Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001697-11.2021.4.03.6112

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: AGROINDUSTRIAL IRMAOS DALLA COSTA LTDA.

Advogado do(a) APELANTE: MURILLO BETONE DE LIMA - SP389297-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001697-11.2021.4.03.6112

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: AGROINDUSTRIAL IRMAOS DALLA COSTA LTDA.

Advogados do(a) APELANTE: MURILLO BETONE DE LIMA - SP389297-A, RICARDO TADEU LINO DE CARVALHO - PR75218-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A Exma. Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora):

Trata-se de ação anulatória, com pedido de tutela antecipada de urgência, proposta por AGROINDUSTRIAL IRMAOS DALLA COSTA LTDA, em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando  a anulação do Auto de Infração nº 013/2018/SIF1433 e do procedimento administrativo nº 21000.053314/2018-12, que lhe impôs agravamento da penalidade na infração sanitária que lhe é imputada. Subsidiariamente, requer a exclusão da pena de suspensão e de uma das multas aplicadas por ocasião do julgamento em segunda instância administrativa.

Em decisão ID. 259474803, foi deferida a tutela de urgência.

Citada, a Ré apresentou contestação  (ID. 259474818). 

Após regular processamento do feito, a r. sentença que JULGOU IMPROCEDENTE o pedido; revogou a medida antecipatória de tutela e condenou a autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% do valor atribuído à causa, aplicando-se os critérios de correção monetária e juros fixados no Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente por ocasião da liquidação (Resolução CJF nº 658, de 10.8.2020, e eventuais sucessoras) (ID. 259474830).

Inconformada, a autora interpôs apelação  requerendo o provimento do recurso para reformar a r. sentença, para o fim de: a) reconhecer a nulidade do Auto de Infração e do Processo Administrativo de origem; b) subsidiariamente, caso se entenda pela regularidade do Auto de Infração nº 013/2018/SIF1433, requer seja excluída da condenação a pena de suspensão e de uma das multas no valor de R$ 15.648,52 (quinze mil seiscentos e quarenta e oito reais e cinquenta centavos).

Por fim, requer, ainda, a consequente condenação da apelada ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios (ID. 259475084).

Com contrarrazões (ID. 152638476), subiram os autos a este E. Tribunal.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001697-11.2021.4.03.6112

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: AGROINDUSTRIAL IRMAOS DALLA COSTA LTDA.

Advogados do(a) APELANTE: MURILLO BETONE DE LIMA - SP389297-A, RICARDO TADEU LINO DE CARVALHO - PR75218-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

 

 

 

 


V O T O

 

 

 

 

A Exma. Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora):

 

A questão posta nos autos diz respeito à higidez do auto de infração, que segundo a autora (apelante) seria nulo em decorrência de vários vícios concernentes à ausência de tipificação da infração sanitária e ausência de motivação e de ciência para a parte apresentar sua defesa; bem como em respeito à análise da possibilidade de haver reformatio in pejus na seara administrativa e também a existência de vícios relativos à fundamentação no julgamento em segunda instância.

 

Em síntese, requer a apelante que o reconhecimento da nulidade do Auto de Infração e do Processo Administrativo de origem. Subsidiariamente, caso se entenda pela regularidade do Auto de Infração nº 013/2018/SIF1433, requer seja excluída da condenação a pena de suspensão e de uma das multas no valor de R$ 15.648,52 (quinze mil seiscentos e quarenta e oito reais e cinquenta centavos), com a consequente inversão do ônus sucumbenciais.

 

O provimento vergastado decidiu a questão vertida nestes autos nos seguintes termos:

"(...)

 

II – Fundamentação: 

Afasto a alegação da União Federal de inépcia da inicial por ausência de documentos essenciais ao julgamento da causa, haja vista que vieram aos autos o auto de infração e os julgamentos dos recursos em primeira e segunda instância, suficientes para o exame da questão posta em juízo.

A contestação confunde ausência de documentos essenciais com insuficiência de prova.  A primeira se refere a casos especialíssimos em que não seja sequer possível a análise da causa (v.g., pedido de divórcio sem certidão de casamento) e leva à extinção da ação sem julgamento de seu mérito; a segunda, pode ser suprida na instrução por qualquer meio probatório e leva à improcedência.

Quanto ao depósito judicial, o art. 38 da LEF autoriza depósito suspensivo de qualquer crédito, tributário ou não.  Rejeito igualmente.

Prossigo quanto ao mérito.

A controvérsia dos autos gira em torno de dois aspectos: o primeiro relacionado à higidez do auto de infração, que segundo a Autora seria nulo em decorrência de vários vícios concernentes à ausência de tipificação da infração sanitária e ausência de motivação e de ciência para a parte apresentar sua defesa; o segundo diz respeito à análise da possibilidade de haver reformatio in pejus na seara administrativa e também a existência de vícios relativos à fundamentação no julgamento em segunda instância.

Inicio pela análise do auto de infração.

Diz a Autora que há vícios formais, citando ausência de descrição detalhada da infração e das sanções nas quais estaria incursa, ausência de menção das imagens fotográficas como integrantes do auto e de anotação de prazo para apresentação de defesa.

Analisando esse documento (ID 54775432), verifico que houve narrativa da infração, com relato de não conformidades por parte do Auditor Fiscal Federal Agropecuário nos dias 27 e 28 de novembro. Transcrevo, a seguir, o relato dos fatos flagrados no dia 27.11.2018:

“No setor de embalagem primária de galinhas, em 27.11.2018, foi constatada a presença de grande número de carcaças sendo embaladas com penas e penugens na pele do pescoço, penas nas asas, na sambiquira, na pela da cavidade celomática, no dorso e na pele da articulação da coxa com a sobrecoxa. Foram ainda identificadas em grande quantidade, carcaças sendo embaladas com a presença de papo, inclusive com conteúdo residual, além de outras com contaminação de origem gastrointestinal. Na etapa de monitoramento do Ponto Crítico de Controle – PPC1 B, constatou-se um número muito significativo de carcaças com a presença de conteúdo gastrointestinal (fezes) e resíduos pretos com aspecto de pedrinhas de calcário oriundo da ração (informação da fiscalizada).”

O Auto de Infração explicita o fato infracional e menciona a adequação às normas que descrevem as infrações sanitárias nos artigos 73, III, 74, 81, I, 452, 496, III, IX, XVI, XXVI e 497, III, do Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal – RIISPOA, aprovado pelo Decreto nº 9.013/2017.

Ademais, contrariamente ao alegado pela Autora, o Auto de Infração está acompanhado de anexos contendo as fotos das carcaças identificadas no setor de embalagem primária, em consonância com a descrição constante do auto de infração (ID 54775432, p. 3/4), sendo aspecto irrelevante a ponto de desnaturar esse auto o fato de não haver menção específica aos anexos no auto, uma vez que indubitavelmente as imagens estão correlacionadas com a narrativa do Auditor Fiscal Sanitário.

Igualmente foram relatadas e informadas no auto de infração todas as não conformidades às normas sanitárias verificadas, havendo inclusive menção à recidiva da Autora na infração sanitária, haja vista o não restabelecimento do controle do processo mesmo após as medidas corretivas propostas, além de incompatibilidades com os achados das verificações in loco com os programas de controle dos processos de produção. 

Também a alegação de ausência de informação no auto de infração acerca do prazo para apresentação de defesa não merece prosperar, tendo em vista que não restou impossibilitado o exercício do direito de defesa da Autora, que, inclusive, após impugnar o auto, apresentou o recurso administrativo que ora também questiona na presente ação anulatória.

Insurge-se ainda a Autora em relação ao mérito administrativo. Contrariamente ao alegado pela Autora, nada afasta a conclusão do senhor fiscal acerca das relatadas “não conformidades”, não havendo qualquer comprovação na alegação de que a existência de penas e penugens não é suficiente para afirmar que o produto apresenta risco à saúde pública e ao interesse do consumidor.  Não há suposição, como afirma a Autora, mas sim fato apurado pela autoridade fiscal, que age no exercício do poder de polícia e cujos atos têm presunção de legitimidade e veracidade, que só cede espaço se houver contraprova, ônus da Autora.  Ademais, as imagens fotográficas anexadas ao auto de infração arrefecem a alegação de inexistência da infração sanitária.

Passo à análise do segundo aspecto da controvérsia, relativo à questão da non reformatio in pejus, levantada pela Autora para afirmar a existência de nulidade do procedimento administrativo que, ao apreciar o recurso por ela interposto, impôs agravamento da sua penalidade.

Diz a Autora que houve surpresa na tipificação dos fatos em segunda instância, uma vez que estava até então sendo autuada por embaraço à fiscalização, infração da qual estava se defendendo, e que agora lhe estava sendo impingida penalidade por fato infracional diverso, com agravamento da pena.

Sustenta que foi autuada e que interpôs defesa administrativa, sendo mantido o auto de infração, com imposição de pena de multa arbitrada em 100% do valor máximo (R$ 15.648,52), por infringência ao artigo 496, inciso XXIV, do Decreto nº 9.013/2017. Disse que em segunda instância administrativa houve alteração do enquadramento da infração supostamente cometida, com substituição do inciso XXIV para o inciso XXVI do mencionado artigo 496, com duplicação da multa e imposição de sanção administrativa de suspensão das atividades até ulterior comprovação do atendimento das exigências sanitárias, bem como registro no histórico da penalidade de apreensão dos produtos, aplicada cautelarmente por ocasião da autuação.

Improcede a tese da Autora.

Deveras, a Lei nº 9.784/99 prevê em seu artigo 64, parágrafo único, a possibilidade de reformatio in pejus administrativa quando há a cientificação do recorrente para apresentação de alegações:

Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.

A Autora foi cientificada previamente, nos termos do artigo 64, parágrafo único, da Lei nº 9.784/99 (ID 54776937, p. 7), e apresentou manifestação contra o aumento de penalidade.

Todas as alegações da Autora, todavia, foram rechaçadas pelo julgador de segunda instância administrativa, que atuou objetivamente em relação à análise das infrações e o correto enquadramento normativo.  Ou seja, não se trata de alteração dos fatos descritos no auto de infração, mas sim de análise sob o aspecto do poder-dever decorrente da autotutela da Administração Pública.

Ainda que dessa análise tenha sobrevindo agravamento da penalidade para a Autora, não há que se falar em proibição de reformatio in pejus, inaplicável na seara administrativa, em razão do poder-dever de autotutela sobre os próprios atos e o princípio da legalidade, que devem ser observados pelo agente público, tendo sido atendido, repita-se, a regra que determina intimação para manifestação antes do julgamento.

In casu, verificou o julgador de segunda instância que a penalidade decidida em primeira instância não observou, para fins de sanção, o disposto no artigo 510, § 7º, nem o artigo 512, ambos do RIISPOA (Decreto nº 9.013/2017).  Foi observada pelo relator em segunda instância a necessidade de adequação da penalidade, conforme previsto no artigo 2º da Lei nº 9.784/99.

O que mudou em segunda instância não foram os fatos e as descrições das infrações sanitárias, mas sim o entendimento acerca do correto enquadramento normativo– sem qualquer avanço em questões subjetivas – das penalidades a serem aplicadas. Trata-se, evidentemente, de atividade administrativa de reanálise, dentro do contexto de ampla defesa e contraditório garantidos aos administrados, pautada pela legalidade e pela autotutela.  Daí por que, verificando equívoco na reprimenda, deve haver a correção do ato para adequação às normas legais e regulamentares.

Cabe apontar julgamento proferido pelo STF avalizando a possibilidade de reformatio in pejus em recurso administrativo:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ATENDIMENTO BANCÁRIO. REGULAMENTAÇÃO POR NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS LOCAIS. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. PROCESSO ADMINISTRATIVORECRUDESCIMENTO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA EM RECURSO DO ADMINISTRADO. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA. POSSIBILIDADE.

1. Os municípios têm competência para regulamentar o atendimento ao público em instituições bancárias, uma vez que se trata de matéria de interesse local.

2. A jurisprudência da Corte sobre a matéria foi ratificada pelo Plenário desta Corte quando do julgamento do RE 610.221, da Relatoria da E. Min. Ellen Gracie, cuja Repercussão Geral restou reconhecida.

3. A possibilidade da administração pública, em fase de recurso administrativo, anular, modificar ou extinguir os atos administrativos em razão de legalidade, conveniência e oportunidade, é corolário dos princípios da hierarquia e da finalidade, não havendo se falar em reformatio in pejus no âmbito administrativo, desde que seja dada a oportunidade de ampla defesa e o contraditório ao administrado e sejam observados os prazos prescricionais.

4. In casu, o acórdão recorrido assentou: ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS - EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL -  LEGALIDADE. 1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes). 2. Leis estadual e municipal cuja arguição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ. 3. Em processo administrativo não se observa o princípio da ‘non reformatio in pejus’ como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei. 4. Recurso ordinário desprovido.

5. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo a que se nega provimento.

(ARE 641054 AgR, Primeira Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 22.5.2012, DJe-124 26.6.2012 – destaquei)

No âmbito do TRF 3ª Região também há posicionamento da jurisprudência acerca da questão:

PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - ADMINISTRATIVO - ANS: AUTO DE INFRAÇÃO - AUTUAÇÃO - REGULARIDADE - REFORMATIO IN PEJUS - LEGALIDADE.

1. Trata-se de ato judicial publicado antes de 18 de março de 2.016, sujeito, portanto, ao regime recursal previsto no Código de Processo Civil de 1.973.

2. A conduta imputada à apelante: redução da capacidade da rede hospitalar credenciada, em razão da suspensão dos atendimentos no Hospital São Camilo, de janeiro a setembro de 2004, sem prévia autorização da ANS. Há prova sobre a redução da rede credenciada por quase 9 (nove) meses. A autuação é regular.

3. No julgamento do recurso administrativo houve correção de erro material, resultando no agravamento da pena aplicada. A majoração é regular.

4. A decisão administrativa observou os patamares normativos da sanção e fundamentou sua aplicação. Não há prova de desproporcionalidade ou irregularidade na sanção.

5. Apelação da autora improvida. Apelação da ANS provida.

(ApCiv 0003079-44.2013.4.03.6100, Sexta Turma, rel. Juíza Fed. Conv. Leila Paiva Morrison, e - DJF3 Judicial 1 28.2.2020)

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AUTO DE INFRAÇÃO. REAJUSTE DO PLANO DE SAÚDE. MULTA. PROPORCIONALIDADE. REPARAÇÃO VOLUNTÁRIA. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. LEI Nº 9.784/99. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA. APLICABILIDADE.

1. No caso, entre os despachos administrativos proferidos (14/05/2009 e 06/12/2011) não transcorreu o lapso prescricional trienal descrito na Lei nº 9.873/1999.

2. Ausência de nulidade no auto de infração indicado, pois restou evidenciado o ato ilícito praticado pela operadora de saúde. O reajuste por idade realizado no plano da beneficiária dependia de aditivo contratual, pois contrariava a previsão da cláusula 17 do acordo inicialmente firmado entre as partes. No entanto, o referido adendo não foi assinado pela cliente da operadora, demonstrando a falta de anuência em relação ao reajuste.

3. Inaplicável à espécie os benefícios do art. 11, da Resolução Normativa nº 48/2003 (ANS), com as alterações da RN nº 142/2006 (ANS). O acordo com a operadora só foi realizado após o ingresso da beneficiária na via judicial e o desligamento contratual das partes. Ainda que as partes tenham homologado ajuste antes da lavratura do auto de infração, verifica-se que não se tratou de conduta voluntária da operadora de saúde.

4. A Lei nº 9.784/99 permite expressamente a revisão dos processos administrativos, inclusive com a aplicação da reformatio in pejus, desde que seja dada oportunidade às partes de apresentar suas razões antes da decisão, não havendo que se falar em violação das garantias previstas em nossa Carta Magna.

5. Aplicável à espécie o princípio da autotutela, ante o evidente equívoco perpetrado pelo julgador de primeira instância, que tipificou de forma incorreta a infração do administrado, devendo ser admitida a reapreciação pela própria Administração dos atos administrativos quanto à sua legalidade e seu mérito.

6. Ausência de ilegalidade ou desproporcionalidade na condenação, pois a penalidade foi aplicada dentro dos limites impostos pelo artigo 5º da Resolução RDC nº 24/2000 (ANS).

7. Inversão dos ônus sucumbenciais.

8. Remessa oficial provida.

(RemNecCiv 2159863 - 0017195-21.2014.4.03.6100, Sexta Turma, rel. Des. Federal Consuelo Yoshida, e-DJF3 Judicial 1 7.11.2016)

Igualmente no mesmo sentido a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO. MAJORAÇÃO DA MULTA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. REFORMATIO IN PEJUS. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA.

1. Em processo administrativo não se observa o princípio non reformatio in pejus, como corolário do poder e autotutela da Administração, não havendo, da mesma forma, como sustentar a coisa julgada, em decorrência do não-exaurimento da competência administrativa.

2. A Lei n. 9.784/99, em seu art. 64, é expressa em afirmar a possibilidade de agravamento da situação do recorrente, exigindo-se apenas a cientificação prévia do recorrente, o que ocorreu no caso concreto.

3. A majoração do valor da multa aplicada se encontra justificada nos critérios objetivos constantes dos autos do processo administrativo, ausente qualquer sentimento subjetivo do julgador.

(AC 5007189-11.2014.4.04.7208, Quarta Turma, rel. Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, j. 1.6.2016)

Ao adequar a pena em recurso administrativo se está corrigindo a sanção mal aplicada, dever que é imposto à Administração Pública diante da observância estrita da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. Ademais, como antes observado, não houve agravamento por valoração subjetiva, mas por critérios objetivos, em razão do poder dever de autotutela da Administração Pública na prática de seus atos. O agente público tem o poder dever de agir para tutela da legalidade, mesmo que isso traga prejuízo para o administrado.

Ademais, cabe ressaltar que, contrariamente ao alegado pela Autora, não houve inovação com a troca de incisos previstos no artigo 496 do RIISPOA por ocasião do julgamento em segunda instância. O Auto de Infração indica expressamente a incidência tanto do disposto no inciso XVI quanto o disposto no inciso XXVI do artigo 496 do Regulamento. O que ocorreu foi a adequação das penalidades concernentes à infração sanitária prevista no artigo 496, XXVI, do RIISPOA, considerada gravíssima, e impõe, além da multa, a aplicação de pena de suspensão das atividades.

No julgamento de primeira instância ID 54776917 (Termo de julgamento em primeira instância nº SP 20031-05732/7º SIPOA/2019), foi acolhido o parecer contido no relatório SEI 7815081 e julgado procedente o Auto de Infração nº 013/1433/2018. Foi considerada a reincidência da Autora em infração ao RIISPOA e sugerida a imposição de multa baseada no artigo 508, II, alínea b do Decreto 9.013/2017, por se tratar de infração gravíssima (artigo 509, IV), no valor de R$ 15.648,52.

No relatório de segunda instância (ID 54776930), o Auditor Fiscal Federal Agropecuário discordou do relatório de primeira instância no tocante à imputação de embaraço à fiscalização, afastou o requerimento de aplicação de pena de advertência, em razão da ausência de primariedade da Autora, e reconheceu a existência de duas infrações, posto que detectadas em dois dias consecutivos, 27.11.2018 e 28.11.2018, conforme descrito no Auto de Infração. Propôs, considerando tratar-se de infração gravíssima e praticada em dois dias diferentes, a aplicação dos artigos 510 e 512 do RIISPOA, agravando a multa para R$ 31.927,04, e aplicou a penalidade de suspensão de atividades dos setores envolvidos em persistindo as não conformidades, nos termos do artigo 508, § 2º, do mencionado regulamento. O Auditor Fiscal Agropecuário fez ainda constar a notificação da Autora quanto à intenção de agravamento da penalidade previamente à decisão final, possibilitando a apresentação de alegações.

Com o intuito de afastar esse agravamento, afirma a Autora que não restou comprovada a situação fática que ensejou o enquadramento, em segunda instância, na pena de suspensão das atividades, porque não houve utilização de produtos com prazo de validade vencido, ou com data aposta depois de fabricado o produto ou expirado o prazo de sua validade.

Ocorre que a pena de suspensão foi imposta com fundamento no artigo 514, inciso VIII, e não com base no inciso VII, uma vez que a norma sanitária infringida, descrita no auto de infração e homologada nas duas instâncias administrativas, é a de produção ou expedição de produtos que representem risco à saúde pública.

De fato, a infringência do disposto no artigo 496, inciso XXVI, do RIISPOA acarreta a aplicação da pena de suspensão das atividades, consoante previsão do artigo 508, IV e 514, VIII, a seguir reproduzidos:

Art. 508. Sem prejuízo das responsabilidades civis e penais cabíveis, a infração ao disposto neste Decreto ou em normas complementares referentes aos produtos de origem animal, considerada a sua natureza e a sua gravidade, acarretará, isolada ou cumulativamente, as seguintes sanções:

...

IV - suspensão de atividade, quando causar risco ou ameaça de natureza higiênico-sanitária ou quando causar embaraço à ação fiscalizadora;

...

Art. 514. A sanção de que trata o inciso IV do caput do art. 508 será aplicada nos seguintes casos, sem prejuízo a outras previsões deste Decreto, quando caracterizado risco ou ameaça de natureza higiênico-sanitária:

VIII - produção ou expedição de produtos que representem risco à saúde pública;

...

 (Redação dada pelo Decreto nº 10.468, de 2020) 

Não houve, portanto, inovação com relação à infração que está sendo imputada, mas tão somente adequação das penalidades previstas legalmente no RIISPOA, não observadas pelo agente julgador de primeira instância.

Ressalte-se que a Autora foi cientificada para se manifestar nos termos do artigo 64 da Lei nº 9.784/99 e apresentou suas alegações (ID 54776933), garantindo-se ampla defesa com relação a esse agravamento, apesar de rechaçadas em segunda instância (ID 54776937).

Em segunda instância houve reforma também no tocante à pena de multa. A autoridade fiscal sanitária propôs, considerando tratar-se de infração gravíssima e praticada em dois dias diferentes, a aplicação dos artigos 508, inciso II, alínea d, 510 e 512 do RIISPOA, agravando a multa para R$ 31.927,04.  

Insurge-se a Autora afirmando que houve aplicação de duas multas pelo cometimento de uma única infração. Tal assertiva, contudo, não prevalece diante do conteúdo do auto de infração, que atesta fiscalização nos dias 27 e 28 de novembro de 2018, ressaltando inclusive recalcitrância na infração sanitária. Trata-se, portanto, de duas infrações, devendo ser aplicado o disposto no artigo 512 do RIISPOA:

Art. 512. Na hipótese de apuração da prática de duas ou mais infrações em um processo administrativo, as penalidades serão aplicadas cumulativamente para cada infração praticada.

(Redação dada pelo Decreto nº 10.468, de 2020)

Houve, portanto, correção da reprimenda em segunda instância, haja vista que a Autora havia sido apenada com multa somente uma infração administrativa. Trata-se, evidentemente, de controle da legalidade inerente à Administração Pública, que tem o dever poder de revogar os seus atos quando inoportunos ou anulá-los quando eivados de vícios. Ademais, deve o agente público se pautar pela prevalência do interesse público, que exige observância da legislação para atuar, prevenir, reprimir e adotar medidas para salvaguarda da saúde pública, no caso das infrações sanitárias.

Ainda com relação ao julgamento na segunda instância, a Autora também aduz ausência de motivação, em desacordo com as disposições legais contidas na Lei nº 9.784/99, afirmando ainda que a menção a parecer é insuficiente como fundamentação da decisão, para o que invoca os termos do artigo 489, § 1º, do CPC.

Porém não lhe assiste razão, porquanto todos os fundamentos da defesa que apresentou foram devidamente apreciados no procedimento administrativo.

Quando as normas de regência dizem que as decisões serão sempre fundamentadas estão jungindo a solução do procedimento administrativo às peculiaridades do caso e às circunstâncias que o permeiam, até porque o ordenamento jurídico não admite decisões arbitrárias em procedimento contraditório.  É verdade que a Constituição prevê expressamente a necessidade de fundamentação somente com relação às decisões judiciais (art. 93, IX), mas sua aplicação ao procedimento administrativo é corolário dos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV), pressupondo a consideração do que for apresentado pelo administrado em sua defesa pela autoridade julgadora.

Todavia, não está vedada a decisão sucinta, desde que os fundamentos de contrariedade apresentados pelo administrado sejam efetivamente analisados.  Ainda que a autoridade julgadora tenha feito remissão a parecer, isto não causa nulidade efetiva se os argumentos do acusado são considerados pela Administração.  A chamada motivação “per relationem” ou “não contextual” é admitida plenamente pela jurisprudência dos Tribunais superiores, sendo exemplos os seguintes julgados:

MANDADO DE SEGURANÇA. DEMISSÃO. TÉCNICO DO SEGURO SOCIAL. LOTAÇÃO. INSS. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INSTAURAÇÃO. CORREGEDORIA DA RECEITA FEDERAL. LEI 11.457/07. COMPETÊNCIA. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OBSERVÂNCIA.

1. O mandado de segurança foi impetrado por ex-servidor do Instituto Nacional de Seguro Social/AC, ocupante do cargo de Técnico do Seguro Social, contra ato do Exmo. Sr. Ministro de Estado da Previdência Social, o qual lhe aplicou a pena de demissão, ao fundamento de que o servidor valeu-se do cargo ao conceder indevidamente certidões negativas de débito para beneficiar terceiros, em detrimento da dignidade da função pública, conduta capitulada nos artigos 117, incisos IX e 132, inciso XIII, todos da Lei nº 8.112/90.

...

5. A decisão ministerial acolheu o minucioso e bem fundamentado parecer elaborado pela Consultoria Jurídica no âmbito do Ministério da Previdência Social, inexistindo, dessa maneira, a alegada deficiência de fundamentação, já que foi adotada a denominada remissão não contextual, em que a motivação encontra-se em documento diverso do ato impugnado, absolutamente admissível nos termos da jurisprudência do STF e STJ: RMS 25736, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 11/03/2008, DJe de 18.04.08; MS 25.518, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJU de 10.08.06; RMS 27.788/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 16.10.09; MS 13876/DF, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 14.12.09.

...

7. Segurança denegada.

(STJ - MS 16.688/DF, Primeira Seção, rel. Min. Castro Meira, j. 26.10.2011, DJe 9.11.2011)

 

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. FISCAL AGROPECUÁRIO. DEMISSÃO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO IMPETRADO. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. CONSTATAÇÃO DE FALTA DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DA VIA MANDAMENTAL. ORDEM DENEGADA.

1. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado contra ato proferido pelo Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União, que demitiu o impetrante pela prática das infrações disciplinares previstas nos arts. 117, IX e XII e 132, IV, com os efeitos decorrentes do art. 136 da Lei 8.112/1990, acolhendo o parecer da comissão do Processo Administrativo Disciplinar com as considerações feitas pelo Chefe da Assessoria Jurídica da Controladoria-Geral da União (fl. 342/STJ).

...

CARÊNCIA DE MOTIVAÇÃO E OFENSA AO DIREITO À AMPLA DEFESA

7. Alega o impetrante que não houve argumentação suficiente do ato administrativo atacado e do parecer do Chefe da Assessoria Jurídica da Controladoria-Geral da União, o que teria ferido seu direito à ampla defesa.

8. A jurisprudência do STJ e a do STF admitem, para fins de satisfação da obrigatoriedade da motivação dos atos administrativos, a chamada remissão não contextual, em que a autoridade se remete aos fundamentos de manifestação constante no processo administrativo. A propósito: RMS 25.736, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 11.3.2008, DJe de 18.4.08; MS 25.518, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJU de 10.8.2006; MS 16.688/DF, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 9.11.2011. RMS 27.788/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 16.10.09; MS 13.876/DF, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 14.12.09.

9. Mediante extensa e aprofundada análise probatória, a autoridade impetrada, abarcada no âmbito do seu poder fiscalizatório, conclui que o impetrante (fiscal agropecuário) obteve favorecimento financeiro direto de grupo empresarial envolvido na Operação "Grandes Lagos" da Polícia Federal (sonegação fiscal).

...

13. Mandado de Segurança denegado, ressalvadas as vias judiciais ordinárias.

(STJ - MS 18.504/DF, Primeira Seção, rel. Ministro Herman Benjamin, j. 9.10.2013, DJe 2.4.2014)

 

E M E N T A: RECURSO ORDINÁRIO EM “HABEAS CORPUS” – PRETENDIDA SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR DOMICILIAR (CPP, ART. 318, II) – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA IMPOSSIBILIDADE DE ASSISTÊNCIA E TRATAMENTO MÉDICOS ADEQUADOS NO ESTABELECIMENTO PENAL A QUE SE ACHA PRESENTEMENTE RECOLHIDO O RECORRENTE – ELEMENTOS INFORMATIVOS PRODUZIDOS POR ÓRGÃO ESTATAL QUE ATESTAM A PRESTAÇÃO EFETIVA DE TRATAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR ADEQUADO – PRESUNÇÃO “JURIS TANTUM” DE VERACIDADE DESSAS INFORMAÇÕES OFICIAIS – ILIQUIDEZ DOS FATOS – CONTROVÉRSIA QUE IMPLICA EXAME APROFUNDADO DE FATOS E PROVAS – INVIABILIDADE DESSA ANÁLISE NA VIA SUMARÍSSIMA DO “HABEAS CORPUS” – DECISÃO QUE SE REPORTA AOS FUNDAMENTOS QUE DERAM SUPORTE AO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – MOTIVAÇÃO “PER RELATIONEM” – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DE MOTIVAÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA MOTIVAÇÃO “PER RELATIONEM”

– Reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação “per relationem”, que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A remissão feita pelo magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público, ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) – constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir. Precedentes.

...

(STF - RHC 120351 AgR, Segunda Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 28.4.2015, DJe-091 15.5.2015)

No caso presente, houve manifestações expressas a respeito de todos os pontos levantados pela Autora em sua defesa administrativa tanto pela análise feita pela própria fiscalização quanto nos relatórios de primeira e segunda instância.  Portanto, ao contrário do que afirma, a Autora não ficou sem resposta às suas colocações.

Também não favorece à Autora o argumento de que não houve comercialização.  As aves que estavam em processo de industrialização com irregularidades sanitárias não foram comercializadas porque houve determinação dos fiscais agropecuários no sentido de descarte das carcaças, inclusive das embaladas, não havendo dúvidas de que seriam destinadas à comercialização se não fosse a atuação fiscal.  O descarte das aves, ademais, não decorreu de ação voluntária da Autora, mas de imposição da fiscalização atuando como poder de polícia estatal, não havendo qualquer sentido na afirmação de inexistência de infração sanitária em razão de ausência de prejuízos sanitários à saúde pública, pelo descarte das aves contaminadas determinada pelos fiscais.

Os pedidos subsidiários de exclusão da pena de suspensão das atividades e de uma das multas no valor de R$ 15.648,52 não procedem pela mesma razão.  Verificou-se que em sede recursal administrativa o órgão julgador reformou a penalidade da Autora justamente porque não havia sido observada a prescrição legal e normativa que impunha pena de suspensão, além de multa para cada uma das infrações praticadas. Portanto não há fundamento para sua exclusão.

Considerando que o pedido principal se refere apenas a nulidade do auto de infração e do processo correspondente e, subsidiariamente, a exclusão de uma das multas, com o julgamento do mérito resta prejudicada a medida antecipatória de tutela deferida nos autos.

 

III – Dispositivo:

Desta forma, ante todo o exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido.

Revogo a medida antecipatória de tutela.

Condeno a Autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% do valor atribuído à causa, aplicando-se os critérios de correção monetária e juros fixados no Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente por ocasião da liquidação (Resolução CJF nº 658, de 10.8.2020, e eventuais sucessoras).

 

 

 (...)."

 

Conforme se extrai da transcrição supra, o provimento recorrido encontra-se devidamente fundamentado, tendo dado à lide a solução mais consentânea possível, à vista dos elementos contidos nos autos.

 

Como se sabe, o auto de infração constitui ato administrativo dotado de presunção juris tantum de legalidade e veracidade, sendo condição sine qua non para sua desconstituição a comprovação (i) de inexistência dos fatos descritos no auto de infração; (ii) da atipicidade da conduta ou (iii) de vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade).

 

Portanto, para que seja declarada a ilegitimidade de um ato administrativo, cumpre ao administrado provar os fatos constitutivos de seu direito, i.e., a inexistência dos fatos narrados como verdadeiros no auto de infração.

 

Nos termos do art. 373, I e II, do CPC/2015, incumbe ao autor provar o fato constitutivo de seu direito e, à parte contrária, o fato impeditivo, modificativo ou extinto do direito do autor. Ônus que no caso concreto, o autor não conseguiu afastar, antes a ausência probatória para a finalidade que visa buscar.

 

Ademais, destaca-se que em processo administrativo não se observa o princípio non reformatio in pejus, como corolário do poder e auto tutela da Administração. Nesse sentido,  a Lei n. 9.784/99, em seu art. 64, é expressa em afirmar a possibilidade de agravamento da situação do recorrente, exigindo-se apenas a cientificação prévia do recorrente, o que ocorreu no caso concreto.

 

Portanto, a majoração do valor da multa aplicada se encontra justificada nos critérios objetivos constantes dos autos do processo administrativo.

Por outro lado, o recurso apresentado pela apelante nada trouxe de novo que pudesse infirmar o quanto decidido, motivo pelo qual de rigor a manutenção da sentença, por seus próprios fundamentos.

 

 Registre-se, por oportuno, que a adoção, pelo presente julgado, dos fundamentos externados na sentença recorrida - técnica de julgamento "per relationem" -, encontra amparo em remansosa jurisprudência das Cortes Superiores, mesmo porque não configura ofensa ao artigo 93, IX, da CF/88, segundo o qual "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)". Confiram-se, nesse sentido, os seguintes julgados:

 

 

 "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO - PRETENDIDO REEXAME DA CAUSA - CARÁTER INFRINGENTE - INADMISSIBILIDADE - INOCORRÊNCIA DE CONSUMAÇÃO, NA ESPÉCIE, DA PRESCRIÇÃO PENAL - INCORPORAÇÃO, AO ACÓRDÃO, DAS RAZÕES EXPOSTAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MOTIVAÇÃO "PER RELATIONEM" - LEGITIMIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DE FUNDAMENTAÇÃO - DEVOLUÇÃO IMEDIATA DOS AUTOS, INDEPENDENTEMENTE DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO, PARA EFEITO DE PRONTA EXECUÇÃO DA DECISÃO EMANADA DA JUSTIÇA LOCAL - POSSIBILIDADE - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

 (...)

 - Reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação "per relationem", que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A remissão feita pelo magistrado - referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) - constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir. Precedentes." (destaquei)

 (STF, AI 825520 AgR-ED, Relator Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, j. 31/05/2011, DJe 09/09/2011)

 

"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE.

 1. Consoante o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, não há que se falar em nulidade por ausência de fundamentação ou por negativa de prestação jurisdicional a decisão que se utiliza da fundamentação per relationem. Precedentes. Incidência da Súmula n° 83/STJ.

 2. Não se admite o recurso especial quando a questão federal nele suscitada não foi enfrentada no acórdão recorrido. Incidem as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal (STF).

 3. Agravo interno a que se nega provimento." (destaquei)

 (STJ, AgInt no AREsp 1322638/DF, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. 11/12/2018, DJe 18/12/2018)

 

 "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL COMPROVADA NO AGRAVO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO. TIPICIDADE. DOLO. NECESSIDADE DE INCURSÃO VERTICAL NA ANÁLISE DAS PROVAS. SÚMULA 7. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

 1. Não há cogitar nulidade do acórdão por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, IX, da Constituição Federal 1988, se o órgão julgador na origem, ao apreciar a apelação, se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, não configura ofensa ao princípio constitucional da motivação das decisões judiciais (APn n. 536/BA, Corte Especial, Dje 4/4/2013).

 (...)

 5. Agravo regimento não provido." (destaquei)

 (STJ, AgRg no REsp 1482998/MT, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, j. 13/11/2018, DJe 03/12/2018)

 

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM. LEGITIMIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DE FUNDAMENTAÇÃO. VALIDADE. DIREITO AMBIENTAL. ART. 10 DA LEI N. 6.938/81. COMPETÊNCIA PARA LICENCIAMENTO. PODER FISCALIZATÓRIO. IBAMA. POSSIBILIDADE. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DIREITO ADQUIRIDO. FATO CONSUMADO EM MATÉRIA AMBIENTAL. AUSÊNCIA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. INCOMUNICABILIDADE DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.

 (...)

 IV - O Supremo Tribunal Federal chancelou a técnica da motivação per relationem, por entender que se reveste de plena legitimidade jurídico-constitucional e se mostra compatível com o que dispõe o artigo 93, IX, da Constituição Federal. A remissão feita pelo magistrado - referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte à anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) - constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir. Precedentes.

 (...)

 XII - Agravo Interno improvido." (destaquei)

 (AgInt no REsp 1283547/SC, Relatora Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, j. 23/10/2018, DJe 31/10/2018)

 

 

 Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta.

 

 É o voto.

 

 



E M E N T A

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. MAJORAÇÃO DA MULTA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. REFORMATIO IN PEJUS. INOCORRÊNCIA. JULGAMENTO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. A questão posta nos autos diz respeito à higidez do auto de infração, que segundo a Autora seria nulo em decorrência de vários vícios concernentes à ausência de tipificação da infração sanitária e ausência de motivação e de ciência para a parte apresentar sua defesa; bem como em respeito à análise da possibilidade de haver reformatio in pejus na seara administrativa e também a existência de vícios relativos à fundamentação no julgamento em segunda instância.

2. Como se sabe, o auto de infração constitui ato administrativo dotado de presunção juris tantum de legalidade e veracidade, sendo condição sine qua non para sua desconstituição a comprovação (i) de inexistência dos fatos descritos no auto de infração; (ii) da atipicidade da conduta ou (iii) de vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade).

3. Portanto, para que seja declarada a ilegitimidade de um ato administrativo, cumpre ao administrado provar os fatos constitutivos de seu direito, i.e., a inexistência dos fatos narrados como verdadeiros no auto de infração.

4. Nos termos do art. 373, I e II, do CPC/2015, incumbe ao autor provar o fato constitutivo de seu direito e, à parte contrária, o fato impeditivo, modificativo ou extinto do direito do autor. Ônus que no caso concreto, o autor não conseguiu afastar, antes a ausência probatória para a finalidade que visa buscar.

5. Ademais, destaca-se que em processo administrativo não se observa o princípio non reformatio in pejus, como corolário do poder e auto tutela da Administração. Nesse sentido, a Lei n. 9.784/99, em seu art. 64, é expressa em afirmar a possibilidade de agravamento da situação do recorrente, exigindo-se apenas a cientificação prévia do recorrente, o que ocorreu no caso concreto.

6. Portanto, a majoração do valor da multa aplicada se encontra justificada nos critérios objetivos constantes dos autos do processo administrativo.

7. 4. Registre-se, por oportuno, que a adoção, pelo presente julgado, dos fundamentos externados na sentença recorrida - técnica de julgamento "per relationem" -, encontra amparo em remansosa jurisprudência das Cortes Superiores, mesmo porque não configura ofensa ao artigo 93, IX, da CF/88, segundo o qual "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)". Precedentes do E. STF e do C. STJ.

8. Apelação não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do voto da Des. Fed. MARLI FERREIRA (Relatora), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. RENATO BECHO. Ausente, justificadamente, o Des. Fed. MARCELO SARAIVA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.