contrário da interceptação telefônica ilegal, o uso de conversas gravadas por um dos interlocutores, ainda que sem conhecimento ou autorização do outro, é legal, sobretudo se utilizada para defesa própria em investigação criminal e aliada a outros meios de prova. Caso a conversa gravada não seja para esse fim, a gravação é clandestina, mas não ilícita, não sendo ilícito seu uso, mormente como meio de prova (...).

No caso, foi lícito e relevante o uso dessa prova, pois realizadas pela vítima Paulo Malaquias a fim de registrar ameaças que vinha recebendo caso não "retirasse a queixa" contra os policiais acusados de torturá-lo, sendo pois utilizada com o fim de proteger direito próprio em investigação criminal.

Quanto ao valor probante que resulta das degravações das conversas, trata-se de questão a ser resolvida no momento probatório da valoração pelo Magistrado, não se confundindo com a admissibilidade da prova.

Não procede, ainda, a alegação de imprestabilidade dessa prova por não ter sido submetida a perícia, já que não é apta e não foi utilizada como prova da materialidade do crime de tortura, atestada pelo laudo de exame de lesões corporais existente nos autos.

Ademais, sempre que suficientemente caracterizada a ocorrência do delito por intermédio de outros meios de prova, torna-se dispensável a realização de exame pericial, pois, na medida em que vige no ordenamento processual o princípio da "livre apreciação racional das provas" (artigo 157 do Código de Processo Penal) - o que dispensa o Magistrado da obrigação de conferir maior ou menor valor a determinadas provas - nada impede que o juiz, diante do conjunto probatório contido nos autos, desconsidere a prova pericial produzida, conforme estabelece o artigo 182 do Código de Processo Penal.

Assim, não podendo tal prova ser considerada corpo de delito, e havendo nos autos elementos suficientes para afastar qualquer dúvida quanto a materialidade do crime, a providência de se realizar perícia nos áudios contendo os diálogos se mostra totalmente desnecessária.

Ademais, as referidas degravações das conversas não foram a única prova considerada pelo MM. Juiz no que se refere à autoria delitiva, consoante será analisado no exame do mérito.

Assim, não procede a alegação de que a sentença se utilizou de prova ilícita, inexistindo elementos que apontem para a decretação de sua nulidade, motivo pelo qual rejeito a preliminar de nulidade da sentença.

Na verdade, não empresto a essa prova o mesmo valor probante encontrado pelo juízo de primeiro grau: também a pessoa inocente pode tentar coagir seu acusador, de sorte que as fitas podem eventualmente ser consideradas prova da coação no curso do processo, mas são quando muito prova circunstancial da tortura. (Id n. 273466858, pp. 2/5)

 

Conforme referido no voto da apelação criminal, a jurisprudência dos Tribunais Superiores é no sentido da licitude da prova obtida mediante gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais (STF, AgR no ARE n. 742.192, Rel. Min . Luiz Fux, j. 15.10.13; STF, RE n. 583.937, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 19.11.09; STJ, HC n. 112.386, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu, j. 01.12.11; STJ, REsp n. 1.113.734, Rel. Min. Og Fernandes, j. 28.09.10). Nesses termos, a gravação ambiental é admissível como meio de prova.

Não houve violação ao art. 400 do Código de Processo Penal, na redação vigente à época dos fatos, e à defesa foi conferida oportunidade de manifestação, em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa. No que diz respeito à ausência de perícia dos áudios, cumpre ressaltar o registro do Desembargador Federal Relator no sentido de que a gravação ambiental “não foi utilizada como prova da materialidade do crime de tortura, atestada pelo laudo de exame de lesões corporais existente nos autos”. Em relação à autoria delitiva, em que pese o Juízo a quo tenha se referido às conversas objeto da gravação ambiental, apontou também outros elementos para a prolação da sentença condenatória (Id n. 273466855). Em apelação e revisão criminal, a manutenção da condenação não se fundamentou na gravação ambiental, mas sim nas declarações das vítimas, reputadas coesas e em harmonia com o exame de corpo de delito e com as diligências efetuadas pela Polícia Civil (que lograram encontrar a cápsula deflagrada no lugar dos fatos), ao passo que as declarações dos réus foram tidas como inconsistentes. Afirmou-se, ainda, que a circunstância de as lesões corporais serem leves não são irrelevantes para fins penais, de modo que descabida a desclassificação para o delito de abuso de autoridade (cf. Ids ns. 27346858 e 273466866).

Assim, não procede a afirmação de que a condenação seria contrária a texto expresso da lei (CPP, art. 621, I), resultando impertinentes as objeções da defesa ao PIC n. 1.21.001.000165/2006-90 (ou Autos n. 20009.60.000053-5), vale dizer, que se trata de “procedimento sem o crivo do contraditório e da ampla defesa” e cujo arquivamento “foi omitido pelo Ministério Público Federal”.

A inexistência de coação no curso do processo não infirma os elementos dos autos anteriormente explicitados, considerados suficientes à prova da materialidade e da autoria do crime de tortura. Portanto, não prospera a alegação de existência de nova prova de inocência dos condenados (CPP, art. 621, III).

Ante o exposto, CONHEÇO a revisão criminal e JULGO-A IMPROCEDENTE.

É o voto.

 



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL (CPP, ART. 621, I E III). CONHECIMENTO. IMPROCEDÊNCIA.

1. Em que pese a manifestação da Procuradoria Regional da República no sentido de que a revisão criminal deve ser conhecida apenas no que diz respeito ao arquivamento do procedimento investigatório criminal referente à coação no curso do processo, conheço-a na integralidade porque o pleito dos requerentes funda-se em suposta condenação contrária a texto expresso da lei e na existência de novas provas de inocência ou que autorizam a diminuição de pena (CPP, arts. 621, I e III), alegações que se confundem com o mérito da revisão criminal.

2. Conforme referido no voto da apelação criminal, a jurisprudência dos Tribunais Superiores é no sentido da licitude da prova obtida mediante gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais (STF, AgR no ARE n. 742.192, Rel. Min . Luiz Fux, j. 15.10.13; STF, RE n. 583.937, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 19.11.09; STJ, HC n. 112.386, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu, j. 01.12.11; STJ, REsp n. 1.113.734, Rel. Min. Og Fernandes, j. 28.09.10). Nesses termos, a gravação ambiental é admissível como meio de prova.

3. Não houve violação ao art. 400 do Código de Processo Penal, na redação vigente à época dos fatos, e à defesa foi conferida oportunidade de manifestação, em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa. No que diz respeito à ausência de perícia dos áudios, cumpre ressaltar o registro do Desembargador Federal Relator da apelação criminal no sentido de que a gravação ambiental “não foi utilizada como prova da materialidade do crime de tortura, atestada pelo laudo de exame de lesões corporais existente nos autos”. Em relação à autoria delitiva, em que pese o Juízo a quo tenha se referido às conversas objeto da gravação ambiental, apontou também outros elementos para a prolação da sentença condenatória. Em apelação e revisão criminal, a manutenção da condenação não se fundamentou na gravação ambiental, mas sim nas declarações das vítimas, reputadas coesas e em harmonia com o exame de corpo de delito e com as diligências efetuadas pela Polícia Civil (que lograram encontrar a cápsula deflagrada no lugar dos fatos), ao passo que as declarações dos réus foram tidas como inconsistentes. Afirmou-se, ainda, que a circunstância de as lesões corporais serem leves não são irrelevantes para fins penais, de modo que descabida a desclassificação para o delito de abuso de autoridade. Assim, não procede a afirmação de que a condenação seria contrária a texto expresso da lei (CPP, art. 621, I), resultando impertinentes as objeções da defesa ao PIC n. 1.21.001.000165/2006-90 (ou Autos n. 20009.60.000053-5), vale dizer, que se trata de “procedimento sem o crivo do contraditório e da ampla defesa” e cujo arquivamento “foi omitido pelo Ministério Público Federal”.

4. A inexistência de coação no curso do processo não infirma os elementos dos autos anteriormente explicitados, considerados suficientes à prova da materialidade e da autoria do crime de tortura. Portanto, não prospera a alegação de existência de nova prova de inocência dos condenados (CPP, art. 621, III).

5. Revisão criminal conhecida e julgada improcedente.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Seção, por unanimidade, decidiu conhecer a revisão criminal e julgá-la improcedente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.