Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012685-30.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: ALLIANZ SEGUROS S/A

Advogados do(a) APELANTE: CRISTIANA GESTEIRA COSTA PINTO DE CAMPOS - SP205396-A, FERNANDA DORNBUSCH FARIAS LOBO - SP218594-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012685-30.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: ALLIANZ SEGUROS S/A

Advogados do(a) APELANTE: CRISTIANA GESTEIRA COSTA PINTO DE CAMPOS - SP205396-A, FERNANDA DORNBUSCH FARIAS LOBO - SP218594-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

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[ialima]

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Apelação interposta pela Allianz Seguros S/A contra sentença que julgou improcedente o pedido de afastamento do IPI sobre transferência de veículo salvado à seguradora. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa (Id 274011061).

 

Aduz (Id 274011064) que:

 

a) a Instrução Normativa RFB n.º 1.769/2017 criou nova hipótese de incidência do tributo não prevista em lei e condicionou transferência da propriedade do veículo do segurado à autorização da Receita Federal do Brasil, que somente a defere mediante prévio recolhimento do imposto;

 

b) a isenção do IPI prevista na Lei n.º 8.989/95 tem finalidade extrafiscal, na medida em que visa estimular a aquisição de veículo e garantir o pleno exercício dos direitos individuais e sociais dos portadores de deficiência, entre os quais o direito de locomoção, conforme asseguram os artigos 5º, 23, inciso II, 203, inciso IV e 227, § 1º, inciso II, da Constituição Federal;

 

c) o artigo 6º da Lei Federal n.º 8.989/95 estabelece que a alienação de veículo adquirido com isenção por deficientes físicos antes do prazo de 02 anos sujeita o alienante ao pagamento do tributo, com vista a coibir o uso indevido do benefício, ou seja, a celebração de negócio jurídico que, em caráter comercial ou meramente civil, atrairia escopo lucrativo, burlando a finalidade da isenção fiscal concedida.

 

d) a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a Lei 8.989/1995 não pode ser interpretada em óbice à implementação de ação afirmativa para inclusão de pessoas com necessidades especiais, razão pela qual o prazo para a concessão da isenção do IPI na aquisição de veículo automotor deve ser interpretado de maneira a satisfazer o caráter humanitário da política fiscal, bem como de impedir sua utilização para fins de enriquecimento indevido;

 

e) a utilização de meios oblíquos para coagir o contribuinte ao pagamento de IPI configura sanção política, prática cuja inconstitucionalidade é reconhecida de forma pacífica pela jurisprudência por afronta ao direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (artigo, 170, parágrafo único, da Constituição) e violação ao devido processo legal substantivo, pois carecem de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários.

 

Em contrarrazões (Id 274011069), a União requer o desprovimento do recurso.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012685-30.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: ALLIANZ SEGUROS S/A

Advogados do(a) APELANTE: CRISTIANA GESTEIRA COSTA PINTO DE CAMPOS - SP205396-A, FERNANDA DORNBUSCH FARIAS LOBO - SP218594-A

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V O T O

 

 

 

I – Dos fatos

 

Ação proposta por Allianz Seguros S/A contra a União, com vista ao afastamento da exigência de IPI sobre a transferência de veículos salvados.

 

Para melhor compreensão da questão, faço uma breve exposição dos fatos, tais como apresentados no feito:

 

a) a autora é empresa que atua no ramo de seguros contra riscos variados, entre os quais o seguro de automóveis;

 

b) no ano de 2020, Ronan Lima Ferreira firmou contrato de seguro para o veículo Chevrolet Trailblazer Premier 2.8, ano/modelo 2021, placa PTX 8G93, representado pela apólice nº 517720216X310076231 (Id 201530520), de propriedade de Juliana Bezerra Lopes, beneficiária da isenção (Id 201530522);

 

c) em 30.04.2021, o carro segurado sofreu uma colisão (Id 201530523) e, verificada a perda total, foi efetuado o pagamento integral da indenização, bem como a autora tornou-se proprietária do salvado (Id 201530526);

 

d) ao efetuar a requisição de transferência do veículo foi requerida a comprovação do recolhimento do IPI, na forma do artigo 6º da Lei n.º 8.989/95.

 

II – Da isenção do IPI

 

Cinge-se a questão ao exame da legalidade da exigência do IPI na transferência do veículo salvado à empresa seguradora.  Sobre o tema dispunham os artigos 1º, inciso IV, e 6º da Lei n.º 8.989/95, com a redação vigente à época dos fatos:

 

Art. 1º Ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a 2.000 cm³ (dois mil centímetros cúbicos), de, no mínimo, 4 (quatro) portas, inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustível de origem renovável, sistema reversível de combustão ou híbrido e elétricos, quando adquiridos por:

(...)

IV - pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal; (Redação dada pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003).

 

Art. 6º. A alienação do veículo adquirido nos termos desta Lei e da Lei nº 8.199, de 28 de junho de 1991, e da Lei nº 8.843, de 10 de janeiro de 1994, antes de 2 (dois) anos contados da data da sua aquisição, a pessoas que não satisfaçam às condições e aos requisitos estabelecidos nos referidos diplomas legais acarretará o pagamento pelo alienante do tributo dispensado, atualizado na forma da legislação tributária. (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)

[destaquei]

 

Da análise do caso nota-se que não se trata de alienação, mas de transferência do automóvel ao patrimônio da seguradora, de modo que não há que se falar em interpretação extensiva da regra de isenção (artigo 150, §6º, da CF, 111 e 176 do CTN), bem como há previsão para tanto no artigo 12, inciso III, da IN RFB n.º 1.769/2017, o que  afasta a alegada violação ao artigo 170, parágrafo único, da CF:

 

Art. 12. Não será exigido o IPI sobre as seguintes operações, por não configurarem alienação do veículo adquirido com isenção:

(...)

III - transferência de propriedade do veículo para a companhia seguradora quando, ocorrido o pagamento de indenização em decorrência de perda total por sinistro, furto ou roubo, o veículo for posteriormente recuperado.

[destaquei]

 

Como observado pela Desembargadora Federal Cecília Marcondes, no julgamento da Apelação Cível n. º 0000147-44.2017.4.03.6100, a vedação contida na lei que regulamenta a isenção do IPI se dirige à alienação voluntária e à conduta de utilizar a legislação tributária para fins de enriquecimento indevido, que não é o caso dos autos, que retrata transferência do veículo irrecuperável em favor da seguradora por força contratual, a fim de poder efetuar pagamento da indenização integral. Nesse sentido, confira-se:

 

AÇÃO ORDINÁRIA. TRIBUTÁRIO. VEÍCULO SINISTRADO ADQUIRIDO COM ISENÇÃO DE IPI. TRANSFERÊNCIA À SEGURADORA. INEXIGIBILIDADE DO TRIBUTO.

1. A Lei Federal n.º 8.989/95 prevê (artigo 6º): “A alienação do veículo adquirido nos termos desta Lei que ocorrer no período de 2 (dois) anos, contado da data de sua aquisição, a pessoas que não satisfaçam as condições e os requisitos estabelecidos para a fruição da isenção acarretará o pagamento pelo alienante do tributo dispensado, atualizado na forma prevista na legislação tributária. (Redação dada pela Lei nº 14.183, de 2021)”

2. A Instrução Normativa RFB nº 1769/2017 assegura que não será exigido o IPI sobre a transferência de propriedade do veículo para a companhia seguradora quando ocorrido o pagamento de indenização em decorrência de perda total por sinistro, por não configurar alienação do veículo adquirido com isenção (artigo 12, inciso III).

3. Segundo a SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, a indenização integral é caracterizada quando os prejuízos resultantes de um mesmo sinistro atingem ou ultrapassam 75% (ou percentual inferior quando previsto na apólice) do valor contratado pelo segurado.

4. A indenização integral do valor do veículo ao segurado configura a perda total para efeitos securitários, sendo inexigível o tributo por ocasião da transferência à seguradora.

5. Apelação desprovida.

(TRF 3ª Região, Sexta Turma, AC 5031616-81.2021.4.03.6100, Rel. Juiz Fed. Conv. Otávio Henrique Martins Port, j. 13.05.2022, destaquei).

                                                                                    

TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO. LEI N. 8.989/95. VEÍCULO SINISTRADO. RECUPERAÇÃO DE SALVADOS. TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE À SEGURADORA.

1. Essa E. Corte já decidiu no sentido de afastar a aplicação literal do artigo 6º da Lei nº 8.989/1995, bem como dos artigos 11 e 12, da IN RFB 1.769/2017, em prol do reconhecimento de que o contribuinte isento, que contratou seguro, não se sujeita ao recolhimento do IPI na alienação ao segurador do bem objeto do sinistro como condição para o recebimento da indenização securitária pelo segurado, considerando não se tratar de alienação voluntária do veículo, passível de acarretar enriquecimento indevido da parte beneficiária, mas alienação de salvado de sinistro, em razão de avarias no veículo que superam 75% do valor do mesmo.

2. Como bem assentou o r. Juízo de piso “as seguradoras utilizam vários fatores econômicos para delimitar o prêmio dos seguros comercializados e, obedecida a lógica de uma economia de mercado, a imposição dessa obrigação acarretará o possível encarecimento do valor dos seguros vendidos a pessoas com deficiência, produzindo efeito que vai na contramão as políticas inclusivas de proteção desse grupo social e da própria intenção do legislador ao conceder a isenção fiscal.”

3. Não se pode perder de vista que o segurado ficará impedido de obter novo veículo com benefício fiscal até que se proceda a transferência da propriedade para a seguradora, o que acarretaria prejuízo ao contribuinte.

4. Somente é cabível exigir a cobrança do IPI quando da alienação do veículo recuperado a terceiro que não tenha direito aos benefícios da Lei nº 8.989/95.

5. Apelação desprovida.

(TRF 3ª Região, Quarta Turma, ApCiv 5002981-27.2020.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva, j. 09.05.2022, destaquei).

 

Por fim, as questões relativas aos demais dispositivos mencionados no recurso, artigos 2º e 3º, da Lei n.º 8.989/95, artigo 12, §1º, inciso II, e §3º, da IN RFB n.º 1.769/2017, bem como o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 15, de 28.05.2004, não interferem nesse entendimento pelos motivos já indicados.

 

III – Dos honorários advocatícios

 

Devido à reforma da sentença, é de rigor a reversão da sucumbência, para condenar a União ao pagamento dos honorários advocatícios. Assim, considerados o trabalho realizado, a natureza e o valor atribuído à causa (R$ 63.817,38), fixo a verba honorária no percentual mínimo estabelecido no artigo 85, §§ 3º e 5º, do Código de Processo Civil.

 

IV – Do dispositivo

 

Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a sentença e julgar procedente o pedido de afastamento do IPI sobre a transferência do veículo salvado à seguradora. Honorários advocatícios, nos termos explicitados.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. IPI. LEI N.º 8.989/95. VEÍCULO ADQUIRIDO COM ISENÇÃO. COLISÃO. TRANSFERÊNCIA À SEGURADORA.  INEXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. RECURSO PROVIDO.

- A Lei n.º 8.989/95, em atendimento aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade (artigos 1º, inciso III, 5º, caput, e 224 da Constituição), tem como objetivo oferecer às pessoas com deficiência física, por meio do benefício da isenção, a inserção dos deficientes físicos na sociedade e o acesso a melhores condições de vida.

- Como observado pela Desembargadora Federal Cecília Marcondes, no julgamento da Apelação Cível n.º 0000147-44.2017.4.03.6100, a vedação contida na lei que regulamenta a isenção do IPI se dirige à alienação voluntária e à conduta de utilizar a legislação tributária para fins de enriquecimento indevido, situação diferente daquela que retrata transferência do veículo irrecuperável em favor da seguradora por força contratual, a fim de poder efetuar pagamento da indenização integral.

- Devido à reforma da sentença, é de rigor a reversão da sucumbência, para condenar a União ao pagamento dos honorários advocatícios.

- Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para reformar a sentença e julgar procedente o pedido de afastamento do IPI sobre a transferência do veículo salvado à seguradora, honorários advocatícios na forma explicitada, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MARLI FERREIRA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Ausente, justificadamente, o Des. Fed. MARCELO SARAIVA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.