Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020014-72.2007.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: FEDERACAO BRASILEIRA DE BANCOS, PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, FEDERACAO BRASILEIRA DE BANCOS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

Advogados do(a) APELADO: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020014-72.2007.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: FEDERACAO BRASILEIRA DE BANCOS, PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, FEDERACAO BRASILEIRA DE BANCOS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

Advogados do(a) APELADO: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de dupla apelação à sentença de improcedência de ação ordinária ajuizada objetivando, verbis (ID 164819012):

 

“seja JULGADA PROCEDENTE a presente ação, para que seja reconhecida a inconstitucionalidade e ilegalidade das alterações perpetradas pelo Decreto no 6.042/2007, quando da modificação do Anexo V, lista B do Anexo II e artigo 337 e seus parágrafos, todos do Decreto nº 3.048/99, bem como do artigo 21-A da Lei nº 8.213/91, introduzida pela Lei nº 11.430/06, e seja declarada a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue as Associadas da Autora ao cumprimento de tais dispositivos, mantendo-se as redações originais regulamentares e legais.”

 

Apelou a FEBRABAN, alegando, em síntese, que: (1) a demanda pretende afastar normas que criaram o NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) e impuseram majoração da alíquota de SAT a associados, de 1% para 3%; (2) ao passo em que sob a regência legal anterior (artigo 20 da Lei 8.213/1991) era atribuição da perícia técnica do INSS verificar a existência de nexo efetivo entre doença e atividade desempenhada pelo trabalhador, o Decreto 6.042/2007 passou a presumir que o exercício de determinada atividade laboral aumentaria o risco de variadas moléstias; (3) a perícia médica realizada comprovou a tese inicial de que o NTEP possui falhas e estabelece presunções equivocadas; (4) em que pese a desídia do INSS em apresentar documentação necessária para perícia contábil, “limitando-se a afirmar o caráter sigiloso de tais documentos e a descrever os critérios para o cálculo da contribuição em questão”, o laudo pericial complementar do expert corroborou alegações iniciais no sentido de que “não há qualquer estudo prévio que tenha embasado a necessidade de majoração da alíquota para o setor bancário em razão dos gastos acidentários do setor, bem como que os recolhimentos promovidos pela alíquota de 1% já eram suficientes para custear os gastos acidentários, razão pela qual a majoração para 3% era manifestamente desnecessária”; (5) a sentença é extra petita em relação à primeira pretensão deduzida, no que julgou a possibilidade de aumento da alíquota de SAT por decreto (pois o que se discute é a necessidade especificamente da majoração ocorrida no caso, por falta de demonstração de desequilíbrio financeiro e atuarial com base em estudos, como determina a lei); (6) jamais se aventou a inconstitucionalidade ou ilegalidade do Decreto 6.957/2009, cotejado pela sentença, mas sim do Decreto 6.042/2007, erro da sentença apontado em embargos de declaração, que restaram rejeitados; (7)a fim de se evitar futura alegação de ofensa ao duplo grau de jurisdição por qualquer das partes do presente feito, nos termos do artigo 5°, LV, da Constituição Federal, a devolução dos autos ao MM. Juízo a quo com a adequada valoração das provas produzidas é medida que se impõe”, sendo que a sentença infringiu, ainda, o artigo 5, XXXVII e LIII, CF, sendo claro o dano de tal nulidade, vez que ambas as partes não lograram acesso a pronunciamento judicial completo e adequado; (8) em paralelo, o sentenciamento é, igualmente, citra petita, pois deixou de analisar a segunda pretensão, relativa ao afastamento do NTEP como critério para enquadrar setores econômicos como de risco leve, médio ou grave de acidentes de trabalho baseado em presunções de correlação entre certas doenças e ambiente de trabalho (bancário, no caso); (9) também esta nulidade impõe o retorno dos autos à origem, conforme jurisprudência da Corte e Superior Tribunal de Justiça; (10) os vícios da sentença ocasionaram a falta de apreciação de acervo probatório produzido ao longo de mais de uma década; (11) o Juízo a quo entendeu que os peritos não alcançaram nenhuma conclusão, o que não corresponde ao conteúdo dos trabalhos periciais, pois o laudo pericial médico concluiu que o NTEP possui falhas e estabelece presunções equivocadas, ao passo em que o laudo estatístico concluiu que a majoração de alíquota de SAT era desnecessária; (12) ao contrário do afirmado pelo Juízo, há farta prova nos autos do direito suscitado; (13) “importante rememorar que a perícia contábil/estatística se baseou apenas em amostragem pelo fato de o INSS ter reiteradamente descumprido as determinações judiciais para juntada de documentos, o que levou o MM. Juizo a determinar que a perícia contábil/estatística fosse realizada com base nos documentos juntados aos autos”; (14) a condução do processo foi contraditória, na medida em que foi consignado que já havia prova suficiente nos autos, para posteriormente ser apontada, em sentença, ausência de prova do direito alegado, contradição não apreciada em embargos declaratórios, constituindo mais um vício a impor nova manifestação do Juízo de origem; (15) no mérito, o INSS foi intimado diversas vezes para indicar onde haviam sido divulgados indicadores de acidentes de trabalho de instituições financeiras, demonstração necessária para averiguar se custos incorridos pela Previdência Social eram superiores à arrecadação via SAT do setor bancário, a justificar o aumento de alíquota promovido, afirmando, em uma das oportunidades, que “não foram divulgados indicadores de frequência, gravidade e custo de acidentes do trabalho entre 1999 e 2007 conforme recomendado pelo CNPS”; (16)a motivação para a majoração da alíquota deveria ser a demonstração cabal da ocorrência de desequilíbrio financeiro e atuarial no custeio da contribuição ao SAT, e se não foi feita tal demonstração, o ato de classificação em nova categoria de risco significa ato desmotivado da Administração Pública”, ofensivo ao artigo 5º, XXXV, da CF; (17) o princípio da publicidade possui alicerce constitucional (artigo 37) e legal (artigo 80, VII, da lei 8.212/1991) e “obriga que os atos e justificativas sejam do conhecimento público, e sem a divulgação dos dados estatísticos de custo e gravidade não há como se fazer uma verificação da correção do ato de reclassificação do risco”; (18) o desrespeito aos princípios da publicidade e motivação representa abuso de poder regulamentar; (19) em caso idêntico ao presente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a ausência de estudo prévio para justificar reenquadramento do contribuinte caracteriza abuso de poder regulamentar, afastando majoração imposta; (20) o norte da contribuição ao SAT é o equilíbrio financeiro e atuarial, pela natureza securitária da contribuição, conforme previsto nos artigos 7º, XXVIII e 201, CF, de modo que a majoração da arrecadação deve vir justificada na existência de desequilíbrio de tais fatores; (21)a suficiência dos recolhimentos de SAT divulgados pela própria União, por meio dos quais se percebe que a arrecadação da contribuição ao SAT devida pelos associados da apelante – calculada por meio da alíquota da exação sobre a massa salarial média – em muito supera o total de benefícios pagos pela previdência aos empregados dos associados da apelante”, de modo que “ao desconsiderar os valores recolhidos a título de SAT por cada CNAE, o método de percentis também se mostra impróprio para a definição das alíquotas da sobredita contribuição”; (22) o expert contábil “confirmou expressamente que, analisando os documentos acostados aos autos, não há que se falar em desequilíbrio financeiro e atuarial entre a arrecadação de SAT do setor bancário e os benefícios previdenciários pagos aos empregados deste setor”; (23) conforme publicação do próprio INSS, bancos comerciais ocupam a 328º posição, no total de 560 CNAES, no tocante ao custo com benefícios acidentários, sendo contrassenso que sejam tarifados com a alíquota mais alta existente; (24) embora a perícia tenha analisado dados, por amostragem, estes detém representatividade fidedigna de todo conjunto de dados relacionado; (25) o exercício de competência tributária é diretamente vinculado à verdade material, o que corresponde, no tocante ao SAT, à efetiva ocorrência de acidentes de trabalho, sendo inadmissível a presunção fixada pelo NTEP, que gera prestações acidentárias indevidas e agravamento de carga tributária aos contribuintes; (26) o demonstrativo elaborado pelo INSS para apontar que o sistema anterior (CAT) gerava subnotificação apontou que, ao contrário, utilizando o NTEP haveria menos casos tipificados como acidentes de trabalho em 2001; (27) ainda que o empregador não formalizasse Comunicação de Acidente de Trabalho, o próprio INSS detinha poder para realizar perícia e estabelecer relação acidentária, inexistindo justificativa para concluir que tal sistemática gerava subnotificação; e (28) como destacado no laudo pericial médico, patologias podem decorrer de várias fatores concorrentes, não sendo possível estabelecer conexão automática de que determinada doença acometeu o trabalhador em função da atividade desempenhada.

Por sua vez, apelou a União, arguindo, em suma, que: (1) os honorários advocatícios deveriam ser calculados sobre o proveito econômico da demanda, nos termos do artigo 85, §§ 3º, 5º e 6º, CPC, de modo que é incorreta a aplicação de percentual fixo sobre valor da causa; (2) o proveito econômico obtido pela ré é perfeitamente mensurável, nos termos do artigo 292, §§ 1º e 2º, CPC; (3) o Supremo Tribunal Federal decidiu, em repercussão geral, que o artigo 2º-A da Lei 9.494/1997 é constitucional, de modo que a coisa julgada em ação ordinária coletiva apenas alcança filiados inscritos até a data da propositura da ação e residentes na jurisdição do órgão julgador, segundo relação jurídica juntada à inicial da ação, documento não juntado aos autos; (4) no Tema 82, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido que a previsão estatutária genérica não legitima atuação de associações em Juízo; e (5) o descumprimento de balizas processuais deve conduzir ao indeferimento da petição inicial.

Com contrarrazões recíprocas, subiram os autos.

É o relatório.

 

 

 

 


 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020014-72.2007.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: FEDERACAO BRASILEIRA DE BANCOS, PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, FEDERACAO BRASILEIRA DE BANCOS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

Advogados do(a) APELADO: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A

 

 

 

 

 V O T O

 

 

 

Senhores Desembargadores, cumpre, de início, o exame da matéria preliminar.

Com efeito, é certo que, como apontou a União, o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, assentou que, em se tratando de ação coletiva de rito ordinário, as associações (tal como é a FEBRABAN, ID 164819012, f. 33) atuam como representantes de seus associados (e não em substituição processual), razão pela qual é exigível que apresentem autorização assemblear e listagem de associados, como documentos anexos à petição inicial, para aferição da respectiva legitimidade processual e alcance da coisa julgada:

 

RE 612.043, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe 06/10/2017: “EXECUÇÃO – AÇÃO COLETIVA – RITO ORDINÁRIO – ASSOCIAÇÃO – BENEFICIÁRIOS. Beneficiários do título executivo, no caso de ação proposta por associação, são aqueles que, residentes na área compreendida na jurisdição do órgão julgador, detinham, antes do ajuizamento, a condição de filiados e constaram da lista apresentada com a peça inicial.”

 

RE 573.232, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Rel. p/ Acórdão: MARCO AURÉLIO, DJe 19/09/2014: “REPRESENTAÇÃO – ASSOCIADOS – ARTIGO 5º, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALCANCE. O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – ASSOCIAÇÃO – BENEFICIÁRIOS. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial.

Tese: I – A previsão estatutária genérica não é suficiente para legitimar a atuação, em Juízo, de associações na defesa de direitos dos filiados, sendo indispensável autorização expressa, ainda que deliberada em assembleia, nos termos do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal; II – As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, são definidas pela representação no processo de conhecimento, limitada a execução aos associados apontados na inicial.”

 

Contudo, como bem apontado pela autora, a matéria relativa à legitimidade ad causam da FEBRABAN para mover a presente ação já foi apreciada pelo Juízo de origem em saneador, em decisão que, mantida após oposição de embargos de declaração, não foi recorrida pela União (ID 164819013, f. 213):

 

“Fls. 432/447 e 451/452: A Constituição Federal admite a atuação judicial da entidade associativa na defesa dos interesses de seus membros (art. 5º, inciso XXI) e, para tanto, deve a associação comprovar sua constituição segundo as exigências legais e funcionamento de pelo menos um ano. Para a proteção, mediante interesse coletivo, age a associação diante da chamada substituição processual, sendo necessário preencher somente os requisitos acima mencionados, o que acorre no caso em tela.

Ainda que se houvesse necessidade de autorização expressa ou relação nominal dos associados para que a associação tivesse legitimidade para propor ação, seria o caso de determinar, a princípio, emenda à petição inicial, e não de plano julgar extinto o processo, sem julgamento de mérito, nos termos do artigo 267, IV do CPC.

Ante ao exposto, afasto a preliminar de ilegitimidade ativa alegada pela União Federal.”

 

Mesmo em se tratando de matéria a ser decidida de ofício e a qualquer tempo (artigo 485, §3°, CPC), cumpre, porém, ter em vista, como regra básica de hermenêutica, que a interpretação jurídica não deve ocorrer no sentido ou de modo a deliberadamente gerar conflitos dentro do mesmo sistema normativo.

Neste sentido, o próprio Código de Processo Civil dispõe que:

 

“Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II - nos demais casos prescritos em lei.

(...)

Art. 1.000. A parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer.

Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer.”

 

Os comandos acima positivam o instituto da preclusão e a proibição de comportamento contraditório, ambos aplicáveis ao caso. Havendo resignação quanto à rejeição da tese de ilegitimidade ativa ao tempo em que originariamente apreciada, não pode a ré novamente suscitar o mesmo argumento, anos depois. Há preclusão pro judicato (a matéria já foi decidida), lógica (a União não recorreu da rejeição do argumento), consumativa (a matéria já foi suscitada) e temporal (não houve recurso no prazo legal).

Note-se que a jurisprudência assenta que mesmo matérias entendidas como “de ordem pública” sujeitam-se à preclusão e condicionantes processuais de procedibilidade da ação ou do recurso:

 

AgRg no REsp n. 1.308.859, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 26/10/2012: “ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO. SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO NÃO PRESTADO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL. SÚMULA 7/STJ. PRAZO PRESCRICIONAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. 1. O Tribunal de origem, soberano na análise do contexto fático-probatório dos autos, concluiu que o serviço de tratamento de esgoto no domicílio do recorrido não foi efetivamente prestado, inexistindo, por conseguinte, fato gerador que ampare a cobrança da respectiva tarifa. A reforma de tal entendimento encontra óbice na Súmula 07/STJ. 2. Ressente-se o recurso especial no que tange ao art. 206, § 3º, IV e V, do CC do devido prequestionamento, já que sobre tal questão (até mesmo porque não foi objeto de insurgência do recurso de apelação) não houve emissão de juízo pelo acórdão recorrido, a despeito da oposição de embargos declaratórios, fazendo incidir o óbice da Súmula 211/STJ. 3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que mesmo as matérias de ordem pública necessitam do prequestionamento para serem analisadas em sede de recurso especial. Precedentes: AgRg nos EREsp 947.231/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 10/05/2012; AgRg nos EREsp 999.342/SP, Rel. Min. Castro Meira, Corte Especial, DJe 01/02/2012; EDcl no AgRg no Ag 1309423/ES, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13/09/2011. 4. Agravo regimental não provido.”

 

RemNecCiv 0025897-19.2015.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 12/11/2020: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PIS/COFINS. REGIME MONOFÁSICO DE TRIBUTAÇÃO. PRETENSÃO DE ESCRITURAÇÃO DE CRÉDITOS PARALELOS E EXTERNOS AO SISTEMA DE MONOFASIA PELO REVENDEDOR OU INTERMEDIÁRIO. SUSCITAÇÃO DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PRECLUSÃO. EFEITO DEVOLUTIVO DA REMESSA OFICIAL. ARGUMENTAÇÃO SUPERADA NO ACÓRDÃO DE MÉRITO. EFICÁCIA DA SENTENÇA EM MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ASSOCIAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEMONSTRAÇÃO DE ASSOCIADO VINCULADO À AUTORIDADE IMPETRADA.  MATÉRIA DIVERSA. REQUISITO CONCERNENTE À FORMAÇÃO DA RELAÇÃO PROCESSUAL, APENAS. VÍCIOS INEXISTENTES. REJEIÇÃO. 1. São manifestamente improcedentes os embargos de declaração, inexistindo quaisquer dos vícios apontados, restando nítido que se cuida de recurso interposto com o objetivo de rediscutir a causa e manifestar inconformismo diante do acórdão embargado. As alegações não envolvem omissão, contradição, obscuridade ou erro material sanáveis em embargos de declaração, mas efetiva impugnação ao acórdão embargado, que teria incorrido em error in judicando, desvirtuando, pois, a própria natureza do recurso, que não é a de reapreciar a causa como pretendido.  2. Apenas em embargos de declaração, após alternar, de maneira contingente, petições de reconhecimento e impugnação da tese de mérito da impetração, a Fazenda Nacional entendeu por bem reavivar matérias já vencidas na sentença (inépcia da inicial e ilegitimidade passiva parcial da autoridade coatora) e arguir fundamento obstativo novo (incompetência do Juízo). Neste cenário, a conduta processual da embargante atrai a preclusão lógica da arguição de supostas nulidades. 3. Cabimento de preclusão consumativa e lógica de matéria de ordem pública. A regra de preclusão lógica positivada no artigo 1.000 do Código de Processo Civil haure significado e fundamento da proibição do comportamento contraditório (sintetizado na máxima latina non venire contra actum proprium), que por sua vez é expressão da exigência - também positivada - de boa-fé processual. Repelir a preclusão lógica de matéria de ordem pública exigiria afastar as bases de boa-fé processual, vedação de comportamento contraditório e segurança jurídica - interpretando-se institutos do ordenamento processual de maneira deliberadamente conflitante entre si, incorrendo em vedação basilar da hermenêutica jurídica.  4. Ainda que se quisesse arguir que, na espécie, teria havido devolução pela remessa oficial das teses de ilegitimidade passiva e inépcia da exordial, o fato do acórdão inicialmente prolatado ter denegado a segurança pelo mérito importa reconhecer, em termos estruturais e dogmáticos, que a matéria preliminar a tal exame foi dada por superada, nos termos do sentenciamento. Por sua vez, o acolhimento dos embargos de declaração opostos pela impetrante, igualmente no mérito, significa que não houve revolvimento, menos ainda revisão, do aresto inaugural neste tocante, vértice que conduz à forçosa conclusão de que os presentes aclaratórios pretendem, muito extemporaneamente, rediscutir a solução dada à causa.  5. De qualquer sorte, para que não se alegue nulidade nem se procrastine a solução da espécie, as questões levantadas são enfrentadas e rejeitadas. É torrencial a jurisprudência da Corte Superior no sentido de que, em sede mandamental coletiva, é despicienda a juntada de listagem dos associados da entidade impetrante, como condição de desenvolvimento válido do processo. Este entendimento tem por base julgamento em sede de repercussão geral no âmbito do Supremo Tribunal Federal (RE 573.232, Rel. p/ acórdão Min. MARCO AURÉLIO, DJe 19/09/2014) em que se assentou que, em casos que tais, a associação age em substituição processual, e não por meio de representação (situação que exigiria apuração da necessária autorização prévia concedida pelos associados, bem como do rol dos membros participantes da associação), com fulcro na previsão ampla do artigo 5º, LXX da Constituição Federal e na Súmula 629/STF (e não pela autorização específica de representação prevista no inciso XXII do mencionado artigo). 6. É derivação necessária de tal posição jurisprudencial que a eficácia da coisa julgada em casos que tais possui vínculo subjetivo (por força da substituição processual), não territorial. Daí porque, em linha com exaustiva jurisprudência da Corte Superior, não cabe arguir "ilegitimidade parcial" da autoridade impetrada ou "incompetência absoluta parcial" do Juízo. 7. Não há conflito entre o acima exposto e a jurisprudência deste Tribunal, referida nos embargos de declaração, de que é exigível demonstração de associado vinculado à autoridade coatora indicada na impetração como prova do interesse de agir. É que tal condicionamento diz respeito à regular formação da relação processual, e não à eficácia da coisa julgada.  Em outras palavras, não é possível que o mandado de segurança coletivo seja impetrado em Juízo perante o qual não domiciliado qualquer associado da impetrante porque, nesta hipótese, estar-se-ia diante de impetração contra lei em tese e carência de interesse de agir (sob o prisma da utilidade), dado que não haveria elementos fático-jurídicos para firmar-se vínculo entre impetrante, impetrada, ato coator e Juízo. Porém, uma vez regularmente estabelecida a relação processual, a eficácia do sentenciamento forma-se em relação à substituição processual, e não pelo território de jurisdição (do Juízo) ou âmbito de administração (da autoridade impetrada), a teor do quanto consolidado no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, como visto acima. 8. Se tal motivação é insuficiente, fere normas apontadas ou contraria a jurisprudência, deve o contribuinte veicular recurso próprio para impugnação do acórdão e não rediscutir a matéria em embargos de declaração.  9. Por fim, embora tratados todos os pontos invocados nos embargos declaratórios, de relevância e pertinência à demonstração de que não houve qualquer vício no julgamento, é expresso o artigo 1.025 do Código de Processo Civil em enfatizar que se consideram incluídos no acórdão os elementos suscitados pela embargante, ainda que inadmitido ou rejeitado o recurso, para efeito de pré-questionamento, pelo que aperfeiçoado, com os apontados destacados, o julgamento cabível no âmbito da Turma. 10. Embargos de declaração rejeitados.

 

Registre-se, em obter dictum, que, apesar de serem as condições da ação requisitos a serem conservados no curso do processamento da demanda, permitindo, em caso de perda superveniente, o reconhecimento da carência, é fato que, à época de propositura da ação, a jurisprudência respaldava o entendimento da autora:

 

AgRg nos EREsp 497.600, Rel. Min. GOMES DE BARROS, Corte Especial, DJ 16/4/2007: “AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS CAPAZES DE INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA.- Não merece provimento recurso carente de argumentos novos, capazes de desconstituir a decisão agravada. AÇÕES COLETIVAS - LEGITIMIDADE DOS SINDICATOS E ENTIDADES ASSOCIATIVAS AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. - As entidades associativas - aí incluídos os sindicatos - têm legitimidade para propor ação ordinária em favor de seus filiados, sem a necessidade de expressa autorização de cada um deles.”

 

Assim, não é possível conhecer da questão da ilegitimidade ativa da autora neste momento.

Prosseguindo, as teses de nulidade da sentença apontadas pela FEBRABAN merecem acolhida.

Com efeito, logo nas primeiras páginas da petição exordial foi sinalizado, com grifos e destaques, que a presente ação não pretendia “demonstrar a ilegalidade ou a inconstitucionalidade da contribuição ao SAT instituída pela n.° Lei 8.212/91, nem mesmo discutir se o Decreto n° 6.042/2007 poderia trazer a definição das alíquotas de 1, 2, ou 3%, mas sim demonstrar que a majoração da alíquota da contribuição devida pelas instituições financeiras, nos moldes do Decreto n.° 6.042/2007, viola frontal e diretamente dispositivos constitucionais inafastáveis” (ID 16481901, f. 06).

Como se colhe da leitura da peça (e conforme já consignado em relatório), o objetivo da demanda era afastar a majoração de SAT para o setor bancário (sob entendimento central de que não houve desequilíbrio financeiro e atuarial a ensejar tal modulação) e repelir a aplicabilidade do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, NTEP, por instituir método que estabelece presunções de risco acidentário (e, por consequência, modifica a classificação de risco do CNAE envolvido, ensejando majoração de tributação, dentre outros efeitos).

Desta maneira, é manifesto que a sentença, ao discorrer sobre a consonância com a Constituição Federal da instituição de alíquotas de SAT diferenciadas a partir de cada atividade econômica preponderante, e sobre a inexistência de ilegalidade na majoração da alíquota do SAT a partir de classificação de CNAE’s (Classificação Nacional de Atividades Econômicas), apreciou matéria absolutamente estranha à lide, caracterizando decisão extra petita. Igual vício se percebe sobre a ponderação de que não existe “ilegalidade ou inconstitucionalidade na majoração da alíquota do SAT/GILRAT, pelo Decreto 6.957/09”, diploma infralegal que sequer existia quando do ajuizamento desta ação, em 2007.

Por outro lado, o sentenciamento não dedica sequer uma linha à discussão do NTEP, objeto de copiosa discussão entre as partes na tramitação deste feito, sendo claro que o pronunciamento é citra petita, neste tocante.

Como consabido, trata-se, em ambos os enfoques, de causas de nulidade da sentença, por desatendimento ao artigo 489 e 492, CPC:

 

“Art. 489. (...)

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

(...)

Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional.”

 

Contudo, diversamente do que entende a autora, não há impedimento ao julgamento do mérito diretamente nesta instância, conforme regra expressa da legislação processual:

 

"Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

(...)

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I - reformar sentença fundada no art. 485 ;

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação."

 

A jurisprudência é pacífica quanto à aplicabilidade de tais comando na hipótese de ocorrência de sentença extra ou citra petita (como de resto, é implicação lógica dos incisos II, III e IV acima transcritos):

 

AgInt no REsp 1.734.343, Rel. Min. MOURA RIBEIRO, DJe 19/8/2021: “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO NCPC. OMISSÃO. NÃO VERIFICADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.013 DO NCPC. JULGAMENTO CITRA PETITA. RECONHECIMENTO DO VÍCIO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 568 DO STJ. TEORIA DA CAUSA MADURA. REQUISITOS DE APLICABILIDADE. AMPLO CONTRADITÓRIO. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N.os 7 E 568 DO STJ. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Não há falar em omissão, falta de fundamentação ou negativa de prestação jurisdicional, na medida em que o Tribunal estadual dirimiu, fundamentadamente, a questão que lhe foi submetida, apreciando a controvérsia posta nos autos. 3. É assente nesta Corte Superior o entendimento no sentido de que a nulidade da sentença decorrente de julgamento citra petita pode ser reconhecida de ofício com o julgamento imediato das matérias referentes ao mérito desde que tenham sido objeto de amplo contraditório, não dependam de dilação probatória e estejam aptas ao julgamento. 4. A prestação de segurança à integridade física e moral do consumidor é inerente à atividade comercial desenvolvida pelo fornecer, motivo pelo qual lhe incumbe indenizar os danos morais e materiais que o consumidor tenha sofrido em virtude de acidente ocorrido nas dependências de seu estabelecimento. Inviabilidade de reexame das provas dos autos. 5. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evid enciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos. 6. Agravo interno não provido.”

 

REsp 1.215.368, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19/9/2016: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFERIMENTO DE LIMINAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TEORIA DA CAUSA MADURA (ART. 515, § 3º, CPC). APLICABILIDADE. 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública movida contra diversos sujeitos alegadamente envolvidos em licitações superfaturadas de medicamentos e material hospitalar em que está implicada a Prefeitura Municipal de Cachoeiro do Itapemirim. A indisponibilidade de bens requerida na Petição Inicial foi deferida pelo Juízo de 1º Grau e submetida a Agravo de Instrumento. 2. O Tribunal de origem reconheceu a apresentação de argumentos genéricos, mas aplicou a teoria da causa madura (CPC, art. 515, § 3º), supriu o vício de fundamentação e manteve a decisão recorrida. 3. A recorrente sustenta impossibilidade de o Tribunal a quo aplicar o art. 515, § 3º, do CPC em Agravo de Instrumento, amparando-se em precedentes do STJ que tratam da matéria de forma sucinta. 4. A decisão proferida no AgRg no Ag 867.885/MG (Quarta Turma, Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJe 22.10.2007) examina conceitualmente o art. 515, § 3º, com profundidade. Ali, consignou-se: 4.1. "A novidade representada pelo § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil nada mais é do que um atalho, legitimado pela aptidão a acelerar os resultados do processo e desejável sempre que isso for feito sem prejuízo a qualquer das partes; ela constituiu mais um lance da luta do legislador contra os males do tempo e representa a ruptura com um velho dogma, o do duplo grau de jurisdição, que por sua vez só se legitima quando for capaz de trazer benefícios, não demoras desnecessárias. Por outro lado, se agora as regras são essas e são conhecidas de todo operador do direito, o autor que apelar contra a sentença terminativa fá-lo-á com a consciência do risco que corre; não há infração à garantia constitucional do due process porque as regras do jogo são claras e isso é fator de segurança das partes, capaz de evitar surpresas" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 177/181). 4.2. "Diante da expressa possibilidade de o julgamento da causa ser feito pelo tribunal que acolher a apelação contra sentença terminativa, é ônus de ambas as partes prequestionar em razões ou contra-razões recursais todos os pontos que depois pretendam levar ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça. Eles o farão, do mesmo modo como fariam se a apelação houvesse sido interposta contra uma sentença de mérito. Assim é o sistema posto e não se vislumbra o menor risco de mácula à garantia constitucional do due process of law, porque a lei é do conhecimento geral e a ninguém aproveita a alegação de desconhecê-la, ou de não ter previsto a ocorrência de fatos que ela autoriza (LICC, art. 3º)" (DINAMARCO. idem) .5. A doutrina admite aplicação do art. 515, § 3º, do CPC aos Agravos de Instrumento (Dinamarco, Cândido Rangel. A reforma da reforma, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 162-163; Wambier, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro, 4ª ed., São Paulo: RT, 2006, pp. 349-350; Rogrigues, Marcelo Abelha. Manual de Direito Processual Civil, 5ª ed., São Paulo, RT, pp. 643-644; Alvim, J. E. Carreira.Código de Processo Civil reformado, 7ª ed., Curitiba, Juruá, 2008, p. 351). 6. Particularidades do caso concreto recomendam a aplicação da teoria, sem que haja prejuízo ao contraditório, à ampla defesa e ao dever de fundamentação: a) não se pode dizer que a decisão de 1º grau foi, em tudo, omissa. No que diz respeito ao fumus boni iuris, ela faz referência à "farta documentação em anexo consubstanciada na investigação procedida pelo Ministério Público" e ao fato de que "a fraude ocorrida se encontra em destaque". Em relação ao periculum in mora, afirmou: "certo é que se houver notícia aos envolvidos de que tramita ação civil pública em seus nomes, haverá o grande risco de ineficácia de uma possível sentença de procedência" (fls. 57-58/e-STJ); b) por ter aplicado o art. 515, § 3º, do CPC, o Tribunal de origem trouxe, em motivação mais minuciosa, as razões pelas quais a providência acautelatória efetivamente deveria ter sido concedida. Ou seja, a partir do efeito substitutivo, o vício de fundamentação foi sanado, eliminando eventual prejuízo à parte; c) é possível cogitar que o Tribunal a quo tenha se valido inclusive da interpretação sistemática do art. 515, § 4º, do CPC, que outorga ao Magistrado a possibilidade de saneamento de nulidade por meio da realização de ato processual - aqui, consistente na outorga de fundamentação suficiente a um ato de império. Corrobora esse raciocínio o fato de que, após a motivação expressa no acórdão do Agravo, a recorrente optou por não alegar qualquer ofensa à ampla defesa, limitando-se à questão processual posta; d) não houve prejuízo ao contraditório e à ampla defesa porque a manifestação do Tribunal local se deu a partir de Agravo de Instrumento interposto pela própria parte prejudicada pela decisão liminar - oportunidade suficiente para que se insurgisse contra a decisão que deferiu a indisponibilidade de bens; e) a maturidade da causa está na própria limitação de cognição outorgada no exame de tutelas de urgência: modula-se a exigência de profundas investigações, especialmente quando já exercido efetivo contraditório. Some-se ainda a circunstância de ter sido juntada cópia integral dos autos, o que permitiu o conhecimento dos fatos e dos fundamentos jurídicos da pretensão da parte - dentro do razoável ao momento processual e no âmbito da questão posta; f) a temática do periculum in mora para deferimento da indisponibilidade de bens foi tratada nos termos da jurisprudência da Primeira Seção (REsp 1.319.515/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 21.9.2012). Até mesmo a decisão de 1º grau, a despeito de sucinta, não destoa da ideia de que não se devem esperar dados concretos de insolvência para determinar medida destinada a evitá-la; g) entendimento diverso do aqui esposado levaria à seguinte providência: o provimento do recurso para anular o acórdão e determinar que o juízo de 1º grau proferisse nova decisão. Considerando o teor de sua fundamentação, é razoável pressupor a ratificação da decisão de piso (ainda que mais robusta), a repetição do Agravo de Instrumento, a repetição do respectivo acórdão e a manutenção do status atual (afinal, a recorrente não se insurgiu contra nenhum outro fundamento do decisum ora atacado). Tratar-se-ia de manifesto prejuízo à celeridade, economia processual e efetividade do processo; um desserviço à premissa de outorga tempestiva de decisões em atividade jurisdicional, sem benefício algum às partes do processo. 7. Por fim, de essencial relevância destacar que a jurisprudência do STJ admite a não aplicação da teoria da causa madura quando for prejudicada a produção de provas pela parte de forma exauriente, o que não acontece na presente hipótese, já que se trata de recebimento da inicial da Ação de Improbidade e de determinação cautelar da medida de indisponibilidade dos bens, situações em que o juízo exara provimento de exame precário das provas juntadas com a inicial, sem prejuízo de prova em contrário no curso da ação. 8. Recurso Especial não provido.”

 

Como corolário de tal entendimento, diversamente do apontado, o artigo 5º, LV, da Constituição Federal, não assegura duplo grau de jurisdição como direito absoluto e inderrogável. Basta ver que existem causas de competência originária de Tribunais ou Tribunais Superiores.

Este é o entendimento amplamente majoritário da doutrina:

 

“[A]s constituições que se lhe seguiram (à de 1824), limitaram-se a apenas mencionar a existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal. Implicitamente, portanto, havia previsão para a existência do recurso. Mas, frise-se, não garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição”

(NERY JUNIOR, NELSON. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 152)

 

“Menciona a Constituição Federal a existência de juízes e tribunais, bem como prevê a existência de alguns recursos (ordinários constitucionais, especial, extraordinário), porém não existe a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição.(...)

(...)

Assim, proclamou o Supremo Tribunal Federal que “o duplo grau de jurisdição, no âmbito da recorribilidade ordinária, não consubstancia garantia constitucional.”

(MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional 24ª ed. São Paulo; Atlas, 2009, pp. 84 e 85)

 

Desta feita, considerando que, como demonstrado a seguir, o processo encontra-se em condições de julgamento direto nesta instância, dada a oportunização de produção de provas na origem e a matéria discutida, são perfeitamente aplicáveis à espécie as regras do artigo 1.013, CPC.

Nestes termos, prossegue-se no mérito.

Retome-se que as causas de pedir da presente demanda orbitam em função de duas pretensões, relativas ao afastamento: (i) da majoração da alíquota de SAT para o setor bancário, de 1% para 3%, ocorrida nos termos do Decreto 6.042/2007; e (ii) do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, fixado pelo artigo 21-A da Lei 8.313/1991, em se tratando de técnica que vincula, por presunção, determinadas patologias à atividade laboral do segurado da Previdência Nacional, declarando a ocorrência de acidentes de trabalho sem análise individual de cada caso concreto, com alegados efeitos deletérios ao contribuinte.

Perceba-se que há relação de prejudicialidade entre os dois pedidos. Se afastado o NTEP, de pleno direito é procedente igualmente o pedido de afastamento da majoração de SAT dos associados da autora, já que esta é influenciada pela aplicação do novo método de controle de acidentes de trabalho. Isto porque, como se sabe, o quantitativo de acidentes de trabalho (bem como o respectivo custo e gravidade) são elementos de classificação de risco acidentário do setor econômico (conforme agrupamento de Cadastro Nacional de atividades Econômicas – CNAE) e, assim, delimitação da alíquota de SAT devida por tais contribuintes.

Assim, é pertinente que se proceda inicialmente à análise da impugnação ao Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário - NTEP.

Neste propósito, é de rigor apontar, de princípio, que o desenvolvimento do Nexo Técnico Previdenciário, conforme documentação acostada aos autos, surgiu no âmbito do Conselho Nacional da Previdência Social, a partir de estudos iniciados por força da Medida Provisória 82/2003 (posteriormente convertida na Lei 10.666/2003), que criou o Fator Acidentário Previdenciário.

Constou da Exposição de Motivos do diploma (grifos nossos):

 

" 31. No art 10, faz-se proposta de flexibilização de alíquotas de contribuição em razão dos desempenhos das empresas na prevenção dos acidentes de trabalho. A preocupação com a saúde e segurança dos trabalhadores constitui-se em um dos temas de mais elevado poder aglutinador. Mesmo reconhecendo que a necessidade de proteger o trabalhador que trabalha em ambiente ou serviço perigoso, insalubre ou penoso é da empresa que assume o risco da atividade econômica e deve responsabilizar-se pelas conseqüências das enfermidades contraídas e acidentes do trabalho sofridos pelos empregados, na prática que as suporta é o Governo, por meio do Ministério da Saúde em relação às despesas médicas e hospitalares e do INSS em relação às incapacidades laborativas, temporárias ou permanentes e às mortes.

    32. A proposta visa introduzir mecanismos que estimulem os empresários a investirem em prevenção e melhoria das condições do ambiente de trabalho, mediante a redução, em até 50%, ou acréscimo, em até 100%, da alíquota de contribuição destinada ao financiamento das aposentadorias especiais ou dos benefícios concedidos em razão de acidentes ou de doenças ocupacionais, conforme a sua posição da empresa na classificação geral apurada em conformidade com os índices de freqüência, gravidade e custo das ocorrências de acidentes, medidas segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social - CNPS. A participação do CNPS na validação desta metodologia é de fundamental importância devido ao caráter quadripartite (governo, aposentados, trabalhadores e empregadores) da sua composição."

 

Com base em tal delegação foi originalmente editada, no âmbito administrativo, a Resolução CNPS 1.236/2004, que já discorria, em anexo, sobre a necessidade de “abordagem epidemiológica” para regulamentação da matéria relativa ao financiamento de benefícios previdenciários.

Destaca-se alguns trechos relevantes do documento:

 

"Estima-se que a ausência de segurança nos ambientes de trabalho no Brasil tenha gerado, no ano de 2003, um custo de cerca de R$32,8 bilhões para o país. Deste total, R$ 8,2 bilhões correspondem a gastos com benefícios acidentários e aposentadorias especiais, equivalente a 30% da necessidade de financiamento do Regime Geral de Previdência Social – RGPS verificado em 2003, que foi de R$ 27 bilhões. O restante da despesa corresponde à assistência à saúde do acidentado, indenizações, retreinamento, reinserção no mercado de trabalho e horas de trabalho perdidas.

Isso sem levar em consideração o sub-dimensionamento na apuração das contas da Previdência Social, que desembolsa e contabiliza como despesas não acidentárias os benefícios por incapacidade, cujas CAT’s não foram emitidas. Ou seja, sob a categoria do auxílio doença não ocupacional, encontra-se encoberto um grande contingente de acidentes que não compõem as contas acidentárias. (...)

De outro lado, algumas empresas afastam trabalhadores, e muitas vezes os despedem logo após a concessão do beneficio, 15 dias após o acidente. Com isso, o trabalhador se afasta, já sendo portador de doença crônica contraída no labor, e o desemprego poderá se prolongar na medida que, para obter o novo emprego, será necessário a realização do exame admissional, no qual serão eleitos apenas aqueles considerados como “aptos” e, portanto, não portadores de enfermidades.

Nesse escopo, não se pode abstrair da importância de uma correta política de financiamento dos benefícios previdenciários. (...)

(...)

Busca-se, com base na freqüência, gravidade e custo, um elemento primário que seja tipicamente imune à sonegação, não declaratório, que independa do desejo/poder do empregador sobre a informação do dados e seja intrinsecamente relacionado à incapacidade laboral, à doença ou à entidade mórbida ou registro. Algo cuja responsabilidade médica seja pessoal, oferecendo o menor grau de manipulação, e conseqüentemente, uma maior segurança para o gestor e a justiça.  

Diante dessas premissas, descartou-se, de imediato, como elemento primário, os registros dos acidentes do trabalho, informados por intermédio da CAT que, como antes afirmado, são sub-notificados, e, caso fossem utilizados, beneficiariam sonegadores, em detrimento das empresas que têm desenvolvido ações efetivas de proteção do trabalhador.

Cabe, aqui, um parêntese em relação à sub-notificação da CAT. Embora não se tenha estimativas globais quanto aos acidentes não notificados, diversos estudos apontam para a sub-notificação dos acidentes, notadamente Waldvogel (2001), Santana et al (2003) e Conceição et al. (2003).  

A questão da sonegação da CAT é assunto complexo e demarcado por aspectos políticos, econômicos e sociais, para o qual nenhuma única explicação é suficiente. Dentre as principais destacam-se as seguintes:

i) Como o acidente/doença ocupacional é considerado socialmente derrogatório, evita-se que o dado apareça nas estatísticas oficiais;

ii) para que não se possa reconhecer a estabilidade no emprego de um ano de duração a partir do retorno do trabalhador;

iii) para se ter liberdade de poder despedir o trabalhador a qualquer tempo;

iv) para não se depositar a contribuição devida de 8% do salário, em conta do FGTS, correspondente ao período de afastamento;.

v) para não se reconhecer a presença de agente nocivo causador da doença do trabalho ou profissional e, para não se recolher a contribuição específica correspondente ao custeio da aposentadoria especial para os trabalhadores expostos aos mesmos agentes.

Na busca de outro elemento primário que pudesse embasar uma nova metodologia, após a análise de dados sobre acidentes e doenças ocupacionais e dos seus problemas, identificou-se que, em cada processo de solicitação de benefício junto à Previdência Social, existe um dado requerido obrigatoriamente, que é o registro do diagnóstico do problema de saúde que motivou a solicitação.

Esse diagnóstico, de acordo com a Organização Mundial da Saúde - OMS, é padronizado e codificado, recebendo o nome de Classificação Internacional de Doenças - CID, que se encontra atualmente na 10ª Revisão. Esse dado é preenchido pelo médico que prestou o atendimento, sendo de sua responsabilidade profissional e exigido para a concessão de benefício, seja ocupacional ou não. O CID, assim, não padece do mesmo vício da CAT, uma vez que independe da comunicação da empresa. Se o segurado for acometido de uma doença ou lesão e estas implicarem a incapacidade para o exercício de sua atividade, o benefício será concedido pela Previdência Social, independentemente de qualquer manifestação da empresa. A comunicação destas tão-somente influencia na caracterização da natureza da prestação – acidentária ou previdenciária (não acidentária).

Desta forma, propõe-se a adoção do CID como fonte primária estatística. (...)

Eleito o CID como base primária para o presente trabalho, a questão que se coloca é saber se pertencer a um determinado segmento econômico (código CNAE) constitui fator de risco para o trabalhador apresentar uma determinada doença. Se sim, qual o tamanho desse risco? Como distinguir entre os benefícios com CID atribuído quais guardam e quais não guardam associação com o fato de o segurado pertencer a um empreendimento de um determinado seguimento econômico?

O dado disponível obriga ao delineamento epidemiológico, observacional, transversal, descritivo e analítico.

Em primeiro lugar, é necessária uma bifurcação entre os benefícios auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, de um lado, e dos benefícios pensão por morte e auxílio-acidente, de outro. Essa bifurcação se impõe, pois, em relação aos últimos, a base formal dos registros previdenciários é reconhecidamente idônea para sua vinculação ocupacional. Quanto aos primeiros, contudo, exige-se um estudo mais acurado, cuja base é a epidemiologia, mais especificamente a estimativa da chamada razão de chances (RC), como medida de associação estatística, empregada como um critério para a definição de causalidade entre um fator (nesse caso, pertencer a um determinado CNAE) e um desfecho de saúde, nesse caso ter um diagnóstico clínico para o acidente ou enfermidade. Essa medida por si só não determina a causalidade, até porque as doenças são eventos multicausais complexos, todavia, é reconhecida como fundamental para a inferência causal (Hill, 1965).

Está-se, aqui, diante de uma problemática para cujo deslinde impõe-se a aplicação da teoria das probabilidades, notadamente quanto ao teorema de Bayes, dentro do campo das probabilidades condicionais, lançando-se mão do conceito de razão de chances - RC (odds ratio - OR).

Adotou-se a medida de associação estatística, razão de chances - RC, que satisfaz plenamente aos objetivos propostos, com vantagens diferenciadas de outras associações pelo fato de apresentar melhores propriedades estatísticas

Para RC > 1, tem-se que, entre os trabalhadores expostos, há mais probabilidades de adoecer do que entre os não-expostos. Diz-se que há excesso de risco. Por exemplo: para o RC = 1,65, ter-se-ia 65% de excesso para o grupo dos expostos, ou que esse grupo de expostos tem 65% mais probabilidade de desenvolver determinada doença do que o grupo de não-expostos. Nesse caso, sugere-se a constituição de fator de risco o fato de pertencer ao grupo dos expostos.

Ao contrário, se RC < 1, diz-se que não há fator de risco, ou simplesmente, sugere-se que há um risco diminuído do grupo exposto desenvolver a doença

Já para o RC = 1, denota-se que as probabilidades em ambos os grupos são idênticas e conseqüentemente não existe associação entre a exposição e a doença.

Toda vez que houver RC > 1, com 99% de confiabilidade estatística para vinculação de determinado CID a um certo CNAE, todos os benefícios com esse CID serão carregados para fins dos cálculos dos coeficientes adiante descritos.

Confiabilidade estatística implica um intervalo de confiança ou uma faixa de valores de RC em que o verdadeiro valor deve estar com um percentual de certeza ou de confiança, valores esses não explicados pelo o acaso. Adotou-se, nesse trabalho, o argumento estatístico de 99% de confiança, para assegurar baixíssimo peso ao acaso.

Portanto, eliminaram-se da computação da gravidade, custo e freqüência todos aqueles benefícios cuja RC, para um determinado CID, tenha ficado abaixo de 1. Ao revés, todos os benefícios cuja RC, para um determinado CID, tenha ficado acima de 1, foram computados para a correspondente atividade econômica.

(...)

Os dados são oriundos das bases de dados do INSS, administrados pela Dataprev, que estão separadas em duas linhas: Arrecadação e Benefício. Na linha da Arrecadação, utilizam-se o Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS das empresas, do qual se pode extrair valores de massa salarial por empresa e por CNAE-classe e os respectivos números de vínculos empregatícios. Na linha de Benefícios, utilizam-se o Sistema Único de Beneficio - SUB, bem como o CNIS–trabalhador, que permitem a extração de dados relativos às espécies de benefícios, os diagnósticos clínicos pelo CID, as datas de cessação e inicio de benefícios, os valores de renda mensal de beneficio por empresa e por CNAE-classe.

(...)”

 

Em síntese, a resolução aborda os motivos que levaram à substituição da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), como pedra de toque para definição de eventos acidentários e não acidentários (com indicação de bibliografia especializada a respeito da apontada subnotificação de acidentes); o porquê de utilização do diagnóstico CID como critério de estabelecimento de nexo epidemiológico (como presunção relativa, passível de contestação pelo empregador); as fontes de dados utilizadas para o cálculo da revisão da alíquota de SAT e fixação do FAP dos CNAE’s existentes; e, finalmente, o método de cálculo de cada uma dessas operações.

Percebe-se que esta metodologia já abrangia, em sua gênese, o NTEP, que é justamente a Razão de Chances apontada no documento para estabelecimento do nexo epidemiológico.

Evidencia-se do que consta dos autos (v.g.: ID 164819014, f. 179/180) que esta estrutura normativa é baseada em tese de doutoramento de servidor da Previdência Social, defendida na Universidade de Brasília (ALBUQUERQUE DE OLIVEIRA, Paulo Rogério. Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP e o Fato Acidentário de Prevenção – FAP: Um Novo Olhar Sobre a Saúde do Trabalhador. 2008. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/5303/1/2008_PauloRogerioAdeOliveira_orig.pdf).

Trata-se, portanto, de metodologia baseada em estudos acadêmicos, divulgada por documento público, desde 2004, elaborada no decorrer de anos no âmbito de órgão quadripartite em que, dentre outros agentes, a Confederação Nacional Financeira detém assento e voto.

Por oportuno, cabe destacar que a Confederação Nacional Financeira, segundo estatuto social (disponível em https://cnf.org.br/estatutos-sociais/), “é uma associação civil sem fins econômicos que congrega as entidades que, no âmbito nacional ou regional, representam instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, bem como outras entidades que sejam consideradas de interesse pela Confederação”, detendo como um de seus objetivos associativos "orientar, coordenar, representar e defender, em âmbito nacional, os interesses das suas Associadas, em especial junto ao Poder Legislativo federal, atuando de forma coordenada em pautas estratégicas e de interesse comum, escolhidas e priorizadas conforme aprovado pelas Associadas nos fóruns adequados”. Dentre suas associadas consta, por exemplo, a autora (https://cnf.org.br/entidades-associadas/).

A Confederação Nacional Financeira possui representação no Conselho Nacional de Previdência Social e esteve presente durante as discussões das regras tratadas na presente ação, conforme excerto da ata da reunião de 28 de abril de 2004, quando aprovada a Resolução 1.236/2004 (grifos nossos):

 

"(...)

2. Apresentação do resultado do GT SAT

O grupo de trabalho teve como objetivo acompanhar a elaboração da proposta metodológica e de regulamentação para flexibilização da alíquota de contribuição destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, conforme Resolução nº 1.236, de 29 de outubro de 2003. O Sr. Presidente apresentou, de forma sucinta, os resultados dos conceitos metodológicos propostos pelo grupo de trabalho, a partir de reuniões com técnicos da Secretaria de Previdência Social e representantes de entidades representadas neste CNPS. Destacou que a flexibilização das alíquotas de contribuição ao Seguro Acidente de Trabalho tem origem na Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003, que prevê que o CNPS aprove metodologia que seja utilizada pela Previdência Social para apuração das alíquotas de contribuição de empregadores. Discorreu sobre aplicação de técnica estatística para aplicação da metodologia, fontes de dados, procedimentos adotados, instrumentos utilizados, critérios, parâmetros, periodicidade de cálculos, resultados obtidos, testes de consistência, avaliação da metodologia proposta, ressaltando que sua implantação deve ser acompanhada pelo CNPS. (...)

(...) o Sr. Valdir Siqueira, representante da CNF no grupo de trabalho, declarou que durante as discussões questionara a utilização das doenças catalogadas no CID referentes a benefícios não-acidentários para fins de inclusão na metodologia, vez que não houve estabelecimento de nexo causal. Em seguida houve considerações de Conselheiros e representantes sobre esse questionamento, e também quanto à aplicação das alíquotas, que poderia prejudicar empresas que não possuem programas preventivos, restando claro que a classificação das doenças para fins de inclusão da metodologia parte da visão macro, do deslinde que pode determinar sua classificação em caso de inexistência de relação direta de causa e efeito; que a metodologia não visa punir empresas, mas estimular e premiar aquelas que realizam investimentos na área de prevenção de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. Findos os debates, ficou estabelecido que da resolução estão excepcionados os sujeitos referidos no artigo 22 da Lei nº 8.812/91, isto é, o setor da área rural e as empresas integrantes do sistema Simples. Redação aprovada com o seguinte teor: (...)"

 

Por ocasião da Resolução CNPS 1.269/2006, o anexo explicativo da Resolução CNPS 1.236/2004 foi atualizado, passando a referir expressamente o Nexo Técnico Epidemiológico Acidentário, com breves modificações no texto, com objetivo de aperfeiçoamento, conforme se extrai dos consideranda do ato normativo (grifos nossos):

 

"Considerando a necessidade de se conferir estímulo ao desenvolvimento econômico via redução de custos e fomento ao trabalho saudável;

Considerando o resultado dos estudos desenvolvidos pelo Ministério da Previdência Social, por intermédio da Secretaria da Previdência Social desde a edição da Resolução n° 1.236/, de 28 de abril de 2004, que trata da metodologia para a flexibilização das alíquotas de contribuição destinadas ao financiamento do benefício de aposentadoria especial e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho;

Considerando a necessidade de aperfeiçoamento da metodologia para potenciar a acurácia do método e surprimir redundâncias, resolve (...)”

 

Novamente, observando-se a ata da reunião do Conselho Nacional de Previdência Social, em que aprovada a resolução (15 de fevereiro de 2006), extrai-se:

 

"A proposta do Fator Acidentário foi aprovada como desdobramento da Lei nº 10.666 pelo Conselho Nacional de Previdência Social, em abril de 2004, mediante a Resolução nº 1.236, que apresentou uma metodologia para se implantar tal flexibilização. Assim, a empresa que tivesse índices de sinistralidade abaixo da média do seu setor poderia obter uma redução de até 50% da sua alíquota, e a empresa com sinistralidade acima da média poderia ter inclusive as suas alíquotas dobradas. Durante o período de aprovação pelo CNPS, houve um esforço na Secretaria de Previdência Social, bem como em outros setores do Ministério da Previdência Social, do INSS e da Dataprev para preparar essa flexibilização, visando a sua implementação em 2005, porém, no final de 2004, foi criada a Secretaria da Receita Previdenciária, que, posteriormente, passou a integrar a Receita Federal do Brasil, e o Ministro da Previdência Social foi trocado por três vezes, com a conseqüente troca de Secretários Executivos, o que tornou necessária a rediscussão do projeto com as respectivas autoridades para a obtenção de respaldo. Uma vez que a Receita Previdenciária seria elemento fundamental para se implementarem as alterações, pois se trata de contribuições, as oscilações que envolveram a sua estrutura também prejudicaram a velocidade com que se pretendia implementar as alterações, de modo que não foi possível fazê-lo no ano passado. Houve um seminário internacional em Curitiba, em agosto de 2004, depois do qual foram encomendados pareceres para alguns professores que trataram do tema e analisaram técnica e cientificamente a proposta. Além disso, o Sr. Paulo Rogério, Técnico da Secretaria de Previdência Social, teria apresentado a proposta para o Congresso Mundial de Saúde e Segurança, realizado no ano passado em Orlando, na Flórida, onde discutiu sobre o assunto com várias pessoas.

O Sr. Paulo Rogério discorreu sobre o assunto, dizendo que desde a aprovação da Lei nº 1.236 houve uma intensa discussão com a sociedade e que a metodologia foi respaldada por três pareceres de especialistas em epidemiologia e de um médico especialista em estatística cujas sugestões foram incorporadas no novo anexo em discussão. Após o seminário internacional que ocorreu em Curitiba, o Ministro Amir Lando criou um grupo operacional mediante portaria interministerial, envolvendo os Ministérios da Saúde, do Trabalho e Emprego e da Previdência Social e aproveitando o conhecimento gerado pelo CNPS para introduzi-lo no âmbito da Política Nacional do Trabalhador, que foi referendada pelo Conselho mediante a Resolução nº 253, tendo como um de seus pilares a visão epidemiológica dos dados previdenciários e criando uma relação entre os benefícios previdenciários e os segmentos econômicos. Houve mais de 900 conferências municipais, estaduais e regionais, com uma etapa nacional em Brasília, que referendou a Política Nacional do Trabalhador.

(...)

O Conselheiro Jorge Higashino [representante da CNF] solicitou o envio do material relativo à nova metodologia por meio eletrônico, pois haveria um grupo de trabalho das instituições financeiras que poderia continuar a avaliação e, se possível, apresentar sugestões para aperfeiçoar o processo e evitar penalização excessiva à classe patronal. O Sr. Presidente informou que simulações com a metodologia anterior previam que mais da metade das empresas poderia sofrer redução das alíquotas, pois seriam reenquadradas nos setores de atividades conforme o grau de risco. Antecipou que aproximadamente 60% das empresas terão algum tipo de redução, ou porque o seu nível de risco estará abaixo de outras empresas do seu setor ou porque o seu setor de atividade será reenquadrado, e 40% das empresas sofrerão majoração das suas alíquotas por exibirem índices de acidentalidade acima da média do seu setor ou pelo seu reenquadramento, portanto os impactos financeiros para a Previdência Social serão praticamente inexistentes. O Conselheiro Jorge Higashino lembrou que, na área patronal, o setor de serviços enfrentaria maiores dificuldades para evitar acidentes, devido à alta incidência de tenossinovite.

(...)

O Sr. Presidente submeteu à votação o texto do novo anexo à Resolução nº 1.236, que foi aprovado por todos, sendo a nova proposta redigida nos seguintes termos: (...)”

 

O NTEP foi efetivamente positivado a partir da Medida Provisória 316/2006 (convertida na Lei 11.430/2006), cuja exposição de motivos assinalou (grifos nossos):

 

"5. Uma outra medida proposta diz respeito à presunção de incapacidade acidentária quando for estabelecido nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, considerando-se o ramo de atividade da empresa e a entidade mórbida elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID motivadora da incapacidade, em conformidade com o que dispuser o Regulamento.

6. Atualmente, a caracterização de um benefício como acidentário decorre da emissão da Comunicação de Acidentes do Trabalho – CAT por parte da empresa. Se a empresa comunica o acidente e este gera o afastamento do segurado por mais de 15 dias, o benefício concedido pela Previdência Social é tido como acidentário. Não sendo a CAT emitida, mas havendo a necessidade de afastamento do trabalho, normalmente o benefício é tido como previdenciário (ou comum). Tal classificação é crucial para o trabalhador, tendo em vista os correspondentes efeitos. Sendo o benefício caracterizado como acidentário, durante o afastamento do trabalho o segurado faz jus ao depósito do FGTS e goza de estabilidade de 12 meses após a cessação do auxílio-doença. Sendo o benefício caracterizado como comum, tais direitos não lhe são assegurados.

7. Diante do descumprimento sistemático da regras que determinam a emissão da CAT, e da dificuldade de fiscalização por se tratar de fato individualizado, os trabalhadores acabam prejudicados nos seus direitos, em face da incorreta caracterização de seu benefício. Necessário, pois, que a Previdência Social adote um novo mecanismo de segregue os benefícios acidentários dos comuns, de forma a neutralizar os efeitos da sonegação da CAT.

8. Para atender a tal mister, e por se tratar de presunção, matéria regulada por lei e não por meio de regulamento, está-se presumindo o estabelecimento do nexo entre o trabalho e o agravo, e conseqüentemente o evento será considerado como acidentário, sempre que se verificar nexo técnico epidemiológico entre o ramo de atividade da empresa e a entidade mórbida relacionada na CID motivadora da incapacidade.

9. Essa metodologia está embasada na CID, que se encontra atualmente na 10ª Revisão. Em cada processo de solicitação de benefício por incapacidade junto à Previdência Social, consta obrigatoriamente o registro do diagnóstico (CID-10) identificador do problema de saúde que motivou a solicitação. Esse dado, que é exigido para a concessão de benefício por incapacidade laborativa, independentemente de sua natureza acidentária ou previdenciária, e cujo registro é de responsabilidade do médico que prestou o atendimento ao segurado, estabelece a relação intrínseca entre a incapacidade laboral e à entidade mórbida que a provocou.

10. Assim, denomina-se Nexo Técnico Epidemiológico a relação entre Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e o agrupamento CID-10. É, na verdade, uma medida de associação estatística, que serve como um dos requisitos de causalidade entre um fator (nesse caso, pertencer a um determinado CNAE-classe) e um desfecho de saúde, mediante um agrupamento CID, como diagnóstico clínico. Por meio desse nexo, chega-se à conclusão de que pertencer a um determinado segmento econômico (CNAE-classe) constitui fator de risco para o trabalhador apresentar uma determinada patologia (agrupamento CID-10)."

 

Percebe-se, portanto, que o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário expressa técnica resultante de anos de desenvolvimento, a partir de grupo de trabalho no âmbito do Conselho Nacional de Previdência Social, com base acadêmica e conhecimento (bem como voto favorável) de entidade representativa de instituições financeiras. Não há como afirmar que se trata de medida desprovida de publicidade, que a majoração das alíquotas de SAT do setor bancário foi desamparada de estudo, ou que se tratou de medida repentina "sem possibilidade de contestação pelo setor econômico" (ID 164819013, f. 40).

Veja-se que, analisando o método de funcionamento de tal instituto, é certo que o NTEP pode ocasionar erro na identificação e classificação de eventos como derivados de doença alheia ao trabalho ou acidentários. Sucede que, antes de descuido da Administração, esta é uma circunstância abertamente assumida, desde o princípio, com a sistemática implementada, que se baseia em probabilidade, como visto – pelo que sequer era necessária qualquer perícia para provar tal fato, que permaneceu inconteste nos autos. Daí a necessidade de fixar presunção, relativa, sujeita à contraprova.

O arranjo normativo seria abusivo se fixasse presunção absoluta, ou se demonstrado que, concretamente, o empregador não disporia de meios hábeis para fazer prova em contrário e refutá-la, o que não é o caso.

Destaque-se que a necessidade de mudança da forma de tratamento previdenciário de acidentes de trabalho partiu da observação de que, por mais que a estrutura normativa então existente, formalmente, pudesse gerar resultados fidedignos (comunicação do empregador sobre o acidente de trabalho ou, como plano de contingência, a possibilidade do INSS efetuar perícia específica para identificar a ocorrência de evento acidentário), materialmente o resultado não retratava a realidade, seja pela falta de comunicação do empregador como pela carência estrutural do INSS em promover, em âmbito nacional, perícias individualizadas para cada caso de auxílio-doença.

As técnicas de utilização de presunções legais ou o chamamento do administrado a participar de maneira ativa nos procedimentos de seu interesse para desafogar a atividade administrativa, sabidamente, não são novidade em termos de arcabouço normativo estrito e, inclusive, jurisprudencial, em matéria tributária. Basta pensar, dentre muitos exemplos, no lançamento por homologação, na declaração de compensação – DCOMP (que substituiu o sistema anterior de pedido de compensação, dentre outras razões, justamente para agilizar e racionalizar o procedimento sem necessidade de intervenção inicial do Fisco) ou na presunção de notificação do contribuinte a partir da remesse de carnê do IPTU (Tema Repetitivo 248/STJ).

Deste modo, nem se alegue que a Administração estava adstrita ao arranjo normativo que anteriormente construíra e, portanto, obrigatoriamente deveria munir-se de estrutura de pessoal para assegurar que o INSS atendesse satisfatoriamente ao munus legal no tocante à supervisão da correta remessa de CAT’s. É que, desde que adote via juridicamente válida, está dentro do poder de conveniência e oportunidade do Estado eleger as técnicas pelas quais desempenha as funções públicas que lhe cabem, primando pela eficiência do sistema.

O que poderia eventualmente ser discutido é a consistência do modelo matemático utilizado, no tocante à respectiva capacidade de efetivamente reduzir, de antemão, a chance de equivocadamente estabelecer presunção de nexo causal entre determinadas moléstias e atividades laborais. Note-se, contudo, que se trata de debate que não tem o condão de afastar o cabimento, em si, de estabelecer-se presunção legal para a matéria – ao limite, seria apto a ensejar a mudança da fórmula atualmente em uso, se devidamente demonstrado que reiteradamente gera resultados aberrantes e desconexos com análises individualizadas e casuísticas. Não há provas nos autos a respeito de tal dissociação, contudo – e jamais foi requerido pela interessada investigação de tal sorte, registre-se. Ao contrário, sabe-se que o número de benefícios acidentários aumentou (diga-se, não sendo possível afirmar aprioristicamente tratar-se de consequência exclusiva da presunção estabelecida, dada a possibilidade de contestação pelo empregador).

Ao fim e ao cabo, em julgamento relativamente recente, a Supremo Corte declarou a constitucionalidade do NTEP:

 

ADI 3.931, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe 12/05/2020: "AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 21-A DA LEI N. 8.213/1991 E §§ 3º E 5º A 13 DO ART. 337 DO REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ACIDENTE DE TRABALHO. ESTABELECIMENTO DE NEXO ENTRE O TRABALHO E O AGRAVO PELA CONSTATAÇÃO DE RELEVÂNCIA ESTATÍSTICA ENTRE A ATIVIDADE DA EMPRESA E A DOENÇA. PRESUNÇÃO DA NATUREZA ACIDENTÁRIA DA INCAPACIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA AO INC. XIII DO ART. 5º, AO INC. XXVIII DO ART. 7º, AO INC. I E AO § 1º DO ART. 201 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. 1. É constitucional a previsão legal de presunção de vínculo entre a incapacidade do segurado e suas atividades profissionais quando constatada pela Previdência Social a presença do nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, podendo ser elidida pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social se demonstrada a inexistência. 2. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente."

 

Merecem destaque trechos relevantes dos votos que formaram o entendimento, que prevaleceu no julgado, corroborando o quanto acima exposto:

 

Ministra Cármen Lúcia:

“Castro e Lazzari ensinam que nexo causal é “o vínculo fático que liga o efeito (incapacidade para o trabalho ou morte) à causa (acidente de trabalho ou doença ocupacional)”, decorrente “de uma análise técnica, a ser realizada, obrigatoriamente, por médico perito ou junta médica formada por peritos nessa matéria” (CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 20. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 662).

Embora a falta da Comunicação de Acidentes do Trabalho – CAT, em teoria, não impedisse a constatação da natureza acidentária da incapacidade, na prática a perícia médica conferia peso à sua emissão pelo empregador. Na sua ausência ou quando era emitida pelo segurado ou terceiros, era comum a imposição do ônus probatório do acidente de trabalho sobre o trabalhador, o que acarretava a não caracterização do benefício como acidentário.

(...)

Cláudia Salles Vilela Vianna também assevera que, na sistemática anterior à Lei n. 11.430/2006, os benefícios previdenciários eram muitas vezes erroneamente caracterizados pela inviabilidade de a autarquia previdenciária proceder de fato ao exame do nexo causal em cada caso:

(...)

7. Pelas consequências gravosas que o elevado número de acidentes de trabalho pode importar ao empregador, não há interesse em comunicar à Previdência Social a ocorrência de acidente de trabalho com um dos seus empregados, o que acarretava a subnotificação dos eventos acidentários e, consequentemente, a concessão de benefícios previdenciários acidentários em número inferior ao devido.

Fábio Zambitte Ibrahim tece críticas quanto a esse ponto:

(...)

A presunção de nexo entre o trabalho e o agravo é relativa, não se aplicando se demonstrada sua inexistência. Ademais, pode a empresa ou o empregador doméstico requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, em procedimento administrativo estabelecido pelo art. 337 do Regulamento da Previdência Social, comprovando a ausência de nexo entre o trabalho e o agravo.

(...)

11. Quanto à alegada infringência ao inc. XXVIII do art. 7º e ao inc. I do art. 201 da Constituição da República, as normas impugnadas, longe de ofendê-los, harmonizam-se com esses dispositivos, tornando mais efetiva a proteção do trabalhador contra acidentes de trabalho prevista na Constituição. Como afirmado, antes da vigência da Lei n. 11.430/2006, na ausência da expedição da Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT pelo empregador, era comum atribuir-se ao segurado, a parte hipossuficiente da relação trabalhista, a responsabilidade por demonstrar que a doença que o acometia tinha nexo causal com a atividade desempenhada. Com o advento da nova legislação, esse nexo passou a ser presumido quando constatada relevância estatística no confronto entre a doença e a atividade econômica da empresa. Após a instituição do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP, verificou-se o aumento médio de 225% no total de benefícios previdenciários acidentários, como observa Airton Kwitko, a partir de dados de 2006 a 2008 (KWITKO, Airton. “FAP e NTEP: atualizando.” In Revista de previdência social, v. 32, n. 336, p. 854-862, nov. 2008. p. 856).

É de se anotar que, verificado o nexo epidemiológico entre o trabalho e o agravo, a presunção da natureza acidentária da incapacidade é relativa, podendo ser elidida pela perícia médica do INSS se demonstrada a inexistência (§ 1º do art. 21-A da Lei n. 8.213/1991) e em procedimento administrativo iniciado pela empresa ou pelo empregador doméstico com a finalidade de comprovar o caráter não ocupacional da incapacidade (§ 2º do art. 21-A da Lei n. 8.213/1991).”

 

Ministro Alexandre de Moraes:

“(...) o empregado incapacitado dependia de providência do empregador para o gozo dos benefícios correspondentes. Na prática, não havia interesse do empregador na documentação da ocorrência do acidente de trabalho, em vista de consequências desfavoráveis como a estabilidade provisória do empregado (art. 118 da Lei 8.213/1991) e a obrigatoriedade do recolhimento das parcelas de FGTS correspondentes ao período de afastamento. Essa realidade é referida na própria exposição de motivos da Medida Provisória 316/2006, posteriormente convertida na Lei 11.430/2006, ora questionada (...)

O art. 21-A da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 11.430/2006, regulamentado pelo art. 337 do Decreto 3.048/1999, trata de critérios e procedimentos administrativos para a concessão de benefício previdenciário em caso de acidente de trabalho, em nada alterando os requisitos legais e constitucionais para o gozo desses benefícios. Apenas inverte o ônus probatório para a caracterização da natureza acidentária, permitindo a imediata associação entre a incapacidade do trabalhador e a atividade da empresa, quando fundada em base estatística, facultando-se ao empregador a demonstração de quaisquer circunstância que elidam essa correlação. Ao assim proceder, o legislador adotou critério razoável, pois fundado em evidências científicas da correlação entre atividade econômica e agravo à saúde, conforme aferido previamente pelo próprio INSS, e verificado concretamente em cada perícia médica. E essa correlação, ainda que se admita não ser indício suficiente do nexo de causalidade estrita entre atividade laborativa e incapacidade, gozará de presunção meramente relativa da natureza acidentária do agravo à saúde do trabalhador, admitida prova em contrário (art. 337 do Decreto 3.048/1999). Portanto, tenho que a norma questionada, longe de desvirtuar as previsões constitucionais que fundamentam o pagamento de benefícios previdenciários em razão da ocorrência de acidentes de trabalho, objetiva proporcionar melhor atendimento ao princípio da universalidade de acesso à previdência social (art. 6º c/c art. 194, parágrafo único, I, CF), na medida em que prestigia o interesse do trabalhador incapacitado, já afligido pela limitação física e econômica decorrente do agravo à sua saúde, sem, de outro lado, constranger os interesses do empregador de forma desproporcional ou arbitrária. (...)”

 

Assim, não cabe acolhimento da pretensão relativa ao afastamento da aplicação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário.

Estabelecida a validade do NTEP, enquanto sistemática de presunção legal de evento acidentário, o acervo probatório constante dos autos não ampara a alegação de que o aumento da alíquota imposto às entidades associadas à apelante-autora é indevido.

Por primeiro, é preciso observar que a recorrente ampliou os limites e significado probatório de afirmações específicas do laudo pericial contábil.

Neste sentido, diversamente do sustentado, o expert em nenhum momento afirmou categoricamente que as contribuições vertidas pelos associados da recorrente (à alíquota de 1%) seriam suficientes frente aos custos gerados pelos afastamentos acidentários de seus empregados.

Ilustrativamente (ID 164819016, f. 19/20, grifos nossos):

 

“3. Esclareça a Perícia se pela análise dos comprovantes de fixação do FAP juntados às fls. 498/508 seria possível constatar que a arrecadação do SAT pago por aquelas Empresas, ainda sob a alíquota anterior, superaria os custos incorridos pelo INSS no pagamento dos benefícios previdenciários aos empregados daquelas Empresas? Em caso positivo, é possível afirmar, ainda que para o período indicado, que a arrecadação do SAT foi superior aos custos incorridos pelo INSS, sendo, assim, superavitária?

 

R) Sem adentrar no mérito legal da presente ação, e, para atender única e exclusivamente ao esclarecimento sobre os referidos comprovantes que a Autora apresentou às fls. 496 dos Autos, o quadro resumo por ela preparado, foram elencados 11 (onze) bancos de grande porte, com as respectivas FAP juntados, indicando que o total de benefícios pagos, naquele período é inferior às alíquotas pagas pela SAT antiga de 1% e naturalmente à nova de 3%."

 

Como visto, o perito circunscreveu de maneira específica o alcance da afirmação (precisamente para evitar generalização), sobre dados de 11 bancos selecionados, com recorte temporal inespecífico e determinado pela autora. A autora pretende extrair deste recorte, sabidamente parcial, conclusão genérica para todo o conjunto de entidades envolvidas, abrangendo todo o período imediatamente anterior à modificação de alíquotas de SAT.

Da mesma sorte, o perito contábil jamais “confirmou expressamente que, analisando os documentos acostados aos autos, não há que se falar em desequilíbrio financeiro e atuarial entre a arrecadação de SAT do setor bancário e os benefícios previdenciários pagos aos empregados deste setor”. Este é o trecho do laudo complementar a que se refere tal afirmação da FEBRABAN (ID 164819016, f. 207):

 

“4. Ainda sobre os documentos acostados às fls. 498/508, queira a Perícia esclarecer se quando analisados de forma isolado e absoluta seriam passíveis de afastar eventual desequilíbrio financeiro entre a arrecadação alcançada pelo SAT e os custos no pagamento dos benefícios aos empregados das instituições financeiras.

R) Este Perito entende que por este raciocínio e elementos, naquela ocasião os pagamentos apresentados desses bancos, analisados de forma isolada e absoluta indicam que a arrecadação era superior aos custos pagos dos benefícios dos seus empregados.”

 

Novamente, a recorrente objetiva atribuir à manifestação da perícia conteúdo e alcance que esta não possui. Os dados avaliados pelo perito correspondem à tabulação, pela autora, de informações divulgadas pela Administração a respeito da fixação do FAP, em recorte de período não especificado, restrita a uma amostra de entidades financeiras selecionadas pela autora, parâmetros sob os quais foi exigida afirmação categórica do expert – que novamente, fez ressalva em relação ao escopo de sua resposta. Evidentemente não se trata de base de análise apta a permitir a conclusão categórica de que a modificação de alíquota ocorrida antes do ajuizamento da ação não possuía lastro fático-econômico a justificá-la.

De outra parte, no tocante às alegações de que a ré teria se furtado a apresentar prova necessária para os trabalhos periciais, observa-se da manifestação do perito contábil sobre a questão que este não pediu acesso a banco de dados de pagamentos de benefícios do INSS (ID 164819014, f. 166); quem reputou tais informações como imprescindíveis foi a FEBRABAN. Entrementes, o que a Administração entendeu que não poderia entregar sem ordem judicial (ID 64819014, f. 279) foram registros de guias de recolhimento de FGTS e GFIP’s, em razão de sigilo fiscal de dados de terceiros (empregados), justificativa aceita pelo Juízo e em relação à qual não houve impugnação a tempo e modo pela autora, como lhe cabia para suscitar vício de produção probatória imputável à ré. Descabe, portanto, suscitar tal como questão como vício no momento presente, dada a preclusão da possibilidade de revisão do assunto.

Por outro lado, no tocante a GFIP’s, trata-se de documentos que, ao menos em tese, as próprias entidades associadas da apelante-autora dispunham, e que a recorrente tampouco apresentou, reputando que não se prestam a auxiliar a perícia ora conduzida, porque seriam documentos incompletos e imprecisos (ID 164819014, f. 178/82).

Assim, cabe rechaçar a tese de que a União teria dado causa, desmotivada e exclusivamente, à insuficiência de provas ora aventada.

Paralelamente ao insucesso do contraste pretendido pela FEBRABAN, tampouco prospera a alegação de que não se poderia aplicar retroativamente o NTEP, em períodos passados, para fixação de novas alíquotas de SAT. Em verdade, o aumento de alíquota foi aplicado prospectivamente, a partir da análise de períodos imediatamente pretéritos segundo o novo arcabouço normativo, calcado na utilização do NTEP, segundo metodologia detalhada de clusterização – organização dos CNAE’s segundo desempenho em variáveis de custo, gravidade e frequência de eventos acidentários, atribuindo-se grau de risco leve, moderado ou grave, com correspondente tributação (ID 164819013, f. 135/157). Nada há a impedir que a Administração reveja dados pretéritos a partir de novo método de análise para definir etapas de política pública e tributação futuras. A alegação da recorrente neste tocante pretende impedir o desenvolvimento de novas ferramentas analíticas para estudo de eventos já ocorridos, a evidenciar, com clareza, o desacerto da ilação.

A propósito, a análise administrativa impugnada pela autora (Nota Técnica SPS/DPSO/CGPSI/CGMBI NT 060/2007), juntada aos autos ainda na contestação, é a demonstração concreta do estudo anterior requerido pela legislação (artigo 22, § 3º, da Lei 8.212/1991), conduzido a partir das resoluções do Conselho Nacional de Previdência Social já cotejadas (repise-se, debatidas com a participação da Confederação Nacional Financeira) e que haviam ensejado a majoração da alíquota de SAT do setor bancário.

Neste ponto, o entendimento da recorrente de que o estudo deveria ser distinto (baseado em dados outros, tais como o valor das contribuições vertidas frente ao custo dos benefícios pagos) não tem o condão de negar a existência e desqualificar o trabalho realizado e aderente ao requisito legal. Não cabe ao contribuinte eleger, segundo percepção própria, quais os parâmetros e informações que a Administração deve considerar para promover estudos internos, mas sim apontar que lesões a direito decorrem de eventual equívoco do Poder Público em sua avaliação.  

Com precisão afirmou a ré neste tocante: “Esta é uma metodologia possível, não necessariamente a mesma que o representante dos contribuintes deseja impor. Não foi uma metodologia aleatória, mas elaborada por uma comissão técnica, constituída pelo CNPS - Conselho Nacional de Previdência Social, órgão este composto por representantes do governo, dos trabalhadores e dos empregadores (...)” (ID 16481901, f. 75).

Neste passo extrai-se conclusão central para o deslinde da controvérsia.

É que a pretensão de provar que as entidades bancárias já contribuíam suficientemente para financiar custos/despesas com acidentes de trabalho do setor, conforme dados acidentários então registrados, é, a rigor, inócua e descolada das premissas que ensejaram a modificação do arranjo normativo do tributo.

A premissa adotada pela Administração, com base em estudos acadêmicos, e hoje chancelada nas razões de decidir do julgamento da ADI 3.931 é, justamente, a de que havia subnotificação de acidentes de trabalho por parte dos empregadores, pelo que se percebe desde o princípio a inaptidão do cotejo singelo entre quantitativos de acidentes de trabalho e benefícios concedidos para cotejo analítico da adequação das alíquotas de SAT então existentes.

Em outras palavras, o entendimento da Administração (repita-se, baseado em estudos acadêmicos) é de que, indevidamente, menos benefícios acidentários eram concedidos, sendo em verdade esperado que, diante desta distorção, a contribuição ao SAT de tais empregadores (cuja folha salarial é notoriamente expressiva) superassem custos incorridos pelo Estado. Isso não significa dizer, porém, que os pagamentos anteriores já seriam suficientes no novo modelo, que transfere o ônus de prova da não ocorrência de evento acidentário ao próprio empregador.

O que se observa, portanto, é que a análise empreendida pela União é mais abrangente do que a pretendida pela autora, que desde o princípio equivocou-se em relação às bases que ensejaram a nova regulamentação da matéria, nada obstante já constem destes autos há décadas.

Mais ainda, a pretensão de referibilidade estrita ora pretendida (típicas das taxas), a partir de ilações sobre equilíbrio econômico financeiro e atuarial, jamais foi elemento componente da contribuição em questão, como a própria autora admite ao arguir que setores bancários desde o princípio pagavam mais do que demandavam à Previdência Social (em cenário de subnotificação de acidentes, note-se). Se a estrutura da contribuição fosse sinalagmática, o critério quantitativo da hipótese de incidência não seria derivado da aplicação de alíquota sobre folha salarial e sim a partir de reembolso exato do custo incorrido pela Administração.

Neste ponto, releva observar que o novo arcabouço possui clara articulação parafiscal, como se extrai dos termos expressos do artigo 22, § 3º, da Lei 8.212/1991, que aponta que a variação da alíquota objetiva “estimular investimentos em prevenção de acidentes”. No mesmo sentido, notoriamente, é o funcionamento do FAP (Fator Acidentário Previdenciário), capaz de reduzir ou aumentar a alíquota de cada contribuinte, isoladamente, em função de desempenho próprio em prevenir acidentes de trabalho. Objetiva-se incentivar determinado padrão de conduta dos empregadores, onerando situações tidas por indesejáveis – no caso, descontrole e falta de investimento em prevenção de acidentes de trabalho, sendo de indiscutível plausibilidade e legitimidade o interesse do Estado na matéria.

Há, assim, referibilidade ampla, típica de contribuições.

Tal tipo de arquitetura legal já foi validada pelo Supremo Tribunal Federal em várias oportunidades.

Neste sentido:

 

ADI 5.277, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 25/03/2021: “Ação direta de inconstitucionalidade. Direito Tributário. Princípio da legalidade tributária. Necessidade de análise de cada espécie tributária e de cada caso concreto. Contribuição ao PIS/PASEP e Cofins. Parágrafos 8º a 11 do art. 5º da Lei nº 9.718/98, incluídos pela Lei nº 11.727/08. Venda de álcool, inclusive para fins carburantes. Fixação, pelo Poder Executivo, de coeficientes para reduzir alíquotas dessas contribuições, as quais podem ser alteradas para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização. Presença de função extrafiscal a ser desenvolvida. Anterioridade nonagesimal. Necessidade de observância. 1. A observância do princípio da legalidade tributária é verificada de acordo com cada espécie tributária e à luz de cada caso concreto, sendo certo que não existe ampla e irrestrita liberdade para o legislador realizar diálogo com o regulamento no tocante aos aspectos da regra matriz de incidência tributária. 2. Para que a lei autorize o Poder Executivo a reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, é imprescindível que o valor máximo dessas exações e as condições a serem observadas sejam prescritos em lei em sentido estrito, bem como exista em tais tributos função extrafiscal a ser desenvolvida pelo regulamento autorizado. 3. Os dispositivos impugnados tratam da possibilidade de o Poder Executivo fixar coeficientes para reduzir as alíquotas da contribuição ao PIS/PASEP e da Cofins incidentes sobre a receita bruta auferida na venda de álcool, inclusive, para fins carburantes, alíquotas essas previstas no caput e no § 4º do art. 5º da Lei nº 9.718/98, redação dada pela Lei nº 11.727/08, as quais podem ser alteradas, para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização. A lei estabeleceu os tetos e as condições a serem observados pelo Poder Executivo. Ademais, a medida em tela está intimamente conectada à otimização da função extrafiscal presente nas exações em questão. Verifica-se, ainda, que o diálogo entre a lei tributária e o regulamento se dá em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade. 4. A majoração da contribuição ao PIS/Pasep ou da Cofins por meio de decreto autorizado submete-se à anterioridade nonagesimal prevista no art. 195, § 6º, da CF/88, correspondente a seu art. 150, III, c. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente, conferindo-se interpretação conforme à Constituição Federal aos §§ 8º e 9º do art. 5º da Lei nº 9.718/98, incluídos pela Lei nº 11.727/08, e se estabelecendo que as normas editadas pelo Poder Executivo com base nesses parágrafos devem observar a anterioridade nonagesimal prevista no art. 150, III, c, do texto constitucional."

 

RE 559.937, Rel. p/ acórdão Min. DIAS TOFFOLI, DJe 17/10/2013: “Tributário. Recurso extraordinário. Repercussão geral. PIS/COFINS – importação. Lei nº 10.865/04. Vedação de bis in idem. Não ocorrência. Suporte direto da contribuição do importador (arts. 149, II, e 195, IV, da CF e art. 149, § 2º, III, da CF, acrescido pela EC 33/01). Alíquota específica ou ad valorem. Valor aduaneiro acrescido do valor do ICMS e das próprias contribuições. Inconstitucionalidade. Isonomia. Ausência de afronta. 1. Afastada a alegação de violação da vedação ao bis in idem, com invocação do art. 195, § 4º, da CF. Não há que se falar sobre invalidade da instituição originária e simultânea de contribuições idênticas com fundamento no inciso IV do art. 195, com alíquotas apartadas para fins exclusivos de destinação. 2. Contribuições cuja instituição foi previamente prevista e autorizada, de modo expresso, em um dos incisos do art. 195 da Constituição validamente instituídas por lei ordinária. Precedentes. 3. Inaplicável ao caso o art. 195, § 4º, da Constituição. Não há que se dizer que devessem as contribuições em questão ser necessariamente não-cumulativas. O fato de não se admitir o crédito senão para as empresas sujeitas à apuração do PIS e da COFINS pelo regime não-cumulativo não chega a implicar ofensa à isonomia, de modo a fulminar todo o tributo. A sujeição ao regime do lucro presumido, que implica submissão ao regime cumulativo, é opcional, de modo que não se vislumbra, igualmente, violação do art. 150, II, da CF. 4 Ao dizer que a contribuição ao PIS/PASEP- Importação e a COFINS-Importação poderão ter alíquotas ad valorem e base de cálculo o valor aduaneiro, o constituinte derivado circunscreveu a tal base a respectiva competência. 5. A referência ao valor aduaneiro no art. 149, § 2º, III, a , da CF implicou utilização de expressão com sentido técnico inequívoco, porquanto já era utilizada pela legislação tributária para indicar a base de cálculo do Imposto sobre a Importação. 6. A Lei 10.865/04, ao instituir o PIS/PASEP -Importação e a COFINS -Importação, não alargou propriamente o conceito de valor aduaneiro, de modo que passasse a abranger, para fins de apuração de tais contribuições, outras grandezas nele não contidas. O que fez foi desconsiderar a imposição constitucional de que as contribuições sociais sobre a importação que tenham alíquota ad valorem sejam calculadas com base no valor aduaneiro, extrapolando a norma do art. 149, § 2º, III, a, da Constituição Federal. 7. Não há como equiparar, de modo absoluto, a tributação da importação com a tributação das operações internas. O PIS/PASEP -Importação e a COFINS -Importação incidem sobre operação na qual o contribuinte efetuou despesas com a aquisição do produto importado, enquanto a PIS e a COFINS internas incidem sobre o faturamento ou a receita, conforme o regime. São tributos distintos. 8. O gravame das operações de importação se dá não como concretização do princípio da isonomia, mas como medida de política tributária tendente a evitar que a entrada de produtos desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País, visando, assim, ao equilíbrio da balança comercial. 9. Inconstitucionalidade da seguinte parte do art. 7º, inciso I, da Lei 10.865/04: “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições , por violação do art. 149, § 2º, III, a, da CF, acrescido pela EC 33/01. 10. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”

 

Deste modo, caberia à autora demonstrar, cabalmente, que o método de imputação de alíquotas a cada CNAE é desproporcional, ilícito ou de qualquer forma juridicamente írrito, o que, afinal, não ocorreu. Em relação ao sistema de agrupamento e clusterização utilizado, a ora recorrente apenas pugnou impropriedade de aplicação do NTEP para derivação da base de dados utilizada no algoritmo de distribuição de alíquotas, argumento já superado.

Assim, embora acolhidas as preliminares de nulidade da sentença, é improcedente, no mérito, o apelo da FEBRABAN.

Passando ao exame do recurso da União, este impugnou apenas a condenação em honorários fixada na sentença, que se utilizou de percentual fixo (10%) sobre o valor da causa (R$ 200.000,00, na inicial). Segundo a ré, seria caso de utilizar as faixas de valor do artigo 85, § 3°, do CPC, calculadas sobre o proveito econômico da demanda.

Na espécie, não é possível falar propriamente em condenação, tampouco precisar o proveito econômico obtido (valendo notar que a regra do artigo 292, § 2º, CPC, presta-se ao cálculo do valor da causa, não do proveito econômico ou dos honorários devidos pela parte sucumbente).

Assim, considerando que a alíquota de SAT/FAP de cada contribuinte é passível de revisão periódica, o proveito econômico corresponderia ao menos, à diferença entre alíquota desejada e a prevalecente por força do julgamento, para cada período posterior à imposição dos percentuais contestados na ação a partir do Decreto 6.042/2007 – que foram, inclusive, objeto de depósito nos autos, por cada associada da autora.

Tal dimensionamento permite que a União não se beneficie ad infinitum de parcelas vincendas na fixação de verba advocatícia, e corretamente valora os casos em que instituições bancárias conseguiram lograr diminuição de alíquota (seja pelo FAP ou pelo próprio SAT) durante o longo processamento da ação.

Logo, embora não se possa delimitar com precisão o proveito econômico obtido, é certo que o valor da causa é ainda mais impreciso e meramente estimativo e, assim, não deve prevalecer na medida em que outro parâmetro objetivo se apresente no contexto processual.

Neste sentido específico, é que se deve utilizar, como parâmetro mais próprio do proveito econômico efetivo, o montante dos depósitos realizados nos autos, equivalente à diferença entre as alíquotas de 3% e 1%, conforme informado pela autora (ID 164819160, f. 01), e sobre o qual devem recair os percentuais mínimos para cada faixa de valor do artigo 85, § 3° do CPC, de maneira a sopesar justa, proporcional e validamente a importância da ação e as particularidades da tramitação processual. 

Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo da autora e ao recurso fazendário para reformar a sentença, nos termos supracitados.

É como voto.


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020014-72.2007.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: FEDERACAO BRASILEIRA DE BANCOS, PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, FEDERACAO BRASILEIRA DE BANCOS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

Advogados do(a) APELADO: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O Desembargador Federal Wilson Zauhy:

Pedi vista dos autos para melhor análise do feito.

Conforme consignado pelo eminente Relator:

“Trata-se de dupla apelação à sentença de improcedência de ação ordinária ajuizada objetivando, verbis (ID 164819012):

 

“seja JULGADA PROCEDENTE a presente ação, para que seja reconhecida a inconstitucionalidade e ilegalidade das alterações perpetradas pelo Decreto no 6.042/2007, quando da modificação do Anexo V, lista B do Anexo II e artigo 337 e seus parágrafos, todos do Decreto nº 3.048/99, bem como do artigo 21-A da Lei nº 8.213/91, introduzida pela Lei nº 11.430/06, e seja declarada a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue as Associadas da Autora ao cumprimento de tais dispositivos, mantendo-se as redações originais regulamentares e legais.”

 

Apelou a FEBRABAN, alegando, em síntese, que: (1) a demanda pretende afastar normas que criaram o NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) e impuseram majoração da alíquota de SAT a associados, de 1% para 3%; (2) ao passo em que sob a regência legal anterior (artigo 20 da Lei 8.213/1991) era atribuição da perícia técnica do INSS verificar a existência de nexo efetivo entre doença e atividade desempenhada pelo trabalhador, o Decreto 6.042/2007 passou a presumir que o exercício de determinada atividade laboral aumentaria o risco de variadas moléstias; (3) a perícia médica realizada comprovou a tese inicial de que o NTEP possui falhas e estabelece presunções equivocadas; (4) em que pese a desídia do INSS em apresentar documentação necessária para perícia contábil, “limitando-se a afirmar o caráter sigiloso de tais documentos e a descrever os critérios para o cálculo da contribuição em questão”, o laudo pericial complementar do expert corroborou alegações iniciais no sentido de que “não há qualquer estudo prévio que tenha embasado a necessidade de majoração da alíquota para o setor bancário em razão dos gastos acidentários do setor, bem como que os recolhimentos promovidos pela alíquota de 1% já eram suficientes para custear os gastos acidentários, razão pela qual a majoração para 3% era manifestamente desnecessária”; (5) a sentença é extra petita em relação à primeira pretensão deduzida, no que julgou a possibilidade de aumento da alíquota de SAT por decreto (pois o que se discute é a necessidade especificamente da majoração ocorrida no caso, por falta de demonstração de desequilíbrio financeiro e atuarial com base em estudos, como determina a lei); (6) jamais se aventou a inconstitucionalidade ou ilegalidade do Decreto 6.957/2009, cotejado pela sentença, mas sim do Decreto 6.042/2007, erro da sentença apontado em embargos de declaração, que restaram rejeitados; (7) “a fim de se evitar futura alegação de ofensa ao duplo grau de jurisdição por qualquer das partes do presente feito, nos termos do artigo 5°, LV, da Constituição Federal, a devolução dos autos ao MM. Juízo a quo com a adequada valoração das provas produzidas é medida que se impõe”, sendo que a sentença infringiu, ainda, o artigo 5, XXXVII e LIII, CF, sendo claro o dano de tal nulidade, vez que ambas as partes não lograram acesso a pronunciamento judicial completo e adequado; (8) em paralelo, o sentenciamento é, igualmente, citra petita, pois deixou de analisar a segunda pretensão, relativa ao afastamento do NTEP como critério para enquadrar setores econômicos como de risco leve, médio ou grave de acidentes de trabalho baseado em presunções de correlação entre certas doenças e ambiente de trabalho (bancário, no caso); (9) também esta nulidade impõe o retorno dos autos à origem, conforme jurisprudência da Corte e Superior Tribunal de Justiça; (10) os vícios da sentença ocasionaram a falta de apreciação de acervo probatório produzido ao longo de mais de uma década; (11) o Juízo a quo entendeu que os peritos não alcançaram nenhuma conclusão, o que não corresponde ao conteúdo dos trabalhos periciais, pois o laudo pericial médico concluiu que o NTEP possui falhas e estabelece presunções equivocadas, ao passo em que o laudo estatístico concluiu que a majoração de alíquota de SAT era desnecessária; (12) ao contrário do afirmado pelo Juízo, há farta prova nos autos do direito suscitado; (13) “importante rememorar que a perícia contábil/estatística se baseou apenas em amostragem pelo fato de o INSS ter reiteradamente descumprido as determinações judiciais para juntada de documentos, o que levou o MM. Juizo a determinar que a perícia contábil/estatística fosse realizada com base nos documentos juntados aos autos”; (14) a condução do processo foi contraditória, na medida em que foi consignado que já havia prova suficiente nos autos, para posteriormente ser apontada, em sentença, ausência de prova do direito alegado, contradição não apreciada em embargos declaratórios, constituindo mais um vício a impor nova manifestação do Juízo de origem; (15) no mérito, o INSS foi intimado diversas vezes para indicar onde haviam sido divulgados indicadores de acidentes de trabalho de instituições financeiras, demonstração necessária para averiguar se custos incorridos pela Previdência Social eram superiores à arrecadação via SAT do setor bancário, a justificar o aumento de alíquota promovido, afirmando, em uma das oportunidades, que “não foram divulgados indicadores de frequência, gravidade e custo de acidentes do trabalho entre 1999 e 2007 conforme recomendado pelo CNPS”; (16) “a motivação para a majoração da alíquota deveria ser a demonstração cabal da ocorrência de desequilíbrio financeiro e atuarial no custeio da contribuição ao SAT, e se não foi feita tal demonstração, o ato de classificação em nova categoria de risco significa ato desmotivado da Administração Pública”, ofensivo ao artigo 5º, XXXV, da CF; (17) o princípio da publicidade possui alicerce constitucional (artigo 37) e legal (artigo 80, VII, da lei 8.212/1991) e “obriga que os atos e justificativas sejam do conhecimento público, e sem a divulgação dos dados estatísticos de custo e gravidade não há como se fazer uma verificação da correção do ato de reclassificação do risco”; (18) o desrespeito aos princípios da publicidade e motivação representa abuso de poder regulamentar; (19) em caso idêntico ao presente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a ausência de estudo prévio para justificar reenquadramento do contribuinte caracteriza abuso de poder regulamentar, afastando majoração imposta; (20) o norte da contribuição ao SAT é o equilíbrio financeiro e atuarial, pela natureza securitária da contribuição, conforme previsto nos artigos 7º, XXVIII e 201, CF, de modo que a majoração da arrecadação deve vir justificada na existência de desequilíbrio de tais fatores; (21) “a suficiência dos recolhimentos de SAT divulgados pela própria União, por meio dos quais se percebe que a arrecadação da contribuição ao SAT devida pelos associados da apelante – calculada por meio da alíquota da exação sobre a massa salarial média – em muito supera o total de benefícios pagos pela previdência aos empregados dos associados da apelante”, de modo que “ao desconsiderar os valores recolhidos a título de SAT por cada CNAE, o método de percentis também se mostra impróprio para a definição das alíquotas da sobredita contribuição”; (22) o expert contábil “confirmou expressamente que, analisando os documentos acostados aos autos, não há que se falar em desequilíbrio financeiro e atuarial entre a arrecadação de SAT do setor bancário e os benefícios previdenciários pagos aos empregados deste setor”; (23) conforme publicação do próprio INSS, bancos comerciais ocupam a 328º posição, no total de 560 CNAES, no tocante ao custo com benefícios acidentários, sendo contrassenso que sejam tarifados com a alíquota mais alta existente; (24) embora a perícia tenha analisado dados, por amostragem, estes detém representatividade fidedigna de todo conjunto de dados relacionado; (25) o exercício de competência tributária é diretamente vinculado à verdade material, o que corresponde, no tocante ao SAT, à efetiva ocorrência de acidentes de trabalho, sendo inadmissível a presunção fixada pelo NTEP, que gera prestações acidentárias indevidas e agravamento de carga tributária aos contribuintes; (26) o demonstrativo elaborado pelo INSS para apontar que o sistema anterior (CAT) gerava subnotificação apontou que, ao contrário, utilizando o NTEP haveria menos casos tipificados como acidentes de trabalho em 2001; (27) ainda que o empregador não formalizasse Comunicação de Acidente de Trabalho, o próprio INSS detinha poder para realizar perícia e estabelecer relação acidentária, inexistindo justificativa para concluir que tal sistemática gerava subnotificação; e (28) como destacado no laudo pericial médico, patologias podem decorrer de várias fatores concorrentes, não sendo possível estabelecer conexão automática de que determinada doença acometeu o trabalhador em função da atividade desempenhada.

Por sua vez, apelou a União, arguindo, em suma, que: (1) os honorários advocatícios deveriam ser calculados sobre o proveito econômico da demanda, nos termos do artigo 85, §§ 3º, 5º e 6º, CPC, de modo que é incorreta a aplicação de percentual fixo sobre valor da causa; (2) o proveito econômico obtido pela ré é perfeitamente mensurável, nos termos do artigo 292, §§ 1º e 2º, CPC; (3) o Supremo Tribunal Federal decidiu, em repercussão geral, que o artigo 2º-A da Lei 9.494/1997 é constitucional, de modo que a coisa julgada em ação ordinária coletiva apenas alcança filiados inscritos até a data da propositura da ação e residentes na jurisdição do órgão julgador, segundo relação jurídica juntada à inicial da ação, documento não juntado aos autos; (4) no Tema 82, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido que a previsão estatutária genérica não legitima atuação de associações em Juízo; e (5) o descumprimento de balizas processuais deve conduzir ao indeferimento da petição inicial.

Com contrarrazões recíprocas, subiram os autos.

É o relatório.”

 

Em seu voto, consignou o e. Relator, em síntese:

“DIREITO PROCESSUAL. CIVIL. TRIBUTÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. ILEGITIMIDADE ATIVA. MATÉRIA PRECLUSA. SENTENÇA EXTRA (PRIMEIRA PRETENSÃO) E CITRA PETITA (SEGUNDA PRETENSÃO). EXAME DIRETO EM APELAÇÃO. CAUSA MADURA. SAT. NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO. DECRETO 6.042/2007. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTAS PARA O SETOR BANCÁRIO. EXISTÊNCIA DE ESTUDOS PRÉVIOS. PUBLICIDADE. MODIFICAÇÃO DE ARCABOUÇO NORMATIVO BASEADA EM ANÁLISE FÁTICA, COM BASE CIENTÍFICA. VALIDAÇÃO CONSTITUCIONAL PELA SUPREMA CORTE. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DE VÍCIOS NA IMPUTAÇÃO DE RISCO GRAVE AO SETOR ECONÔMICO. VERBA HONORÁRIA. VALOR DA CAUSA E ESTIMATIVA DE PROVEITO ECONÔMICO. DEPÓSITOS JUDICIAIS DA DIFERENÇA DE TRIBUTAÇÃO. 

1. A questão da ilegitimidade passiva da autora (associação) para ajuizamento de ação coletiva ordinária sem listagem de associados e autorização destes, embora hoje assentada em precedente de repercussão geral, já havia sido apreciada nestes autos, sem recurso da ré. Estabelecido que não cabe interpretar regras processuais em deliberado confronto entre si e que mesmo matérias de ordem pública sujeitam-se à preclusão e condicionantes processuais de procedibilidade da ação ou recurso (AgRg no REsp n. 1.308.859, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 26/10/2012; RemNecCiv 0025897-19.2015.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 12/11/2020), não há como apreciar o assunto neste momento.

2. Uma vez que a ação pretende afastar a majoração de SAT para o setor bancário (sob o entendimento central de que não houve desequilíbrio financeiro e atuarial a ensejar tal modulação) e repelir a aplicabilidade do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, NTEP, é estreme de dúvida a nulidade da sentença, que se omitiu em relação à segunda pretensão (citra petita) e apreciou matéria distinta (extra petita) no tocante ao primeiro pedido (consonância com a Constituição Federal da instituição de alíquotas de SAT diferenciadas por atividade econômica preponderante, e inexistência de ilegalidade na majoração da alíquota do SAT a partir de classificação de CNAE’s). Para ambos os casos, são aplicáveis, conforme jurisprudência, as regras do artigo 1.013, § 3º, II a IV, CPC.

3. O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) foi reconhecido como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.931. Trata-se de técnica resultante de anos de desenvolvimento, a partir de grupo de trabalho no âmbito do Conselho Nacional de Previdência Social, com base acadêmica e conhecimento (bem como voto favorável) de entidade representativa de instituições financeiras. Não há como afirmar que se trata de medida desprovida de publicidade, que a majoração das alíquotas de SAT do setor bancário foi desamparada de estudo, ou que se tratou de medida repentina "sem possibilidade de contestação pelo setor econômico". Analisando o método de funcionamento de tal instituto, é certo que o NTEP pode ocasionar erro na identificação e classificação de eventos como derivados de doença alheia ao trabalho ou acidentários. Sucede que, antes de descuido da Administraçãoesta é circunstância abertamente assumida, desde o princípio, com a sistemática implementada, que se baseia em probabilidade, como visto – pelo que sequer era necessária qualquer perícia para provar tal fato, que permaneceu inconteste nos autos. Daí a necessidade de fixar presunção, relativa, sujeita à contraprova. O que poderia eventualmente ser discutido é a consistência do modelo matemático utilizado, no tocante à respectiva capacidade de efetivamente reduzir, de antemão, a chance de equivocadamente estabelecer presunção de nexo causal entre determinadas moléstias e atividades laborais. Note-se, contudo, que se trata de debate que não tem o condão de afastar o cabimento, em si, da presunção legal para a matéria.

4. Destaque-se que a necessidade de mudança da forma de tratamento previdenciário de acidentes de trabalho partiu da observação de que, por mais que a estrutura normativa então existente, formalmente, pudesse gerar resultados fidedignos (comunicação do empregador sobre o acidente de trabalho ou, como plano de contingência, a possibilidade do INSS efetuar perícia específica para identificar a ocorrência de evento acidentário), materialmente o resultado não retratava a realidade, seja pela falta de comunicação do empregador como pela carência estrutural do INSS em promover, em âmbito nacional, perícias individualizadas para cada caso de auxílio-doença.

5. A pretensão de provar que entidades bancárias já contribuíam suficientemente para financiar custos/despesas com acidentes de trabalho do setor, conforme dados acidentários então registrados, é, a rigor, inócua e descolada das premissas que ensejaram a modificação do arranjo normativo do tributo. Com efeito, a premissa adotada pela Administração, com base em estudos acadêmicos, e hoje chancelada nas razões de decidir do julgamento da ADI 3.931 é, justamente, a de que havia subnotificação de acidentes de trabalho pelos empregadores, pelo que se percebe desde o princípio a inaptidão do cotejo singelo entre quantitativos de acidentes de trabalho e benefícios concedidos para cotejo analítico da adequação das alíquotas de SAT então existentes. Em outras palavras, o entendimento da Administração (repita-se, baseado em estudos acadêmicos) é de que, indevidamente, menos benefícios acidentários eram concedidos, sendo em verdade esperado que, diante desta distorção, a contribuição ao SAT de tais empregadores (cuja folha salarial é notoriamente expressiva) superassem custos incorridos pelo Estado. Isso não significa dizer, porém, que pagamentos anteriores já seriam suficientes no novo modelo, que transfere o ônus de prova da não ocorrência de evento acidentário ao próprio empregador.

6. A pretensão de referibilidade estrita ora pretendida (típicas das taxas), a partir de ilações sobre equilíbrio econômico financeiro e atuarial, jamais foi elemento componente da contribuição em questão, como a própria autora admite ao arguir que setores bancários desde o princípio pagavam mais do que demandavam à Previdência Social (em cenário de subnotificação de acidentes, note-se). Se a estrutura da contribuição fosse sinalagmática, o critério quantitativo da hipótese de incidência não seria derivado da aplicação de alíquota sobre folha salarial e sim a partir de reembolso exato do custo incorrido pela Administração. Neste ponto, releva observar que o novo arcabouço possui clara articulação parafiscal, como se extrai dos termos expressos do artigo 22, § 3º, da Lei 8.212/1991, que aponta que a variação da alíquota objetiva “estimular investimentos em prevenção de acidentes”. No mesmo sentido, notoriamente, é o funcionamento do FAP (Fator Acidentário Previdenciário), capaz de reduzir ou aumentar a alíquota de cada contribuinte, isoladamente, em função do desempenho próprio em prevenir acidentes de trabalho. Objetiva-se incentivar determinado padrão de conduta dos empregadores, onerando situações tidas por indesejáveis – no caso, descontrole e falta de investimento em prevenção de acidentes de trabalho, sendo de indiscutível plausibilidade e legitimidade o interesse do Estado na matéria. Há, assim, referibilidade ampla, típica de contribuições.

7. No caso, não é possível falar propriamente em condenação, tampouco precisar o proveito econômico obtido (valendo notar que a regra do artigo 292, § 2º, CPC, presta-se ao cálculo do valor da causa, não do proveito econômico ou dos honorários devidos pela parte sucumbente). Assim, considerando que a alíquota de SAT/FAP de cada contribuinte é passível de revisão periódica, o proveito econômico corresponderia ao menos, à diferença entre alíquota desejada e a prevalecente por força do julgamento, para cada período posterior à imposição dos percentuais contestados na ação a partir do Decreto 6.042/2007 – que foram, inclusive, objeto de depósito nos autos, por cada associada da autora. Tal dimensionamento permite que a União não se beneficie ad infinitum de parcelas vincendas na fixação de verba advocatícia, e corretamente valora os casos em que instituições bancárias conseguiram lograr diminuição de alíquota (seja pelo FAP ou pelo próprio SAT) durante o longo processamento da ação. Logo, embora não se possa delimitar com precisão o proveito econômico obtido, é certo que o valor da causa é ainda mais impreciso e meramente estimativo e, assim, não deve prevalecer na medida em que outro parâmetro objetivo se apresente no contexto processual. Neste sentido específico, é que se deve utilizar, como parâmetro mais próprio do proveito econômico efetivo, o montante dos depósitos realizados nos autos, equivalente à diferença entre as alíquotas de 3% e 1%, conforme informado pela autora, e sobre o qual devem recair os percentuais mínimos para cada faixa de valor do artigo 85, § 3° do CPC, de maneira a sopesar justa, proporcional e validamente a importância da ação e as particularidades da tramitação processual. 

8. Apelações parcialmente providas.”

 

Observo o seguinte.

Inicialmente, quanto à legitimidade da autora, tendo sido a questão decidida em saneador e não havendo recurso da União, de fato “há preclusão pro judicato (a matéria já foi decidida), lógica (a União não recorreu da rejeição do argumento), consumativa (a matéria já foi suscitada) e temporal (não houve recurso no prazo legal)”.

De outro lado, deixando a autora expresso na inicial que não discutia a legalidade ou constitucionalidade do SAT ou do Decreto 6.957/09 e não tendo a sentença apreciado a alegação relativa ao NTEP, de fato verifica-se que a sentença foi extra petita naquele tema e citra petita neste segundo. Não há impedimento ao julgamento do mérito diretamente neste Tribunal, conforme art. 1.013 do CPC.

Com relação ao mérito, adoto a fundamentação utilizada pelo e. Relator, inclusive em razão de o STF ter decidido na ADI 3.931: “É constitucional a previsão legal de presunção de vínculo entre a incapacidade do segurado e suas atividades profissionais quando constatada pela Previdência Social a presença do nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, podendo ser elidida pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social se demonstrada a inexistência.”

Correta também a fundamentação no sentido de que “tampouco prospera a alegação de que não se poderia aplicar retroativamente o NTEP, em períodos passados, para fixação de novas alíquotas de SAT” pois “o aumento de alíquota foi aplicado prospectivamente, a partir da análise de períodos imediatamente pretéritos segundo o novo arcabouço normativo, calcado na utilização do NTEP”.

 

Com relação à alegação de inexistência de divulgação dos dados estatísticos e as conclusões a que chegou o perito, a questão foi detidamente analisada pelo e. Relator a partir da explicação sobre a metodologia do NTEP e a adoção da presunção relativa no que tange aos acidentes, não sendo objeto do feito a consistência do modelo matemático adotado, nem tendo o perito afirmado a suficiência das contribuições recolhidas anteriormente. Destacou também o e. Relator que: “De outra parte, no tocante às alegações de que a ré teria se furtado a apresentar prova necessária para os trabalhos periciais, observa-se da manifestação do perito contábil sobre a questão que este não pediu acesso a banco de dados de pagamentos de benefícios do INSS (ID 164819014, f. 166); quem reputou tais informações como imprescindíveis foi a FEBRABAN. Entrementes, o que a Administração entendeu que não poderia entregar sem ordem judicial (ID 64819014, f. 279) foram registros de guias de recolhimento de FGTS e GFIP’s, em razão de sigilo fiscal de dados de terceiros (empregados), justificativa aceita pelo Juízo e em relação à qual não houve impugnação a tempo e modo pela autora, como lhe cabia para suscitar vício de produção probatória imputável à ré. Descabe, portanto, suscitar tal como questão como vício no momento presente, dada a preclusão da possibilidade de revisão do assunto”. E ainda: “A premissa adotada pela Administração, com base em estudos acadêmicos, e hoje chancelada nas razões de decidir do julgamento da ADI 3.931 é, justamente, a de que havia subnotificação de acidentes de trabalho por parte dos empregadores, pelo que se percebe desde o princípio a inaptidão do cotejo singelo entre quantitativos de acidentes de trabalho e benefícios concedidos para cotejo analítico da adequação das alíquotas de SAT então existentes.”

 

Desse modo, entendo correta a conclusão do e. Relator pela improcedência do pedido da autora.

 

Ante o exposto, ACOMPANHO o voto do e. Relator.

É o voto.

Autos n. 0020014-72.2007.4.03.6100

 

 

Egrégia Turma, 

 

Em seu d. voto, ao tratar da questão da "legitimidade ativa para a causa, o e. relator admite que "o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, assentou que, em se tratando de ação coletiva de rito ordinário, as associações (tal como é a FEBRABAN, ID 164819012, f. 33) atuam como representantes de seus associados (e não em substituição processual), razão pela qual é exigível que apresentem autorização assemblear e listagem de associados, como documentos anexos à petição inicial, para aferição da respectiva legitimidade processual e alcance da coisa julgada", o que não ocorreu.

Mesmo assim, Sua Excelência deixa de pronunciar-se a respeito da matéria, ao fundamento de que teria ocorrido, "in casu", preclusão.

Ocorre que, cuidando-se de matéria de ordem pública, não há preclusão da matéria para o tribunal, que pode, de ofício ou mediante provocação, rever decisão da instância singular, ainda que não recorrida. 

O caso seria, portanto, de examinar-se tal matéria e, fazendo-o, propor-se-ia a conversão do julgamento em diligência ao fim de determinar a regularização da falta.

Todavia, atento ao princípio da primazia do julgamento do mérito e ao fato de que, no tocante a este, o voto do e. relator é favorável à parte ré, acompanho-o apenas com a ressalva "supra".

É como voto. 

 

Nelton dos Santos

Desembargador Federal

 


E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL. CIVIL. TRIBUTÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. ILEGITIMIDADE ATIVA. MATÉRIA PRECLUSA. SENTENÇA EXTRA (PRIMEIRA PRETENSÃO) E CITRA PETITA (SEGUNDA PRETENSÃO). EXAME DIRETO EM APELAÇÃO. CAUSA MADURA. SAT. NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO. DECRETO 6.042/2007. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTAS PARA O SETOR BANCÁRIO. EXISTÊNCIA DE ESTUDOS PRÉVIOS. PUBLICIDADE. MODIFICAÇÃO DE ARCABOUÇO NORMATIVO BASEADA EM ANÁLISE FÁTICA, COM BASE CIENTÍFICA. VALIDAÇÃO CONSTITUCIONAL PELA SUPREMA CORTE. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DE VÍCIOS NA IMPUTAÇÃO DE RISCO GRAVE AO SETOR ECONÔMICO. VERBA HONORÁRIA. VALOR DA CAUSA E ESTIMATIVA DE PROVEITO ECONÔMICO. DEPÓSITOS JUDICIAIS DA DIFERENÇA DE TRIBUTAÇÃO. 

1. A questão da ilegitimidade passiva da autora (associação) para ajuizamento de ação coletiva ordinária sem listagem de associados e autorização destes, embora hoje assentada em precedente de repercussão geral, já havia sido apreciada nestes autos, sem recurso da ré. Estabelecido que não cabe interpretar regras processuais em deliberado confronto entre si e que mesmo matérias de ordem pública sujeitam-se à preclusão e condicionantes processuais de procedibilidade da ação ou recurso (AgRg no REsp n. 1.308.859, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 26/10/2012; RemNecCiv 0025897-19.2015.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 12/11/2020), não há como apreciar o assunto neste momento.

2. Uma vez que a ação pretende afastar a majoração de SAT para o setor bancário (sob o entendimento central de que não houve desequilíbrio financeiro e atuarial a ensejar tal modulação) e repelir a aplicabilidade do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, NTEP, é estreme de dúvida a nulidade da sentença, que se omitiu em relação à segunda pretensão (citra petita) e apreciou matéria distinta (extra petita) no tocante ao primeiro pedido (consonância com a Constituição Federal da instituição de alíquotas de SAT diferenciadas por atividade econômica preponderante, e inexistência de ilegalidade na majoração da alíquota do SAT a partir de classificação de CNAE’s). Para ambos os casos, são aplicáveis, conforme jurisprudência, as regras do artigo 1.013, § 3º, II a IV, CPC.

3. O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) foi reconhecido como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.931. Trata-se de técnica resultante de anos de desenvolvimento, a partir de grupo de trabalho no âmbito do Conselho Nacional de Previdência Social, com base acadêmica e conhecimento (bem como voto favorável) de entidade representativa de instituições financeiras. Não há como afirmar que se trata de medida desprovida de publicidade, que a majoração das alíquotas de SAT do setor bancário foi desamparada de estudo, ou que se tratou de medida repentina "sem possibilidade de contestação pelo setor econômico". Analisando o método de funcionamento de tal instituto, é certo que o NTEP pode ocasionar erro na identificação e classificação de eventos como derivados de doença alheia ao trabalho ou acidentários. Sucede que, antes de descuido da Administração, esta é circunstância abertamente assumida, desde o princípio, com a sistemática implementada, que se baseia em probabilidade, como visto – pelo que sequer era necessária qualquer perícia para provar tal fato, que permaneceu inconteste nos autos. Daí a necessidade de fixar presunção, relativa, sujeita à contraprova. O que poderia eventualmente ser discutido é a consistência do modelo matemático utilizado, no tocante à respectiva capacidade de efetivamente reduzir, de antemão, a chance de equivocadamente estabelecer presunção de nexo causal entre determinadas moléstias e atividades laborais. Note-se, contudo, que se trata de debate que não tem o condão de afastar o cabimento, em si, da presunção legal para a matéria.

4. Destaque-se que a necessidade de mudança da forma de tratamento previdenciário de acidentes de trabalho partiu da observação de que, por mais que a estrutura normativa então existente, formalmente, pudesse gerar resultados fidedignos (comunicação do empregador sobre o acidente de trabalho ou, como plano de contingência, a possibilidade do INSS efetuar perícia específica para identificar a ocorrência de evento acidentário), materialmente o resultado não retratava a realidade, seja pela falta de comunicação do empregador como pela carência estrutural do INSS em promover, em âmbito nacional, perícias individualizadas para cada caso de auxílio-doença.

5. A pretensão de provar que entidades bancárias já contribuíam suficientemente para financiar custos/despesas com acidentes de trabalho do setor, conforme dados acidentários então registrados, é, a rigor, inócua e descolada das premissas que ensejaram a modificação do arranjo normativo do tributo. Com efeito, a premissa adotada pela Administração, com base em estudos acadêmicos, e hoje chancelada nas razões de decidir do julgamento da ADI 3.931 é, justamente, a de que havia subnotificação de acidentes de trabalho pelos empregadores, pelo que se percebe desde o princípio a inaptidão do cotejo singelo entre quantitativos de acidentes de trabalho e benefícios concedidos para cotejo analítico da adequação das alíquotas de SAT então existentes. Em outras palavras, o entendimento da Administração (repita-se, baseado em estudos acadêmicos) é de que, indevidamente, menos benefícios acidentários eram concedidos, sendo em verdade esperado que, diante desta distorção, a contribuição ao SAT de tais empregadores (cuja folha salarial é notoriamente expressiva) superassem custos incorridos pelo Estado. Isso não significa dizer, porém, que pagamentos anteriores já seriam suficientes no novo modelo, que transfere o ônus de prova da não ocorrência de evento acidentário ao próprio empregador.

6. A pretensão de referibilidade estrita ora pretendida (típicas das taxas), a partir de ilações sobre equilíbrio econômico financeiro e atuarial, jamais foi elemento componente da contribuição em questão, como a própria autora admite ao arguir que setores bancários desde o princípio pagavam mais do que demandavam à Previdência Social (em cenário de subnotificação de acidentes, note-se). Se a estrutura da contribuição fosse sinalagmática, o critério quantitativo da hipótese de incidência não seria derivado da aplicação de alíquota sobre folha salarial e sim a partir de reembolso exato do custo incorrido pela Administração. Neste ponto, releva observar que o novo arcabouço possui clara articulação parafiscal, como se extrai dos termos expressos do artigo 22, § 3º, da Lei 8.212/1991, que aponta que a variação da alíquota objetiva “estimular investimentos em prevenção de acidentes”. No mesmo sentido, notoriamente, é o funcionamento do FAP (Fator Acidentário Previdenciário), capaz de reduzir ou aumentar a alíquota de cada contribuinte, isoladamente, em função do desempenho próprio em prevenir acidentes de trabalho. Objetiva-se incentivar determinado padrão de conduta dos empregadores, onerando situações tidas por indesejáveis – no caso, descontrole e falta de investimento em prevenção de acidentes de trabalho, sendo de indiscutível plausibilidade e legitimidade o interesse do Estado na matéria. Há, assim, referibilidade ampla, típica de contribuições.

7. No caso, não é possível falar propriamente em condenação, tampouco precisar o proveito econômico obtido (valendo notar que a regra do artigo 292, § 2º, CPC, presta-se ao cálculo do valor da causa, não do proveito econômico ou dos honorários devidos pela parte sucumbente). Assim, considerando que a alíquota de SAT/FAP de cada contribuinte é passível de revisão periódica, o proveito econômico corresponderia ao menos, à diferença entre alíquota desejada e a prevalecente por força do julgamento, para cada período posterior à imposição dos percentuais contestados na ação a partir do Decreto 6.042/2007 – que foram, inclusive, objeto de depósito nos autos, por cada associada da autora. Tal dimensionamento permite que a União não se beneficie ad infinitum de parcelas vincendas na fixação de verba advocatícia, e corretamente valora os casos em que instituições bancárias conseguiram lograr diminuição de alíquota (seja pelo FAP ou pelo próprio SAT) durante o longo processamento da ação. Logo, embora não se possa delimitar com precisão o proveito econômico obtido, é certo que o valor da causa é ainda mais impreciso e meramente estimativo e, assim, não deve prevalecer na medida em que outro parâmetro objetivo se apresente no contexto processual. Neste sentido específico, é que se deve utilizar, como parâmetro mais próprio do proveito econômico efetivo, o montante dos depósitos realizados nos autos, equivalente à diferença entre as alíquotas de 3% e 1%, conforme informado pela autora, e sobre o qual devem recair os percentuais mínimos para cada faixa de valor do artigo 85, § 3° do CPC, de maneira a sopesar justa, proporcional e validamente a importância da ação e as particularidades da tramitação processual. 

8. Apelações parcialmente providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao apelo da autora e ao recurso fazendário para reformar a sentença, nos termos do voto do senhor Desembargador Federal Carlos Muta (relator), acompanhado pelo voto do senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos, com ressalva, e pelo voto-vista do senhor Desembargador Federal Wilson Zauhy, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.